O pensamento dos pré-socráticos
constitui um sinaleiro do sentido da razão para o homem. A nossa espécie
“sapiens sapiens”, efetivamente, através desses pensadores do século VI a. C.,
efetivou um progresso decisivo na conquista da racionalidade: evoluímos da
representação puramente mítica, realizada com imagens plásticas, para uma visão
racional, crítica, através de conceitos abstratos construídos pela razão, a
partir dos dados da experiência. O homem ocidental passou a buscar uma
representação lógica da realidade, sendo a razão o grande instrumento dessa
busca e constituindo ela o tribunal perante o qual se julgaria o que é certo e
o que é errado. Se uma determinada representação satisfaz à razão, é certa; se
não a satisfaz, é incluída entre aquelas, das quais devemos desconfiar. É da
lavra do pré-socrático Parmênides de Eléia (530-460 a. C.) o belo poema
intitulado Sobre a Natureza (Perí
tes fuseos), cuja tradução do grego para o português, da lavra de Geraldo Mello
Mourão, foi publicada primorosamente, em São Paulo, pela editora GRD. Segundo o
relato do mencionado poema, o homem empreende longa viagem desde o reduto das
sombras da noite até a luz esplendorosa do meio-dia, guiado por “cocheiros
imortais” as Helíades, filhas do Sol, que representam as duas janelas do nosso
conhecimento: experiência e razão. Na culminância dessa viagem (que antecipa,
genialmente, o Discurso do Método de Descartes), a deusa da verdade, Themis,
que representa a ordem do cosmo e a lei divina, diz carinhosamente ao viajante:
“Agora é preciso que mergulhes em todas as indagações: tanto da Aletheia (a Verdade), que contempla
tudo, cujo coração não treme, como das coisas caras aos mortais, que não
alcançam a Aletheia”. Ou seja: a
deusa da Verdade recomenda que o homem leve em consideração os fatos cotidianos,
que constituem aquilo que agrada aos homens, mas que não fique somente aí e
parta, à luz da razão “que contempla tudo, cujo coração não treme”, para buscar
aqueles rios subterrâneos que não aparecem no comportamento cotidiano, mas que
o norteiam.
Pois bem: ao longo das últimas
semanas temos sido literalmente inundados por torrente de notícias nada
edificantes acerca das armações do ex-presidente Lula, que aparentemente têm
três finalidades: potencializar o seu candidato ao governo de São Paulo,
distrair a atenção dos brasileiros em face do julgamento do Mensalão com a CPI
do Cachoeira e, ao mesmo tempo, criar constrangimentos para os juízes do
Supremo. Essas são as coisas que a experiência nos apresenta. As análises
jornalísticas, via de regra, debruçam-se sobre os fatos mencionados, tentando
encontrar uma ilação para os mesmos. Importante reconstrução, mas não
suficiente.
Gostaria de ir um pouco mais
fundo na análise do acontecido, a fim de investigar as raízes profundas desse
comportamento. Os fatos apresentados não
são fruto, apenas, de uma circunstância pré-eleitoral, que a atual legislação
permite que aconteça (enquanto não forem oficializados os candidatos dos
Partidos). Ora, todo mundo sabe quais eles são, na cidade de São Paulo. Mas,
como não foram formalizados, “ainda não são candidatos” e, nessa brecha,
espertamente Lula deita e rola fazendo campanha escancarada em prol do seu
candidato, indo com ele ao programa de conhecido apresentador populista,
proclamando que o que busca é que não seja mais eleito um candidato do partido
adversário, etc.
Tentando encontrar as razões
profundas para o comportamento lulista, eis que encontramos as seguintes motivações
secretas que o explicam. Em primeiro lugar, tanto Lula quanto a militância
petista deixaram claro, desde o início do primeiro governo do ex-presidente,
que a ética que os anima é a totalitária, segundo a qual “os fins justificam os
meios”. Ora, como dizia o velho Aristóteles, a questão ética não é de fins, mas
de meios. Eis por que, o filósofo considerava que a virtude que deveria pautar
o comportamento do homem que buscasse agir eticamente, deveria ser a Prudência
(sofrosíne), que o ajuda a encontrar
os meios adequados (de acordo com a sensibilidade moral), para a conquista dos
fins almejados. Em segundo lugar, o que
menos interessa a Lula e aos seus correligionários é a transparência, indo aqui
contra o imperativo categórico que, na modernidade, tornou-se norte da
política. Refiro-me ao mandamento da transparência, formulado por Immanuel Kant
no final do século XVIII. Em política, segundo o pensador alemão, para termos
eticidade, é necessário que os atores ajam às claras, com transparência,
divulgando publicamente os motivos da sua ação. Essa é a condição em que também
se sedimenta a paz social. Se todos duvidamos dos atores políticos, instaura-se
o clima de desconfiança que conduz à guerra. Somente com transparência se
conseguirá, segundo o filósofo, um ambiente ético na política, assim como a paz
perpétua. Em terceiro lugar, tanto Lula quanto os petistas somente “pensam
naquilo”, quando se trata de política. Somente cogitam, efetivamente, na
hegemonia do “novo príncipe”, o Partido, o PT, o grande ator, que deve,
hegemonicamente, sufocando qualquer oposição, exercer o poder sem contestação
de nenhuma espécie. Eis aqui o princípio do patotismo, que constitui a essência
do Estado patrimonial: agir como se só existisse a própria patota, fazendo
simplesmente abstração do resto.
Na medida em que as razões apontadas
não mudem, teremos um clima de instabilidade e de desconfiança para o exercício
da política republicana. E por falar em República (que é um termo que enche a
boca de petistas e coligados), ela consiste, como dizia Tocqueville, no “reino tranqüilo
da maioria”. Isto certamente contrasta com a versão de República de patota que Lula
e os petistas tentam implantar, com exclusão de qualquer partido que não seja o
seu do exercício legítimo do poder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário