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sábado, 27 de outubro de 2012

O MENSALÃO E AS INSTITUIÇÕES REPUBLICANAS



O Chefão: Sabia de Tudo
Ações diversionistas da Petralhada para encobrir o Mensalão petista: acusar os outros do próprio crime
Marcos Valério: pesadas penas. Botará, agora, a boca no trombone?

Levei uma grata surpresa com o julgamento do Mensalão pelo STF. A nossa vida democrática parece ter reencontrado a vitalidade que parecia fenecida na crise em que o Executivo, sobranceiro à lei, tentou comprar definitivamente o apoio do Legislativo, mediante a prática da corrupção sistemática, ao ensejo do episódio que o denunciante do esquema, Roberto Jefferson, denominou de “Mensalão”. O nome pegou, para desespero de Lula, Dirceu et caterva. Foram julgados e condenados, se não todos, pelo menos alguns dos responsáveis mais representativos do sinistro esquema. A História se encarregará de julgar os que escaparam, a começar pelo chefe que, pelo teor das investigações e depoimentos, “tudo sabia”.

Era de Oliveira Vianna a previsão de que a redenção das instituições republicanas viria, no Brasil, pela mão do Judiciário. Vítimas da “política alimentar” (nome dado pelo sociólogo fluminense ao esquema de clientelismo e corrupção que se apossou da vida pública desde tempos que se remontam à derrubada do Império), as instituições democráticas acordariam da catalepsia em que a privatização patrimonialista do poder pelas oligarquias as fez mergulhar. A independência do Poder Judiciário, pensava Oliveira Vianna em Instituições Políticas Brasileiras (1949), garantiria no Brasil as liberdades civis dos cidadãos; asseguradas estas, o país poderia pensar na conquista das liberdades políticas.

Ora, os pareceres dos juízes do Supremo Tribunal Federal colocaram na pauta da política nacional dois princípios fundamentais: em primeiro lugar, todos devem respeitar, sem exceções, a lei e o marco arquetípico dela, a Constituição. Em segundo lugar, os que governam não podem agir utilizando a máquina do Estado em benefício próprio. Dois princípios de ética pública que, meridianos, voltaram a presidir o espaço republicano, a partir dos pareceres dos Magistrados da nossa Suprema Corte. Que a sociedade respirou aliviada com a ação patriótica do STF, o deixam claro as opiniões dos leitores na mídia eletrônica e impressa, bem como as espontâneas manifestações de aplauso dos cidadãos quando encontram um dos nossos Magistrados, em que pese a cerrada política armada pela petralhada, de denuncismo de “golpe da magistratura e da imprensa”.

No esquema do Mensalão marcaram encontro dois vícios da política brasileira: o tradicional “complexo de clã” e a ausência de espírito público, bases do Patrimonialismo. Esses dois vícios, entrelaçados como as caras da mesma moeda, fazem com que os atores políticos ajam única e exclusivamente em benefício próprio, privatizando as instituições em seu benefício e no das suas respectivas clientelas. Nisso, o PT e coligados mostraram-se eficientes “como nunca antes na história deste país”. A esses dois vícios vieram-se juntar duas tendências da cultura política moderna: o jacobinismo (inspirado na filosofia política de Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII), segundo o qual a organização da política, nos Estados, deve-se pautar pelo princípio da unanimidade dos cidadãos ao redor da “vontade geral” (identificada com o Legislador e imposta pelos seus seguidores, os “puros”), sendo excluída, a ferro e fogo, qualquer oposição ou dissidência. O segundo princípio negativo diz relação ao “messianismo político” (pensado no início do século XIX por Henri-Claude de Saint-Simon, e continuado pelo seu discípulo Augusto Comte). Ora, na nossa organização republicana juntaram-se, com o correr dos séculos, numa síntese perversa, esses dois princípios, bem como os vícios balizadores do Patrimonialismo. O jacobinismo e o messianismo político reforçaram-se dramaticamente, na contemporaneidade, com a tendência cientificista do marxismo (inspiradora dos ideólogos petistas), que passou a pensar a política em termos de hegemonia partidária, à maneira gramsciana.

Na história republicana terminou se consolidando, à sombra da cultura política emergente das variáveis mencionadas, um modelo identificado mais com a prática do despotismo do que com o moderno republicanismo. Castilhismo, getulismo, tecnocratismo autoritário, lulopetismo, eis os resultados desse amálgama nada republicano. Como dizia Tocqueville, se referindo à França de 1848, a face da República viu-se desfigurada pelas práticas despóticas das lideranças. No Brasil, a Res Publica, virou Coisa nossa, num esquema verdadeiramente mafioso de minorias encarrapitadas no poder, que fazem o que bem entendem, de costas para a Nação, fragilmente representada num Legislativo que se contempla a si próprio e zela quase que exclusivamente pela manutenção dos seus privilégios. Com um agravante, atualmente: se nos momentos anteriores havia autoritarismo republicano, este se equilibrava com uma proposta tecnocrática bem-sucedida (como nos momentos getuliano e do ciclo militar ou com um respeito quase sagrado ao tesouro público, no castilhismo). Restou-nos o assalto desavergonhado aos cofres da Nação, numa atabalhoada política clientelista que jogou pela borda a necessária eficiência e que entregou as agências reguladoras do Estado aos companheiros, em meio ao mais descarado compadrio sindical.

Ecoam ainda nos ouvidos da Nação as graves palavras com que um dos Ministros do STF caracterizava, dias atrás, o mal que tomou conta do Brasil: "Formou-se na cúpula do poder, à margem da lei e ao arrepio do direito, um estranho e pernicioso sodalício, constituído por dirigentes unidos por um comum desígnio, um vínculo associativo estável que buscava eficácia ao objetivo espúrio por eles estabelecido: cometer crimes, qualquer tipo de crime, agindo nos subterrâneos do poder como conspiradores, para, assim, vulnerar, transgredir e lesionar a paz pública". Gravíssima situação que a nossa Suprema Corte encarou com patriotismo e coragem. Esperamos que essa benfazeja reação dê início a um saneamento generalizado das instituições republicanas.

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