O texto a seguir é a Conclusão da minha obra, lançada em 2007, com o seguinte título: Luz nas trevas - Ensaios sobre o Iluminismo (Guarapari ES: Editora Ex-Libris, 2007, 260 p.). Pela atualidade do tema tratado, reproduzo esse texto agora, na esperança de iluminar o atual momento, uma de cujas caraterísticas marcantes é a descrença nas Luzes da Razão, para equacionar os grandes problemas com que o Brasil se defronta.
Ao longo desta obra destaquei o importante papel das Luzes na
Modernidade. O processo de ilustração no Brasil ficou a meio caminho, em
decorrência das nossas decisões erradas. A estrutura patrimonial do Estado,
ligada à mentalidade contra-reformista, terminou polarizando a dinâmica da
nossa história, pelo torto caminho da privatização do poder por grupos e
estamentos e da execração do lucro, da riqueza e do progresso como se fossem
realidades contrárias à moral e à reta razão. Terminamos cativos de uma idéia
deformada de modernidade, como a realização de uma ordem doméstica que nos
daria mesada a todos, sem precisarmos trabalhar. E ficamos presos aos chavões
politicamente corretos, que não nos deixam sacudir a poeira do passado, a fim
de enveredarmos por caminhos novos. Hoje o gramscismo está na ordem do
dia e ai de quem esboçar opiniões contrárias ao populismo em voga, às
bolsas-família, às cotas raciais, aos estatutos legais que fazem dos
adolescentes e jovens eternos irresponsáveis perante a lei. Ai de quem criticar
a conivência das autoridades para com os mal chamados movimentos sociais,
que fazem tabula rasa da lei e dos princípios morais, inspirados no
pressuposto totalitário de que “os fins justificam os meios”.
Intelectuais e mestres são ameaçados, na sua integridade física, por
militantes que simplesmente procuram impor, a qualquer preço, os slogans
oficiais, sem que se possa duvidar da conveniência dos mesmos. Racismo
proveniente dos antigos discriminados, pode! Já foi ouvida essa barbaridade, de
boca de alta funcionária governamental, que tem, entre as suas incumbências, a
de lutar contra a discriminação. O fascismo entrou pela porta da frente na já
combalida vida pública brasileira. Hoje, mais do que nunca, é preciso ter
coragem para pensar, neste país! A Imprensa, amordaçada pela autocensura e
premida pelas ajudas oficiais, é vítima de uma legislação autoritária que
ameaça com pesadíssimas multas aqueles que ousarem criticar os novos donos do
poder. Operações policiais para amedrontar as denominadas “elites” são
deflagradas com estardalhaço, sem que se observem, em não poucos casos, as
normas prescritas nos códigos de processo. Enquanto isso, a criminalidade corre
solta pelas nossas cidades, eliminando os indefesos cidadãos que caem vítimas
do fogo cruzado entre os meliantes e a polícia. E os corruptos de sempre, os do
mensalão, os dos sanguessugas, os da patifaria do momento que é focalizada
pelos noticiários mas que logo é esquecida, saem de cara lavada pregando
moralidade e civismo. Cínica encenação que causa asco aos cidadãos de bem, já
cansados com tanta irracionalidade e com a quebra dos valores morais.
Mas podemos mudar as coisas. O esforço da Ilustração é algo que pode
ser retomado. Precisamos de coragem para isso. Gostaria de lembrar, aqui, o
“Imperativo das Luzes” formulado por Immanuel Kant em 1783: “O que é a
Ilustração? É a saída do homem da sua menoridade, da qual ele mesmo é
responsável. (...) Sapere aude! Tem coragem para te servir do teu
próprio entendimento! Essa é a divisa das Luzes!”. Com a coragem de ousarmos
ver o que se passa diante de nós, poderemos, abertos ao legado da Filosofia
Ocidental e da Tradição Humanística, identificarmos as
soluções para superarmos o abismo de mediocridade que ameaça engolir as nossas
instituições e a paz social.
Confio nas novas gerações. Sinto que elas se cansaram da desfaçatez dos
políticos e dos burocratas carreiristas, e almejam uma sociedade nova. Vejo
ressurgir o interesse pelo estudo da Filosofia Brasileira, após uma década de
indiferença do meio acadêmico em face do conhecimento aprofundado da nossa
realidade cultural. Ao longo dos anos 80 e 90 do século passado, foram sendo
fechados, por pressão da Capes, os Cursos de Mestrado e Doutorado em Filosofia
Brasileira, existentes no Brasil, primeiro na PUC do Rio de Janeiro e, depois,
na Universidade Gama Filho e na Federal de Juiz de Fora. Isso num momento em
que as exigências da Globalização estavam levando outros países a iniciarem ou
a retomarem pesquisas acerca das respectivas filosofias nacionais, como
aconteceu em Portugal, na Espanha, no México, no Peru, na Colômbia, etc.
Felizmente para nós, a nova geração de alunos que cursa Filosofia e
Ciências Humanas, tanto na UFJF como em outras Universidades brasileiras, está
dando ensejo a iniciativas em prol da pesquisa das nossas origens filosóficas e
culturais. Por pressão dos meus alunos de graduação vi-me obrigado a voltar aos
empoeirados livros e documentos do pensamento nacional, a fim de retomar os
estudos que, com desesperança, tinha deixado para mais tarde, apenas para a
minha curiosidade intelectual, ou para manter vivo o intercâmbio que continuei
a fazer com Universidades e centros de pesquisa de outros países, interessados
no estudo sistemático dos nossos pensadores. Para canalizar as iniciativas dos
meus alunos criei, em 2003, o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da
UFJF, que já deu os seus primeiros resultados na publicação regular da Revista
Ibérica e que acaba de realizar o primeiro Colóquio para a comunidade acadêmica
da UFJF, acerca do tema: “Filosofia, Estado Patrimonial e Imaginação Literária
na América Latina”.
Dentre as iniciativas estrangeiras vigentes em prol do estudo da
Filosofia Brasileira, vale a pena mencionar o Projeto Ensayo, iniciado
em 1986 por José Luis Gómez Martinez, na Universidade de Georgia, nos Estados
Unidos, bem como as pesquisas que, na Biblioteca do Congresso dos Estados
Unidos, desenvolve Juan Carlos Torchía Estrada, ou os estudos realizados pelo
Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, em Lisboa, sob a direção de José
Esteves Pereira, António Braz Teixeira, Antônio Paim e o saudoso Eduardo
Soveral, que frutificaram nos Colóquios Luso-Brasileiros de Filosofia,
realizados ininterruptamente, a cada dois anos, em Portugal e no Brasil (ao
longo dos últimos quinze anos). Vale a pena mencionar, também, as pesquisas
sobre pensamento brasileiro que Zdenek Kourim realiza, na França, sob os
auspícios do Centre National de la Recherche Scientifique; os estudos sobre
filosofia jurídica brasileira, efetivados na Universidade de Milão por Mário
Losano e Marcela Varejão, assim como os projetos dedicados à pesquisa da
Filosofia Latino-Americana, adiantados pelo Institut de Philosophie, de Paris,
vinculado à Unesco. Dignos de menção são, também, os estudos das idéias
políticas luso-brasileiras realizados no Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica de Lisboa, sob a direção de João Carlos Espada, bem como
o Primeiro Congresso Luso-Galaico-Brasileiro, que será realizado pela
Universidade Católica Portuguesa, na sua sede do Porto, no final de 2007, sob a
coordenação de Arnaldo de Pinho.
Teimosos e destemidos pesquisadores brasileiros continuaram o trabalho
esquecido pelas pós-graduações stricto sensu das Universidades,
programando eventos, publicando revistas, aglutinando os remanescentes dos
antigos cursos de mestrado e doutorado em Filosofia Brasileira. Os nomes de
alguns desses quixotes: o recentemente falecido Miguel Reale, o maior
filósofo brasileiro do século XX, à frente do Instituto Brasileiro de
Filosofia; Antônio Paim, do IBF, que doou a sua biblioteca pessoal para
organizar o maior acervo existente de pensamento filosófico e social
brasileiro, no Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro, criado por ele
em Salvador, na Bahia, em 1982; Leonardo Prota, do Instituto de Humanidades, em
Londrina, que realizou, ao longo dos últimos quinze anos, os famosos Encontros
Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira; Jorge Jaime,
Ricardo Moderno, Aquiles Côrtes Guimarães, Francisco Martins de Souza, Anna
Maria Moog e Luís Antônio Barreto, da Academia Brasileira de Filosofia, no Rio
de Janeiro; José Maurício de Carvalho, da UFSJ; Tiago Adão Lara e José Carlos
Rodrigues, da UFJF; Constança Marcondes César, da PUC-Campinas; Selvino
Malfatti, das Faculdades Franciscanas de Santa Maria, no Rio Grande do Sul;
monsenhor Urbano Zilles, da PUC de Porto Alegre, etc.
As iniciativas da nova geração em prol dos estudos da Filosofia
Brasileira deram continuidade, sem dúvida nenhuma, a essa fonte de luz que não
se apagou, apesar dos preconceitos neocolonialistas dos burocratas. É nessa
nova geração que aposto e para quem dedico as últimas palavras da minha obra.
Lembro a esses jovens as palavras do filósofo alemão: Sapere aude!
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