Se
vivo fosse, o general Golbery, o engenheiro da abertura nos anos oitenta do
século passado, teria escrito no seu diário, após assistir pela TV às enormes
manifestações dos jovens no Rio e em outras cidades brasileiras, neste final de
outono e início de inverno de 2013: “é o fim do populismo”. Lembremos que o
esclarecido militar escreveu no seu diário, após as passeatas e assembléias que
se desenvolveram por todos os cantos do Brasil pedindo as Diretas Já: “é o fim do regime militar”. Só um louco poderia fazer
ouvidos moucos diante dos milhões de pessoas protestando nas ruas, de forma
pacífica, como tem acontecido nas últimas semanas pelo país afora. O Brasil
custa a acordar. Mas, quando acorda, vira gigante que deixa no ar as suas
mensagens, esquecidas pelos políticos e pela burocracia governamental. Aconteceu
isso no movimento das “Diretas Já” (nos anos oitenta), nas manifestações
populares que colocaram para fora o corrupto governo Collor e sua gangue (nos
anos noventa). E está acontecendo a mesma coisa neste movimento pacífico de
jovens de classe média, que percorrem alegremente praças e avenidas das cidades
brasileiras, portando mensagens que, segundo os manifestantes, permanecem
distantes dos partidos políticos. Manifestações multitudinárias que se
caracterizam pela tranqüilidade e que terminam levando às ruas a pessoas de
todas as idades. É importante e essencial para a sobrevivência de quem faz
política ter o esclarecimento necessário para escutar a mensagem das ruas. O
que é que a sociedade brasileira tem a dizer nas suas passeatas?
Os
novos "caras pintadas" se organizaram nas redes sociais para mostrar
ao governo que nem tudo está aparelhado pelos petralhas neste país. Gilberto
Carvalho, no início do ano, dizia que "o bicho vai pegar". E está
pegando. Só que está pegando no pé de quem esperava se beneficiar espertamente
com a força das ruas e dos movimentos sociais. Militantes de partidos de
esquerda e alguns sindicalistas simpáticos ao governo tentaram se somar à onda
cívica, mas foram colocados para fora como oportunistas. Uma minoria de
alucinados, que a polícia está identificando e prendendo, tentou desmoralizar
com a sua barbárie a pacífica manifestação do milhão e meio de brasileiros que
saíram às ruas. Mas foram identificados e isolados. São lamentáveis as cenas de
vandalismo que essa minoria protagonizou. Contudo, isso não conseguiu silenciar
as legítimas reivindicações dos manifestantes. O movimento ficou fora do
controle dos estrategistas do governo e está dando ensejo às reivindicações da classe
média, esquecida pelo Palácio do Planalto, do alto da prepotência de um partido
que imaginou ter carta branca, ao longo destes dez anos, para colocar o partido
acima do Brasil.
A
voz das ruas, explicitada nos cartazes e na alegre voz dos manifestantes, tem
deixado clara a sua mensagem. Chega de “bolsa-tudo-que-é-coisa” paga sem
transparência com o dinheiro do contribuinte! Chega de corrupção! Chega de
vigarice de políticos profissionais que não representam os interesses do
eleitor, mas que se beneficiam com o dinheiro público! Chega de gastança
federal, estadual e municipal com essas obras para eventos esportivos que nunca
acabam e que custam cada vez mais! Chega de péssimos serviços públicos de
transporte, educação, segurança pública, saneamento e saúde! Chega de um regime
tributário injusto, que penaliza os que trabalham e criam empregos! “Chega de pão
e circo"! Assim rezava o cartaz de um jovem manifestante em Belo
Horizonte. Chega das tentativas do partido do governo para tentar inviabilizar
a atividade do Ministério Público, na vergonhosa Proposta de Emenda
Constitucional 37! Essas parecem ser as principais reivindicações. Certamente são
lamentáveis os atos de vandalismo, causados por baderneiros infiltrados, que estão
sendo enquadrados pelas autoridades. São lamentáveis, também, os excessos das
forças policiais em algumas cidades. Mas as manifestações massivas estão aí e, certamente,
conduzirão a mudanças profundas na política brasileira. Após este movimento de
fim de outono o Brasil não será mais o mesmo.
Para
além das reivindicações de serviços públicos de qualidade, a voz dos
manifestantes explicitou um grito de patriotismo, que ficou preso nas gargantas
dos cidadãos ao longo destes anos de cinismo oficial. “O meu partido é o
Brasil”, rezava o cartaz de um jovem manifestante. O entusiástico coro dos que
cantavam o Hino Nacional contrastava com o silêncio perplexo dos políticos que
foram surpreendidos com a manifestação cívica das ruas. A classe média
tornou-se porta-voz desse grito engasgado que clama por decência e que apregoa
a volta aos valores do patriotismo, esquecido nas negociatas de políticos com
empreiteiras e de governantes corruptos que se vangloriam dos seus malfeitos e
que, cinicamente, reconduzem à vida pública, figuras condenadas pela Justiça. A
era do lulopetismo, contaminada pelo modelo da antiética do herói sem nenhum
caráter, foi colocada no pelourinho da crítica cidadã. Os jovens manifestantes
querem sentir orgulho do seu país. Essa classe média, vilipendiada por
intelectuais chapa-branca como refém do autoritarismo e do atraso, saiu às ruas
apregoando o seu orgulho de ser brasileira.
Muita
coisa deverá ser feita no âmbito do Estado, para colocar em sintonia a voz das
ruas com as instituições republicanas. Quem se recusar a fazê-lo, colherá
resultados negativos nas próximas eleições. A primeira coisa é renovar a
representação. A reforma política é essencial e deve ser colocada em pauta. Sem
a esperteza gramsciana de dirigir todo o esforço para fazer do partido do
governo o ator hegemônico da vida republicana.
Estava esperando por suas palavras, Ricardo, lúcidas como sempre. Mas, sinceramente, depois de uma alegria inicial com o eloquente "basta", fiquei um tanto cético. Parece que a classe política finge não entender que existe no país um problema grave de representação por conta da existência de partidos políticos de costas voltadas à população. Fingem entender que o "sem partido" é justamente o indício da saturação.
ResponderExcluirProfessor Ricardo, percebemos que não temos mais tempo, nem paciência para engolir a eloquência de um governo corrupto, de onde sempre surge reclamações mal ditas sobre investimentos necessários para melhores condições de sobrevivência dos brasileiros. Sentimos que os governantes tem pela educação um nauseante desprezo, na saúde uma mortalha presa na salvação de quem dela precisar, sem citar a insegurança da segurança pública que vimos agir contra os que junto deles, precisam de salários mais dignos e condições melhores de trabalho. Isso e muito mais resultou em um rubor na face de quem sofre calado a anos e, foi esquentando tanto que acabou por explodir. Após essa explosão o brasileiro não será mais o mesmo, temos que continuar a lutar, a soltar nossos gritos de socorro e de não dá mais, precisamos que aconteça, precisamos de mudanças, clamamos por um Brasil novo urgente.
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