Todo fim de ano é a oportunidade para dar uma olhada pelo
retrovisor da história. Quais foram os fatos marcantes do ano que ora finda?
Esse exercício é útil para pessoas e para grupos sociais. Lembro-me dos meus
tempos de estudos na Universidade Javeriana dirigida pelos Jesuítas, em Bogotá,
do exercício que os religiosos faziam: exame de consciência duas vezes por dia,
para ver como tinha sido o desempenho em termos de observância das regras da
comunidade. Os alunos civis achávamos engraçado aquele exercício de recordação,
feito pelos religiosos em pequenos grupos. Bom, essa prática proposta por um
militar que se tornou santo da Igreja, Ignácio de Loyola, serve também para os
grupos sociais. Quais foram os fatos marcantes em 2017, para a nossa história
como grupo social organizado?
Lembrarei daqueles fatos que são significativos para a nossa
moral social, que corresponde àquele conjunto de princípios que devem pautar a
vida da comunidade política e que hoje são sedimentados consensualmente. O que
se tornou consenso no ano que termina? O grande consenso gira em torno à não
aceitação da corrupção como método de governo e de gestão de empresas. Se
alguma lição tiramos da Operação Lava-Jato, foi essa. Chega de práticas
corruptas! Um raro consenso nacional explicitou-se. O Brasil não será mais o
mesmo após esse princípio ter se instalado por toda parte, nas redes sociais,
na imprensa, nas igrejas, nos clubes de recreação, nos bate-papos informais.
Cansamo-nos da corrupção. E somente serão eleitos, daqui para frente, aqueles
que não tiverem sido contaminados pelo desagregador vírus.
Chegamos a tal consenso em face da inviabilidade que a
corrupção criou para a gestão da coisa pública e das empresas. O caso extremo é
hoje o Rio de Janeiro. A vida tornou-se difícil na antiga “cidade maravilhosa”,
em decorrência do afrouxamento dos controles morais contra a corrupção, que
sugou benefícios previdenciários, salários de servidores, realização de
urgentes projetos urbanísticos, verbas para a saúde pública, para a educação e
para a segurança. No turbilhão de despautério, terminaram indo para a cadeia
figuras representativas da cúpula política do Estado: ex-governadores,
magistrados do Tribunal de Contas, figuras pertencentes à cúpula do Legislativo
estadual, etc. No vácuo das práticas corruptas instalou-se o domínio dos
violentos (que assassinam policiais quase diariamente) e o medo da parte dos
cidadãos. O Rio apresenta, hoje, para o Brasil, o paradigma do que seria uma
sociedade em guerra, aquela, como a desenhada pelo autor de O
Leviatã (1651), Thomas Hobbes, em que todos os cidadãos têm medo da
morte violenta e em que não conseguem desfrutar daquilo que possuem por medo de
que lhes seja tirado de forma brutal.
O segundo grande consenso que se gerou no Brasil no ano que
finda, foi a desvalorização que teve o populismo em todas as suas
manifestações. O líder populista, lembrava o professor Taguieff, na França, é
um demagogo cínico. Demagogo, porque a sua liderança surge à sombra da
deformação da democracia. Cínico, porque a destrói usando exclusivamente, em
benefício próprio, as instituições democráticas. O populista é um anarquista
que quer impor o domínio de si mesmo, sem intermediação institucional. Por isso
se permite um linguajar descosturado, em função das conveniências e das emoções
do momento. Lula é o populista por excelência. Os raquíticos comícios que o
falante ex-líder sindical tenta organizar pelo Brasil afora, são a prova do
cansaço do honorável público com esse espetáculo de mediocridade infinita. O
mal não é novo. Os grandes filósofos do período clássico da Grécia Antiga,
Sócrates, Platão e Aristóteles reagiram contra o populismo dos sofistas, que
levaram Atenas à derrota, após o período de excelência conhecido como “o século
de ouro de Péricles”.
O terceiro grande consenso que parece ter-se sedimentado na
alma dos brasileiros é o do fim do messianismo político. Lula, do alto do seu
inegável carisma e da falta de escrúpulos que beira a psicose, conseguiu a
façanha de fazer com que todo mundo passasse a desconfiar dos “salvadores da
pátria”. Paradoxalmente, do seio da Operação Lava-Jato surgiu a faísca de
messianismo oportunamente definida por conhecido sociólogo como “conspiração de
tenentes de toga”, ao ensejo das pretensões salvadoras do ex-Procurador-Geral
da República, Rodrigo Janot e da tentativa de criminalização da atividade
política pelos jovens “puros” do Ministério Público. O ex-procurador tentou nos
vender a figura de “salvador da pátria”, utilizando para isso a instituição da
Procuradoria como se fosse propriedade particular. Terminou enfiando os pés
pelas mãos na macondiana “delação premiada” de conhecidos empresários da
patifaria, afoitamente costurada nas sombras para abater o atual presidente e
galgar degraus perante a opinião pública e as viúvas da festa lulopetista.
O quarto grande consenso foi a consciência que vai se
enraizando em políticos responsáveis e em segmentos cada vez mais expressivos
da sociedade, de que é necessário dar vida nova à representação política e aos
partidos, sem os quais não será possível, em pleno século XXI, dar voz aos
vários grupos que integram a sociedade. O aperfeiçoamento da representação,
essa é a grande tarefa que temos pela frente. A adoção de mecanismos que a
valorizem como o “Distrito Eleitoral Misto” é o caminho que, se adotado, levará
a que se reconfigure a nossa democracia.
Em face desses consensos acho que ganhamos o ano. 2018 se
apresenta como terreno fértil que frutificará em reformas democráticas (notadamente
a previdenciária) e de desenvolvimento pacífico.
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