Extinguiu-se a vida do Patriarca da Literatura Ibero-americana: Gabriel García Márquez (1927-2014). Considero ele, depois de Cervantes e ao lado de Borges e Astúrias, uma das cimeiras da língua castelhana. Em sua homenagem, publico aqui ensaio que apareceu no meu livro intitulado: A análise do Patrimonialismo através da Literatura Latino-americana - O Estado gerido como bem familiar (Rio de Janeiro: Documenta Histórica / Instituto Liberal, 2008, 263 p.
A história, na
vida das Nações, possui uma lógica interna, uma espécie de DNA que a
caracteriza, que é como que a sua marca registrada. Tentar compreender esses
fios escondidos na evolução dos povos não é tarefa fácil. Geralmente
encontramos grosseiras generalizações, que não levam em consideração essas raízes
ocultas. É de François Guizot (1787-1874) a idéia de que escrever a história de
uma Nação implica num esforço adicional para compreender os seus valores
essenciais. É isso que ele denomina de “História da Civilização”, sendo um
exemplo primoroso dessa tarefa a sua obra clássica intitulada História da
civilização européia desde a queda do Império Romano até a Revolução Francesa. [1]
Quem quiser estudar em profundidade as características identificadoras do papel
da França na Europa, não pode se furtar ao estudo dessa obra. Aliás, pensadores
sociais os mais variados desse século, de Tocqueville (1805-1859) a Karl Marx
(1818-1883), inspiraram-se nas categorias com que Guizot identificou os traços
essenciais da história francesa.
À luz desse
princípio filosófico poderíamos nos perguntar, hoje, pelo DNA da onda
populista que assoberba à América Latina. Sem dúvida que deveríamos mergulhar
nas raízes históricas da formação destes países. Ora, nesse contexto, o estudo
da forma patrimonialista em que na América Latina vingaram os Estados
Nacionais, ao longo do século XIX, é de capital importância para compreender a
atual evolução destes povos. Particularmente, no caso venezuelano, a tentativa
de compreender o fenômeno Hugo Chávez situa-se nesse contexto, mais especificamente
no conhecimento do modo ditatorial de fazer política, que os antepassados
políticos formataram nesse país. Não há dúvida de que a figura que deu ensejo à
forma particular de exercício unipessoal do poder, num contexto despótico em
que o General-Presidente era uma espécie de “dono da Nação”, fanfarrão, loquaz,
irreverente, foi Juan Vicente Gómez (1857-1935).
Dois caminhos
apresentam-se, hoje, ao estudioso dos costumes políticos: observar a prática
destes na biografia das pessoas ou nos ensaios sobre comportamento político, ou
ilustra-los no contexto dos valores que animam a essa “antropologia das
antropologias”, [2] que é a
literatura. Sem pretender negar o valor do primeiro tipo de abordagem, que
muito valorizo em autores como o próprio Guizot ou Tocqueville, tentarei,
nestas páginas, de ilustrar a figura do Ditador venezuelano à luz da narrativa
contemporânea, levando em consideração que importante obra foi nele inspirada.
Trata-se de O Outono do Patriarca (1975) de García Márquez que se
refere, em primeira instância, a este Ditador venezuelano, mas que é,
paralelamente também, uma metáfora aplicável a outros Ditadores ibéricos e
ibero-americanos. O seu alcance simbólico é universal. O que não inviabiliza a
original inspiração do Prêmio Nobel colombiano no mencionado governante. Boa
parte da confusão neste terreno foi ensejada pelo próprio García Márquez que,
em sucessivas entrevistas logo após a primeira edição da obra, referiu-se às
pesquisas que fez na Espanha franquista, na procura da imagem ideal do Ditador.
Mas, em 1982, sete anos após a publicação do romance, o escritor revelou, em
entrevista ao ensaísta Plínio Apuleyo Mendoza, o peso que a figura de Juan
Vicente Gómez exerceu na criação do personagem central da obra. Eis as palavras
do escritor colombiano:
A minha intenção
foi, sempre, de fazer uma síntese de todos os ditadores latino-americanos, mas
especialmente do Caribe. Contudo, a personalidade de Juan Vicente Gómez era tão
importante e, além disso, exercia sobre mim uma fascinação tão intensa que, sem
dúvida, o Patriarca tem dele muito mais do que de qualquer outro. De qualquer
forma, a imagem mental que tenho de ambos é a mesma. O que não quer dizer,
evidentemente, que ele seja o personagem do livro, mas uma idealização de sua
imagem.[3]
Em decorrência
deste fato, vale a pena identificar, mesmo que sumariamente, alguns traços
biográficos do Ditador venezuelano. Juan Vicente Gómez nasceu na fazenda La Mulera (Estado Táchira, nos Andes
venezuelanos) no dia 24 de julho de 1857 e morreu em Maracay (Estado Arauca),
em 17 de dezembro de 1935. Foi chefe militar, homem de Estado e Presidente da
República durante 27 anos, entre 1908 e 1935. Coube a general Juan Vicente
Gómez superar, à maneira de Juan Manuel Rosas (1793-1877), na Argentina, ou de
Getúlio Vargas (1883-1954), no Brasil, a longa série de Presidentes
representantes das oligarquias liberal e conservadora, que na Venezuela tinham
abocanhado o poder após as guerras de Independência, ao longo do século XIX.
Gómez realizou a unidade venezuelana, se sobrepondo aos demais caudilhos. A
forma de efetivar essa unidade foi a da privatização total do poder por parte
dele, mediante a intimidação pelas armas, pois Gómez utilizou, na sua tentativa
unitarista, a profissionalização das Forças Armadas, postas a serviço da sua
proposta reformadora.
Juan Vicente realizou a unificação física do país mediante a
construção de estradas que passaram a unir as dispersas e incomunicáveis
províncias. O sociólogo Ramón J. Velásquez identificou assim essa situação, do
ângulo econômico:
As características dessa economia, bem como o isolamento
entre as diversas regiões, mantinham uma espécie de realidade geoeconômica que
se refletia no político e no cultural, a divisão da Venezuela em quatro regiões
realmente autárquicas: a região centro-ocidental (antiga Província de Caracas
ou primitiva Província de Venezuela), a região ocidental integrada pelos
Estados andinos, Barinas e El Zulia; a região oriental ou antiga Província de
Nueva Andalucía (Sucre, Monagas, Anzoátegui e Nueva Esparta) e a Província de
Guayana, cuja economia era essencialmente diferente da praticada nas três zonas
assinaladas anteriormente. As cidades e povoados de cada uma dessas Províncias
estavam também isolados entre si, pois os caminhos eram os mesmos do período
colonial e montanhas abruptas, rios caudalosos, florestas impenetráveis e
desertas planícies sem fim marcavam a separação das quatro Venezuelas. (...) As
Províncias (...) foram consideradas pela Metrópole até 1777 como corpos
independentes uns dos outros e viveram abandonadas da mão do Governo, dispersos
os seus habitantes nas solidões de um imenso território, sem nenhuma espécie de
comunicação entre si, alheios à influência do ouro e do luxo, diferentemente do
que ocorria nos Vice-reinados (...). O sentimento regionalista ganhou, por
essas razões, mais força na alma popular, e para isso contribuía, também, a
débil autoridade conferida pelas leis ao Capitão Geral e aos Governadores
Provinciais (...).[4]
Parece, ao ler estas linhas, como se estivéssemos seguindo as
páginas de Oliveira Vianna acerca da dispersão humana na hinterlândia
brasileira, descrita em Populações Meridionais do Brasil.[5]
É
evidente que nesse contexto de atomização física e populacional só uma grande
figura conseguiria liderar um processo de integração nacional. A personalidade
de líder de Juan Vicente Gómez certamente adequou-se a essa exigência
histórica. Gómez foi um definido soberano patrimonialista, aquele que alargou a
sua dominação doméstica sobre territórios e gentes fora do seu domínio
familiar, e passou a administra-lo tudo como se fosse a sua propriedade
patrimonial. Típico processo de privatização do poder por uma autoridade
patriarcal. Não precisou tomar emprestado esse modelo de ninguém: era o que se
praticava nas dispersas Províncias venezuelanas, notadamente no conservador
Estado del Táchira, sua terra natal. A diferença residia em que Gómez tinha uma
proposta modernizadora em face do familismo reinante: queria fazer da Venezuela
um país unitário, inspirado, sem dúvida, nas idéias do Libertador Simon
Bolívar, que morreu sem conseguir consolidar a unidade da Pátria por ele
almejada, a Grã Colômbia. O líder não deixava de recordar, a propósito do
Libertador, que ele nasceu no dia e no mês do seu nascimento; os fiéis seguidores
de Gómez cuidaram, de outro lado, de que a morte do líder fosse registrada como
tendo ocorrido no mesmo dia e mês do falecimento de Bolívar...
Ramón J.
Velásquez traça um quadro bastante claro dessas circunstâncias sociopolíticas
que rodearam a formação e a ação política de Juan Vicente Gómez:
Dentro desse
sistema de vida caracterizado pela estabilidade das hierarquias econômicas e
sociais, a condição de dono da terra mantida e acrescentada ao longo de lustros
criava, na comunidade, um sentimento preponderante de respeito e obediência ao
grupo privilegiado dos proprietários. Atitude coletiva que se refletia na norma
inquebrantável de obedecer sem réplica às ordens do clérigo, ao conselho do
ancião rico (espécie de sacerdote leigo) e ao mandato inapelável da autoridade
local. Dentro desse tradicional sistema de vida era poderosa a influência da
Igreja Católica, diferentemente do que ocorreu no Oriente e nas Planícies. De
outro lado, a escola primária, de forma semelhante ao que ocorreu no resto da
Venezuela, não existiu nas aldeias do Táchira. Como também acontecia em terras
de Coro e de Guayana, permaneciam, no meio camponês, velhas crendices e lendas
de fantasmas e feitiços, e imperavam o curandeiro e o bruxo que, am aliança com
os santos e santas da Igreja salvavam o corpo e a alma dos aldeões. Expressão
desse mundo é Juan Vicente Gómez que, pelo seu nascimento, inseriu-se na classe
dos latifundiários tachirenses, pois a fazenda La Mulera pertenceu à sua
família paterna (...) desde oitenta anos antes do seu nascimento. Gómez
conservou, nos seus tempos de ditador, os hábitos da época de fazendeiro e, da
mesma forma que manteve inalterada até o final da vida a sua dieta alimentícia,
também aplicou ao governo da República simples métodos de administração rural,
que conhecia e utilizava de forma eficiente. A comparação do governo da
República com o manejo de uma fazenda é sua e a expôs no Congresso Nacional,
reunido na sua fazenda El Trompillo, na oportunidade da crise política
de 1929 e, no contexto desse sistema, encontrou normas elementares que aplicou
como fórmulas permanentes na política fiscal, nas relações internacionais e no
controle dos passos dos seus colaboradores nas tarefas de governo. Produto de
uma época em que o rigor e a ameaça presidiam a caminhada do homem a partir dos
seus primeiros anos, tanto no lar como na escola, não estranha que Juan Vicente
Gómez considerasse o castigo como parte essencial na arte do governo. [6]
Embora Juan
Vicente Gómez tivesse conseguido realizar a unificação política e
administrativa da Venezuela, como ficou salientado nas páginas anteriores,
fê-lo, contudo, no marco do mais rigoroso patrimonialismo. Efetivamente, o
general transformou-se, no seu longo ciclo à frente do poder, no maior
latifundiário da Venezuela, abrigou a inúmeros familiares seus, muito bem
remunerados, na burocracia estatal, pôs todo o seu empenho em destruir
quaisquer concorrentes, utilizando os meios mais brutais, como assassinatos,
torturas e seqüestros, inviabilizou, de modo sistemático, o papel da imprensa
livre e fez girar a próspera economia (que começava a lucrar com os benéficos
preços da exploração petroleira), ao redor da sua figura, que se constituiu
numa espécie de alfândega personalizada, tendo tido ganhos imensos em
decorrência desse sistema de privatização dos tributos em benefício próprio.
Como não se
trata, aqui, de realizar uma análise historiográfica detalhada da gestão de
Juan Vicente Gómez, mas de ressaltar, apenas, as suas características mais
marcantes como governante patrimonialista, completarei esta descrição com mais
um dado, já do ângulo da sua cultura pessoal. Ramón J. Velásquez insiste na
característica de monólogo de que se revestiam todas as entrevistas dadas pelo
Ditador. Uma característica que não foi privativa dele, mas que é encontradiça,
também, em outros caudilhos latino-americanos. Lembremos rapidamente da figura
de Leonel Brizola (1922-2004), cujo estilo personalista o levava a
intermináveis monólogos com os seus mais variados interlocutores, utilizando o
seu grande poder de comunicador. Lembremos, outrossim, a figura de Fidel
Castro, ou a do próprio Hugo Chávez, com essa tendência narcisista a pronunciar
discursos pantagruêlicos. García Márquez representou genialmente essa feição do
caráter caudilhista de Juan Vicente Gómez, adotando no seu romance o estilo
joyciano de corrente de consciência, que dá a sensação de uma torrente
de palavras. Não é essa, aliás, a feição marcante do estilo de Juan
Vicente? Apenas um parágrafo de uma das suas intermináveis entrevistas em que,
para variar, falava de si. Preservarei a citação em espanhol, para que se
aprecie melhor a força das palavras, que apelam, sempre, para um estoicismo
telúrico, fonte de vitalidade e de poder:
(...) Yo me levantaba antes que los pajaritos allá
en “La Mulera”. Me levantaba cuando todo
estaba oscuro y cuando ya amanecía había revisado los potreros, había visto el
ganado y los peones habían tomado el café y se habían ido para las sementeras.
Después de esa madrugada, cuando comienza a calentar el sol, uno tiene hambre.
Y yo me iba a desayunar, porque nunca me ha gustado el aguardiente porque el
aguardiente es la perdición, vea lo que le pasó a Eustaquio el año 7 en Caracas
que por andar con Isaías Nieto, con Milton y con Tarazona bebiendo aquardiente
en los botiquines de Puente Hierro mató al Gobernador Mata Illas. Pues sí
señor, como le decía antes, después de la primera jornada que empezaba con la
madrugada me iba a desayunar. Usted conoce esos desayunos, esos que los del
Centro que los centranos llaman desayunos andinos que son como un almuerzo.
Pero es que yo he creído que para poder seguir enfrentando el trabajo toda la
mañana hay que estar fuerte y que uno no come por gula sino para estar fuerte.
Yo he llegado a donde he llegado he sido militar de campañas, Presidente de la
República, Jefe del Ejército y Dictador como dicen mis enemigos y nunca he
dejado esas costumbres de la comida, del sueño, de la vigilancia de los hijos,
de los hermanos y de los subalternos como lo aprendí en el Táchira desde muy tierno
cuando no me había salido todavía el bozo. Y el trabajo y la disciplina, estar
siempre sobre el burro es lo que da mando y después se preguntan por qué manda
uno y por qué dura uno en el mando. Pues por eso mismo porque está sobre el
burro y no anda probando comidas raras ni licores peligrosos ni enredado a toda
hora con mujeres, sino que las pone en su puesto. Sí señor todo esto que le
digo es la verdad y ninguno de mis
amigos ni de mis enemigos que antes fueron mis amigos me puede desdecir (...).[7]
Antes de terminar este preâmbulo, demos uma rápida
olhada para os elementos fundamentais do Patrimonialismo, a fim de
identifica-los na leitura do romance de García Márquez. Dentre as
características essenciais dessa forma de organização política, estudada por
Max Weber (1846-1920) em Economia e Sociedade[8]
e por Karl Wittfogel (1896-1988) em O despotismo oriental, [9]
sobressaem:
a)
Trata-se de Estados mais fortes do que a Sociedade.
b)
O Estado configura-se não a partir da negociação entre
as classes em pugna pela posse do poder (porquanto essas Sociedades não se
diversificaram em núcleos de interesses claramente diferenciados, ao contrário
das provenientes do mundo feudal).
c)
O Estado surge a partir da hipertrofia de um poder
patriarcal original, que alarga a sua dominação doméstica sobre territórios,
pessoas e coisas extrapatrimoniais, passando a administrá-los como propriedade
familiar (patrimonial).
d)
O Estado não constitui, propriamente, uma instância
pública, projetada para o bem-estar dos cidadãos. O aparelho estatal tende a
ser privatizado em benefício dos governantes, do estamento burocrático e dos
segmentos sociais cooptados por eles.
e)
Os indivíduos e as classes sociais são afetados pelo
“complexo de clã”, que restringe a solidariedade social aos membros do clã
parental ou político. As práticas do nepotismo e do clientelismo constituem o
principal caminho por meio do qual se efetiva a privatização do Estado.
f)
A lei e as instituições jurídicas não exprimem normas
impessoais a partir de um consenso social, mas constituem, fundamentalmente,
aparelho casuísta a ser administrado de acordo com os interesses particulares
ou clânicos de quem governa.
g)
Esse ordenamento político alicerçou-se, no contexto
ibérico e ibero-americano, numa versão de ética do não-trabalho, decorrente dos
valores heróicos cultuados pela guerra de oito séculos contra o invasor
muçulmano (em Espanha e em Portugal), valores que foram continuados na
conquista do Novo Mundo. Esse pano de fundo axiológico encontrou marco teórico
definido na reação da Contra-Reforma católica patrocinada por Espanha e
Portugal, nos séculos XVI e XVII. Esses valores continuaram a inspirar as
elites ibero-americanas que deflagraram, no decorrer do século XIX, os
processos de independência das metrópoles espanhola e portuguesa. Emergiu, ao
ensejo do ciclo do “despotismo ilustrado”, com Pombal em Portugal, e com Carlos
III, na Espanha, a idéia do “Estado Empresário” que garante a riqueza da Nação.
Para vingar economicamente, os súditos deveriam “encostar-se no Estado”, surgindo
daí essa velha tendência ibérica e ibero-americana a considerar a posse do
poder político como fonte de enriquecimento.
No estudo da obra de García Márquez, desenvolverei
os seguintes itens: I – Feição trágica do Ditador. II – O Ditador, dono do
poder, dono de tudo. III – Estrutura patrimonial do Estado. IV – Natureza
edipiana do Ditador.
I -Feição
Trágica do Ditador
A figura do Ditador em García Márquez é trágica. É
trágica porque é ciclicamente prevista: aparece desenhada nos irregulares
traços da mão despótica, nas premonições das pitonisas e nas cartas de
adivinhação. É trágica porque é engendro e projeto do desamor. É trágica porque
termina em morte. A convicção de que nunca saberá amar produz no Ditador uma
amargura ontológica, que se traduz na sua empresa particular de ódio, com que
identificará sua vida, e que culmina com o exercício cego do poder pelo poder.
Esse poder total, na mão do déspota, é simbolizado
pela bolinha de gude, espécie de amuleto que o Ditador sempre carrega consigo:
é como se tivesse o globo terráqueo, feito joguete, na palma da mão. Contudo,
paradoxalmente, embora esse poder seja exercido de forma despótica e somente
olhando para o benefício do seu portador (bem como dos que se lhe aproximam),
no entanto, tal poder termina por virar ficção, ao passo que vai destruindo, um
a um, todo aquele que se beneficiou dele. Tragicamente sucumbem os caudatários
do poder total: a esposa do tirano, Letícia Nazareno e o seu filho Emanuel, o
único que foi reconhecido como herdeiro legítimo dentre os múltiplos filhos
nascidos das relações entre o Ditador e as suas concubinas. Tragicamente
desaparecem, outrossim, os colaboradores próximos do tirano. Parece como se o
Ditador se alimentasse do sangue dos que o rodeiam. É uma espécie de grande vampiro,
que suga a vida ao seu redor. Letícia Nazareno e o filho Emmanuel são vítimas
de uma trama dos militares que perderam espaço na corte do tirano, que
beneficia primeiro (lei do patrimonialismo) aos seus familiares, deixando em
segundo lugar o estamento burocrático. A vingança deste é brutal: a mulher e o
filho legítimo do Ditador são devorados vivos por uma matilha de cachorros
ferozes, especialmente treinados para isso.
Não é menos pior a sorte do sósia do Ditador, cuja
tarefa é substituí-lo ali onde houver risco de vida para o tirano. O escolhido
para essa desastrada missão é Patrício Aragonés, que deve sofrer uma brutal
transformação, que motiva um ódio profundo deste em relação ao seu chefe. A
propósito, García Márquez escreve:
(...)
Jamais o quis como você imagina mas desde os remotos tempos dos filibusteiros
em que tive a desgraça de cair nos seus domínios estou suplicando para que o
matem mesmo que seja de boa forma para que me pague esta vida de órfão que me
deu, primeiro me aplainando os pés de pilão para que se me convertessem de
sonâmbulo como os seus, depois me perfurando o escroto com agulhas de sapateiro
para que se me formasse a hérnia, depois fazendo-me beber trementina para que
desaprendesse a ler e escrever com tanto trabalho que custou à minha mãe me
ensinar, e sempre me obrigando a fazer os ofícios públicos que você não
consegue encarar, e não porque a pátria precise de você vivo como diz mas
porque ao mais corajoso congela-se-lhe o cu coroando uma puta da beleza sem
saber por onde vai aparecer a morte, dito seja isto sem muito respeito meu
general, mas a ele não importava a insolência mas a ingratidão de Patrício
Aragonés a quem pus a viver como um rei (...).[10]
A trágica desaparição do sósia do Ditador é
precedida por um calvário de sofrimentos decorrentes da crescente
impopularidade do tirano. Patrício Aragonés é envenenado após um comício em que
ficam à luz do dia as falcatruas dos donos do poder. O destino do sósia é
trágico porque é iniludível e está previsto desde sempre: tanto ele quanto o
seu original devem morrer. Isso é simbolizado nas moedas da sorte, que foram
cunhadas com a cara do Ditador e do sósia, como para indicar a identidade dos
dois nas fatalidades do poder:
(...)
porque todo mundo estava na roubalheira dos papéis dos globos meu general (...)
gritavam das sacadas, repetiam de cor abaixo a opressão, gritavam, morra o
tirano, e até as sentinelas da casa presidencial apregoavam em voz alta pelos
corredores a união de todos sem distinção de classes contra o despotismo de séculos,
a reconciliação patriótica contra a corrupção e a arrogância dos militares, não
mais sangue, gritavam, não mais roubalheira, o país inteiro acordava do torpor
milenário no momento em que ele entrou pela porta da cocheira e encontrou-se
com a terrível novidade meu general de que tinham ferido a Patrício Aragonés
com um dardo envenenado. Anos atrás, numa noite de maus humores, ele tinha
proposto a Patrício Aragonés que jogassem a vida na cara e coroa, se sair cara
morres tu, se sair coroa morro eu, mas Patrício Aragonés fez-lhe ver que
morreriam empatados porque todas as moedas tinham a cara dos dois por ambos os
lados (...).[11]
A morte do sósia do Ditador é, portanto, algo que
deve acontecer porque está escrito. Essa certeza da inevitabilidade do destino
faz com que personagem e sósia acabem aceitando estoicamente os fatos, sendo
que a morte do segundo é uma espécie de anúncio da fatalidade da destruição do
tirano. Tão rigorosa é a roda do destino que o próprio dono do poder, em que
pese a sua prepotência que o faz exclamar como Yahvé no Antigo Testamento “eu
sou o que sou”, é capaz de um ato humanitário quando vê que o seu clone
enfrenta as incertezas da morte. Tudo se torna relativo nessa hora suprema. Não
há superior nem inferior. A morte a todos iguala:
(...)
ele também não tinha por que morrer na mesa do dominó mas na sua hora e no seu
lugar de morte natural durante o sono como tinham predito desde o início as
bacias divinatórias das pitonisas, e nem sequer assim, pensando bem, porque
Bendición Alvarado não me pariu para prestar atenção às bacias mas para mandar
e no final das tantas eu sou o que sou eu, e não tu, de forma que agradece a
Deus de que isto não era mais do que um jogo, disse-lhe rindo, sem ter
imaginado então nem nunca que aquela piada terrível haveria de ser verdade na
noite em que entrou no quarto de Patrício Aragonés e o encontrou enfrentado com
as urgências da morte, sem remédio, sem nenhuma esperança de sobreviver ao
veneno, e ele saudou-o desde a porta com a mão estendida, Deus te guarde,
macho, grande honra é morrer pela pátria. Acompanhou-o na lenta agonia, os dois
sozinhos no quarto, dando-lhe com a sua mão as colheradas de alívio para a dor,
e Patrício Aragonés as tomava sem gratidão dizendo-lhe entre uma e outra
colherada que aí o deixo por pouco tempo com o seu mundo de merda meu general
porque o coração me diz que vamos a nos ver bem rápido no profundo dos
infernos, eu mais torto que um galho com este veneno e vosmercê com a cabeça na
mão buscando onde coloca-la (...).[12]
O Ditador acaba sendo enganado pela própria mídia
mentirosa que cria para não ser incomodado, convertendo-se ele, de forma
irônica, em mais uma mentira. A consciência dessa mentira universal produz no
Ditador um vazio de morte. A ficção do seu poder total será a grande mentira em
que o Ditador acredita, ao passo que a verdade está do lado da vida de todos os
dias, limitada, escorregadia, pobre, mas final vida que foi esquecida na
liturgia vazia e brutal da dominação. A propósito, encontramos este trecho da
obra:
(...) tinha conhecido a sua incapacidade de amor no
enigma da palma de suas mãos mudas e nas cifras invisíveis dos baralhos e tinha
tratado de compensar aquele destino infame com o culto abrasador do vício
solitário do poder, tinha-se tornado vítima de sua seita para se imolar nas
chamas daquele holocausto infinito, tinha-se nutrido na falácia e no crime,
tinha vingado na impiedade e no opróbrio e tinha-se superposto à sua avareza
febril e ao medo congênito só para conservar até o fim dos tempos a sua bolinha
de gude na mão fechada sem saber que era um vício sem termino cuja saciedade
gerava o seu próprio apetite até o fim de todos os tempos meu general, tinha
sabido desde as suas origens que o enganavam para agrada-lo, que lhe cobravam
para adula-lo, que recrutavam pela força das armas as multidões concentradas ao
seu passo com gritos de júbilo e letreiros venais de vida eterna ao magnífico
que é mais antigo que a sua idade, mas aprendeu a viver com essas e com todas
as misérias da glória na medida em que descobria no decorrer dos seus anos
incontáveis que a mentira é mais cômoda do que a dúvida, mais útil do que o
amor, mais perdurável do que a verdade, tinha chegado sem assombro à ficção de
ignomínia de mandar sem poder, de ser exaltado sem glória e de ser obedecido
sem autoridade quando convenceu-se no regueiro de folhas amarelas de seu outono
que nunca tinha de ser o dono de todo o seu poder, que estava condenado a não
conhecer a vida senão pelo reverso, condenado a decifrar as costuras e a
corrigir os fios da trama e os nós da urdidura do gobelino de ilusões da
realidade sem suspeitar sequer tarde demais que a única vida visível era a de
mostrar, a que nós víamos deste lado que não era o seu meu general, este lado
de pobres onde estava o regueiro de folhas amarelas de nossos incontáveis anos
de infortúnio e nossos instantes intangíveis de felicidade, onde o amor estava
contaminado pelos germes da morte mas era todo o amor meu general, onde
vosmercê mesmo era apenas uma visão incerta de uns olhos de lástima através das
cortinas empoeiradas da janela de um trem (...).[13]
A vida
do Ditador é, como reza o título de uma das obras de García Márquez, “crônica
de uma morte anunciada”. É a grande certeza, sempre temida e que o próprio dono
do poder tentou esconjurar construindo uma grande empresa de “duplipensar”, que
o apresenta como “eterno guia do nosso sofrido povo”. Uma vez que não consegue
se passar por imortal perante a própria consciência, o hábil prestidigitador do
poder trata de mostrar que morrerá como herói, e para isto faz com que as
pitonisas sejam “interpretadas” pelos artífices da verdade oficial: o Ditador
deverá morrer dignamente, no seu escritório, paramentado com o seu uniforme de
linho. Mas não: a morte apresenta-se de sopetão na alta madrugada, flagra-o rudemente
vestido como mendigo, descalço e deitado no duro chão de um humilde quarto;
entra gatunamente no dormitório do ilustre freguês, atravessando as paredes,
sem precisar se tomar o trabalho de destravar as aldravas e os ferrolhos com
que o velho sátrapa tentava proteger os seus sonhos. A morte a todos iguala:
chama-os indistintamente de Nicanor (nome de um obscuro gramático grego
do século II). E com esse nome acorda ao Ditador para lhe anunciar que a sua
hora já chegou. Eis o decisivo relato:
(...) jogou-se no chão puro com a calça de tecido
grosseiro que usava para estar em casa desde que aboliu as audiências, com a
camisa de listras sem o colarinho postiço e as pantufas de inválido, jogou-se
de bruços, com o braço direito dobrado sob a cabeça para que lhe servisse de
travesseiro, e dormiu no ato, mas às duas e dez acordou com a mente encalhada e
um suor pálido e morno de véspera de ciclone, quem vive, perguntou estremecido
pela certeza de que alguém o tinha chamado no sonho com um nome que não era o seu,
Nicanor, e outra vez, Nicanor, alguém que tinha a virtude de se introduzir no
seu quarto sem tirar as aldravas porque entrava e saía quando queria
atravessando as paredes, e então a viu, era a morte meu general, a sua, vestida
com uma túnica de farrapos de sisal de penitente, com o garabato de pau na mão
e o crânio semeado de rebentos de algas sepulcrais e flores de terra na fissura
dos ossos e os olhos arcaicos e atônitos nas órbitas descarnadas, e somente
quando a viu de corpo inteiro compreendeu que o tivesse chamado de Nicanor
Nicanor que é o nome com que a morte nos conhece a todos os homens no instante
de morrer, mas ele disse que não, morte, que ainda não era a sua hora, que
tinha de ser durante o sono na penumbra do escritório como estava comunicado
desde sempre nas águas premonitórias das bacias, mas ela retrucou que não,
general, tem sido aqui, descalço e com a roupa de mendigo que levava posta,
embora os que acharam o corpo deveriam afirmar que foi no chão do escritório
com o uniforme de linho sem insígnias e a espora de ouro no talão esquerdo para
não contrariar os augúrios de suas pitonisas (...).[14]
O destino trágico do Ditador está inscrito
ontologicamente na sua natureza. Nasceu da morte e o vazio será a sua
descendência. Ambos os extremos dessa cruel epopéia são simbolizados na
placenta materna que é jogada aos porcos, e na vacuidade da sua capacidade
reprodutiva: o Ditador é um monstro gerado às pressas no fundo de um barracão
imundo, numa copulação acidental da mãe, “em pé e sem tirar o chapéu”, com um
retirante anônimo e leva em si uma ferida niilista símbolo de sua capacidade
autodestrutiva, uma hérnia escrotal que faz com que um testículo tenha sido
preenchido pelo ar, lhe conferindo a aparência monstruosa de gaita de fole que
assobia um assobio de funeral. Todo esse destino trágico é-lhe revelado pela
mãe moribunda:
(...) mas Bendición Alvarado era consciente de ser a
única que estava morrendo e tratava de revelar ao filho os segredos de família
que não queria levar para o túmulo, contava-lhe como jogaram a sua placenta aos
porcos, senhor, como foi que nunca pude deixar claro qual de tantos fugitivos
de vereda tinha sido o teu pai, tratava de lhe dizer para a história que o
tinha gerado em pé e sem tirar o chapéu pela tormenta das moscas metálicas dos
resíduos de melaço fermentado dos fundos de cantina, tinha-o parido mal num
amanhecer de agosto no saguão de um mosteiro, tinha-o reconhecido à luz das
harpas melancólicas dos gerânios e tinha o testículo direito do tamanho de um
figo e esvaziava-se como um fole e exalava um suspiro de gaita com a
respiração, desembrulhava-o dos panos que lhe deram as novicias e o mostrava
nas praças de feira para ver se achava alguém que conhecesse um remédio melhor
e sobretudo mais barato que o mel de abelhas que era o único que lhe
recomendavam para a sua má-formação (...).[15]
A sina trágica do Ditador foi prevista pelas
pitonisas. Abandonado pela ex-rainha de beleza Manuela Sánchez, ele vê o seu
destino traçado nas bacias divinatórias, destino que gira fundamentalmente ao
redor da sua incapacidade de amar. Incapacidade tanto mais dolorosa, na medida
em que o dono do poder está condenado a envelhecer mais que os seus
semelhantes, chegando até a se achar imortal na sua absurda solidão, “com uma
idade indefinida”:
(...) sabia que estava condenado sem remédio a não
morrer de amor, sabia isso a partir de uma tarde dos começos do seu império em
que acudiu a uma pitonisa para que lhe lesse nas águas de uma bacia as chaves
do destino que não estavam escritas na palma de sua mão, nem na borra de café nem em
nenhum outro meio de adivinhação, somente naquele espelho de águas
premonitórias onde se viu a si mesmo morto natural durante o sono no escritório
vizinho da sala de audiências, e viu-se esticado de bruços no chão como tinha
dormido todas as noites da vida a partir do seu nascimento, com o uniforme de
linho sem insígnias, com as polainas, a espora de ouro, o braço direito dobrado
sob a cabeça para que lhe servisse de travesseiro, e a uma idade indefinida
entre 107 e 232 anos (...).[16]
O tirano chega ao extremo de assassinar com as
próprias mãos a pitonisa aleijada que desvenda o segredo da sua sorte. Comete
esse crime sem nenhum remorso, por razões de Estado, para que ninguém tome
conhecimento das circunstâncias em que ocorrerá a sua morte, mas também para
dar vazão à raiva que sente ao ter sido abandonado pela amante:
(...) e então assassinou a velha doente na rede para
que mais ninguém conhecesse as circunstâncias de sua morte, estrangulou-a com o cinto da espora de ouro,
sem dor, sem um suspiro, como um carrasco profissional, apesar de que foi o
único ser deste mundo, humano ou animal, a quem fez a honra de mata-lo com a
sua própria mão na paz ou na guerra, pobre mulher. Essas evocações de suas
façanhas de infâmia não lhe pesavam na consciência nas noites do outono, pelo
contrário, serviam-lhe como fábulas exemplares do que deveria ter sido e não
foi sobretudo quando Manuela Sánchez esfumou-se nas sombras do eclipse e ele
queria se sentir de novo na flor de sua barbárie para arrancar-se a raiva da
burla que lhe consumia as entranhas, deitava-se na rede sob os guizos do vento
das tâmaras a pensar em Manuela Sánchez com um rancor que lhe perturbava o sono
enquanto as forças da terra, mar e ar buscavam sem achar pegadas até os confins
dos desconhecidos desertos de salitre (...).[17]
Mas a
morte do tirano não se anuncia apenas através das pitonisas. Ela antecipa-se,
também, no fantasma da amante traidora que penetra no seu bunker na alta
madrugada, esgueirando-se por entre as sombras e perpassando as paredes. A
visão de Manuela Sánchez, mais do que apenas a visão, a presença da amante que
queima com a sua rosa, é momento premonitório do encontro definitivo e fatal
com a própria morte. Eis o relato dessa antecipação:
(...) eram as três menos quarto quando acordou
empapado de suor, estremecido pela certeza de que alguém o tinha olhado
enquanto dormia, alguém que tinha tido a virtude de se enfiar na casa sem abrir
as aldravas, quem vive, perguntou, fechou os olhos, voltou a sentir que o
olhavam, abriu os olhos para enxergar, assustado, e então viu, caralho, era
Manuela Sánchez que andava pelo quarto sem destravar os ferrolhos porque
entrava e saía à vontade atravessando os muros, Manuela Sánchez da minha má
hora com o vestido de musselina e a brasa da rosa na mão e o cheiro natural de
alcaçuz de sua respiração, diga-me que não é verdade este delírio, dizia,
diga-me que não és tu, diga-me que esta vertigem de morte não é o marasmo de
alcaçuz de tua respiração, mas era ela, era a sua rosa, era seu alento morno
que perfumava o clima do dormitório como um baixo obstinado com mais domínio e
mais antigüidade que a respiração ofegante do mar, Manuela Sánchez do meu
desastre que não estavas escrita na palma de minha mão, nem no fundo da minha
xícara de café, nem sequer nas águas da minha morte das bacias, não gastes o
meu ar de respirar, meu sonho de dormir, o âmbito da escuridão deste quarto
onde nunca tinha entrado nem tinha de entrar uma mulher, apaga-me essa rosa,
gemia enquanto engatinhava à procura da chave da luz e achava a Manuela Sánchez
de minha loucura em lugar da luz (...).[18]
O tema
da morte do tirano e das antecipações proféticas do seu destino trágico está
cruzado por um outro leitmotiv: o do esquecimento. Sina aniquiladora que
começa pelo simples esquecimento das crueldades dos seus colaboradores, para
manter incólume o poder total do Ditador, que, à maneira de Stalin perante as
barbaridades praticadas por Beria, “não sabia de nada”. Destino de progressiva
desaparição da realidade na mentira oficial que, hipostasiada, termina
engolindo tudo, a começar pela própria memória que o tirano tem de si mesmo,
compelido a escrever os dados das suas façanhas em papeizinhos que distribui
pela mansão presidencial afora, para não esquecer quem ele é. Maré de olvido
ontológico que se torna Nada metafísico na própria desaparição do Ditador, cuja
morte marca “o tempo incontável da eternidade (que) tinha finalmente
terminado”.
O
tirano não “sabia de nada” em relação às truculências e crimes dos seus
colaboradores. O bajulador de plantão tranqüiliza o chefe, a fim de que não se
amedronte com as barbaridades praticadas pelo premiê de plantão, o
inescrupuloso José Ignacio Sáenz de la Barra, que faz qualquer coisa para
destruir quem ousar opor obstáculos aos planos de poder total do Ditador, ou a
conspirar contra o corpo social definido como “armatoste do progresso dentro da
ordem” (que começa a cheirar a carniça). Eis as palavras do obscuro
funcionário:
(...) mas vosmercê pode dormir tranqüilo meu general
pois os bons patriotas da pátria dizem que vosmercê não sabe de nada que tudo
isto acontece sem o seu consentimento, que se meu general soubesse teria
mandado a Sáenz de la Barra a empurrar margaridas no cemitério de renegados da
fortaleza do porto, que cada vez que ficavam sabendo de um novo ato de barbárie
suspiravam se o general o soubesse, se pudéssemos fazer com que soubesse, se
houvesse uma forma de vê-lo, e ele ordenou a quem tinha contado isso que não
esquecesse nunca que verdadeiramente eu não sei de nada, nem vi nada, nem falei
dessas coisas com ninguém e assim recobrava o sossego (...) e desde então já
não sei quem é quem, nem quem está com quem nem contra quem neste armatoste do
progresso dentro da ordem que começa a me cheirar a carniça (...).[19]
O cão de guarda e braço direito do Ditador tem uma
função essencial: construir uma máquina intimidatória, a fim de garantir o
poder total. Mas o chefe faz questão de “não saber de nada” em face dessa
engenhoca de morte que pratica a tortura sistemática, inclusive de crianças,
sendo que uma outra atribuição do premiê consiste em provar perante a opinião
pública que o tirano “jamais esteve nesse lugar”, na hipótese de que alguma
informação transpirasse:
(...)
José Ignacio Sáenz de la Barra regressava uma vez mais com os seus poderes
intactos à fábrica de suplícios que tinha instalado a menos de quinhentos
metros da casa presidencial no inofensivo prédio de alvenaria onde tinha
funcionado o manicômio dos holandeses, numa casa tão grande como a sua, meu general,
escondida num bosque de amendoeiras e rodeada por um prado de violetas
silvestres, cuja primeira planta estava destinada aos serviços de identificação
e registro do estado civil e no resto estavam instaladas as máquinas de tortura
mais engenhosas e bárbaras que podia conceber a imaginação, tanto que ele não
tinha querido conhece-las mas advertiu a Sáenz de la Barra que você continue
cumprindo com o seu dever como melhor convenha aos interesses da pátria com a
única condição de que eu não sei nada nem vi nada nem jamais estive nesse
lugar, e Sáenz de la Barra deu a sua palavra de honra para servir a vosmercê,
general, e tinha cumprido, da mesma forma que cumpriu a ordem de não voltar a
martirizar as crianças menores de cinco anos (...).[20]
A estratégia de esquecimento estende-se a tudo
aquilo que seja conveniente ignorar para manter incólume a estrutura do poder
patrimonial. Forma parte da mesma, passar em brancas nuvens a corrupção
doméstica da esposa e do filho do tirano, que às quartas-feiras tinham o costume
de descer ao mercado da cidade, para encherem as burras por conta do governo:
(...)
ele deixava prosperar a crença que ele mesmo tinha inventado de que era alheio
a tudo quanto ocorria no mundo que não estivesse à altura de sua grandeza mesmo
que se tratasse dos desplantes públicos do único filho que tinha reconhecido
como seu dentre os incontáveis que tinha gerado, ou as atribuições desmedidas
da minha única e legítima esposa Leticia Nazareno que chegava ao mercado às
quartas-feiras ao amanhecer conduzindo pela mão o seu general de brinquedo em
meio à escolta barulhenta das serventes de quartel (...).[21]
O esquecimento premeditado e sistematicamente
praticado torna-se, no entanto, arma fatal para o Ditador. Ele próprio termina
perdendo a memória da sua própria história, num dramático prenúncio do que será
o seu banimento, para sempre, do terreno do conhecimento e do ser. Não adianta
a infantil solução presidencial para a perda da memória: invocar o nome
protetor da mãe defunta e escrever em papeizinhos enrolados os fastos da gestão
tirânica, que terminará escorregando como água suja por entre os buracos do
ralo do esquecimento:
(...)
enquanto eu deambulava por esta casa de sombras pensando minha mãe Bendición
Alvarado de meus bons tempos, me acuda, olha como estou sem o amparo do teu
manto, clamando sozinho que não valia a pena ter vivido tantos fastos de glória
se não podia evoca-los para alegrar-se com eles se alimentar deles e continuar
sobrevivendo graças a eles nos pântanos da velhice porque até as dores mais
intensas e os instantes mais felizes de seus tempos grandes tinham escorregado
sem remédio pelos buracos da memória apesar de suas tentativas cândidas de
impedi-lo com tampões de papeizinhos enrolados (...).[22]
A última etapa desse processo de esquecimento é a
culminância da tragédia: o mergulho definitivo no desconhecimento de tudo,
definido como “pátria de trevas da verdade do esquecimento”. A opção pelo poder
total está do lado de lá das margens do rio da vida, cuja verdadeira dimensão
se apreende do lado de cá da cotidianidade, que é a perspectiva do cidadão
comum que paga impostos, que ama de paixão a vidinha que leva e que morre, mas
que encontra fissuras de felicidade nessa intranscendência, nos modestos
prazeres do dia-a-dia. Nada melhor para definir esse cataclismo ontológico, que
é a porta de entrada para o Nada metafísico (caracterizado como o término do
“tempo incontável da eternidade”), do que as próprias palavras com que García
Márquez termina a sua magnífica narrativa:
(...)
a única vida visível era a de mostrar (...), este lado de pobres (...), onde
vosmercê mesmo era apenas uma visão incerta de uns olhos de lástima (...), um
tirano de burlas que nunca soube onde estava o reverso e onde estava o lado
verdadeiro desta vida que amávamos com uma paixão insaciável que vosmercê não
se atreveu nem sequer a imaginar por medo de saber o que nós sabíamos de sobra
que era árdua e efêmera mas que não havia outra, general, porque nós sabíamos
quem éramos enquanto ele ficou sem sabe-lo para sempre com o doce assobio de
sua hérnia escrotal de morto velho truncado de raiz pelo golpe da morte, voando
entre o rumor escuro das últimas folhas geadas de seu outono em direção à
pátria de trevas da verdade do esquecimento, agarrado de medo aos farrapos de
fios podres da batina da morte e alheio aos clamores das multidões frenéticas
que se jogavam nas ruas cantando os hinos de júbilo da notícia jubilosa de sua
morte e alheio para sempre jamais às músicas de libertação e aos foguetes de
alegria e aos sinos de glória que anunciaram ao mundo a boa nova de que o tempo
incontável da eternidade tinha finalmente terminado.[23]
II - O Ditador, Dono do poder, Dono de Tudo
A feição do
poder é, para o Ditador, única e unipessoal. Não pode compartilha-lo com
ninguém, só admitindo a cooptação daqueles que lhe forem úteis. O Ditador é a
Pátria. Ele controla homens e elementos, numa espécie de eterno presente de
marasmo ou entropia cósmica que antecipa a morte. Mesmo tendo controle total
sobre tudo, o Ditador tem medo: ao ouvir as badaladas do relógio, inimigo fugaz
da eternidade, fecha-se no seu dormitório com três séries de fechaduras, mas
apesar dessas providências ainda escuta os “assobios tênues” da hérnia
escrotal, prenúncio trágico de sua finitude:
(...) ia deixando o rastro de poeira do regueiro de
estrelas da espora de ouro nas madrugadas fugazes de ráfagas verdes das aspas
de luz das voltas do farol, viu entre dois instantes de luz um leproso sem rumo
que caminhava dormido, fechou-lhe a passagem, conduziu-o pela sombra sem
tocá-lo iluminando-lhe o caminho com as luzes de sua vigília, colocou-o nos
roseirais, voltou a contar as sentinelas na escuridão, regressou ao dormitório,
viu ao passar diante das janelas um mar igual em cada janela, o Caribe em
abril, contemplou-o vinte e três vezes sem se deter e era sempre como sempre em
abril como um lamaçal dourado, ouviu as doze, com o último golpe dos martelos
da catedral sentiu a torção dos assobios tênues do horror da hérnia, não havia
mais ruído no mundo, ele só era a pátria, passou as três aldravas, os três
ferrolhos, os três pestilos do dormitório, urinou sentado na latrina portátil
(...).[24]
O Ditador é
uma espécie de ave-fênix que recobra a sua força sempre que os inimigos tentam
derruba-lo. Após debelar, com o auxílio da gard-de-corp, uma conjuração
em que os inimigos anunciaram a sua morte, o déspota comemora com amplos
festejos populares a sua “ressurreição dentre os mortos”, se colocando assim
como novo messias imune aos perigos da finitude; o que não impede que novas
preocupações surjam, provenientes da sua gard-de-corp que foi agraciada
e cooptada com generosas promoções, mas que não tardará em voltar à carga de
intrigas e insatisfações. De qualquer forma, as coisas estão na santa paz de
Deus, de momento, pois tudo marcha nos eixos, em decorrência do fato de que o
Ditador “é o governo”, sem oposição que o faça balançar:
(...) Havia uma manifestação permanente na Praça de
Armas com gritos de adesão eterna e grandes letreiros de Deus guarde o
magnífico que ressuscitou ao terceiro dia dentre os mortos, uma festa sem
término que ele não teve de prolongar com manobras secretas como fez em outros
tempos, pois os assuntos do estado arrumavam-se sozinhos, a pátria marchava,
ele só era o governo, e ninguém atrapalhava nem de palavra nem de obra os
recursos de sua vontade, porque estava tão só na sua glória que já não restavam
nem inimigos, e estava tão agradecido com o meu compadre de toda a vida o
general Rodrigo de Aguilar que não voltou a se inquietar com o gasto de leite
mas fez formar no pátio os soldados rasos que tinham-se distinguido pela sua
ferocidade e o seu sentido do dever, e assinalando-os com o dedo segundo os
impulsos de sua inspiração ascendeu-os aos graus mais altos sabendo que estava
restaurando as forças armadas que iam cuspir na mão que lhes tinha dado de
comer, tu a capitão, tu a maior, tu a coronel, que digo, tu a general, e todos
os demais a tenentes (...).[25]
A oposição
que outrora liberais e conservadores exerciam (e que era reforçada pelas
intrigas da Igreja, das forças armadas e dos próprios ministros, bem como pelas
maquinações do embaixador americano), simplesmente foi banida. É muito
significativa a cena em que o tirano aparece redivivo, após um dos numerosos
atentados que ensejou rumores acerca da sua morte, justamente no momento em que
os conjurados se reuniram na sede do governo para negociar a nova estrutura do
poder:
(...) Empurrou a porta da sala do conselho de
ministros, ouviu através do ar de fumaça as vozes cansadas em torno à longa
mesa de cedro, e viu através da fumaça que ali estavam todos quantos ele tinha
querido que estivessem, os liberais que tinham vendido a guerra federal, os
conservadores que a tinham comprado, os generais do alto comando, três de seus
ministros, o arcebispo primaz e o embaixador Schotner, todos juntos numa só
arapuca invocando a união de todos contra o despotismo de séculos para se
repartirem entre todos o botim da sua morte, tão absorvidos nos abismos da
ambição que ninguém percebeu a aparição do presidente insepulto que deu um só
golpe com a palma da mão, e gritou, ará! E não teve de fazer mais nada, pois
quando tirou a mão da mesa já tinha passado o arrastão de pânico e só ficavam
no salão vazio os cinzeiros cheios, as xícaras de café, as cadeiras derrubadas
no chão, e o meu compadre de toda a vida o general Rodrigo de Aguilar em
uniforme de campanha (...).[26]
Quando um
outro atentado coloca pelo chão a casa dos próceres, visando novamente à
eliminação do tirano, o velho general promete, como Jesus, reconstruir o templo
republicano e aproveita a oportunidade para “liquidar o aparelho legislativo e
judicial da velha república” (remember Hugo Chávez), utilizando
mecanismos conhecidos: uma espécie de “mensalão” para os congressistas e
embaixadas remotas para os magistrados, ficando apenas em companhia do índio do
facão, o seu fiel guarda-costas:
(...) arrancaram de raiz a casa augusta de nossos
próceres originais cujas chamas viram-se até muito tarde na noite desde a
sacada presidencial, mas ele não se impressionou com a novidade (...) de que
não tinham deixado nem as pedras das fundações, prometeu-nos um castigo
exemplar para os autores do atentado que nunca apareceram, prometeu-nos
reconstruir uma replica exata da casa dos próceres cujas ruínas carbonizadas
permaneceram até os nossos dias, não fez nada para dissimular o terrível
exorcismo do sonho ruim mas aproveitou a ocasião para liquidar o aparelho
legislativo e judicial da velha república, cumulou de honras e dinheiro aos
senadores e deputados e magistrados de cortes das que já não precisava para
salvar as aparências das origens do seu regime, desterrou-os em embaixadas
felizes e remotas e ficou sem mais séqüito que a sombra solitária do índio do
facão que não o abandonava por um instante, provava a sua comida e a sua água,
guardava a distância, vigiava a porta (...). [27]
Com os
traidores, o Ditador não tem nenhuma transigência. O general Rodrigo de
Aguilar, ministro da defesa e um dos seus mais próximos colaboradores que
tentou derruba-lo num “golpe de Estado perfeito” (fazendo-o trancafiar no
manicômio), recebeu um castigo brutal, planejado na medida exata do ódio que
despertou no chefe a audácia do súdito: foi servido assado, com pompa e
circunstância, num elegante banquete, na casa presidencial:
(...) saúde, disse, a mão inapelável de lírio
lânguido voltou a levantar a taça com que tinha brindado a noite toda sem
beber, ouviram-se os ruídos viscerais das máquinas dos relógios no silêncio de
um abismo final, eram doze horas, mas o general Rodrigo de Aguilar não chegava,
alguém tratou de se levantar, por favor, disse, ele o petrificou com o olhar
mortal de que ninguém se mexe, ninguém respira, ninguém vive sem a minha
permissão até que terminaram de soar as doze, e então abriram-se as cortinas e
entrou o egrégio general de divisão Rodrigo de Aguilar em bandeixa de prata
esticado do tamanho que era sobre um enfeite de couves-flores e louros,
condimentado com especiarias, dourado ao forno, paramentado com o uniforme de
cinco amêndoas de ouro das ocasiões solenes e as presilhas de valor sem limites
na manga do médio braço, quatorze libras de medalhas no peito e um raminho de
perrexil na boca, pronto para ser servido em banquete de companheiros pelos
esquartejadores oficiais diante da petrificação de horror dos convidados que
assistimos sem respirar à estranha cerimônia do esquartejamento e à
distribuição, e quando cada um teve uma porção igual de ministro da defesa com
recheio de pinhões e ervas aromáticas, ele deu a ordem para começar, bom
proveito senhores (...).[28]
Nenhuma
transigência, também, para com os que pratiquem a oposição contra o Ditador,
notadamente para com os que divulguem, pela sociedade afora, notícias ou
opiniões que visem a colocar a nu os crimes do governo ou a ridicularizar a
figura do tirano. Como ele tinha-se tomado de amores por uma jovem rapariga que
morava nos infectos subúrbios, e saísse na calada da noite para visitá-la, os
poetas populares divulgaram, aos quatro ventos, incômoda sátira que o
ridicularizava. Na onda repressiva que o tirano desatou foram vitimados até os
papagaios e os periquitos, que aprenderam a recitar as subversivas estrofes que
a multidão cantava:
(...) em todos os céus da pátria ouviu-se, ao
entardecer, aquela voz unânime de multidões fugitivas que cantavam que aí vem o
general dos meus amores expelindo cocô pela boca e leis pelo traseiro, uma
canção sem termino à qual todo mundo e até os papagaios adicionavam estrofes
para burlar os serviços de segurança que tratavam de confisca-la, as patrulhas
militares preparadas para a guerra quebraram postigos nos pátios e fuzilaram os
papagaios subversivos nos poleiros, jogavam bandos de periquitos vivos aos
cães, declaravam o estado de sítio tratando de extirpar a canção inimiga para
que ninguém descobrisse o que todo mundo sabia que era ele quem se esgueirava
como um prófugo ao entardecer pelas portas de serviço da casa presidencial,
passava pelas cozinhas e desaparecia na fumaça das bostas das habitações
privadas até amanhã às quatro, rainha, até todos os dias à mesma hora em que
chegava à casa de Manuela Sánchez carregado com tantos presentes insólitos que
teve de se apoderar das casas vizinhas e derrubar paredes intermediárias para
ter onde coloca-los (...).[29]
O Ditador
tudo controla, até o tempo. A sua presença, escondida por trás de uma aparência
rude é, no entanto, uma espécie de estigma, que marca as pessoas que com ele
convivem em algum momento das suas vidas. Já nos últimos anos do déspota, um
dos seus colaboradores fazia as seguintes reflexões, destacando como o tirano
controlava o tempo dos relógios e dos calendários:
(...) Era difícil admitir que aquele velho
irrecuperável fosse o único saldo de um homem cujo poder tinha sido tão grande
que alguma vez perguntou que horas são e lhe tinham respondido as que vosmercê
ordene meu general, e era assim, pois não só alterava os tempos do dia como
melhor conviesse aos seus negócios mas também mudava os dias festivos de acordo
com os seus planos para percorrer o país de feira em feira (...), andava por
todo o país com o seu raro caminhar de tatu, com o seu rastro de suor bravo,
com a barba sem fazer, aparecia sem nenhum anúncio numa cozinha qualquer com
aquele ar de vovô inútil que fazia tremer de pavor as pessoas da casa, bebia
água da bacia com a cabaça de servir, comia na mesma panela de cozinhar pegando
os pedaços de carne com os dedos, demasiadamente jovial, demasiadamente
simples, sem suspeitar que aquela casa ficava marcada para sempre com o estigma
da sua visita, e não se comportava dessa maneira por cálculo político nem por
necessidade de amor como aconteceu em outros tempos mas porque esse era o seu
modo natural de ser quando o poder não era ainda o mar de lama sem beira da
plenitude do outono (...).[30]
Mais do que
ser eterno, o Ditador é um hábil propagandista que consegue vender a idéia da
sua imortalidade. A opinião pública está convicta de que o seu ciclo vital
perpassa as épocas, sobrevivendo às idas e vindas do cometa. O povo humilde
fica com medo de que essa imortalidade seja verdadeira, e termina convivendo
com uma espécie de temor reverencial, que busca tornar menos perigosa a
longevidade sem limites do tirano com algumas piadas sobre a velhice:
(...) Não somente tínhamos terminado por acreditar
verdadeiramente que ele tinha sido concebido para sobreviver ao terceiro
cometa, mas essa convicção tinha-nos infundido uma segurança e um sossego que
tentávamos dissimular com toda classe de piadas sobre a velhice,
atribuíamos-lhe as virtudes senis das tartarugas e os hábitos dos elefantes,
contávamos nos botequins que alguém tinha informado ao conselho de governo que
ele tinha morrido e que todos os ministros entreolharam-se assustados e
perguntaram-se assustados agora quem vai comunicar a notícia a ele, ra, ra, ra,
quando na verdade a ele não teria se interessado em sabe-lo nem estaria muito
seguro ele mesmo de se aquela piada de rua era certa ou falsa (...).[31]
O controle
que o Ditador diz ter sobre o tempo dos calendários, dos relógios e da própria
vida estende-se, também, ao tempo livre, o grande aliado da perversa imaginação
dos cidadãos, que começam a pensar besteiras como liberdade e outras coisas
desagradáveis. Como outrora os soberanos absolutos do século XVII, o Ditador
preenche o tempo livre dos seus súditos, mediante uma vigorosa programação de
eventos aparentemente lúdicos, mas que possuem como finalidade única o reforço
ao poder total. O Ditador decide substituir as torturas que amedrontam aos
cidadãos para que não se revoltem contra a opressão, pelo controle do tempo
livre dos mesmos, numa jogada estratégica de mestre. Nessa maquiavélica providência,
o futebol ocupa lugar de destaque na política de “panem et circenses”
agora adotada, embora esteja presente, também, a idéia de uma “pedagogia” para
educar meninas através do trabalho (entendido não como livre iniciativa para
ganhar dinheiro, mas como serviço prestado ao Estado):
(...) Resolvido a dissipar até as últimas fagulhas
das inquietações que Patrício Aragonés tinha plantado no seu coração, decidiu
que aquelas torturas fossem as últimas do seu regime, mataram os jacarés,
desmantelaram as câmaras de suplício onde era possível triturar osso por osso
até todos os ossos sem matar, proclamou a anistia geral, antecipou-se ao futuro
com a idéia mágica de que o problema deste país é que sobra demasiado tempo às
pessoas para pensar e buscando a forma de mantê-las ocupadas instaurou
novamente os jogos florais de março e os concursos anuais de rainhas da beleza,
construiu o maior estádio de futebol do Caribe e passou à nossa equipe a
consigna de vitória ou morte, e ordenou estabelecer em cada província uma
escola gratuita para ensinar a varrer cujas alunas fanatizadas pelo estímulo
presidencial seguiram varrendo as ruas depois de ter varrido as casas e logo as
estradas e os caminhos vizinhais, de forma que os montes de lixo eram levados e
trazidos de uma província para outra sem saber o que fazer com elas em
procissões oficiais com bandeiras da pátria e grandes letreiros de Deus guarde
ao puríssimo que zela pela limpeza da nação (...).[32]
Qual é a
força metafísica que faz com que o Ditador deseje tudo controlar? De imediato,
podemos responder que essa pulsão de domínio sem limites provém da sua vontade
de se perpetuar no tempo: o tirano é um animal político que teme a morte. Mas
essa sua natureza dominadora revela uma outra força mais arcaica: ele quer controlar
o cosmo para arrancar, à amada, um suspiro de assombro perante o mistério da
imensidão galáctica. Essa obscura força que o leva a praticar loucuras aparece
clara no seguinte texto:
(...) ele chegou em casa se sufocando com a notícia
de que hoje te trago o presente mais grande do universo, um prodígio do céu que
vai acontecer esta noite às onze zero seis para que tu o vejas, rainha, só para
que tu o vejas, e era o cometa. Foi uma de nossas grandes datas de desilusão,
pois já fazia tempo tinha-se divulgado um factoide como tantos outros de que o
horário de sua vida não estava submetido às normas do tempo humano mas aos
ciclos do cometa, que ele tinha sido concebido para vê-lo uma vez mas que não
deveria vê-lo numa segunda apesar dos augúrios arrogantes de seus aduladores,
assim que tínhamos esperado como quem esperava a data de nascer na noite
secular de novembro em que se prepararam as músicas de regozijo, os sinos de
júbilo, os foguetes de festa que por primeira vez num século não explodiam para
exaltar a sua glória nem para esperar as onze badaladas das onze que deveriam
assinalar o término dos seus anos, para celebrar um acontecimento providencial
que ele esperou no terraço da casa de Manuela Sánchez, sentado entre ela e sua
mãe, respirando com força para que não lhe descobrissem os apertos do coração
sob um céu enrijecido de maus presságios, aspirando por última vez o hálito
noturno de Manuela Sánchez (...).[33]
Na narrativa
que dá continuação ao texto que acabamos de citar aparece clara a razão que
leva o Ditador a oferecer à amada um espetáculo cósmico de índole apocalíptica:
o déspota quer faze-la intuir, por um instante, em numinoso êxtase, o abismo
insondável da eternidade, a fim de ele se apresentar como o Ser, como o
Incondicionado. O tirano quer ser Deus. Supremo pecado de Hybris!
Suprema mentira metafísica. Porque o Ditador é apenas uma substância corrompida
e dissecada pelo fogo lento do poder. Quão longe está o Ditador do verdadeiro
êxtase que, através da beleza da amada, abre-se, como na meditação de Leão
Hebreu nos seus Diálogos de
Amor[34], à insondável imensidão da entrega total ao
Um. Quão distante está a personagem central de o Outono do Patriarca
da entrega cavalheiresca à amada, que constitui a síndrome romântica de dom
Quixote, entrega que Sancho compara à incondicionalidade do sim, sim, não,
não da opção evangélica.
O Ditador
aproxima-se do herói tanático moderno encarnado pelo doutor Fausto, ou
do latin lower antecipado pelo amante encarnado na figura de Don
Juan. Tanto um quanto outro querem possuir a amada para, uma vez possuída,
conduzi-la à aniquilação, ou simplesmente para relatar em praça pública que ela
forma parte da coorte de seduzidas, ela é apenas mais uma conquista do amante
empedernido. Eis o texto que põe a nu a figura do amante que propicia uma
pirotecnia celeste à amada, com a finalidade canhestra de torna-la apenas posse
sua:
Ouviram o zunido de tiras de papel de estanho, viram
o seu rosto atribulado, os seus olhos cheios de lágrimas, o rastro de venenos
gelados de sua cabeleira desarrumada pelos ventos do espaço que iam deixando no
mundo uma cauda de poeira brilhante de escombros siderais e amanheceres
retrasados por luas de alcatrão e cinzas de crateras de oceanos anteriores às
origens do tempo da terra, aí está, rainha, murmurou, olha-lo bem, que não
voltaremos a vê-lo até daqui a um século, e ela fez aterrorizada o sinal da
cruz, mais bela do que nunca sob o resplendor de fósforo do cometa e com a
cabeça nevada pelo chuvisco tênue de escombros astrais e sedimentos celestes, e
então foi quando ocorreu, minha mãe Bendición Alvarado, ocorreu que Manuela
Sánchez tinha visto no céu o abismo da eternidade e tratando de se agarrar à
vida estendeu a mão no vazio e a única coisa que encontrou foi a mão
indesejável com o anel presidencial, a sua cálida e suave mão de rapina cozida
no rescaldo do fogo lento do poder (...).[35]
O Ditador
busca desesperadamente oferecer à amada uma outra experiência que beirasse a
insondável presença do Ser. Deixou-o saudoso aquela noite do cometa em que, num
centésimo de segundo, presenciou o êxtase da bela mulher perante o desconhecido
da imensidão sideral. Gostaria de repetir essa circunstância, para tentar de
novo se aproximar desse orgasmo cósmico de que ele não participara, embora
tivesse tentado seduzi-la com a sua presença mesquinha de Ditador caribenho.
Saudades da experiência do Absoluto, que jamais ele conseguiu vivenciar.
Saudades da experiência sublime do Amor (simbolizado na rosa na mão quente da
amada no encontro envolvente dela com o Absolutamente Outro), que lhe estava
definitivamente vedada pela sua estrutura ontológica de filho do Nada e do
ódio. Porque o Ser, que é a fonte do Amor, somente se revela aos que se
esvaziaram da pretensão prometeica de se tornarem donos dele e o escutam,
humildes, em silêncio, na intangível relva da contemplação pura. Ora, a sua
vontade de dominação falava alto demais! Eis o texto que nos relata a segunda
tentativa de oferecer à amada um espetáculo cósmico que, planejado pelos
técnicos oficiais, degenera em prosaica pirotecnia astronômica. Resultado: a
amada desaparece nas trevas do eclipse oficial, como fogem os sonhos primaveris
dos quais não gostaríamos de acordar, ao serem feridos os nossos olhos pela luz
da manhã de segunda-feira:
(...) delegava a sua autoridade em funcionários
menores atormentado pela lembrança da brasa na mão de Manuela Sánchez em sua
mão, sonhando com viver de novo aquele instante feliz mesmo que se torcesse o
rumo da natureza e se estropiasse o universo, desejando-o com tanta intensidade
que terminou por suplicar aos seus astrônomos que lhe inventassem um cometa de
pirotecnia, um luzeiro fugaz, um dragão de fogo, qualquer engenhoca sideral que
fosse o suficientemente aterrorizadora como para causar uma vertigem de
eternidade a uma bela mulher, mas o único que puderam encontrar nos seus
cálculos foi um eclipse total de sol para a quarta-feira da próxima semana às
quatro da tarde meu general, e ele aceitou, de acordo, e foi uma noite tão verídica em plena luz do
dia que se iluminaram as estrelas, murcharam as flores, as galinhas
recolheram-se e sobressaltaram-se os animais de melhor instinto premonitório,
enquanto ele aspirava o hálito crepuscular de Manuela Sánchez que ia se lhe
tornando noturno à medida que a rosa languidescia na sua mão pelo engenho das
sombras, aí está, rainha, disse-lhe, é o teu eclipse, mas Manuela Sánchez não
respondeu, nem tocou-lhe a mão, não respirava, parecia tão irreal que ele não
pôde suportar o desejo e estendeu a mão na escuridão para tocar a sua mão mas
não a encontrou, procurou-a com a ponta dos dedos no lugar onde tinha estado o
seu cheiro, mas tampouco encontrou-a, continuou a procura-la com as duas mãos
pela casa enorme, dando braçadas com os olhos abertos de sonâmbulo nas trevas,
perguntando-se dolorido onde estarás Manuela Sánchez de minha desgraça que eu
te procuro e não te encontro na noite desgraçada do teu eclipse, onde estará a
tua mão impiedosa, onde a tua rosa, nadava como um mergulhador perdido num
estanque de águas invisíveis em cujos aposentos encontrava flutuando as
lagostas pré-históricas dos galvanômetros (...).[36]
Morto para o
Amor, cego perante a luz do Ser, resta ao tirano se refugiar no nada do seu
projeto mesquinho de poder, não sem deixar de ser perturbado pela recordação da
proximidade da presença calorosa da amada, ou pelas notas estranhas dessa
música celestial que é a poesia. Quando o poeta nicaragüense Rubén Darío visita
a capital e pronuncia memorável recital no teatro da cidade, o rabugento tirano
está presente, escondido num canto, mas não consegue impedir que o verbo mágico
do épico das letras castelhanas o deixe “flutuando sem a sua permissão”:
(...) não vimos mais ninguém no palco presidencial,
mas durante as duas horas do recital suportamos a certeza de que ele estava aí,
sentíamos a presença invisível que vigiava nosso destino para que não fosse
alterado pela desordem da poesia, ele regulava o amor, decidia a intensidade e
o término da morte num canto do palco na penumbra de onde viu sem ser visto o
minotauro espesso cuja voz de centelha marinha tirou-o em cheio de seu lugar e
de seu instante e o deixou flutuando sem a sua permissão no trovão de ouro dos
claros clarins dos arcos triunfais de Martes e Minervas de uma glória que não
era a sua, meu general (...).[37]
Perturbado
com a beleza da poesia, o general tenta decorar as arrebatadoras estrofes do
poeta nicaragüense, mexe o corpo embalado pelos acordes imperceptíveis dos
dísticos épicos e se pergunta, desde o fundo do seu ceticismo pragmático de
caudilho andino:
(...) caralho, como é possível que este índio possa
escrever uma coisa tão bela com a mesma mão com que limpa o cu, dizia para si,
tão excitado pela revelação da beleza escrita que arrastava as suas grandes
patas de elefante cativo ao compasso das batidas marciais dos timbaleiros,
adormecia ao ritmo das vozes de glória do canto sonoro do cálido coro que
Letícia Nazareno recitava para ele à sombra dos arcos triunfais da árvore do
pátio, escrevia os versos nas paredes dos banheiros, estava tratando de recitar
de cor o poema completo no Olimpio temperado de bosta de vaca nos estábulos de
ordenho (...).[38]
III - Estrutura Patrimonial do Estado
Na narrativa
de García Márquez, aparece claramente desenhado o Estado Patrimonial na melhor
forma definida por Weber, como aquele segundo o qual um poder patriarcal
original alarga a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas
extrapatrimoniais, passando a administra-los como propriedade familiar ou
patrimonial. Ora, a estrutura do poder em O outono do patriarca
é familística. Nela não se distingue o que é público do que é privado; todas as
funções reduzem-se a incumbências ditadas pelo interesse de família ou de clã,
sem que exista racionalidade, nem um critério de comportamento ético, antes,
pelo contrário, tudo se desenrola em meio a uma grande balbúrdia, com os bichos
da granja invadindo o espaço que deveria ser público. Digamos que a estrutura
de poder é familística, mas de uma família primitiva. Uma espécie de convívio
caótico entre casa grande e senzala. A descrição do escritor colombiano em
relação a essa forma de dominação é clara:
(...) E tudo aquilo em meio ao escândalo dos
funcionários vitalícios que encontravam galinhas pondo ovos nas gavetas das
escrivaninhas, e tráfico de putas e soldados nas privadas, e alvoroço de pássaros,
e brigas de cachorros vira-latas em meio às audiências, porque ninguém sabia
quem era quem nem vindo de parte de quem naquele palácio de portas abertas em
cuja desordem monumental era impossível estabelecer onde estava o governo. O
homem da casa não só participava daquele desastre de féria como ele próprio o
promovia e comandava (...).[39]
A estrutura
do Estado é a mínima possível, não obviamente na trilha do “Estado mínimo” de
inspiração neoliberal (pequeno, mas eficiente), mas no contexto já apontado, de
uma organização rudimentar em que o que prevalece é o interesse do patriarca,
salvaguardado por uma espécie de estamento pré-burocrático, constituído pelos
servidores mais fiéis. A propósito, encontramos este trecho:
(...) Não teve de tomar nenhuma das determinações
previstas, pois o exército dissolveu-se sozinho, as tropas dispersaram-se, os
poucos oficiais que resistiram até última hora nos quartéis da cidade e em
outros seis do país foram aniquilados pelos guardas presidenciais com a ajuda
de voluntários civis, os ministros sobreviventes exilaram-se ao amanhecer e só
restaram os dois mais fiéis, um que também era o seu médico particular e outro
que era o melhor calígrafo da nação (...).[40]
O caudilho
bárbaro que preside essa espécie de republiqueta de baixo meretrício, gaba-se
de ter posto fim a uma federação de mentira, em que cada chefete privatizou
para si uma parte do Estado. A conquista da unidade não é, porém, garantia
alguma de racionalidade nem de democracia. Os tiranetes de ontem, chefiados pelo
general-poeta Lautaro Muñoz, foram substituídos pelo único tirano, que
constituiu, ao redor de si, um Estado familístico e clientelista [41].
A propósito escreve o romancista, reconstruindo o que era a federação de
senhores patrimoniais locais, antes que o patriarca tomasse com mão de ferro o
poder, eliminando os seus concorrentes:
(...) era um peixe fugitivo que nadava sem deus nem
lei, num palácio de vizinhança, perseguido pela turva voraz dos últimos
caudilhos da guerra federal que tinham me ajudado a derrubar o general poeta
Lautaro Muñoz, um déspota ilustrado que Deus tenha na sua santa glória com os
seus missais de Suetónio em latim e os seus quarenta e dois cavalos de sangue
azul, mas em troca dos seus serviços de armas tinham se apoderado das fazendas
e gados dos antigos senhores proscritos e tinham se repartido o país em
províncias autônomas com o argumento inapelável de que isso é o federalismo,
meu general, por isso temos derramado o sangue das nossas veias, e eram reis
absolutos nas suas terras, com as suas próprias leis, as suas festas pátrias
pessoais, o seu papel moeda assinado por eles mesmos, os seus uniformes de gala
(...) copiados de antigos desenhos de vice-reis da pátria antes dele, e eram
broncos e sentimentais, senhor, entravam na casa presidencial pela porta grande
sem licença de ninguém pois a pátria é de todos meu general, por isso temos-lhe
sacrificado a vida, acampavam na sala de festas com seus filhos de harém
paridos e os animais de granja dos tributos de paz que exigiam na sua passagem
por todas partes para que nunca lhes faltasse o que comer, levavam uma escolta
pessoal de mercenários bárbaros que em lugar de botas envolviam os pés em
farrapos e apenas sabiam se expressar em língua cristã, mas eram sábios em
matéria de fraudes de dados e ferozes e destros no manejo das armas de guerra,
de forma que a casa do poder parecia um acampamento de ciganos, senhor, tinha um cheiro denso de crescente de rio, os
oficiais do estado maior tinham levado para as suas fazendas os móveis da república,
sorteavam no jogo de dominô os privilégios do governo indiferentes às súplicas
de sua mãe Bendición Alvarado que não tinha um instante de repouso tratando de
varrer tanto lixo de feira, tentando pôr nem que fosse um pouco de ordem no
naufrágio, pois ela era a única que tinha tentado resistir ao aviltamento
irremediável da gesta liberal (...).[42]
O próprio
tirano reconhece que a bagunça corria por conta não apenas dessa fajuta
federação de sátrapas, mas ela estava instalada na própria casa do poder:
(...) aquilo
não parecia então uma casa presidencial, mas um mercado, onde tinha de se abrir
caminho entre ordenanças descalços que descarregavam burros com hortaliças e
balaios de galinhas nos corredores, saltando por cima de comadres com afilhados
famintos que dormiam amontoadas nas escadas para esperar o milagre da caridade
oficial (...).[43]
O Ditador
tentará pôr ordem nessa bagunça familística. O caminho para a finalidade
colimada é simples: as forças armadas, postas incondicionalmente ao seu
serviço, permitir-lhe-ão se colocar por cima dos senhores patrimoniais locais,
a fim de enfeixar na sua única mão o poder supremo, sem esses incômodos e
corruptos concorrentes. No entanto, o tirano deverá pagar o preço da fidelidade
dos seus homens de armas e do seu gabinete, desviando para eles os recursos
públicos de que antes se apropriavam os tiranetes locais, num processo de
corrupção sistêmica muito semelhante aos nossos affaires de sanguessugas
e quejandos. A propósito desse processo de cooptação do estamento militar,
escreve García Márquez:
(...) para que ninguém ficasse sem comprovar que ele
era de novo o dono de todo o seu poder com o apoio feroz de umas forças armadas
que tinham voltado a ser as de antigamente a partir do momento em que ele
distribuiu entre os membros do comando supremo os carregamentos de alimentos e
remédios e os materiais de assistência pública da ajuda externa, a partir do
momento em que as famílias de seus ministros desfrutavam domingos de praia nos
hospitais portáteis e nas barracas de lona da Cruz Vermelha, vendiam ao
ministério da saúde os carregamentos de plasma sangüíneo, as toneladas de leite
em pó que o ministério da saúde revendia aos hospitais de pobres, os oficiais
do estado-maior direcionaram as suas ambições para os contratos de obras
públicas e os programas de reabilitação empreendidos com o empréstimo de
emergência que concedeu o embaixador Warren em troca do direito de pesca sem
limites dos barcos de seu país em nossas águas territoriais (...).[44]
Já na
maturidade da sua vida de Ditador, o patriarca tentará voltar à simplicidade
perdida, dissolvendo as forças armadas, diminuindo o ministério até o mínimo
possível e centrando toda a racionalidade da administração no funcionamento da
sua casa. O poder volta à sua forma essencial: a domus do Senhor
Patrimonial, que não pretende morrer como os outros mortais:
(...) compra-se duas ou três coisas mais e já está,
nem pratos nem colheres nem nada, tudo isso eu trago dos quartéis porque já não
vou ter mais gente de tropa, nem oficiais, que caralho, somente servem para
aumentar os gastos com leite e na hora das definições, já vimos isso, cospem na
mão que lhes serve a comida, fico sozinho com a guarda presidencial que é gente
direita e brava e não volto a nomear nem gabinete de governo, que caralho, só
um bom ministro da saúde que é o único necessário na vida, e talvez outro com
boa caligrafia para o que seja necessário escrever e assim pode-se alugar os
ministérios e os quartéis e destina-se esse dinheiro ao serviço, consegue-se
duas boas domésticas, uma para a faxina e a cozinha e outra para lavar e passar
e eu mesmo posso me encarregar das vacas e dos pássaros quando houver, e não
mais bagunça de putas nas privadas nem pedintes nos jardins de rosas nem
doutores de letras que tudo sabem nem políticos sábios que tudo vêm, que no
final das contas isto é uma casa presidencial e não um bordel de negros como
disse Patrício Aragonés que disseram os gringos, e eu só me basto com fartura
para seguir mandando até que volte a passar o cometa, e não uma vez mas dez,
porque sou o que sou e eu não penso morrer mais, que caralho, que morram os
outros (...).[45]
O bem
público é o bem privado do Ditador e da sua família. A mãe do déspota,
Bendición Alvarado, assemelha-se a Letícia, a progenitora de Napoleão Bonaparte,
que, embora instalada no palácio que o filho lhe deu em Paris e vivendo rodeada
da pompa do Império, ainda fazia economias na expectativa temerosa de “tempos
difíceis”. Apesar das aparências de modéstia financeira, a mãe do tirano era a
principal “laranja” dele, sem sabe-lo:
(...) Bendición Alvarado teria de viver muitos anos
se lamuriando da pobreza, brigando com as empregadas pelas contas do mercado e
até esquecendo almoços para economizar, sem que ninguém se atrevesse a lhe
revelar que era uma das mulheres mais ricas da Terra, que tudo quanto ele
acumulava com os negócios do governo registrava-o em nome dela, que não só era
dona de terras sem medida e gados incontáveis mas também dos bondes locais, do
correio e do telégrafo e das águas da nação, de modo que cada barco que
navegava pelos afluentes amazônicos ou pelos mares territoriais tinha de lhe
pagar um direito de passagem que ela ignorou até a sua morte (...).[46]
Já a esposa
do Ditador, Letícia Nazareno, à maneira da mulher de Bonaparte, Josefina, não
tinha limites nem escrúpulos para os seus gastos. Diferentemente, porém, da
Imperatriz da França que era adicta ao consumo de luxo, a ex-noviça, no
entanto, mandava para o governo a pesada conta dos inúteis gastos com
bugigangas da mais variada natureza:
(...) Letícia Nazareno tinha esvaziado os bazares
dos hindus de seus terríveis cisnes de vidro e espelhos com marcos de caracóis
e cinzeiros de coral, despojava de tafetás mortuários as tendas dos sírios e
levava a mãos cheias os sartais de peixinhos de ouro e as figas de proteção dos
prateiros ambulantes da rua do comércio que lhe gritavam na cara que és mais
zorra que as zorras azuis que levava penduradas no pescoço carregava com tudo
quanto encontrava no seu caminho para satisfazer o único que lhe restava da sua
antiga condição de noviça que era o seu mau gosto infantil e o vício de pedir
sem necessidade, só que então não tinha que mendigar pelo amor de Deus nos
saguões perfumados de jasmins do bairro dos vice-reis mas carregava em furgões
militares quanto agradava à sua vontade sem mais sacrifícios de sua parte que a
ordem peremptória de que mandem a conta ao governo. Era tanto como dizer que
cobrassem a Deus, porque ninguém sabia desde então se ele existia de verdade,
tinha-se tornado invisível, víamos os muros fortificados na colina da Praça de
Armas, a casa do poder com a sacada dos discursos lendários (...).[47]
A
legislação, que nos Estados modernos ocidentais emergentes do Contrato Social
consistia numa formulação clara e impessoal das normas, no contexto
patrimonialista da casa-grande-governo presidida pelo Ditador era fruto do
conchavo familístico, geralmente ditada por interesses de alcova. É o que
acontece com a lei que restabeleceu o culto católico, que tinha sido banido
pelo tirano quando o enviado papal pôs em dúvida a santidade da mãe do dono do
poder, recentemente falecida. A propósito, encontramos o seguinte trecho:
(...) tinham sido abertos de novo os templos
fechados e os conventos e cemitérios tinham sido devolvidos às suas antigas
congregações por outra ordem sua que tampouco tinha dado mas aprovou, tinham
sido restabelecidas as antigas festas religiosas e os usos da quaresma e
entravam pelas sacadas abertas os hinos de júbilo das multidões que antes
cantavam para exaltar a sua glória e agora cantavam ajoelhadas sob o sol
ardente para celebrar a boa nova de que tinham trazido Deus num navio meu
general, de verdade, tinham-no trazido por ordem tua, Letícia, por uma lei de
alcova como tantas outras que ela
promulgava em segredo sem consultar com ninguém e que ele aprovava em público
para que não parecesse perante os olhos de ninguém que tinha perdido os
oráculos de sua autoridade pois eras tu a potência oculta daquelas procissões
sem término que ele contemplava assombrado da janela de seu dormitório (...).[48]
O nepotismo
sem limites é outra das características que marcam esse reino familístico,
estruturado ao redor da alcova presidencial. Basta ser parente da esposa do
Ditador, para ter garantido o seu quinhão na generosa burocracia e nos negócios
do Estado. Como lembra Simon Schwartzman, ao passo que para outras culturas a
política é um meio para favorecer os negócios, para os latino-americanos é o
grande negócio, um negócio que é, antes de tudo, empreendimento familiar:
(Letícia Nazareno) regressava após o ordenho ao teu
quarto cheiroso a besta de escuridão para te seguir dando quanto quiseres,
muito mais que a herança sem medidas de sua mãe Bendición Alvarado, muito mais
do que nenhum ser humano teria sonhado sobre a terra, não só para ela mas
também para os seus parentes inúmeros que chegavam desde as ilhotas incógnitas
das Antilhas sem outra fortuna que a pele que carregavam nem mais títulos que os de sua identidade de
Nazarenos, uma família áspera de homens intrépidos e mulheres abrasadas pela
febre da ambição que tinham tomado de assalto os estancos do sal, o tabaco, a
água potável, os antigos privilégios com que ele tinha favorecido os
comandantes das diferentes armas para mantê-los afastados de outra classe de
ambições e que Letícia Nazareno tinha-lhes arrebatado aos poucos por ordens
suas que ele não dava mas aprovou (...). [49]
A história
do país caribenho presidido pelo Ditador é a gesta da privatização do espaço
público e dos bens do Estado pelos titulares do poder, condição que torna a
República uma empresa sempre falida. O princípio básico da economia
patrimonialista é: “privatização de lucros, socialização de prejuízos”. É um
negócio da China para quem está no andar de cima. É falência garantida para a
sociedade que, com os seus impostos, paga as aventuras dos tiranetes. Essa
situação revela-se simbolicamente na casa presidencial, praticamente vazia de
mobília, que terminou sendo roubada pelos vários inquilinos da presidência da
República. Escreve a respeito García Márquez:
(...) a própria Bendición Alvarado (...) evocava a
lembrança do filho que não encontrava por onde começar a governar naquela
desordem, não se achava nem uma erva de chá para a febre, naquela casa imensa e
sem mobília na qual nada restava de valor apenas os quadros dos vice-reis
comidos pelas traças bem como as telas com os retratos dos arcebispos da
grandeza morta da Espanha, todo o resto tinha sido levado aos poucos pelos
presidentes anteriores para os seus domínios privados, não deixaram nem rastro
do papel de parede de episódios heróicos, os quartos estavam cheios de
desperdícios de quartel (...).[50]
A sociedade
patrimonialista presidida pelo caudilho volta a ser, no final, o que tinha sido
no começo: a casa do tiranete, onde ele manda sem nenhuma liturgia, pessoalmente,
de viva voz, porque o que interessa é o andamento da casa e mais nada. Restam o
Ditador e a sua coorte de mendigos, pedintes e bajuladores, que nisso se
converteu a outrora florescente República, tendo sido transformada a população
em eterna dependente dos favores do caudilho, durante décadas de prática de
políticas populistas. A lei não é mais o ordenamento jurídico emergente de uma
longa tradição, que se sedimenta em práticas consagradas pelos juristas. A lei
é a vontade do caudilho e mais nada. O tirano desfruta do ato de mandar pelo
prazer de mandar, sem nenhuma objetividade que o obrigue a ter um mínimo de
coerência. A sua residência é, assim, uma espécie de “casa da mãe Joana”, é o
lugar onde a loucura imperante é fiel reflexo da mente doentia do Ditador:
(...) Mas, quando deixaram-no outra vez sozinho com
sua pátria e o seu poder não voltou a envenenar o seu sangue com a cumplicidade
da lei escrita, mas governava de viva voz e de corpo presente todas as horas e
em todas partes com uma parcimônia rupestre mas também com uma diligência
inconcebível na sua idade, assediado por uma multidão de leprosos, cegos e
paralíticos que suplicavam de suas mãos o sal da saúde, e políticos letrados e
aduladores impávidos que o proclamavam corregedor dos terremotos, dos eclipses,
dos anos bissextos e outros erros de Deus, arrastando por toda a casa as suas
grandes patas de elefante na neve enquanto resolvia problemas de estado e
assuntos domésticos com a mesma simplicidade com que ordenava que tirem essa
porta daí e a coloquem lá, a tiravam, que a voltem a colocar (...). [51]
Nessa
República de mentira (pois não é res publica, mas res privata ou coisa
nossa), a única possibilidade de alguém vingar consiste em se deixar
cooptar pelo dono do poder que, para início de conversa, desconfia de todo
mundo como de um potencial traidor. García Márquez insiste numa característica
que também é destacada por Octavio Paz em El ogro filantrópico:
[52]
o caudilho patrimonial é uma figura ambígua, pai de um lado, ogre de outro. É
pai, porque se deixa levar pela “confiança do coração” e guinda anônimos
súditos do nada da sua miserável cotidianidade até as mais altas posições; é
ogre porque exige fidelidade e está disposto a castigar severamente a todo
aquele que ousar trai-lo. O déspota confessava, efetivamente, que
(...) o inimigo mais temível estava dentro de si
próprio na confiança do coração, que os próprios homens que ele armava e fazia
progredir para que sustentassem o seu regime acabam tarde ou cedo por cuspir na
mão que lhes dava de comer, ele os aniquilava de um golpe, tirava outros do
nada, elevava-os aos graus mais altos assinalando-os com o dedo segundo os
impulsos de sua inspiração, tu a capitão, tu a coronel, tu a general, e todos
os outros a tenentes, que caralho, via-os crescer dentro do uniforme até
estourarem as costuras, perdia-os de vista e uma casualidade (...) permitia-lhe
descobrir que não era só um homem que tinha falhado mas todo o alto comando de
umas forças armadas que mais servem para aumentar as despesas com leite e que
na hora decisiva sujam no prato em que acabam de comer (...).[53]
Do processo
de cooptação não escapa nem a própria Igreja: para poder exercer a sua missão
evangelizadora, tem de agradar ao déspota, fazendo tudo que ele espera para
reforçar a sua proeminência, e a da sua família, em face da sociedade. O
castigo é severo para com os prelados que se esquecerem dessa condição de
subserviência ao dono do poder. O Ditador regula as relações dos seus súditos
com Deus e não tem a menor hesitação quando a preservação da sua autoridade
absoluta exige um castigo exemplar, mesmo que se trate do próprio representante
do Papa, que cometeu o crime de duvidar da santidade da mãe do Ditador,
recentemente falecida:
(...) e então deu a ordem de que colocassem o núncio
numa balsa de náufragos com provisões para três dias e o deixassem ao léu na
rota dos cruzeiros da Europa para que todo mundo saiba como terminam os
forasteiros que levantam a mão contra a majestade da pátria, e que até o papa
aprenda desde já e para sempre que poderá ser muito papa em Roma com o seu anel
no dedo na sua poltrona de ouro, mas que aqui eu sou o que sou eu,
caralho, bundinhas de merda. Foi um
recurso eficaz, pois antes do fim daquele ano foi instaurado o processo de
canonização de sua mãe Bendición Alvarado cujo corpo incorrupto foi exposto à
veneração pública na nave maior da basílica primaz, cantaram glória nos
altares, derrogou-se o estado de guerra que ele tinha proclamado contra a Santa
Sé, viva a paz, gritavam as multidões na praça de armas, viva Deus, gritavam,
enquanto ele recebia em audiência solene o auditor da Sagrada Congregação do
Rito e promotor e postulador da fé, monsenhor Demetrio Aldous, conhecido como o
eritreno, a quem tinha sido encomendada a missão de esmiuçar a vida de Bendición
Alvarado até que não ficasse nem o menor traço de dúvida na evidência de sua
santidade (...). [54]
Como o
déspota achasse lentos demais os procedimentos do Vaticano no que tangia ao
processo de canonização de sua santa mãe, decidiu romper de novo com o Papa e
promulgar, à la Rousseau, uma Religião Civil, da qual ele seria a
cabeça. A primeira providência da recém nascida igreja seria a proclamação da
santidade da mãe do novo pontífice:
(...) assumiu de viva voz e de corpo presente a
responsabilidade solene de interpretar a vontade popular mediante um decreto
que concebeu por inspiração própria e ditou sob sua responsabilidade sem
prevenir as forças armadas nem consultar os seus ministros, e em cujo artigo
primeiro proclamou a santidade civil de Bendición Alvarado por decisão suprema
do povo livre e soberano, nomeou-a padroeira da nação, curadora dos doentes e
mestra dos pássaros e declarou dia de festa nacional a data do seu nascimento,
e no artigo segundo e a partir da promulgação do presente decreto foi declarado
o estado de guerra entre esta nação e as potências da Santa Sé com todas as
conseqüências que para esses casos estabelecem o direito de gentes e os
tratados internacionais vigentes, e no
artigo terceiro ordenou-se a expulsão imediata, pública e solene do senhor
arcebispo primaz e a conseqüente expulsão dos bispos, dos prefeitos
apostólicos, dos padres e freiras e quantas gentes nativas ou forâneas tivessem
algo a ver com os assuntos de Deus (...). [55]
Da dinâmica
do patrimonialismo é próprio o controle sobre a mídia. Os auxiliares do déspota
são ciosos no que tange à preservação da sua imagem. Numa espécie de “hora do
Brasil” são repassadas à sociedade as informações diárias devidamente
maquiadas, a fim de semear a tranqüilidade entre os felizardos cidadãos. As
notícias são ilicitamente processadas por uma engenhoca que lê diretamente os
pensamentos do dono do poder, e os formata devidamente e com grande rapidez,
tudo para manter incólume “a nau do progresso dentro da ordem”. A respeito,
confessa um dos subordinados do Ditador:
(...) tivemos de utilizar este recurso ilícito para
preservar do naufrágio a nau do progresso dentro da ordem, foi uma inspiração
divina, general, graças a ela tínhamos conseguido esconjurar a incerteza do
povo num poder de carne e osso que na última quarta-feira de cada mês prestava
um informe sedativo de sua gestão de governo através da rádio e a televisão do
estado, eu assumo a responsabilidade, general, eu coloquei aqui este floreiro
com seis microfones em forma de girassóis que registravam o seu pensamento ao
vivo, era eu quem fazia as perguntas que ele respondia na audiência das
sextas-feiras sem suspeitar que as suas respostas inocentes eram os fragmentos
do discurso mensal dirigido à nação (...). [56]
Controle
sobre a mídia, controle sobre as consciências. O Ditador é capaz de tolerar as
falhas dos seus súditos depois de ter garantido a segurança do seu poder total.
Mas não perdoa aos intelectuais. Esses põem em risco, a qualquer momento, a
estabilidade das instituições. Daí por que, quando é proclamada a anistia
“ampla, geral e irrestrita”, os únicos a ficar de fora são os “homens de
letras”:
(...) nunca voltamos a ouvir aquela frase até depois
do ciclone quando proclamou uma nova anistia para os presos políticos e
autorizou o regresso de todos os banidos salvo os homens de letras, sem dúvida,
esses jamais, têm febre à flor da pele como os galos finos quando estão
emplumando de forma que não servem para nada senão quando servem para algo,
disse, são piores do que os políticos, piores do que os padres, imagine, mas
que venham todos os outros sem distinção de cor para que a reconstrução da
pátria seja uma empresa de todos (...). [57]
O Ditador,
rigoroso para com os auxiliares traidores ou relapsos, intolerante para com os
intelectuais, é tremendamente compreensivo para com os déspotas destronados. É
evidente que essa filantropia (= pilantropia) tem um preço para os que
se acolhem ao asilo do caudilho: os protegidos devem deixar-se limpar os bolsos
no cassino em que foi convertida casa presidencial:
(...) mas ele concedia-lhes asilo político sem
prestar maior atenção nem revisar credenciais porque o único documento de
identidade de um presidente deposto deve ser o atestado de óbito, dizia, e com
o mesmo desprezo escutava o discursinho ilusório de que aceito por pouco tempo
a sua nobre hospitalidade enquanto a justiça do povo chama o usurpador a
prestar contas, a eterna fórmula de solenidade pueril que pouco depois escutava
ao usurpador, e logo ao usurpador do usurpador como se não soubessem os muito
tolos que nesse negócio de homens quem despencou despencou e hospedava a todos
por uns meses na casa presidencial, obrigava-os a jogar dominô até despoja-los
do último céntimo (...).[58]
IV –
Natureza Edipiana do Ditador
O caudilho não nasceu para o amor. A grande
paixão de sua vida, a bela Manuela Sánchez, esnoba-o sistematicamente. A
formosa mulher encontra no decrépito Ditador “o ancião mais antigo da terra”,
um homem triste, que busca uma resposta positiva da amada que, por sua vez, se
mantém distante desse homem esquálido, que mais parecia um cadáver que um ser
humano vivente. O general espalha ao seu redor, sem querer, o Nada que o
consome. A amada, pelo contrário, é portadora da brasa da rosa da vida. É belo
o contraste que o escritor consegue fazer entre a formosura juvenil de Manuela
Sánchez e a sombria velhice do Ditador:
(...) esperou sem sequer pensar no seu próprio
estado até que a mãe de Manuela Sánchez fê-lo entrar na fresca penumbra com
cheiro de restos de peixe da sala ampla e simples de uma casa dormida que era
maior por dentro que por fora, examinava o âmbito de sua frustração desde um
tamborete de couro em que tinha sentado enquanto a mãe de Manuela Sánchez a
acordava da sesta, viu as paredes salpicadas de goteiras de chuvas velhas, um
sofá roto, outros dois tamboretes com fundos de couro, um piano sem cordas no
canto, mais nada, caralho, tanto sofrer para esta contrariedade, suspirava,
quando a mãe de Manuela Sánchez regressou com uma cesta de costura e sentou a
tecer rendas enquanto Manuela Sánchez vestia-se, penteava-se, calçava os seus
melhores sapatos para atender com a devida dignidade ao velho imprevisto que
perguntou-se, perplexo, onde estarás Manuela Sánchez da minha desgraça que
venho te buscar e não te encontro nesta casa de mendigos (...) me tira do
calabouço destas dúvidas de cachorro, suspirava, quando a viu aparecer na porta
interior como a imagem de um sonho refletida no espelho de outro sonho com um
vestido de étamine (...) o cabelo recolhido às pressas com uma peineta, os
sapatos rotos, mas era a mulher mais formosa e mais altiva da terra com a rosa
acessa na mão, uma visão tão deslumbrante que ele apenas teve controle para se
inclinar quando ela o cumprimentou com a cabeça erguida Deus guarde a sua
excelência, e sentou-se no sofá (...) e então atrevi-me a fitá-lo de frente por
primeira vez fazendo girar com os dedos a brasa da rosa para que não fosse
visível o meu terror, perscrutei sem piedade os lábios de morcego, os olhos
mudos que pareciam me olhar desde o fundo de um lago (...) o seu traje de linho
esquálido como se dentro não estivesse ninguém, os seus enormes sapatos de
morto, o seu pensamento invisível, o seu poder oculto, o ancião mais antigo da
terra, o mais temível, o mais aborrecido e o menos compadecido da pátria que se
abanava com o chapéu de capataz me olhando em silêncio desde a outra margem,
meu Deus, que homem tão triste, pensei assustada, e perguntei sem compaixão em
que posso lhe servir excelência, e ele respondeu com um ar solene que somente venho lhe pedir um favor, majestade, que receba
esta visita. Visitou-a sem descanso durante meses e meses, todos os dias nas
horas mortas do calor em que costumava visitar a sua mãe para que os serviços
de segurança acreditassem que estava na mansão dos subúrbios (...). [59]
A bela
Manuela é coroada rainha da beleza por indicação do Ditador. Mas a jovem não
quer corresponder à corte do velho caudilho, que espalha a morte na ânsia de se
tornar dono da vida da amada, considerado por ela como um “pretendente abominável”:
(Manuela Sánchez) não queria saber nada da vida
desde o sábado negro em que me aconteceu a desgraça de ser rainha, naquela
tarde acabou o mundo, os seus antigos pretendentes tinham morrido um após outro
fulminados por colapsos impunes e doenças inverossímeis, as suas amigas
desapareciam sem deixar rastro, tinham-na levado sem tira-la de sua casa para
um bairro de estranhos, estava sozinha, vigiada nas suas intenções mais
íntimas, cativa numa cilada do destino em que não tinha coragem para dizer não
nem tinha suficiente coragem para dizer que sim a um pretendente abominável que
a vigiava com um amor de asilo, que a contemplava com uma espécie de
estupefação reverencial abanando-se com o chapéu branco, empapado de suor, tão
longe de si mesmo que ela tinha-se perguntado se de verdade a enxergava ou se
era apenas uma visão de espanto (...).[60]
O seu
relacionamento com Letícia Nazareno, a mulher que lhe dá o único filho que
reconhecerá como legítimo, não é pautado pela igualdade que faz os amantes
parceiros das suas vidas, mas somente se torna possível no seio de uma “piedade
materna”, que lembra a figura tutelar de Bendición Alvarado (figura que, aliás,
prolonga a grande lista de mulheres fecundas e fortes de que está povoada a
narrativa de García Márquez). O Ditador é monstruoso demais para suscitar
paixão. Suscita compaixão. Somente recebe atenção da mulher no contexto “do
auxílio de sua misericórdia” (maternal), no primeiro encontro que tiveram, no
meio das águas do rio:
(...) e ele fazia o que ela (Letícia Nazareno) lhe
ordenava com uma obediência infantil pensando minha mãe Bendición Alvarado como
caralho farão as mulheres para fazer as coisas como se as estivessem
inventando, como farão para ser tão homens, pensava, na medida em que ela o ia
despojando da parafernália inútil de outras guerras menos temíveis e desoladas
do que aquela guerra solitária com a água no pescoço, tinha morrido de terror
ao abrigo daquele corpo cheiroso a sabão de pinho quando ela terminou de lhe
tirar as fivelas dos dois cintos e lhe soltei os botões da barriguilha e fiquei
crispada de horror porque não encontrei o que procurava mas o testículo enorme
nadando como um sapo na escuridão, largou-o assustada, afastou-se, anda com a
tua mãe que te troque por outro, disse-lhe, tu não serves, pois o tinha
derrotado o mesmo medo ancestral que o manteve imóvel diante da nudez de
Letícia Nazareno em cujo rio de águas imprevisíveis não haveria de entrar (...)
enquanto ela não lhe prestasse o auxílio de sua misericórdia (...).[61]
A relação de
Letícia Nazareno com o Ditador tem como marca o sentimento maternal. A eventual
relação sexual com a sua mulher é algo de passageiro e, no quadro que o
escritor pinta, ocupa um lugar de segundo plano. A figura que ocupa o espaço
não é a amante correspondida com paixão avassaladora. A “felicidade senil” do
caudilho consiste em ser cuidado como uma criança, posta nas mãos de uma mãe
previdente, de seios totêmicos:
(...) consciente de que nas sombras de sua
felicidade senil não havia mais tempo que o de Letícia Nazareno da minha vida
no caldo de camarões nos descansos sufocantes da sesta, não havia mais anseios
que os de estar nu contigo na esteira empapada de suor sob o morcego cativo do
ventilador elétrico, não havia mais luz que a das tuas nádegas, Letícia, nada
mais do que as tuas tetas totêmicas, os teus pés planos, o teu raminho de
arruda para um remédio, os janeiros opressores da remota ilha de Antigua de
onde vieste ao mundo numa madrugada de solidão sulcada por um vento ardente de
lamaçais podres, tinham-se trancado no quarto dos convidados de honra com a
ordem pessoal de que ninguém se aproxime a cinco metros dessa porta que vou
estar muito ocupado aprendendo a ler e escrever (...) Letícia Nazareno apartava
o testículo para lhe limpar os restos do cocô do último amor, submergia-o nas
águas lustrais da banheira de peltre com patas de leão e o ensaboava com
sabonete de reuter e o esfregava com esfregão de esparto (...) besuntava-lhe as
bisagras das pernas com manteiga de cacau para lhe aliviar as escaldaduras do
bragueiro, passava pó com ácido bórico na estrela murcha do cu e lhe dava
tapinhas de mãe terna nas nádegas pelo teu mal comportamento com o ministro da
Holanda, plas, plas, pediu-lhe como penitência que permitisse o regresso ao
país das comunidades de pobres para que voltassem a se encarregar de orfanatos
e hospitais (...).[62]
Essa figura
maternal, “único e legítimo amor” do Ditador, termina se convertendo em
realidade evanescente na perda acelerada de memória que precede à morte do
caudilho, ficando apenas, como única lembrança, a presença da Mulher possuidora
do arquétipo de todas as mulheres: Bendición Alvarado. A imagem materna tudo
preenche com a sua presença arcaica, que se torna mais forte na medida em que
se aproxima o seu fim:
(...) Letícia Nazareno, meu único e legítimo amor,
suspirava, escrevia os suspiros nas tiras de memoriais amarelados que enrolava
como cigarros para esconde-los nos cantos menos pensados da casa onde somente
ele pudesse encontra-los para se lembrar de quem era ele mesmo quando já não
pudesse se lembrar de nada, onde ninguém jamais os achou quando inclusive a
imagem de Letícia Nazareno acabou de escorregar pelos deságües da memória e
somente restou a lembrança indestrutível de sua mãe Bendición Alvarado nas
tardes de adeuses da mansão dos subúrbios, sua mãe moribunda que chamava as galinhas fazendo
soar os grãos de milho numa cabaça para que ele não advertisse que estava
morrendo, que continuava a lhe trazer os sucos de frutas à rede pendurada entre
as tamareiras para que ele não suspeitasse que apenas se conseguia respirar de
dor, a sua mãe que o tinha concebido sozinha, que esteve apodrecendo sozinha
até que o sofrimento solitário tornou-se tão intenso que foi mais forte que o
orgulho e teve de pedir ao filho que olhes nas minhas costas para ver por que
sinto este ardor de brasas que não me deixa viver (...).[63]
A lenta
morte da mãe é, para o Ditador, um apagar geral de luzes, anúncio do seu
próprio fim. Contrastando com a dureza do caudilho, o filho cuida
carinhosamente do corpo adoentado da mãe, corpo que vai se consumindo num
progressivo apodrecimento que se transforma em silêncio. A mãe moribunda é,
ainda, a voz que se preocupa pela vida, encarnada nos bichos da casa. Não é à
toa que, após o seu falecimento, será honrada com o título de “santa padroeira
dos pássaros”. O filho come no mesmo prato da mãe moribunda, como que a
antecipar o seu próprio fim. Mas, paradoxo da imaginação criadora do escritor,
da mãe morta emerge, glorificado, o corpo incorruptível de Bendición Alvarado,
imagem da vida que permanece e centro dos desejos edipianos do general. No
corpo glorioso da mãe, o frustrado amante encontrará a satisfação que lhe foi
negada pelas mulheres que passaram pela sua vida. Não satisfação passageira,
mas a experiência da incorruptibilidade, da vitória sobre o Nada, do regresso
glorioso ao Ser. A propósito, García Márquez escreve:
(...) ninguém voltou a vê-lo nos estábulos de
ordenho nem nos quartos das concubinas onde sempre tinha sido visto ao
amanhecer mesmo nos piores tempos, o próprio arcebispo primaz tinha se
oferecido para administrar à moribunda os últimos sacramentos mas ele tinha-o
deixado plantado na porta, ninguém está morrendo, padre, não acredite em
rumores, disse-lhe, compartilhava a comida com a sua mãe no mesmo prato com a
mesma colher apesar do ar de dispensário de peste que se respirava no quarto,
dava-lhe banho antes de deita-la com sabão de cachorro agradecido enquanto o
coração partia-se-lhe de pena pelas instruções que ela dava com os seus últimos
fios de voz sobre o cuidado para com os animais depois de sua morte, que não
depenassem os pavões reais para fazer chapéus, sim mãe, dizia ele, e
passava-lhe creolina pelo corpo todo, que não obriguem os pássaros a cantar nas
festas, sim mãe, e a envolvia no lençol de dormir, que tirem as galinhas dos
ninhos quando houver trovoada para que não criem basiliscos, sim mãe, e a
deitava com a mão no coração, sim mãe, durma devagar, beijava-a na testa,
dormia as poucas horas que lhe restavam jogado de bruços perto da cama,
pendente das derivas de seu sono, pendente dos delírios intermináveis que iam
se tornando mais lúcidos na medida em que se aproximava a morte, aprendendo com
as suas raivas acumuladas de cada noite a suportar a raiva imensa da
segunda-feira de dor em que o acordou o silêncio horrível do mundo ao amanhecer
e era que a sua mãe de minha vida Bendición Alvarado tinha parado de respirar,
e então desembrulhou o corpo nauseabundo
e viu no resplendor tênue dos primeiros galos que havia outro corpo idêntico com
a mão no coração impresso de perfil no lençol, e viu que o corpo impresso não
tinha feridas de peste nem estragos de velhice mas que era robusto e terno como
pintado na tela por ambos os lados do sudário (...).[64]
Considerações
Finais
O Patriarca de García Márquez é o arquétipo do
Ditador latino-americano. É um modelo que se encontra encarnado na lendária
figura de Juan Vicente Gómez. Gerações e gerações de caudilhos encontram, nele,
também, a sua identidade. O valor da narrativa do Prêmio Nobel colombiano radica
justamente aí: em ter proposto um arquétipo identificador de um modo de ser: o
correspondente aos nossos Ditadores, no contexto da tradição patrimonialista
ibérica, transplantada para estas latitudes pelas nossas elites. É, outrossim,
arquétipo que se concretiza em figuras contemporâneas, de carne e osso, fortes
Ditadores que polarizam as atenções na América Latina, embora esse modelo
esteja em declínio pelo mundo afora. Refiro-me a Fidel Castro e ao seu
substituto no imaginário caribenho, o presidente Hugo Chávez. Outras
personalidades tomam carona nessa liturgia de revivescência do caudilhismo,
como os presidentes Morales, da Bolívia, e Lula, do Brasil. Mas, certamente,
trata-se de imagens secundárias, na nova hagiografia da esquerda latino-americana.
Chávez/Fidel apresentam-se, hoje, como líderes ao
redor dos quais gira o poder, são personalidades carismáticas que tudo
concentram, a própria sociedade desloca-se na sua órbita. Poderiam dizer com
Luís XIV: O Estado sou Eu. Retardamento cultural latino-americano que,
em pleno século XXI, repete a fórmula do Iluminismo Absolutista dos séculos
XVII e XVIII. Chávez/Fidel são a síntese dos dois momentos do absolutismo: o
personalista de Luís XIV e o imperial de Napoleão Bonaparte. Com duas
diferenças: em primeiro lugar, o barroquismo do Patrimonialismo ibérico
impediu-os de construir, ao redor de si, uma burocracia racional, como as
ensejadas pelos Intendentes do Monarca, na França do Rei Sol, ou pelo Conselho
de Estado napoleônico, que constituiu a primeira versão da Ditadura
Científica. Napoleão instaurou, em 1804, um governo tecnocrático e
legiferante, em representação unipessoal das luzes da sociedade, concentradas
nele próprio e no seu Conselho.[65]
Foi o modelo que serviu de inspiração para as elucubrações acerca do Poder
alicerçado na Ciência, de que se desincumbiram, sucessivamente, Henri-Claude de
Saint-Simon (1760-1825) e Augusto Comte (1798-1857).
Em segundo lugar, Chávez e Fidel distanciam-se do
modelo absolutista francês em decorrência do fato de que a estrutura
patrimonialista do Estado, em Cuba e na Venezuela, derivou para um modelo
totalitário. Esse processo encontra-se em andamento sob Chávez, tendo-se
consolidado há mais de quatro décadas em Cuba, quando Fidel definiu que o seu
modelo era o de uma revolução marxista-leninista no molde soviético. O
Patrimonialismo é, em Cuba e na Venezuela, como foi na Rússia do início do
século XX, o corredor de entrada para o totalitarismo.[66]
No caso brasileiro, é bom recordar que a Segunda
Geração Castilhista, com Getúlio Vargas à testa, consolidou um modelo de
Patrimonialismo Estamental (ou de Patrimonialismo Modernizador), [67]
que ensejou o surgimento de uma burocracia racional em alguns itens da
administração do Estado, embora não tivesse conseguido alargar esse processo a
toda a máquina pública. Aí radica, a meu modo de ver, o elemento diferenciador
fundamental entre o Patrimonialismo brasileiro e o que vingou nos países
hispano-americanos, com exceção, talvez, do Chile e do México, onde a
influência do capitalismo tem conduzido a uma progressiva superação das
estruturas patrimoniais arcaicas. Lamentável é que, na atual conjuntura
latino-americana, o governo Lula terminou esquecendo esse elemento
diferenciador, para nivelar a sua política externa por caminhos que se
aproximam, em não poucos elementos, da trilha caudilhista e terceiro-mundista
de que Chávez é, sem dúvida alguma, o maior propagandista.
BIBLIOGRAFIA
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[1] Guizot, François. Histoire
de la Civilisation en Europe depuis la chute de l’Empire Romain jusqu’a la
Révolution Française. 8ª. Edição. Paris: Didier, 1864.
[2] A
expressão foi cunhada pelo professor Fernando Cristóvão, da Universidade de
Lisboa.
[3] GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel.
Entrevista concedida a Plinio Apuleyo Mendoza, in: APULEYO MENDOZA, El
olor de la guayaba. Bogotá: La Oveja Negra, 1982, p. 86.
[4] VELÁSQUEZ, Ramón J. Confidencias imaginarias de
Juan Vicente Gómez. (Prólogo de Jesús Sanoja Hernández). 8ª. Edição. Caracas: Ediciones Centauro, 1981, p. 10-11.
[5]
Cf. VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações Meridionais do Brasil
e Instituições Políticas Brasileiras. (1a. Edição num único
volume, organizada por Antônio Paim). Brasília: Câmara dos Deputados, 1982.
[6] VELÁSQUEZ, Ramón J. Ob cit., p.
7-8.
[7] Citado por VELÁSQUEZ, Ramón J.
In: Confidencias imaginarias de Juan Vicente Gómez. Ob. cit., p.
44-46.
[8] WEBER, Max. Economía y
Sociedad. (Tradução ao espanhol de José Medina Echavarría, et
alii). 1a. Edição em espanhol. México: Fondo de Cultura Económica, 1944,
vol. IV, p. 131-189.
[9] WITTFOGEL, Karl. Le
despotisme oriental – Étude comparative du pouvoir total. (Tradução
ao francês de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977, p. 66-269.
[10] GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. El
otoño del patriarca. 4ª. Edição. Buenos Aires: Debolsillo, 2005, p. 32.
[11] Ob. cit., p. 30.
[12] Ob. cit., p. 31-32.
[13] Ob. cit. p. 297-298.
[14] Ob. cit., p. 296-297.
[15] Ob. cit., p. 150.
[16] Ob. cit., p. 96-97.
[17] Ob. cit., p. 107-109.
[18] Ob. cit., p. 78-79.
[19] Ob. cit., p. 256-257.
[20] Ob. cit., p. 254.
[21] Ob. cit., p. 202.
[22] Ob. cit., p. 288.
[23] Ob. cit., p. 298-299.
[24] Ob. cit., p. 78.
[25] Ob. cit., p. 43.
[26] Ob. cit., p. 39-40.
[27] Ob. cit., p. 105-106.
[28] Ob. cit., p. 140-141
[29] Ob. cit., p. 90-91.
[30] Ob. cit., p. 102-104.
[31] Ob. cit., p. 144-145.
[32] Ob. cit., p. 45-46.
[33] Ob. cit., p. 92-93.
[34]
HEBREU, Leão (Jehuda Abravanel). Diálogos de amor. (Texto fixado,
anotado e traduzido por G. Manupella). Lisboa: Instituto Nacional de
Investigação Científica, 1983, v. I: texto italiano, notas, documentos; v. II:
versão portuguesa, bibliografia.
[35] Ob. cit., p. 93-94.
[36] Ob. cit., p. 95-96.
[37] Ob. cit., p. 215.
[38] Ob. cit., p. 216.
[39] Ob. cit., p. 13.
[40] Ob. cit., p. 42.
[41] A
respeito, vale a pena lembrar a quadrilha que o povinho recitava nas praças
públicas da Nova Granada, logo após o processo de independência da metrópole
espanhola: “Bolívar venció a los godos / Mas, desde ese infausto día / Por un
tirano que había / Se hicieron tiranos todos”.
[42] Ob. cit., p. 63-64.
[43] Ob. cit., p. 13.
[44] Ob. cit., p. 120-121.
[45] Ob. cit., p. 41.
[46] Ob. cit., p. 73.
[47] Ob. cit., p. 204-205.
[48] Ob. cit., p. 197.
[49] Ob. cit., p. 211-212.
[50] Ob. cit., p. 280-281.
[51] Ob. cit., p. 14-15.
[52] Cf. PAZ, Octavio. El ogro
filantrópico – Historia y Política 1971-1978. 4ª. Edição.
Barcelona: Seix Barral, 1983.
[53] Ob. cit., p. 129.
[54] Ob. cit., p. 162-163.
[55] Ob. cit., p. 177-178.
[56] Ob. cit., p. 260.
[57] Ob. cit., p. 120.
[58] Ob. cit., p. 24-25.
[59] Ob. cit., p. 86-87.
[60] Ob. cit., p. 91-92.
[61] Ob. cit., p. 183.
[62] Ob. cit., p. 193-195.
[63] Ob. cit., p. 148-149.
[64] Ob. cit., p. 151-152.
[65]
Cf. o meu ensaio “Napoleão I (1769-1821) Imperador dos Franceses: 200 anos”,
in: Carta Mensal, Rio de Janeiro, vol. 50, no. 595 (outubro
2004): p. 15-90.
[66]
Cf. PAIM, Antônio. A questão do socialismo, hoje. São Paulo:
Convívio, 1981, p. 104 seg.
[67]
Cf. PAIM, Antônio. A querela do estatismo. 1a. Edição.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. SCHWARTZMAN, Simon. Bases do
autoritarismo brasileiro. 1a. Edição. Rio de Janeiro:
Campus, 1982.
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