Este cronista em São João Del Rei, durante o IX Colóquio Antero de Quental (2011) |
No início de
2003 foi criado, no Departamento de Filosofia da UFJF, o Núcleo de Estudos
Ibéricos e Ibero-americanos. Surgiu em decorrência do interesse de estudantes
do Curso de Filosofia pelo estudo do pensamento filosófico brasileiro, bem como
do pensamento ibérico e ibero-americano, de forma geral. Considerei que a
preocupação dos meus alunos com o estudo da filosofia brasileira estava fora de
contexto, depois dos affaires de
patrulhamento ideológico que tinham sido protagonizados, entre 1975 e 1985,
pelo padre Henrique Cláudio de Lima Vaz e os seus discípulos, da Universidade
Federal de Minas Gerais e da Faculdade de Filosofia dos Jesuítas em Belo
Horizonte, que tinham tomado conta da comissão de filosofia da CAPES.
Efetivamente, à sombra desse patrulhamento ideológico, tinham definhado os
vários cursos de pós-graduação em pensamento brasileiro criados, entre 1972 e
1984, na PUC do Rio de Janeiro, na Universidade Gama Filho e na Universidade
Federal de Juiz de Fora. Pessoalmente, depois de todos esses fracassos, não
cogitava dedicar mais tempo às atividades de pesquisa e estudo sistemático do
pensamento brasileiro no seio da Universidade, deixando para uma perspectiva
puramente pessoal o aprofundamento nesses temas, ao ensejo da minha
participação no Projeto “Ensaio Hispânico”, que o amigo José Luis Gómez
Martinez tinha criado e dirigia na Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos.
Mas os meus alunos do curso de graduação em filosofia da UFJF, em 2003, não estavam
preocupados com o desânimo reinante em face das condições negativas para o
estudo da filosofia brasileira. Queriam saber, mesmo, o que havia para ser
estudado nessa seara e desejavam enveredar pelo caminho da pesquisa.
Para concretizar
esse propósito, programei, contrariando as minhas expectativas pessoais
negativas, uma primeira atividade. Foi desenvolvido, no período acadêmico desse
ano, o seminário de introdução ao estudo da filosofia brasileira, que teve como
fonte para as leituras a coletânea organizada pelo professor José Maurício de
Carvalho, da Universidade Federal de São João Del Rei, sob o título: Filosofia
brasileira. [1] Em
2004, por sugestão dos meus alunos, foi programado o seminário sobre a
filosofia dos mitos indígenas.[2] No
seio de uma tendência que se revelaria mais tarde de grande valor heurístico,
presente em vários deles, acolhi a sugestão de enveredar pelo estudo das
mitologias ameríndias.
De entrada,
deixei claro que não queria dar feição burocrática ao grupo de estudos,
preferindo que se sedimentasse numa agenda de atividades que efetivamente
fossem realizadas, de maneira consensual, pelos seus integrantes. Surgiu,
assim, o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da UFJF. Os alunos
fundadores foram: Alexandro Ferreira de Souza, Marco Antônio Barroso, César
Rafael Pitt, Humberto Schubert Coelho, Camila dos Santos, Bernardo Goytacazes
de Araújo, Júlia Junqueira e Jefferson Silveira Teodoro. Após a fundação do
Núcleo, passaram a integrá-lo também o professor Fabrício Oliveira, mestre e
pesquisador da Faculdade de Direito da UFJF, Flavio Carlos Octaviano, Paulo
Roberto Machado Tostes, Rosilene de Oliveira Pereira (Doutora e docente da
Faculdade de Educação), Regina Coeli Barbosa Pereira (Doutora e docente da
mesma Faculdade) e os alunos do curso de Filosofia da UFJF: Bruno Maciel,
Heloana Cardoso, Leonardo Rosa Maricato dos Santos, Eloiza Mara da Silva, Rosa
Maria Marangon, Myriam Toledo Augusto, Sérgio Luna Couto e Sandra Rodrigues
Eiterer.
Ao longo dos
anos 2005 e 2006, efetivaram-se diversos seminários sobre as mitologias
ameríndias, que deram ensejo à inclusão, no currículo do Curso de Filosofia da
UFJF, de uma série de “Seminários sobre Temas Especiais de História da
Filosofia”, que passaram a ser por mim oferecidos aos alunos da graduação, de
forma ininterrupta, entre 2005 e 2010. Os trabalhos ali apresentados pelos
alunos passaram a ser publicados na revista eletrônica Ibérica, criada por
iniciativa de Alexandro Ferreira de Souza e Marco Antônio Barroso.
Tomei carona na
iniciativa editorial dos meus alunos e ajudei a consolidar o Conselho
Consultivo da mencionada publicação, convidando figuras exponenciais da
pesquisa de história das idéias, no contexto luso-brasileiro e ibérico e
ibero-americano. Passaram, assim, a formar parte do mencionado Conselho,
Antônio Paim (do Instituto Brasileiro de Filosofia e do Instituto de
Humanidades), Leonardo Prota (do Instituto de Humanidades), José Esteves
Pereira (da Universidade Nova de Lisboa), Juan Carlos Torchía Estrada (da
Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e editor do Handbook of Latin American
Thought), José Luis Gómez Martinez (criador e coordenador do Projeto
Ensayo Hispánico na Universidade da Geórgia em Athens, Estados Unidos), Zdenek
Kourim (do Centre de Recherches Scientifiques da França e um dos principais
pesquisadores da Filosofia Brasileira nesse país), João Ricardo Moderno
(presidente da Academia Brasileira de Filosofia, no Rio de Janeiro), Enrique
Menéndez Ureña (da Universidade de Comillas, em Madri), etc.
Tanto pelo
estímulo recebido dos membros do Conselho Consultivo quanto pelo empenho dos
redatores, a Revista Ibérica consolidou-se, desde a sua
fundação em 2005, como publicação de alto nível no terreno da história das
idéias, tendo sido inclusive reconhecida pela CAPES como referência para os
cursos de pós-graduação da área de ciências humanas. Num país onde as
iniciativas culturais morrem rápido, o fato de uma publicação como Ibérica
ter atingido mais de cinco anos de existência, é um feito notável. A esta iniciativa
bem-sucedida, os meus alunos vieram somar outra: a revista eletrônica Cogitationes,
destinada a discutir temas da história da cultura, que atingiu também o
reconhecimento da CAPES como revista referencial na área de ciências humanas.
Ambas as publicações passaram a ser acolhidas no Portal Sofia, criado e
gerido por Alexandre Ferreira de Souza e Marco Antônio Barroso.
Outras
realizações importantes do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos (que
passou a formar parte, em 2007, do elenco de Núcleos de iniciação científica da
UFJF apoiados pelo CNPQ) foram as seguintes: a conferência sobre a significação
cultural e histórica da figura de Simón Bolívar no contexto ibero-americano,
pronunciada, em Junho de 2003, por José Luis Gómez Martinez, da Universidade de
Geórgia; a realização, em Setembro de 2006, do Colóquio de Pesquisadores da
Filosofia Brasileira em Minas Gerais (no decorrer do qual lancei o meu livro
intitulado: Luz nas trevas: ensaios sobre o Iluminismo, publicado pela
editora Ex-Libris de Guarapari-ES); a participação de vários membros do Núcleo
no Primeiro Congresso Luso-galaico-brasileiro, realizado na Universidade
Católica Portuguesa, no Porto, em Outubro de 2007 (nessa oportunidade, o Núcleo
de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da UFJF passou a formar parte,
oficialmente, das entidades organizadoras dos Colóquios “Antero de Quental”); a
realização da Semana de Estudos sobre os duzentos anos da vinda da Corte
Portuguesa para o Brasil (em Outubro de 2008), a participação de pesquisadores
do Núcleo no Colóquio em Homenagem a Miguel Reale, realizado em Outubro de 2009,
em Lisboa, pelo Instituto de Filosofia Luso-brasileira, bem como a participação
regular dos membros do Núcleo nos Colóquios Luso-brasileiros de Filosofia,
realizados pelo mesmo Instituto na Universidade Federal de São João del Rei,
entre 2008 e 2011.
Mencionava
anteriormente que o estudo dos mitos ameríndios revelou-se idéia de grande
valor heurístico entre os membros do núcleo. Pensei, inicialmente, que se
tratava de simples curiosidade intelectual que não teria maior continuidade.
Estava enganado. Os meus alunos queriam aprofundar mesmo nas raízes
pré-racionais da cultura. Descobri isto quando vários deles foram aceitos no
programa de pós-graduação em Ciência da Religião da UFJF.
Cursaram, ali, os
seus estudos de mestrado e/ou doutorado: César Rafael Pitt, Jefferson Silveira
Teodoro, Marco Antônio Barroso (com pesquisas sobre o pensamento de Henri Bergson
e sobre a Filosofia da Religião em Benjamin Constant de Rebecque), Alexandro
Ferreira de Souza (com pesquisa acerca dos fundamentos filosóficos do conceito
de “sagrado” em Rudolf Otto) e Humberto Schubert Coelho (com pesquisa sobre a
influência da mística de Jacob Böeme no idealismo transcendental de Kant).
Estimulei o trabalho deles com orientação formal (no caso de Marco Antônio
Barroso), com indicações temáticas e com ajuda bibliográfica (para o qual foi
criada a Biblioteca “Sílvio Romero”). Tentei, em vão, que Marco Antônio
Barroso, Alexandro Ferreira de Souza e Humberto Schubert Coelho, os mais
destacados entre os meus alunos, fossem integrados ao Departamento de
Filosofia, quando, em 2009, foram abertas vagas para contratação de docentes.
Mas a falta de uma linha clara de desenvolvimento acadêmico do Departamento terminou
impedindo que esses valiosos alunos passassem a integrar, como pós-graduados, o
corpo docente.
No que tange às
indicações temáticas, estas passaram a girar em torno a itens que eram do
interesse dos meus alunos. Mencionarei, apenas para ilustrar, alguns dos temas
que foram tratados em leituras e seminários realizados ao longo dos últimos
quatro anos: a – Análise dos escritos políticos de Silvestre Pinheiro Ferreira;
b – Estudo da concepção ética em autores luso-brasileiros, no decorrer do
século XIX; c – Estudo dos conceitos fundamentais presentes nas obras de Alexis
de Tocqueville: O Antigo Regime e a Revolução e Lembranças de 1848; d –
Análise da literatura ibero-americana, do ângulo da idéia de poder patrimonial
presente no universo construído pelos vários autores. Como fruto das reflexões
desenvolvidas ao ensejo deste último tema, escrevi o livro intitulado: Análise
do patrimonialismo através da literatura latino-americana: o Estado gerido como
bem familiar (Rio de Janeiro: Documenta Histórica / Instituto Liberal,
2008). Os trabalhos escritos pelos meus alunos, ao ensejo das atividades
descritas, foram publicados nas Revistas Ibérica e Cogitationes, bem como no
Portal
Defesa, órgão do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de
Sousa”, que criei, na UFJF, em 2005.
[1]
CARVALHO, José Maurício de (organizador). Filosofia brasileira. Londrina:
Edições Humanidades, 2003.
[2] As
leituras para este seminário estavam contidas na seguinte antologia:
VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo (organizador). Seminário sobre a filosofia dos mitos
indígenas. Universidade Federal de Juiz de Fora – Departamento de
Filosofia – Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos, 2004, 54 páginas.
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