O mestre José Arthur Rios e este escriba, em evento no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 2008. (Foto álbum de família). |
Conheci José Arthur Rios como Docente da chata disciplina "Estudo de problemas brasileiros", quando fiz o mestrado em Pensamento Brasileiro na PUC do Rio, entre 1973 e 1974. Digo "chata disciplina", não pelo fato de essa disciplina tratar dos problemas do Brasil, mas porque, nesses anos, a matéria era lecionada, via de regra, por milicos aposentados ou civis propagandistas do regime. Embora concordasse com a higiene que os militares fizeram na seara da política brasileira tirando os comunas do poder, não concordava com os exageros da repressão, notadamente no que se refere à tortura e à liberdade de expressão.
Eu vinha de grupos da esquerda católica na Colômbia que descambaram para o terrorismo e a luta armada. Lembro que, quando vim para o Rio casar com Glecí, minha primeira esposa, em 1971, o meu tio, o general Juan Félix Mosquera, que tinha sido comandante da Polícia Nacional na Colômbia, me alertou: "Cura" - era o nome que ele me dava, como liberal anticlerical que era - "tenha muito cuidado no Brasil: os Gorilas não brincam em serviço!". "El tio Juan", como o chamávamos, estava informado. Na véspera da viagem, embora ele se encontrasse gravemente doente (viria a falecer poucos dias depois), me levou ao seu escritório na bela casa de El Chicó, na zona norte de Bogotá, abriu o cofre-forte e me mostrou uma pasta. Nos documentos nela contidos constavam informes do serviço secreto colombiano acerca das atividades extremistas dos grupos nos quais eu participava. Não precisou "El tio Juan" de muita retórica para me convencer de duas coisas: a polícia sabia de tudo quanto eu tinha feito e ele era, verdadeiramente, um espírito liberal.
Quando iniciei o curso de Mestrado na PUC do Rio, dois professores logo se destacaram: o coordenador da área de pesquisa em Pensamento Brasileiro, Antônio Paim e o professor José Arthur Rios, que ministrava a famosa e chata disciplina. Falarei aqui do José Arthur, de quem virei amigo. Do Mestre Paim, meu amigo do peito e que virou o meu orientador e guru, já tenho escrito muito.
Pois bem: O professor Rios, eminente sociólogo, tinha cursado, em Niterói, o Curso de Ciências Jurídicas, tendo-se formado bacharel em 1943, aos 22 anos de idade. Cursou, depois, Ciências Sociais na antiga Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil (atual UFRJ), onde teve oportunidade de estudar com sociólogos franceses de renome como Jacques Lambert, Maurice Byé e René Poirier. Obteve, posteriormente, o título de "Master of Arts" na Universidade de Lousiana, nos Estados Unidos. Pertenceu, depois, ao corpo docente da PUC do Rio de Janeiro, tendo chefiado ali o Departamento de Sociologia e Ciência Política. Lecionou em outras Universidades cariocas como a UFRJ e Santa Úrsula. Foi membro titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, com sede no Rio de Janeiro (tendo eu tido a honra de ser por ele indicado para integrar o mencionado colegiado). Rios teve, também, destacada atuação em Universidades internacionais como a da Flórida e a da Califórnia, nos Estados Unidos. Teve, outrossim, destacada atuação na edição brasileira do Dicionário de Ciências Sociais da Unesco, a cargo da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.
Nas suas aulas de Estudo de Problemas Brasileiros na PUC do Rio, no Curso de Mestrado em Filosofia do qual eu participava em 1973, o professor José Arthur Rios destacava as mudanças pelas que tinha enveredado a sociedade brasileira no início dos anos 70. Havia no ar uma transformação radical. O Brasil, de país rural, estava-se convertendo, a passos agigantados, em sociedade moderna e urbana. José Arthur centrou a sua atenção, nas aulas, num ponto específico: a rápida transformação que a cidade do Rio de Janeiro estava sofrendo, no que tange à integração da antiga Zona Norte, mediante a expansão de vias de comunicação modernas e o surgimento de bairros abertos ao comércio de ponta com a emergência dos notáveis "Shopping-Centers". "Querem conhecer o Brasil, meus caros alunos?" perguntava o Mestre Sociólogo. E respondia: - "Peguem o ônibus e vão para a zona Norte, observando o que mais lhes chamar a atenção". Na semana seguinte, o Mestre indagava, pacientemente, pelo relatório que cada aluno deveria ter feito da sua viagem a essa zona desconhecida. "O que mais lhes chamou a atenção?" - perguntava aos alunos que frequentavam a sua disciplina na PUC, geralmente provenientes das ricas esferas sociais -. Cada um de nós tinha de fazer um relatório vivencial do que tinha visto. No meu primeiro relatório, falei da viagem que fiz de ônibus, saindo de Copacabana para o Méier, o primeiro bairro da Zona Norte que, após a Tijuca, sofreu a grande transformação urbana. Impressionou-me o "Shopping Center" inaugurado pouco tempo atrás sobre a rua Dias da Cruz, que cruza o bairro do Norte ao Sul. Lojas de griffe, modernos restaurantes e lanchonetes, aquele povo cheiroso e bonito andando nas aprazíveis áreas de alimentação e pelos amplos corredores, tudo com aquele ar refrigerado maravilhoso e, ainda por cima, com música ambiental, nas quentíssimas tardes cariocas. "O Méier está virando cidade moderna, professor", foi a conclusão do meu relatório.
Com o Mestre José Arthur Rios aprendi os rudimentos da Sociologia. E nunca mais larguei essa inicial curiosidade pelas mudanças sociais. Continuei fiel ao diálogo entre Filosofia, História das Ideias e Sociologia, que tem constituído o pano de fundo da minha obra. Entre 1994 e 1996, com a orientação e o apoio do saudoso amigo embaixador José Osvaldo de Meira Penna, fiz a pesquisa de pós-doutorado em Paris, sob a orientação de Françoise Mélonio, no Instituto de Estudos Políticos Raymond Aron, vinculado à Haute École des Sciences Sociales. Estudei, na oportunidade, a mudança social que se deu nos Estados Unidos após a Independência das treze colônias, em 1776, a partir das análises feitas por Alexis de Tocqueville na sua Da Democracia na América. A conclusão do meu trabalho apontava para os caminhos que as democracias sul-americanas poderiam trilhar à luz das análises feitas por Tocqueville. Terminei sintetizando esse meu estudo na obra intitulada: A Democracia Liberal segundo Alexis de Tocqueville (São Paulo: Mandarim, 1998).
José Arthur Rios foi discípulo de Eric Voegelin (1901-1985) quando dos seus estudos de pós-graduação em Sociologia na Luisiana State University, nos Estados Unidos, e desenvolveu, nas últimas décadas, importantes trabalhos de consultoria e pesquisa no seio do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, no Rio de Janeiro, no campo da problemática social urbana, bem como na abordagem da questão agrária e das lutas sociais, notadamente no que tange à violência.
As suas pesquisas sobre a transformação urbana brasileira ficaram consignadas nas seguintes obras, dentre as inúmeras escritas pelo eminente sociólogo: The University Student and Brazilian Society (Michigan State University: Latin American Studies Center, 1971) e Social Transformation and Urbanization - The case of Rio de Janeiro (University of Winsconsin- Milwaukee: Center for Latin-American Studies, 1971). É extensa a lista das obras publicadas no Brasil pelo nosso autor. Menciono as mais representativas: A educação dos grupos (Rio de Janeiro, 1954); Problemas humanos das favelas cariocas (Rio de Janeiro, 1960); Recomendações sobre a Reforma Agrária (em co-autoria, Rio de Janeiro, 1961); O artesanato cearense (Rio de Janeiro, 1963); Estudo de Problemas Brasileiros ( Rio de Janeiro, 1964); A Reforma Agrária: problemas, bases, soluções (em co-autoria, Rio de Janeiro, 1964); Sociologia da corrupção (em co-autoria, Rio de Janeiro, 1987); Ensaios de olhar e ver (Rio de Janeiro, 2011). José Arthur publicou, outrossim, muitos ensaios sobre a problemática da violência no Brasil, na Carta Mensal (órgão do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio) e na obra em colaboração com outros pesquisadores de renome, sobre a problemática da violência e da corrupção na sociedade brasileira contemporânea , intitulada: Crime e Castigo (organizada pela CNC, no Rio de Janeiro, e ainda inédita). José Arthur era também poeta. Deixou vários livros nessa bela seara, tais como: Câmara escura (Rio de Janeiro, 1972); Poemas do cuco (Rio de Janeiro, 2004) e Objetos não são coisas (Rio de Janeiro, 2013).
O nosso autor pertenceu ao grupo de pensadores tradicionalistas que integravam o Centro dom Vital, criado por Jackson de Figueiredo (1891-1928). Casou com a filha dele, Regina Alves de Figueiredo, falecida recentemente. A ensaística do meu amigo era, antes de tudo, agradável, feita a partir de uma leveza de expressão de refinado e bem-humorado causeur. José Arthur evoluiu de uma rígida posição tradicionalista para uma posição de conservador tolerante com outras vertentes de pensamento. Pela sua riqueza humanística, eu o teria candidatado para a Academia Brasileira de Letras.
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