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domingo, 31 de dezembro de 2017

AS CONQUISTAS DE 2017 (Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, 31-12-2017, p. A2)


Todo fim de ano é a oportunidade para dar uma olhada pelo retrovisor da história. Quais foram os fatos marcantes do ano que ora finda? Esse exercício é útil para pessoas e para grupos sociais. Lembro-me dos meus tempos de estudos na Universidade Javeriana dirigida pelos Jesuítas, em Bogotá, do exercício que os religiosos faziam: exame de consciência duas vezes por dia, para ver como tinha sido o desempenho em termos de observância das regras da comunidade. Os alunos civis achávamos engraçado aquele exercício de recordação, feito pelos religiosos em pequenos grupos. Bom, essa prática proposta por um militar que se tornou santo da Igreja, Ignácio de Loyola, serve também para os grupos sociais. Quais foram os fatos marcantes em 2017, para a nossa história como grupo social organizado?

Lembrarei daqueles fatos que são significativos para a nossa moral social, que corresponde àquele conjunto de princípios que devem pautar a vida da comunidade política e que hoje são sedimentados consensualmente. O que se tornou consenso no ano que termina? O grande consenso gira em torno à não aceitação da corrupção como método de governo e de gestão de empresas. Se alguma lição tiramos da Operação Lava-Jato, foi essa. Chega de práticas corruptas! Um raro consenso nacional explicitou-se. O Brasil não será mais o mesmo após esse princípio ter se instalado por toda parte, nas redes sociais, na imprensa, nas igrejas, nos clubes de recreação, nos bate-papos informais. Cansamo-nos da corrupção. E somente serão eleitos, daqui para frente, aqueles que não tiverem sido contaminados pelo desagregador vírus.

Chegamos a tal consenso em face da inviabilidade que a corrupção criou para a gestão da coisa pública e das empresas. O caso extremo é hoje o Rio de Janeiro. A vida tornou-se difícil na antiga “cidade maravilhosa”, em decorrência do afrouxamento dos controles morais contra a corrupção, que sugou benefícios previdenciários, salários de servidores, realização de urgentes projetos urbanísticos, verbas para a saúde pública, para a educação e para a segurança. No turbilhão de despautério, terminaram indo para a cadeia figuras representativas da cúpula política do Estado: ex-governadores, magistrados do Tribunal de Contas, figuras pertencentes à cúpula do Legislativo estadual, etc. No vácuo das práticas corruptas instalou-se o domínio dos violentos (que assassinam policiais quase diariamente) e o medo da parte dos cidadãos. O Rio apresenta, hoje, para o Brasil, o paradigma do que seria uma sociedade em guerra, aquela, como a desenhada pelo autor de O Leviatã (1651), Thomas Hobbes, em que todos os cidadãos têm medo da morte violenta e em que não conseguem desfrutar daquilo que possuem por medo de que lhes seja tirado de forma brutal.

O segundo grande consenso que se gerou no Brasil no ano que finda, foi a desvalorização que teve o populismo em todas as suas manifestações. O líder populista, lembrava o professor Taguieff, na França, é um demagogo cínico. Demagogo, porque a sua liderança surge à sombra da deformação da democracia. Cínico, porque a destrói usando exclusivamente, em benefício próprio, as instituições democráticas. O populista é um anarquista que quer impor o domínio de si mesmo, sem intermediação institucional. Por isso se permite um linguajar descosturado, em função das conveniências e das emoções do momento. Lula é o populista por excelência. Os raquíticos comícios que o falante ex-líder sindical tenta organizar pelo Brasil afora, são a prova do cansaço do honorável público com esse espetáculo de mediocridade infinita. O mal não é novo. Os grandes filósofos do período clássico da Grécia Antiga, Sócrates, Platão e Aristóteles reagiram contra o populismo dos sofistas, que levaram Atenas à derrota, após o período de excelência conhecido como “o século de ouro de Péricles”.

O terceiro grande consenso que parece ter-se sedimentado na alma dos brasileiros é o do fim do messianismo político. Lula, do alto do seu inegável carisma e da falta de escrúpulos que beira a psicose, conseguiu a façanha de fazer com que todo mundo passasse a desconfiar dos “salvadores da pátria”. Paradoxalmente, do seio da Operação Lava-Jato surgiu a faísca de messianismo oportunamente definida por conhecido sociólogo como “conspiração de tenentes de toga”, ao ensejo das pretensões salvadoras do ex-Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot e da tentativa de criminalização da atividade política pelos jovens “puros” do Ministério Público. O ex-procurador tentou nos vender a figura de “salvador da pátria”, utilizando para isso a instituição da Procuradoria como se fosse propriedade particular. Terminou enfiando os pés pelas mãos na macondiana “delação premiada” de conhecidos empresários da patifaria, afoitamente costurada nas sombras para abater o atual presidente e galgar degraus perante a opinião pública e as viúvas da festa lulopetista.

O quarto grande consenso foi a consciência que vai se enraizando em políticos responsáveis e em segmentos cada vez mais expressivos da sociedade, de que é necessário dar vida nova à representação política e aos partidos, sem os quais não será possível, em pleno século XXI, dar voz aos vários grupos que integram a sociedade. O aperfeiçoamento da representação, essa é a grande tarefa que temos pela frente. A adoção de mecanismos que a valorizem como o “Distrito Eleitoral Misto” é o caminho que, se adotado, levará a que se reconfigure a nossa democracia.


Em face desses consensos acho que ganhamos o ano. 2018 se apresenta como terreno fértil que frutificará em reformas democráticas (notadamente a previdenciária) e de desenvolvimento pacífico.

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