Em 1999 publiquei, pela editora Massao Ohno, em São
Paulo, com apoio do Instituto Tancredo Neves, o meu livrinho intitulado: Keynes,
doutrina e crítica, do qual extraio alguns apartes que me parecem
importantes. Isso com a finalidade de mostrar, de um lado, a atualidade do
economista britânico e, de outro, a sua inserção no contexto do pensamento
liberal, embora, como mostro nas páginas que seguem, a sua proposta de
revigoramento do Capitalismo mediante uma intervenção moderada do Estado tenha
sido submetida à crítica liberal e conservadora, nas décadas subseqüentes.
Seria uma bobagem monumental inserir Keynes na família dos socialistas. Era um
liberal, da tendência do liberalismo social. Um liberal-social que, na América
Latina, foi retomado pela CEPAL num contexto mais estatizante do que aquele que
vingou nos Estados Unidos ou na Europa, no segundo pós-guerra.
I - IDÉIA
SUMÁRIA DA DOUTRINA KEINESIANA
1) Aspectos
bio-bibliográficos[1]
John Maynard Keynes nasceu em Cambridge (Inglaterra)
em 1883 e faleceu em Sussex, em 1946. Caracterizou-se por um excepcional
desempenho em vários terrenos: negócios, administração de companhias de seguros
e investimento, serviço público, mecenato, produção teatral, editoração,
jornalismo, docência universitária. Mas a atividade em que mais sobressaiu foi
a de teórico da economia. Keynes recebeu uma refinada educação, no ambiente
destinado às elites na Inglaterra vitoriana. Estudou em Cambridge, cidade na
qual sua mãe, Florence, foi Prefeita e onde seu pai, John Neville, obteve
renome como professor universitário e administrador.
Ao longo da sua educação Keynes estudou matemática,
filosofia e humanidades. Participava de muitas atividades de debates,
notadamente no seio da sociedade secreta
denominada "Os Apóstolos", (que tinha sido fundada em 1820), e da
qual participavam, na época de Keynes, figuras que iriam ter destaque
posteriormente na vida pública inglesa, tais como Bertrand Russell, Desmond
MacCarthy, Lytton Strachey, Leonard Woolf, Clive Bell, etc. Estimulado por essas amizades intelectuais, o
nosso autor desenvolveu ampla atividade de crítica cultural. Fruto dessa
atividade foi a criação do denominado "Bloomsbury Group" (integrado
por Keynes junto com Lytton Strachey, Leonard Woolf, Clive Bell, Duncan Grant
Thoby Stephen, Vanessa Bell e Virgínia Woolf). O grupo caracterizava-se porque
reunia intelectuais de sucesso, libertários, debochados, feministas e críticos
dos valores herdados da sociedade vitoriana. A. Moura da Silva[2]
destaca o caráter multifacetado e polêmico da personalidade intelectual de
Keynes, com as seguintes palavras: "Por conta dessa multifacetada
experiência, Keynes era um homem polêmico, e, para não poucos, arrogante. A sua
atuação pública, no entanto, viveu dividida entre o apego e a crítica à herança
cultural vitoriana. No convício exigido pelas suas funções de influente membro
do governo, não ficou imune aos valores da classe dirigente inglesa:
colonialista e angustiado com a contínua perda de prestígio econômico e
político da Inglaterra, que se seguiu à Primeira Guerra Mundial. De outro lado,
a solidariedade que dedicou ao longo de sua vida aos amigos de adolescência
possibilitou-lhe cultivar e aprender a conviver com o novo, representado pelo comportamento socialmente agressivo de seus
amigos, vanguarda intelectual e liberal da cosmopolita Londres de então".
Keynes ingressou no funcionalismo público britânico,
como técnico do Tesouro, em 1906. Mas não o satisfaz a imobilidade burocrática.
Por isso, paralelamente trabalha na elaboração de uma dissertação, com a
finalidade de voltar à vida acadêmica. O tema das suas pesquisas era o
relacionado com os fundamentos filosóficos da probabilidade. Em 1908 apresenta
uma primeira versão da dissertação à Universidade de Cambridge, mas o trabalho
não é aceito. Dedica-se então ao estudo da Economia. Convidado por Marshal e
Pigou, passa a lecionar esta disciplina (sem vínculo formal com a
Universidade). Junto com as suas aulas, o nosso autor dedica tempo ao
desenvolvimento da sua dissertação sobre Teoria
da Probabilidade. O trabalho é por fim aceito, assumindo, de maneira
formal, as suas funções docentes na Universidade. Entre 1908 e 1915, Keynes
familiariza-se sobre tudo com os teóricos da ortodoxia econômica (Pigou,
Marshall, Stuart Mill, David Ricardo e Adam Smith). O jovem professor entende a
Economia fundamentalmente como ciência moral, "valorizando a intuição em
contraste à razão na escolha dos modelos relevantes e cultivando o espírito de
controvérsia, umbilicalmente associado à política econômica"[3].
Desse período data a sua obra intitulada
Indian Currency and Finance (1913).
No período compreendido entre 1915 e 1919 Keynes
volta a trabalhar no Tesouro. Participa, em Paris, da Conferência da Paz, na
qualidade de representante do Tesouro britânico. Critica, de forma corajosa, a
atitude dos líderes aliados, notadamente Clemenceau, Wilson e Lloyd George. O
nosso autor deixou sintetizadas as suas idéias deste período na obra intitulada
The Economic Consequences of the Peace
(1919). Graças a ela e ao fato de se tornar conhecido pela sua participação na
Conferência de Paz, Keynes ganha enorme notoriedade após o conflito mundial, e
passa a dedicar o seu tempo de estudo fundamentalmente à discussão acerca da
política econômica, tendo limitado a sua vinculação à Universidade de Cambridge
às orientações de pesquisa que imparte, para alguns alunos, no "Clube de
Economia Política", por ele fundado.
Com a publicação, em 1923, da obra Tract on Monetary Reform e, em 1931, de Essays on Persuasion, começa o período
que os biógrafos denominam de Keynes,
homem de negócios, jornalista e autor de sucesso público[4].
Nesta obra o nosso autor não antecipa nada da sua posterior Teoria Geral. Limita-se a seguir o ponto
de vista ortodoxo (de Marschal e Pigou), em relação às questões da estabilidade
de preços, política cambial e moeda. A problemática do desemprego é tratada de
maneira marginal e aparece num panfleto de 1929, publicado juntamente com
Hubert Honderson sob o título de Can Lloyd George it?. Nele, os autores
analisavam a questão de um ponto de vista ortodoxo, como faziam Marschall,
Pigou ou Viner, tratando a com os meios tradicionais de geração de programas de
obras públicas.
A partir de 1925 tem início o período de transição
que culminará com a Teoria Geral do
Emprego, do Juro e do Dinheiro. Dois eventos são apontados pelos seus
biógrafos como marcantes neste período. Em primeiro lugar, Keynes passa a ter
uma vida pessoal mais organizada, em decorrência do seu casamento com Lydia,
com quem já vivia algum tempo atrás; esse fato levou o nosso autor a um relativo distanciamento do "Bloomsbury
Group". Em segundo lugar, no plano acadêmico, o intercâmbio de idéias com
Denis Robertson, que preparava o livro intitulado Policy and The Price Level (1926). Esta obra é importante pois
tinha em germe a idéia da separação dos atos de poupar e investir e a sua inter-relação
com a teoria monetária, na tentativa de explicar as flutuações econômicas. Ao
ensejo da leitura do trabalho de Robertson, Keynes começa a redigir o seu livro
intitulado A Treatise on Money
(1930). Sintetizando a crítica à economia ortodoxa que Keynes empreende neste
período, escreve A. Moura da Silva: "Da crítica à Lei de Say Keynes caminha em busca de uma explicação analítica para
o desemprego e tenta dar fundamento teórico às sugestões de intervenção estatal
como geradora de demanda para ganrantir níveis elevados do emprego. É
importante notar que inúmeros economistas de orientação ortodoxa também
advogaram gastos públicos para combater o desemprego, a exemplo de Pigou e
Robertson. A crítica de Keynes se concentra na inconsistência entre os fundamentos
teóricos desses autores, de um lado, e suas recomendações práticas, de
outro"[5].
As avaliações críticas acerca da sua obra A Treatise on Money, desenvolvidas por
importantes autores como Hayek e Robertson, e inclusive por parte dos
discípulos de Keynes em Cambridge (Joan e Austin Robinson, Richard Kahn, James
Mead, Piero Sraffa e outros), levaram o nosso autor a buscar uma nova
explicação para as chamadas flutuações econômicas. Das pesquisas desenvolvidas
com esse objetivo entre 1930 e 1935, resultou a publicação da sua magna obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e do
Dinheiro, em 1936. A obra, como não podia deixar de ser com uma nova teoria
econômica, ensejou ampla controvérsia entre os discípulos de Keynes, de um
lado, e os tradicionais autores da ortodoxia econômica, como Pigou, Hayek,
Robertson, Hawtrey, etc., de outro. O livro também provocou acirrados debates
entre os economistas norte-americanos.
II - A CRÍTICA
AO KEINESIANISMO
1) O sentido
das críticas ao keinesianismo
O pensamento econômico de Keynes sofreu, a partir da
Segunda Guerra Mundial, várias críticas. Elas se estendem dos aspectos pessoais
ao conjunto da sua obra.. O sobrinho do grande economista britânico, Milo
Keynes,[6]
referiu-se à crítica de arrogância que a elite de Cambridge costumava
endereçar-lhe, mitigando-a com a equilibrada observação de Harold Nicolson, que
o considerava "impaciente, iconoclasta, rude. Contudo, essa crueldade
incisiva era posta a serviço do desprezo pelas pessoas importantes, nunca pelos
humildes ou jovens".
As críticas à doutrina keinesiana percorrem todo o
diapasão conceitual a que pode ser submetida uma teoria: vão desde a defesa
incondicional (como a efetivada por John Kenneth Gallbraith) até a crítica
total, que nada perdoa e nada aceita (como a formulada pelo economista
austríaco Ludwig von Mises). Entre um extremo e outro situam-se posições mais
moderadas, que ora salientam favoravelmente, ora criticam um ou outro aspecto
do pensamento de Keynes. Entre as várias posições estudadas, destacamos uma como
a mais completa: a identificada por Henri Lepage na nova geração de economistas
norte-americanos, que têm sabido reconhecer a indiscutível contribuição de
Keynes ao pensamento econômico, sem deixar de refletir sobre as limitações do autor da Teoria Geral. Se, como frisa Karl
Popper,[7]
o valor de uma hipótese científica decorre da sua aptidão para sobrevivier às
críticas que lhe são endereçadas, não há dúvida de que a doutrina keinesiana
possui a têmpera das grandes obras do pensamento humano. Dificilmente
encontraremos uma teoria econômica tão combatida e que ao mesmo tempo tenha
contribuído de forma tão decisiva à evolução da economia mundial.
2) Joan
Robinson: Keynes e os keinesianos bastardos
Já no relacionado às críticas que visam a obra de
Keynes, são múltiplas as apreciações, ora globais, ora parciais sobre ela. Joan
Robinson[8]
considera que, embora a teoria keinesiana tivesse sido formulada de maneira a
incorporar a incerteza face ao futuro, bem como renovar a teoria econômica
clássica que tinha-se esclerosado ao fazer abstração da história, no entanto
terminou sendo simplificada de forma bastante grosseira e dogmática pelos
"keinesianos bastardos". A respeito, frisa a citada autora:
"(...) os keinesianos de estilo próprio nos Estados Unidos vangloriam-se
de haver superado a regra das finanças sadias. A conseqüência tem sido
observada na facilidade conferida aos gastos de déficit em armamentos; isso nos
permitiu manter a guerra fria e promover guerras incendiárias em todos os
pontos do planeta. Parece que a era dos keinesianos bastardos se aproxima do
fim em meio a desilusões gerais (...). A revolução keinesiana necessita ainda
ser levada a cabo, tanto no ensino da teoria econômica qunto na formação da
política econômica"[9].
Em síntese, a teoria proposta por Keynes tinha elementos valiosos que
renovariam a ciência econômica, mas a prática do keinesianismo acabou por
invalidar o seu élan renovador.
3) Ludwig von
Mises: Keynes e o iluminismo burocrático
A doutrina keinesiana foi severamente criticada por
Ludwig von Mises, qem na sua obra As seis
lições[10]
considera ser Keynes mais um incentivador dos processos inflacionários, ao
retomar o pernicioso caminho do intervencionismo do Estado, que tem conduzido
invariavelmente à instauração do socialismo, contrário à livre iniciativa. Para
Mises não há dúvida de que "nos últimos anos, na maioria dos países,
procedeu-se à estatização de um número crescente de instituições e empresas, a
tal ponto que os déficits cresceram muito além do montante possível de ser
arrecadado dos cidadãos através de impostos. (...) A conseqüência é a inflação
(...)[11].
O economista austríaco acha que o intervencionismo
do Estado na economia procura harmonizar o mercado, interferindo indevidamente
nos preços, nos padrões salariais, nas taxas de juros e de lucro. No entanto,
tal tipo de política, longe de harmonizar o mercado, o tumultua. Mises parte da
hipótese de que o equilíbrio do mercado é encontrado através do livre exercício
dos agentes econômicos. Interferir o Estado nele, eqüivale a paralisá-lo. O
autor não duvida em frisar, alto e bom som, que "(...) sempre que se
interfere no mercado, o governo é progressivamente impelido ao socialismo"[12].
Nem haveria lugar para o que Keynes identifica como uma intervenção indireta do
Estado na economia. A esse respeito, responde Mises: "A idéia de que
existe, entre o socialismo e o capitalismo, um terceiro sistema -- como o
chamam os seus defensores --, o qual, sendo eqüidistante do socialismo e do
capitalismo, conservaria as vantagens e evitaria as desvantagens de um e de
outro, é puro contra-senso. Os que acreditam na existência possível desse
sistema mítico podem chegar realmente a ser líricos quando tecem loas ao
intervencionismo. Só o que se pode dizer é que estão equivocados. A interferência
governamental que exaltam dá lugar a situações que desagradariam a eles
mesmos"[13].
A crítica de Mises a Keynes é cáustica, ao ponto de
filiar a tendência intervencionista deste à doutrina da superioridade "de
um governo paternal e dos poderes sobre-humanos dos reis hereditários",
paradoxalmente ressuscitada no século XX por Werner Sombart, para quem "o
Führer recebe instruções diretamente de Deus, o Führer do Universo".
Sombart, ao contrário de Keynes, era modesto, frisa Mises. Ao passo que o
mestre alemão confessava: "Não sabemos como Deus se comunica com o Führer.
Mas o fato não pode ser negado", o economista inglês atribuía ao Estado
autoritário uma sabedoria absoluta, capaz de se sobrepor aos cidadãos. Depois
de Sombart, frisa ironicamente von Mises, "(...) já não nos espantará que
mesmo um pequeno burocrata venha, um dia, a se considerar mais sábio e melhor
que os demais cidadãos, e deseje interferir em tudo, ainda que ele não passe de
um reles burocratazinho, em nada comparável ao famoso professor Werner Sombart,
membro honorário de tudo quanto é entidade"[14].
4) Harry G.
Johnson: a não-revolução keinesiana
Este autor considera, por sua vez, que analisadas as
coisas de um ponto de vista não britânico, a teoria keinesiana não era
necessária, stricto sensu, para
solucionar os graves problemas enfrentados apela economia mundial a partir da
grande depressão de 1929[15].
Esse fenômeno poderia ter sido muito bem contornado com os instrumentos das
chamadas teorias ortodoxas. "Nenhuma revolução
keinesiana se fazia realmente necessária
-- frisa Johnson[16]-- (o que se fazia necessário, isso sim, era a
aplicação, pelos economistas, da economia que já possuíam). As demais
referências se mostram relevantes na medida em que ajudam a explicar a razão
pela qual jamais ocorreu qualquer revolução keinesiana (e que, não obstante,
poderia ter sido necessária, dada a inabilidade ou recusa dos economistas em
aplicar os instrumentos de que dispunham ao mais premente dos problemas sociais
e econômicos de seu tempo)".
No sentir de Harry Johnson, o desemprego em massa
era o fato essencial com que se defrontava a economia inglesa ao longo da
década de vinte. Esse fato era efeito de duas forças: de um lado, a perda
gradual, por parte da Inglaterra, da supremacia industrial de que tinha
desfrutado no século anterior. De outro, a decisão política do retorno do
padrão ouro à paridade gozada pela libra na época anterior à guerra, medida que
fez com que os bens ingleses se tornassem não-competitivos em termos
monetários, o que exigia, por sua vez, uma política monetária restritiva, que
possibilitasse o capital e a confiança estrangeiros para a libra. Essa situação
gerava desemprego em massa e o agravamento da obsolescência industrial.
Ora, frisa Johnson, medidas econômicas ortodoxas
teriam permitido superar o problema do desemprego em massa, tanto na Inglaterra
quanto nos outros países industrializados. a Teoria Geral de Keynes só se tornou alternativa praticável no
terreno da política econômica internacional, em decorrência de dois fatores: primeiro, a incapacidade da Reserva Federal
dos Estados Unidos para prevenir um colapso no fornecimento de dinheiro
norte-americano. O segundo fator seria o genial oportunismo de Keynes, que era
um brilhante teórico aplicado, capaz de pôr em prática uma teoria -- a do pleno emprego --, apresentando-a como
contraposta a uma ortodoxia econômica (em que ele, aliás tinha se formado, sob
a inspiração do seu ilustre mestre Alfred Marshall e que era apontada como a
causa de todos os males).
Johnson critica o keinesianismo pela ingenuidade do
conceito de pleno emprego, "intimamente relacionado à concepção vitoriana
(e essencialmente aristocrática) de Keynes em torno das exigência econômicas de
uma sociedade feliz"[17].
A política de pleno emprego apregoada por Keynes não levava em consideração,
segundo Johnson, o fenômeno do desemprego voluntário propiciado pelo welfare state. Concluindo a sua apreciação
sobre o keinesianismo, frisa o citado autor: "Keynes constituiu um luxo
demasiadamente caro para um país em processo inexorável de declínio de sua
importância econômica e social, forçado a fazer face a grandes dificuldades
para ser capaz de manter uma sobrevivência digna"[18].
5) John
Kenneth Galbraith: as razões da revolução keinesiana
Embora Henri Lepage[19]
considere que John Kenneth Galbraith pertença ao grupo dos que, como Rocard,
Attali, Gallus, Meister, etc., elaboraram uma
explicação não econômica (apenas sociológica) para o fenômeno da
inflação causado pelas práticas keinesianas, convé, destacar a sua avaliação
positiva do pensamento de Keynes, notadamente porque assinala os pontos em que
falham os críticos radicais do keinesianismo.
Galbraith sintetizou nos seguintes termos o cerne do
pensamento de Keynes na sua Teoria Geral:
"(...) A economia poderia encontrar seu equilíbrio não ao nível do pleno
emprego mas, sim, com uma quantidade de desemprego não especificada. Desse
diagnóstico veio o remédio: dever-se-ia levar a demanda agregada até o nível
onde todos os trabalhadores que o desejassem pudessem obter empregos, e isso
poderia ser concretizado suplementando-se o gasto privado com o dispêndio
público. Esta deveria ser a política onde quer que a intenção de poupar
superasse a de investir. Levando-se em conta que os gastos públicos não
desempenhariam esse papel na presença de taxação compensatória (que não passa
de uma modalidade de poupança), os mesmos deveriam ser financiados através de
importâncias tomadas de empréstimo, incorrendo-se num déficit (...)"[20].
No sentir de Galbraith, a revolução keinesiana não constituiu uma imposição da força sobre a
teoria, mas um progressivo trabalho de divulgação e de convicção do meio
acadêmico sobre o político. O mediador para o ingresso de Keynes no meio
norte-americano (e no canadense, também), foram as Universidades, entre as
quais se destacam as de Harvard, Cambridge (Massachussetts) e Yale. Já o
próprio Keynes tinha divulgado o seu pensamento através da tradicional
Universidade de Cambridge (Inglaterra). Nesse processo foi importante a figura
do professor Alvin H. Hansen, quem se encarregou de divulgar as idéias
keinesianas na sua cátedra de Harvard. A revolução
keinesiana foi, destarte, segundo Galbraith, mais um fenômeno de convicção.
"(...) Todos os que dela participaram possuíam um profundo sentimento de
responsabilidade pessoal pelas idéias; sentiam a premência de persuadir os
demais, mas nenhum dos membros jamais respondeu a quaisquer planos, ordens,
instruções ou quaisquer outras forças que não suas próprias convicções. Esse
foi, possivelmente, o traço mais interessante da revolução keinesiana"[21].
As principais críticas levantadas contra o
pensamento de Keynes foram, no sentir de Galbraith, as decorrentes de alguns
grupos de inspiração ultra-conservadora, nos Estados Unidos, tais como a Veritas Foundation, a John Birch Foundation ou a Comissão de
Estudos chefiada por Clarence Randall. Essas críticas coincidiram em
identificar o keinesianismo como o promeiro passo para o socialismo estatizante
e o comunismo. No entanto, frisa Galbraith, nenhum desses críticos fez uma leitura
direta da obra de Keynes. Talvez porsisso, "a universidade não se abalou e
o grande número permaneceu indiferente" às críticas feitas.
A avaliação que Galbraith faz do keinesianismo é
francamente positiva. Tanto Keynes como os seus seguidores norte-americanos
(notadamente Hansen), são os responsáveis pela "do que até mesmo os
conservadores denominam de capitalismo"[22].
Em que pese o fato de o keinesianismo ter ignorado o problema da "desumana alocação de recursos entre
necessidades privadas e públicas", para Galbraith não há dúvida quanto ao
fato de que essa doutrina constitui hoje a nova ortodoxia, "e em todos os lugares os economistas desfrutam
de seu novo e prazeroso papel sem que sofram qualquer controvérsia"[23].
O aspecto negativo da posição de Galbraith face ao keinesianismo está
justamente aí: em não identificar as críticas sérias a essa doutrina, fixando a
atenção unicamente na alternativa mais fácil de refutar: a ultra-conservadora.
6) Friedrich
A. Hayek: os preconceitos cientificistas do keinesianismo
Friedrich A. Hayek criticou a doutrina keinesiana
basicamente por dois motivos: em primeiro lugar, porque os processos econômicos
não são possíveis de serem esgotados nas categorias macroeconômicas, ao
contrário do que pressupunha Keynes. Em segundo lugar, porque essa doutrina é
falsa tout court, na medida em que se
fecha dogmaticamente na aceitação de certos princípios, poupando-os de um
confronto global e sistemático com os dados empíricos.
O professor Gerald P. O'Driscoll Jr.,[24]
da New York University, sintetizou da seguinte forma o primeiro motivo:
"Hayek, o primeiro e o mais efetivo crítico de Keynes, discordou acerca da
sua formulação do problema das flutuações econômicas, traduzidas nos termos dos
conceitos agregados próprios da emergente macroeconomia. Hayek argüiu
vigorosamente que esses conceitos seriam apenas construções mentais, mas de
forma alguma constituiriam significativas categorias empíricas. Ele frisou que
a teoria econômica geral demonstrou amplamente a impossibilidade de relações
funcionais estáveis no seio de macrovariáveis tais como consumo e investimento,
ou pleno emprego e investimento. No processo de um ciclo de produção devem
mudar não somente a magnitude dos coeficientes, mas também os seus signos
algebraicos".
Em relação ao segundo motivo atrás mencionado, o
próprio Hayek argumentou da seguinte forma, para demonstrar a falsidade que
afeta à teoria keinesiana: ela teria sido aceita num contexto histórico
determinado (a crise da economia inglesa no primeiro pós-guerra), graças à
idéia fatalista de Keynes de que "(...)
o desemprego decorre principalmente da insuficiência da demanda agregada
quando comparada com o total dos salários que deveriam ser pagos, se todos os
trabalhadores estivessem empregados nas taxas correntes. Esta fórmula do
emprego como uma função direta da demanda total revelou-se válida, só de forma
extraordinária, porque pareceu ser confirmada em algum grau pelos resultados
dos dados empíricos quantitativos. Pelo contrário, as explicações alternativas,
que eu considerava corretas, não tiveram um debate semelhante. Os perigosos
efeitos que esse preconceito científico
acarretou para esse diagnóstico, foi o tema do meu discurso de Prêmio Nobel em
Estocolmo. Em síntese, deparamo-nos com a curiosa situação de que a teoria
keinesiana, que é confirmada pelas estatísticas unicamente porque se deixa
acontecer o que vai ser testado quantitativamente, é contudo falsa. Todavia,
isso é amplamente aceito, só porque a explicação anterior é considerada como
verdadeira, e o que eu aceito pacificamente como verdadeiro, graças à sua natureza de verdadeiro, não pode ser
testado pelas estatísticas"[25].
7) Milton
Friedman: intervencionismo X liberdade
Friedman considera que razões políticas e não
estritamente econômicas conduziram a economia mundial à grande crise de 1929:
"(...) A Grande Depressão, -- frisa
o Prêmio Nobel de 1976 -- de modo
semelhante a outros períodos de grande desemprego, foi causada pela
incompetência do governo, e não pela instabilidade inerente à economia privada
(...)[26].
Porisso, o verdadeiro remédio para o revigoramento do capitalismo não se situa
no intervencionismo apregoado pela teoria keinesiana, mas na volta aos
princípios da economia clássica.
O intervencionsimo keinesiano, travestido nas
políticas de bem-estar social e pleno emprego, revela-se inaceitável de todo
ponto de vista. Ele é irmanado por Friedman às piores formas de
intervencionismo coletivista. "A justificação paternalista para a
atividade governamental -- frisa
Friedman [27]
-- é a mais incômoda para um liberal;
ela envolve a aceitação de um princípio
-- o de que alguns podem decidir por todos -- que considera questionável em inúmeros casos
e que lhe parece, muito justamente, o ponto caraterístico de seus principais
inimigos intelectuais, os proponentes do coletivismo em qualquer uma de suas
formas, quer se trate de comunismo, de socialismo ou de estado de bem-estar
social (...)".
O que esperar, então, do governo? Certamente, algo
muito diferente do que pretendia a Teoria
Geral de Keynes. A respeito, frisa Friedman: "Um governo que mantenha
a lei e a ordem; defina os direitos de propriedades; sirva de meio para a
modificação dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo econômico;
julgue disputas sobre a interpretação das regras; reforce contratos; promova a
competição; forneça uma estrutura monetária; envolva-se em atividades para
evitar monopólio técnico e evite os efeitos laterais considerados como
suficientemente importantes para justificar a intervenção do governo; suplemente
a caridade privada e a família na proteção do irresponsável, quer se trate de
um insano ou de uma criança; um tal governo teria, evidentemente, importantes
funções a desempenhar. O liberal consistente não é um anarquista. Entretanto,
fica também óbvio que tal governo teria funções claramente limitadas e não se
envolveria numa série de atividades, agora desenvolvidas pelos Governos Federal
e Estadual nos Estados Unidos e pelos órgãos equivalentes em outros países do
hemisfério ocidental (...)"[28].
Em termos econômicos, o monetarismo apregoado por
Milton Friedman e pela Escola de Chicago nele inspirada, adota uma versão
moderna da teoria quantitativa da moeda e luta em prol da volta do conceito
clássico de liberdade de mercado, se opondo, ao mesmo tempo, ao que era
fundamental para a teoria keinesiana: a utilização de medidas monetaristas e
fiscais, de nítida inspiração intervencionista, para a superação das crises
cíclicas do capitalismo"[29].
8) Henri
Lepage: a crítica liberal ao keinesianismo
A mais completa sistematização das críticas feitas
do ponto de vista liberal à teoria e à prática do keinesianismo, foi realizada
por Henri Lepage na segunda parte da obra intitulada Demain le libéralisme[30].
Ao tentar responder à pergunta: "Por que Keynes não funciona?", o
mencionado autor sintetiza a nova aproximação liberal do tema da política
econômica.
Longe de desconhecer ao keinesianismo validade
teórica e prática (afinal foi essa doutrina que permitiu assegurar um amplo
ciclo de crescimento ininterrupto às economias desenvolvidas, ao longo deste
século), Henri Lepage considera que aconteceu com o keinesianismo o que se
passa no circo quando o público
identifica o truque do mágico: os trunfos da surpresa deixam de ter
valor porque os espectadores mataram a charada. Coisa semelhante teria
acontecido com os mecanismos de previsão e de intervenção indireta do Estado na
economia: os atores econômicos, setores empresariais e trabalhadores
organizados nos grandes sindicatos, assimilaram o fator surpresa que permitia
aos planejadores governamentais efetivar políticas novas, que permitissem
garantir o pleno emprego e a inversão pública.
Lepage identifica, nestes termos, os principais
paradoxos com que se defronta o keinesianismo nos dias que correm: "Dez
anos atrás, os economistas e os homens de governo compartilhavam uma ilusão
comum. Acreditavam que graças aos progressos obtidos na técnica de formular
modelos econométricos, se iniciava uma nova era que daria aos poderes públicos
os meios para pilotar a economia como se dirige um carro de passeio,
especialmente pelo fato de lhes garantir os instrumentos para escolher à
vontade a taxa de inflação e de desemprego desejada. Mas as desilusões chegaram
bem cedo. Desde o fim dos anos 60, e especialmente depois do início dos anos 70,
ficou claro que a máquina económica não obedece tão bem como se pensava aos
novos comandos. De entrada, se acentua a pendente em direção à inflação; logo
vem o que conceitualmente não se chegava a imaginar: a coexistência de uma
inflação crescente e de um desemprego também crescente. Mesmo as fantásticas
capacidades da informática não impedem que as prevosões dos modelos
econométricos se situem, cada vez mais freqüentemente, mais e mais longe da
meta"[31]
Sem procurar explicações fora do campo da análise econômica
(como as de tipo sociológico elaboradas por Galbraith, Rocard, Attali, Gallus,
Meister, etc.), Lepage considera que é possível se fazer sob esse ângulo um
estudo das razões que tornaram inviável o modelo keinesiano, nos dias que
correm. Esse estudo mostra que a "revolução keinesiana" já cumpriu
com a sua função e que entrou em declínio, não por causa de que a análise
econômica se tenha convertido num instrumento científico ultrapassado, mas pela
razão particular de que o marco teórico de Keynes não se adapta mais ao
universo econômico e institucional hodierno.
Duas séries de razões arrola Lepage para explicar o
declínio do keinesianismo: de um lado, a
teoria das "antecipações racionais"; de outro, as teses do "freio fiscal". O autor
assinala, em terceiro lugar, o papel que corresponde ao Estado numa economia
pós-keinesiana. Analisemos esses itens.
8.1 - A teoria das "antecipações
racionais"
Esta teoria foi formulada, ao longo da década de 70,
por uma plêiade de então jovens economistas norte-americanos, entre os que se
contavam Robert Barro, Thomas Sargent, Robert Lucas, Nichel Boskin, Jack
Gould, Michael Durby, etc. O cerne dela consiste na tese de que depois
de vinte anos de políticas macroeconômicas, os agentes acumularam uma
experiência suficiente para desarticular em boa medida a capacidade operacional
do Estado intervencionista.
Para o economista francês Christian Saint Etienne[32],
o precursor da teoria das "antecipações racionais" foi o
norte-americano John Muth, que levantou em 1961 a hipótese de que grande parte
do funcionamento dos mercados é condicionada pela influência determinante de
agentes motores (tais como poderes públicos, sindicatos, grandes empresas,
bancos e serviços financeiros, etc.), para os quais "as antecipações, enquanto
previsões projetadas de eventos futuros, são essencialmente as mesmas previsões
da teria econômica correspondente aos fenômenos estudados". Em outros
termos, boa parcela do funcionamento da
economia se pauta pelas antecipações de agentes capazes de tirar lições
relativamente complexas, a partir da manipulação das informações de que dispõem
sobre a conjuntura econômica e as políticas praticadas. Na medida em que esses
conhecimentos sofisticados se expandem na sociedade, deixando de ser
propriedade exclusiva dos agentes governamentais, o seu efeito surpresa se
torna previsível, perdendo dessa forma a sua eficácia.
As conclusões a que chega a nova geração de teóricos
das "antecipações racionais" chamam a atenção, segundo Lepage, para os seguintes pontos: "em primeiro
lugar, é salientada a existência de
"comportamentos de aprendizagem cuja efetivação permite explicar fenômenos
econômicos, que desnorteiam quando se trata de analisá-los com os instrumentos
teóricos tradicionais"[33].
Em segundo lugar, chama-se a atenção para o fato de que os modelos de previsão
macroeconômica, por não levarem em consideração esses fenômenos de
aprendizagem, conduzem a que "as intervenções conjunturais produzam hoje,
sobre as economias ocidentais, efeitos mais desestabilizadores que
estabilizantes"[34].
Acompanhemos os aspectos fundamentais do pensamento de Lepage, a respeito das
conclusões anotadas.
A fim de ilustrar como funcionam os comportamentos
da aprendizagem (que explicam fenômenos inexplicáveis do ponto de vista dos
instrumentos teóricos tradicionais), Lepage coloca um exemplo típico do
intervencionismo keinesiano. Imaginemos uma economia que funciona regularmente,
com um índice de inflação desprezível e com uma certa taxa de desemprego. As
autoridades responsáveis querem reduzir essa taxa e partem para efetivar
algumas medidas que afetam a estabilidade dos preços, mediante a emissão de
moeda pelo Banco Central. Essa súbita monetarização da economia não gera de per se mais riqueza, mas enseja um
sentimento de euforia, que leva as
empresas a investirem mais. Paralelamente, os consumidores aumentam o seu poder
de compra. As atividades econômicas recebem uma chicotada. Observemos mais de
perto o que se passa na cabeça dos investidores: cada um deles, não sendo um
Ph. D. em economia, não consegue distinguir se a euforia pelo consumo
corresponde a um sucesso real dos produtos fabricados pela sua empresa, ou se
se trata, melhor, de um surto monetarista. A sua reação natural é considerar que a melhora dos negócios decorre, ao menos
em parte, do aumento da demanda dos produtos por ele fabricados. Cada
empresário, conseqüentemente, decide produzir mais.
Infelizmente, o que cada empresário não sabe é que
todos estão fazendo o mesmo raciocínio. Cada um acredita que a melhora nos
negócios corresponde a uma demanda do seu produto. E para lucrar com a
situação, cada um decide elevar seus preços. Enquanto o influxo do poder de
compra inflacionário não se expande por toda a indústria, os preços ficam mais
elevados; mas como a estrutura relativa do consumo não aumentou realmente,
mediante um verdadeiro acréscimo da riqueza de empresários e consumidores,
acontece que as antecipações que cada um acalentava quanto ao real aumento das
vendas não se realizam. À sofreguidão consumista inicial, seguem-se os efeitos
desagradáveis que todos conhecemos:
redução do ritmo da produção, freada dos investimentos, cortes do
pessoal contratado na euforia dos primeiros dias, busca de novas formas de
economia para compensar os aumentos salariais imprudentemente acelerados. Cada um acreditava que levava
vantagem sobre os outros; mas, no fundo,
todos se equivocavam.
Tal experiência, frisa Lepage, pode-se repetir uma,
duas, três vezes, mas não de forma indefinida. "Enquanto os poderes
públicos utilizam mais a arma monetária, os agentes econômicos acumulam uma
experiência que lhes ensina a não cair nos mesmos erros"[35].
Todo mundo se torna mais desconfiado. As maiores empresas contratam
especialistas. Surgem empresas de serviços, que vendem informações às firmas
menos poderosas. Sintetizando o efeito que advém dessa reação, afirma o autor:
"(...) a vida econômica se transforma numa verdadeira corrida de
velocidade entre os poderes públicos que buscam cada vez mais desesperadamente
reduzir o desemprego, aceitando sempre a
priori a inflação, e os agentes econômicos que reagem cada vez manos
espontaneamente aos estímulos monetários que lhes são aplicados (e que,
conseqüentemente, geram menos empregos que os pretendidos pelos técnicos)"[36].
Referindo-se à segunda conclusão atrás apontada (os
modelos de previsão macroeconômica, por não levarem em consideração os
fenômenos de aprendizagem, conduzem a que as intervenções conjunturais produzam
hoje, sobre as economias ocidentais, efeitos mais desestabilizadores que
estabilizantes), Lepage lembra como funciona a efetivação de uma política
econômica. O ponto de partida é constituído pela construção de modelos
econométricos cuja função é quantificar as relações existentes entre as
variáveis macroeconômicas, das quais depende a realização dos grandes
equilíbrios (consumo, investimento, comércio exterior, emprego, taxas de juros,
etc.). Esse processo de quantificação se efetiva com a ajuda de regressões
estatísticas, na observação de comportamentos passados. A partir daí, os
modelos econométricos permitem calcular qual será , por exemplo, bem a
incidência sobre a produção ou o emprego de um determinado déficit público
suplementar, bem as conseqüências da queda de um ponto nas taxas de juros sobre
os investimentos, bem a forma em que o aumento do preço do petróleo afeta a
balança comercial. Em seguida, essas relações macroeconômicas são projetadas
para o futuro, a partir das grandes hipóteses de base, que servem para a
elaboração anual dos orçamentos econômicos e que permitem definir, então, a
direção da intervenção conjuntural que deve ser deflagrada, bem como o tipo de
instrumentos a serem utilizados ou a amplitude mesma da ação intervencionista
dos poderes públicos.
Todos esses mecanismos de previsão macroeconômica,
segundo os economistas críticos do keinesianismo, possuem eficácia duvidosa, na
medida em que os agentes econômicos possuem uma experiência crescente "da
vida numa sociedade regulada pela
intervenção dos poderes públicos", e incorporam essa variável nas suas
projeções. Na medida em que o Estado intervém, esse fato gera um elemento de
incerteza suplementar na gestão da empresa; o bom empresário deverá averiguar,
de um lado, quais são as condições gerais do mercado e, de outro, quais as
distorções que ocorrerão por força da ação intervencionista dos poderes
públicos. "O resultado -- frisa
Lepage -- é que depois de uma geração de
práticas keinesianas, o mundo em que vivemos não tem muita coisa a ver com
aquele para o qual foram concebidos os instrumentos de ação conjuntural"[37].
A conseqüência dessa situação é a seguinte: na
medida em que a concorrência leva um número cada vez maior de agentes
econômicos a aperfeiçoarem os seus instrumentos de informação, e na medida em
que os modelos econométricos que alicerçam a tomada de decisões das autoridades
governamentais não levam em consideração esses novos comportamentos, passam a
ser tomadas cada vez mais decisões que visam a corrigir os desequilíbrios
previstos e que, por sua vez, são neutralizadas pelas projeções dos agentes
econômicos, cada vez mais desconfiados face ao poder intervencionista do
governo. Assim, como salienta Lepage, "(...) tudo aquilo que é concebido
com o propósito de ajudar à estabilização dos ritmos da vida econômica
contribui, de fato, para agravar a instabilidade das nossas modernas economias,
mais do que a reduzí-la"[38].
8.2 - As teses do "Freio Fiscal
"Dois professores norte-americanos, Arthur
Laffer e Martin Feldstein, chamaram a atenção para o fato de que a pressão
fiscal do Estado, típica do keinesianismo, longe de estimular a atividaade
industrial e, consequentemente, o pleno emprego, cria hoje sérios obstáculos à
produção e acarreta a depressão econômica.
Henri Lepage sintetizou da seguinte forma a tese
central dos mencionados economistas: "(...) eles mostram como, ao fazer do
aumento da despesa pública o elemento dominante das nossas políticas
conjunturais, as doutrinas keinesianas têm levado a ultrapassar certos limites,
para além dos quais o desenvolvimento da intervenção do Estado torna-se um
obstáculo à retomada do controle eficaz do crescimento e do emprego (...)"[39].
A idéia consiste em lembrar que as políticas de intervenção econômica
alicerçam-se na teoria da demanda global, que negligencia o papel das
motivações individuais na determinação dos níveis de produção e de emprego, e
em salientar as três conseqüências que decorrem dessa lacuna, e que seriam as
seguintes:
a) Os instrumentos keinesianos de controle econômico
tendem, cada vez mais, a sobrestimar as necessidades reais de estímulo à
atividade produtiva, em virtude do fato de o emprego continuar a ser explicado
num arcabouço conceitual que se adapta, sem dúvida, à situação prevalecente no
tempo de Keynes, mas que não correesponde mais à hodierna realidade econômica.
Esta observação vale, é certo, para os países
industrializados, em que se consolidou a política do welfare state (que garante ao trabalhador o salário-desemprego) e
onde o Estado cobre as necessidades básicas de saúde e previdência de todos os
cidadãos. Nesse contexto, frisa Lepage, o desempregado deixou de ser a figura
carente e frágil que pressupõe a teoria keinesiana, e se converteu num
indivíduo capaz de programar o seu estado de desemprego, enquanto não aparecer
a atividade econômica mais consentânea com as suas expectativas salariais e
profissionais.
Consequentemente, anota Lepage, "(...) vivemos
numa sociedade na qual aqueles que possuem o encargo de zelar pelo pleno
emprego, confiam em indicadores que lhes revelam permanentemente uma
necessidade de manutenção da atividade e do mercado de emprego superior ao que é realmente necessário
para responder a uma demanda de trabalho,
cuja medida não se identifica com o simples recenseamento do número de
pessoas, que se declaram em busca de um emprego. Assim, as nossas chamadas
políticas de pleno emprego perseguem objetivos que contribuem a aumentar a
inflação, com o resultado ulterior do aumento ainda maior da taxa de
desemprego, que se busca precisamente reduzir"[40].
Dessa forma,as práticas keinesianas se revelam, nos países desenvolvidos, mais
desestabilizadoras do que estabilizantes.
b) Os modelos econômicos contemporâneos sobrestimam
o impacto multiplicador do gasto público, na medida em que não levam em
consideração os efeitos das políticas fiscais sobre as motivações individuais,
face ao trabalho e à poupança.
Henri Lepage anota que nas sociedades hodiernas cada
dia é mais claro o princípio de que "o imposto, quando aumenta, consegue
destruir o imposto". Isso significa que as crescentes e pesadas cargas
tributárias impostas pelas práticas keinesianas, para dotar os Estados dos
meios necessários à manutenção do pleno emprego, produzem hoje um efeito
exatamente contrário ao pretendido. Um exemplo ilustra o princípio
anteriormente formulado: um marceneiro que ganha 100 francos por dia, paga um
imposto de 15% sobre essa importância. Restam-lhe, portanto, líquidos, 85
francos. Suponhamos que ele precise fazer alguns consertos na sua casa. O
marceneiro pode escolher entre fazer ele mesmo o serviço, ou contratar um
trabalhador que lhe cobrará 80 francos. Nessas condições, compensará para ele
mandar fazer o serviço, pois lhe custará menos do que vale a sua jornada de
trabalho. Imaginemos que a taxa de imposto é elevada para 25%. Assim, o
provento líquido do marceneiro será de 75 francos por dia. Nessas condições,
compensa ele próprio fazer o conserto em casa, pois o custo da jornada é
inferior ao preço cobrado pelo trabalhador contratado. Vejamos agora o balanço
do ponto de vista da tributação. Com uma taxa de apenas 15%, o fisco cobra dois
impostos: o do marceneiro e o do trabalhador por ele contratado. No entanto, se
o imposto passar para 25%, o fisco perde de vez o imposto do marceneiro (que
deixa de trabalhar no seu emprego um dia para fazer o serviço em casa) e o que
pagaria o trabalhador de fora (que deixou de ser contratado pelo marceneiro).
Ao contrário do que tradicionalmente se pensava, no
sentido de que os altos impostos somente afetam os ingressos mais altos, a
realidade econômica atual revela que todo mundo sofre com isso. Lepage considera
que "(...) com um nível de impostos obrigatórios que ultrapassa
hodiernamente, tudo incluído, o 50% da produção interna bruta, temos sem dúvida
atingido o limite a partir do qual a manutenção de uma despesa pública tão
importante, e portanto de uma tributação tão penosa, não somente freia o
crescimento econômico, mas torna cada vez mais ineficientes todos os esforços
tradicionais de estímulo; somos projetados num círculo vicioso, em que a baixa
dos rendimentos da tributação conduz a aumentar sempre mais os impostos dos que
continuam trabalhando, para compensar a perda resultante dos menores esforços
dos que julgam que com tais impostos não vale a pena continuar trabalhando
tanto"[41].
c) Os modelos econômicos de inspiração keinesiana ao
negligenciar os efeitos negativos da tributação crescente sobre as motivações
individuais para o trabalho e a poupança, levam os poderes públicos a
menosprezar um instrumento muito valioso para efetivar o equilíbrio da
economia: a redução do imposto.
Experiências recentes no seio da economia americana
revelam que o mecanismo da redução de impostos é, hodiernamente, um poderoso
estímulo à produção e ao crescimento econômico. Lepage lembra duas experiências
marcantes: a primeira delas foi protagonizada pelo Estado da Califórnia, onde
foi votada em 1978 a famosa Proposition
13, que efetivou uma sensível redução do imposto predial pago pelos
proprietários. A medida levou, em primeira instância, à supressão de 100 mil
empregos burocráticos no Estado. Mas logo se sentiu o benefício para a economia
como um todo: o setor privado criou 550
mil novos empregos.
A segunda experiência americana foi a de Porto Rico,
onde o governador eleito em 1977 suprimiu uma série de sobretaxas e taxas
indiretas, ensejando a partir daí a criação de 107 mil novos empregos, no
início dos anos oitenta, tendo equilibrado o orçamento da ilha, que era
tradicionalmente deficitário.
8.3 - Uma nova concepção do papel do Estado
A crise do keinesianismo significa que deva
desaparecer, nas hodiernas sociedades, a função reguladora do Estado? De forma
alguma. Essa crise significa que deve se cogitar uma forma diferente de
intervencionismo. "A intervenção do Estado
-- frisa Lepage --, tal como é hodiernamente concebida, e mesmo contando
com instrumentos aperfeiçoados, só pode levar a flutuações mais e mais
acentuadas dos preços, da produção e do emprego. Em outros termos, em lugar de
reduzir as flutuações naturais da economia de mercado, a nossa experiência das
políticas conjunturais conduz ao renascimento dos ciclos, que se acreditava ter
eliminado definitivamente, e ao seu alargamento"[42].
O novo modelo de intervencionismo apregoado pelos new economists críticos do
keinesianismo, consiste em fixar regras de gestão estáveis, definidas para
períodos mais longos, por exemplo, adotando mecanismos constitucionais que
obriguem a que o orçamento do Estado se equilibre globalmente durante o período
de uma legislatura completa, de forma a impedir ao governo a efetivação de
mudanças abruptas nas políticas tributárias, que fixem limites ao crescimento
das despesas públicas (por exemplo, atrelando-as aos índices de crescimento da
economia), etc.
Como se vê, não se trata de negar valor ao
keinesianismo. "O problema -- frisa
Lepage --não consiste em duvidar de que as fórmulas keinesianas possam ser, em
certas circunstâncias, particularmente eficazes, mas em esclarecer que o
emprego e o desenvolvimento das técnicas keinesianas, têm modificado
progressivamente o universo econômico em relação ao qual elas tinham sido concebidas, ao ponto que o
que antes era caz, hoje é fator gerador de efeitos perversos cada vez mais
acentuados, e dos quais só podemos nos libertar mediante uma substituição
completa de instrumentos"[43].
[1]
Cf. Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria
Geral", in: Keynes, Teoria Geral do
Emprego, do Juro e do Dinheiro - Inflação e Deflação. (Tradução a cargo de
Mário R. da Cruz e Rudolf Kunz; revisão técnica de Cláudio Roberto Contador;
apresentação de Adroaldo Moura da Silva). São Paulo: Abril Cultural, 1983,
coleção "Os Economistas". Pgs. VII-XXV. Temos consultado também Paim,
Antônio. "Emergência da questão social e posição anterior a Keynes. O
Keinesianismo", in: A. Paim (organizador). Evolução histórica do Liberalismo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987,
pgs. 69-77. Drucker, Peter F.
"Keynes: a economia como sistema mágico", in: Os novos mercados. (Tradução de Wamberto H. Ferreira). Rio de Janeiro: Expressão e Culturam, 1973,
pgs. 243-260.
[2]
Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral",
in: Keynes, Teoria Geral do Emprego, do
Juro e do Dinheiro. Ob. cit., pg.IX.
[3]
Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral".
In: Keynes, Teoria Geral do Emprego, do
Juro e do Dinheiro. Ob. cit., p. IX.
[4]
Cf. Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria
Geral". In: Keynes, Teoria Geral do
Emprego, do Juro e do Dinheiro. Ob. cit., p. X.
[5]
Silva, Adroaldo Moura da. "Apresentação: Keynes e a Teoria Geral",
in: Keynes,Teoria Geral do Emprego, do
Juro e do Dinheiro, ob. cit., p. XI.
[6]
"Maynard e Lydia Keynes", in: Milo Keynes (coordenador). Ensaios sobre John Maynard Keynes.
(Tradução de José Fernandes Dias). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, pgs.
15-23.
[7]
Cf. Popper, Karl. "Verdade, probabilidade, corroboração", in: Autobiografia intelectual. (Tradução de
L. Hegenberg e O. S. da Mota). São Paulo: Cultrix-Edusp; Brasília: Universidade
de Brasília, 1977, pgs. 111-112.
[8]
"O que aconteceu à revolução keinesiana". In: Milo Keynes
(coordenador), Ensaios sobre John Maynard
Keynes. Ob. cit., pgs. 101-110.
[9]
Robinson, Joan. "O que aconteceu à revolução keinesiana", in: Milo
Keynes (coordenador). Ensaios sobre John
Maynard Keynes. Ob. cit., pg. 110.
[10]
(Tradução de Maria Luisa X. de A. Borges). Rio de Janeiro: José
Olympio-Instituto Liberal, 1985.
[11] Ob. cit., pg. 37.
[12] Ob. cit., pg. 48
[13] Ob. cit., ibid.
[14] Ob. cit., pg. 50.
[15] Johnson, Harry G. "Keynes e a
economia inglesa", in: Milo Keynes (coordenador), Ensaios sobre John Maynard Keynes, ob. cit., pgs. 83-99.
[16]
"Keynes e a economia inglesa", ob. cit., pgs. 84-85.
[17]
"Keynes e a economia inglesa", ob. cit., pg. 89.
[18]
"Keynes e a economia inglesa", ob. cit., pg. 89.
[19]
Cf. Lepage, Henri. Demain le Libéralisme.
Paris: Pluriel, 1980, pg. 89.
[20] Galbraith, John Kenneth. "A chegada de Keynes à America",
in: Milo Keynes (coordenador). Ensaios
sobre John Maynard Keynes, ob. cit., pg 114. Cf. de John Kenneth Galbraith,
Moeda: de onde veio, para onde foi.
2a. edição, (tradução de A. Zoratto Sanvicente), São Paulo: Pioneira, 1983,
capítulo 16, "O advento de J. M. Keynes", pgs. 227-246.
[21]
Galbraith, John Kenneth. "A chegada de Keynes à América", ob. cit.,
pg. 118.
[22]
Galbraith, "A chegada de Keynes à América", ob. cit., pg. 122.
[23]
Galbraith, "A chegada de Keynes à América", ob. cit., pg. 121.
[24]
Apresentação à obra de Friedrich A. Hayek, Unemployment
and monetary policy, St. Francisco-Califórnia: Cato Institute, 1979, pg. X.
[25] Hayek, Friedrich A. Unemployment and monetary policy, ob.
cit., pg. 7. Cf. do mesmo autor, O
caminho da servidão, (Tradução de A. M. Capovilla, J. I. Stelle e L. M.
Ribeiro), Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1984, (capítulo 13: "Os
totalitários em nosso meio", pg. 169 a 184).
[26]
Friedman, Milton. Capitalismo e
liberdade. (Colaboração de Rose D. Friedman; tradução de Luciana Carli; apresentação
de Miguel Colassuono). 2a. edição, São Paulo: Nova Cultural, 1985, pg. 43.
[27]
Friedman, Milton, ob. cit., pg. 38.
[28] Friedman, Milton, ob. cit., pg. 39.
[29] Cf. a
apresentação de Miguel Colassuono à obra, já citada, de Milton Friedman, pg.
XX.
[30]
Paris: Pluriel (Livre de Poche), 1980, pgs. 87 a 122. Cf do mesmo autor, Amanhã, o capitalismo (tradução de
Adelino dos Santos Rodrigues), Lisboa: Europa-América, s. d.
[31] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 89.
[32]
Cf. "Les antecipations rationnellles: signification et importance dans
l'analyse économique", Vie et
sciences économiques, outubro 1979, apud Lepage, ob. cit., pg. 92-93.
[33]
Lepage, Henri. Demain le libéralisme. Ob.
cit., p. 93.
[34] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 96.
[35] Ob. cit., p. 95.
[36] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 95-96.
[37] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 97.
[38] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 99.
[39] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 101.
[40] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 104.
[41] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 108-109.
[42] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 114.
[43] Lepage,
Henri. Ob. cit., p. 115.
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