O recente informe do Forum de Segurança Pública mostra que a
violência se espalhou pelo país afora, tendo crescido o número de mortes
violentas em praticamente todos os Estados. É algo que nos afeta diretamente,
pois compromete de forma séria a nossa qualidade de vida. A existência do
brasileiro tornou-se um problema hobbesiano. Ou seja: todos ficamos reféns do
perigo da morte violenta. Esta era, aliás, o pesadelo com que Thomas Hobbes
desenhava, no século XVII, o drama do cidadão médio europeu, no seio de países
em que campeavam as guerras de religião. É a pior das situações, segundo Hobbes
refere na sua obra-prima, o Leviatã (1651). Ninguém está seguro
de nada. Ninguém pode reter as suas posses, porque podem-lhe ser arrebatadas na
próxima esquina. Ninguém vive com dignidade, em decorrência do temor da morte
violenta.
Não há dúvida de que, entre nós, tudo isso tem uma causa
estrutural: o Estado patrimonial que, ao longo dos séculos, privatizou o poder
em benefício de uma minoria. Isso potencializado pelo lulopetismo, que acelerou
brutalmente a concentração do poder para poucos nos treze anos de desgoverno de
Lula e Dilma. Para roubarem mais, os petralhas simplesmente derrubaram as
instituições republicanas. E depois, quando apeados do poder pelas manifestações
massivas dos últimos anos, falaram em “golpe”.
Claro que tudo isso não ocorreu ao acaso. O lulopetismo
simplesmente desmontou as políticas de segurança pública no Brasil, por motivos
ideológicos, de um lado e, de outro, para viabilizar o projeto de “roubar para
eternizar o PT no poder”. Lembro-me ainda da fotografia de Lula, ao lado de Evo
Morales, em comício em Santa Cruz de la Sierra, em 2003, ostentando no
palanque, junto com o primeiro mandatário boliviano, um colar tecido de folhas
de coca. O recado estava dado: liberou geral para o tráfico de entorpecentes
durante os governos petralhas!
O consumo de cocaína e crack simplesmente disparou,
especialmente o desta última droga, que passou a ser consumida em praticamente
todos os municípios brasileiros. O eixo de exportação de cocaína deslocou-se da
região sudeste, devido ao fato de que nos governos de Fernando Henrique foram
executadas ali políticas repressoras para a produção e circulação de drogas. Em consequência, a exportação de narcóticos
passou a se centrar nas costas do Nordeste e do Norte do País, tendo a vantagem
de que a estrutura policial estava mal organizada nessas regiões. Foi criada
pelos narcotraficantes uma nova fronteira de exportação, partindo das cidades
do Nordeste e do Norte, rumo aos narco-Estados da África Ocidental.
1 – A sofística do
insolidarismo e o descontentamento com a política.
O quadro atual da violência nas várias regiões do Brasil é
deveras assustador, segundo revela o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
recentemente divulgado. Foram contabilizadas, nesse documento, 61.619 mortes
violentas intencionais em 2016, constituindo o maior volume absoluto já
registrado no País. O índice de assassinatos por cem mil habitantes chegou,
segundo o Anuário, a 29,9, sendo que as cidades do Norte e Nordeste
apresentaram os piores recordes.
Estes são os dados que o citado documento divulga em relação aos
estados brasileiros: Sergipe, 64; Rio Grande do Norte, 56,9; Alagoas, 55,9; Pará, 50,9 Amapá, 49,6;
Pernambuco, 47,6; Bahia, 46,5; Goiás, 43,8; Ceará, 39,8 Rio de Janeiro, 37,6;
Mato Grosso, 35,5; Maranhão, 33,7; Paraíba, 33,1; Rondônia, 32,8; Espírito
Santo, 32,6; Rio Grande do Sul, 31,2; Acre, 29,8; Amazonas, 29,4; Tocantins,
27,1 Paraná, 25,9; Mato Grosso do Sul, 22,7; Distrito Federal, 22,1; Piauí,
21,9; Minas Gerais, 20,7; Roraima, 19,8; Santa Catarina, 15; São Paulo, 11. Note-se
a concentração dos altos índices de violência nas regiões Norte e Nordeste.
Não houve, na nossa história das últimas décadas, um
progresso no sentido de crescimento dos laços de solidariedade da sociedade
civil. Ficamos, como diz Ortega em España invertebrada (1922)[1],
refugiados no “nosso quarto de bandeiras”, ou seja, comodamente instalados na
nossa patota. Se estivéssemos bem com o nosso grupelho, ótimo. O resto que se
lascasse. Ortega traduziu essa ética sofística da conveniência puramente
individual, recordando o velho ditado espanhol: “Ande yo caliente y ríase la
gente”.
A situação de passividade foi quebrada no Brasil com os
protestos massivos que, entre 2013 e 2016, levaram milhões de pessoas às ruas,
exigindo a deposição da primeira mandatária Dilma Rousseff, em decorrência da
péssima gestão da economia e por conta, também, das inúmeras falcatruas
reveladas pelo Mensalão e a Lava-jato. Na atual quadra de desesperança,
continuamos sem ligarmos para o drama dos nossos vizinhos e semelhantes. Lemos
perplexos as estatísticas de violência, mas ficamos comodamente instalados onde
estamos. Sai caro não cuidarmos do bem comum.
Enxotada Dilma, a calmaria voltou a se apossar do espírito
dos cidadãos, chegando hoje a uma situação que beira o descaso. Paralelamente,
cresce o índice de rejeição ou de indiferença para com a forma em que se
consolidou entre nós a democracia. Recente matéria jornalística informava que a
democracia brasileira é a que tem pior desempenho entre os 18 países
pesquisados na edição do Latinobarômetro, uma ONG chilena que
estuda desde 1995 as democracias latino-americanas.
A respeito da pesquisa, informava o jornalista Clovis Rossi,
da agência Flolhapress (Folha de Londrina, 28 e 29 de
outubro de 2017, p. 5): “Os dados, divulgados nessa sexta-feira (27 de
outubro), são de impressionante contundência em relação ao Brasil, ao ponto de
apenas 13% dos brasileiros consultados se declararem satisfeitos com o
funcionamento da democracia, último posto no ranking. Atrás até dos 22% de
satisfação na Venezuela, que a maior parte dos governos e da mídia ocidental
classifica como ditadura.
O relatório deixa claro que a insatisfação não é com a
democracia como modelo de organização política. No Brasil, por exemplo, 62%
consideram a democracia como o melhor sistema de governo, porcentagem que, no
conjunto da América Latina, sobe para 70%. “(...). O descontentamento, que é
geral na região, é, portanto – frisa Clovis Rossi - com o funcionamento do
modelo, não com ele propriamente dito. No Brasil, os números são alarmantes.
Quando a pergunta é se o governo age para o bem de todos, apenas 3% dos
brasileiros concordam, de novo no último lugar da tabela. Na média da América
Latina, 21% dizem que sim. Corolário inevitável: 97% dos brasileiros acham que
se governa só para grupos poderosos,
porcentagem bem superior aos 75% da média latino-americana. Entende-se, por
essa resposta, que apenas 1% dos brasileiros considera que o país vive em uma democracia plena. De novo, é o último
lugar do ranking. Natural também que, quando se pede uma nota de 0 (não é
democrático) a 10 (totalmente democrático), a do Brasil foi de 4,4 (a da
América Latina, de 5,5). Quando, em vez da democracia, se mede o apoio ao
governo, o resultado é idêntico ao de todas as demais pesquisas: só 6% apoiam o
governo Michel Temer, um sexto da média latino-americana de 36% (...)”.
Outros dados da pesquisa do Latinobarômetro que devem
ser levados em consideração: a corrupção é considerada o pior dos problemas,
segundo 31% dos brasileiros, enquanto que na América Latina a média de
insatisfação com esse item é de apenas 10%. Para 83% dos brasileiros o governo
atua mal ou muito mal no combate a essa chaga, enquanto a média
latino-americana é de 53%. No que tange à economia, 68% dos brasileiros dizem
que o seu salário alcança bem para os gastos, ocupando o Brasil o 1º lugar
entre os 18 países latino-americanos pesquisados. Apenas 5% dos entrevistados
no Brasil acham, porém, que a sua situação é boa ou muito boa, ocupando o
último lugar da tabela junto com os venezuelanos.
Os dados apresentados na pesquisa mostram, certamente, por
que muita gente acha que a saída é abandonar o Brasil e partir para outros
países em busca de melhores condições de vida. Mas como nem todos podemos
partir, é melhor que reflitamos sobre o que devemos fazer para melhorar a nossa
situação.
2 – Tópicos liberais
para equacionar a balbúrdia socioeconômica brasileira.
Quais seriam os tópicos que, do ângulo do pensamento liberal,
poderiam ajudar a equacionar a complicada balbúrdia em que nos encontramos?
Direi primeiro que apelar para soluções autoritárias, de força, só faz piorar o
estado de coisas. As soluções liberais, que preservam o indivíduo, os seus
interesses, as suas preferências, a sua liberdade, são a meu ver as únicas que
apresentam resultados duradouros. Já dizia Ortega y Gasset que o Liberalismo
constituiu a máxima manifestação da civilidade ao longo dos séculos XIX e XX.
Pois foi eminentemente civilizatória uma doutrina que impunha ao governo a
ideia de controle moral ao poder, abrindo espaço, na sociedade, para a
representação das minorias e aceitando o papel essencial da oposição.
O que poderíamos fazer, no Brasil, no município onde moramos,
para melhorar a nossa qualidade de vida como cidadãos? Lembremos que, para os
Liberais, o município é, como frisava Tocqueville, “a escola primária da
democracia”, pois é a partir daí que os cidadãos aprendem a defender os seus
interesses e a respeitar os interesses dos outros, construindo, de dentro para
fora, ou, se quisermos, de baixo para cima, o “interesse público”, que não é
mais do que uma solução negociada entre os representantes dos interesses
privados dos cidadãos, a fim de defendermos aquilo que é comum a todos nós; o
interesse público não seria, portanto, um expediente cartorial para santificar
os interesses da burocracia e dos que governam, como sabiamente deixou claro
Benjamin Constant de Rebecque na sua obra clássica intitulada: Princípios
de política (1810), que foi adotada como bússola do novo
constitucionalismo formulado por Silvestre Pinheiro Ferreira, na sua obrinha
intitulada: Manual do cidadão num governo representativo (Paris, 1834).
O interesse público é, para os Liberais, fruto da negociação
e da formulação de uma política pública que fixa os pontos comuns que devem ser
defendidos por todos, como condição sine
qua non do bem comum.
O que podemos fazer, portanto, desde o nosso município, para
melhorarmos o convívio coletivo nas três instâncias presentes na vida social: a
econômica, a política e a cultural? Essa nossa atuação é a condição fundante da
democracia, pois como frisamos Antônio Paim, Leonardo Prota e eu no livrinho: Cidadania,
o que todo cidadão precisa saber (Rio de Janeiro: Expressão e Cultura,
2002), as instituições do governo representativo não caem do céu e compete a
nós, cidadãos, construí-las e aperfeiçoá-las.
A – Medidas no terreno
econômico.
No terreno econômico, a proposta que faço é a de lutarmos por
uma reforma tributária que desonere a atividade produtiva, eliminando os
impostos em cascata e fixando, para a arrecadação, parâmetros que não comprometam
o bem-estar básico dos cidadãos. Hoje o brasileiro, como os felás do Antigo
Egito, trabalha cinco meses por ano para atender ao Leão da Receita federal,
estadual e municipal. É uma verdadeira cascata de tributos, que chega ao
absurdo de tributar como artigos de luxo bens culturais ou itens de saúde
pública, fazendo a festa de burocratas corruptos e de empresários
inescrupulosos, que se utilizam da fraca ou nenhuma fiscalização das Agências
Reguladoras para se enriquecerem criminosamente.
Outra medida necessária para ser implantada já a partir dos
municípios consiste na desburocratização, eliminando exigências desnecessárias
que colidem com princípios constitucionais e que somente beneficiam a
pachorrenta burocracia que “cria dificuldades para vender facilidades”. Torna-se
imperioso diminuir a tendência legiferante do Estado no Brasil, pois o excesso de
leis gera a “insegurança jurídica” (Cf. Guilherme Marconi, “Muita lei, pouca efetividade”,
Folha
de Londrina, 4 e 5 de novembro de 2017, p. 5). Hoje é praticamente impossível
cumprir e fiscalizar o cumprimento das 45 mil leis geradas pela máquina burocrática,
bem como os 5,7 milhões de normas existentes no país.
B- Medidas no terreno
político.
No terreno político, a minha proposta é lutar pela implantação
imediata do voto distrital, a começar pelo próprio município onde moramos. É
evidente que se implantada tal modalidade de voto, moralizaria imediatamente a
representação, submetendo os eleitos à fiscalização pelo eleitorado, inclusive
adotando o mecanismo do recall. Essa
providência, de outro lado, baratearia os pleitos.
É curioso anotar o quanto os brasileiros (e os
latino-americanos, em geral) estamos distantes das boas práticas em prol de
melhorar a representação. Em países onde vigora o voto distrital, como nos
Estados Unidos e no Canadá, é comum ver que as comunidades latino-americanas
participam pouco das reuniões costumeiras, que nos condados ou nos distritos,
permitem aos eleitores fiscalizar corriqueiramente a atuação dos seus
representantes, mediante meetings e reuniões semanais nos quais são
esclarecidas as formas em que os eleitos estão realizando a sua função. Ora,
nessas reuniões não é raro ver a ausência dos latino-americanos, que depois
reclamam que o sistema não os contempla na hora da tomada de decisões.
Também pudera! Se no nosso dia-a-dia nos países de origem não
damos bola para o que é de todos, não será pelo fato de termos fixado
residência alhures que mudarão os nossos hábitos perversos de não atendermos ao
bem comum. Vejam os leitores a difícil tarefa que, em qualquer cidade
brasileira, encara aquele que se prontifica para ser eleito síndico do prédio
onde mora: convocada qualquer reunião emergencial, a convocatória tem de ser
feita da seguinte forma: “Ficam convocados os condôminos para uma assembleia
extraordinária por tal motivo. Primeira convocação: às 20 horas; segunda
convocação: às 20:30 com os condôminos que estiverem presentes”. Via de regra,
as obrigações votadas na assembleia extraordinária não são respeitadas pelos
faltosos, sob o argumento pífio de que para tal decisão “não foram
consultados”. Ora, se tamanho descaso temos com a gestão do nosso prédio,
quanto não será o descaso para com o que se passa no nosso quarteirão, no nosso
bairro, na nossa cidade e por aí vai...
A verdade é que não damos bola para a representação dos
nossos interesses nos corpos colegiados. E o Estado, por sua vez, faz muito
menos. Os sucessivos períodos autoritários pelos que enveredou a nossa história
republicana foram simplesmente apagando das práticas públicas o sentido da
representação. Quinze anos de ditadura getuliana e vinte anos de regime militar
terminaram por deformar de maneira bastante aprofundada o sentido da
representação.
Sob Getúlio, que era um autoritário de inspiração
castilhista, as eleições não serviam para nada, exceto para “conscientizar”.
Costumo dizer nas minhas aulas e palestras que Getúlio criou o Código
Eleitoral de 1932 para que esse documento ocupasse, na prateleira dos
lares brasileiros, o lugar que ocuparia o Kama Sutra num convento de
freirinhas. Ou seja: para não ter serventia! O líder são-borjense tinha
verdadeira urticária quando se falava em eleições. Sabemos que os Partidos
organizados pelo Getúlio tinham a marca do peleguismo: eram
organizações-fantoches da vontade do chefe. Getúlio legou ao Brasil algo assim
como o vírus estatizante do Peronismo.
Ao ensejo do ciclo militar, a construção da representação
política nos novos Partidos criados pelos generais-presidentes seguiu um
rigoroso critério de controle do Legislativo pelo Executivo. Exemplo dessa
política foi o Pacote de Abril do general Ernesto Geisel (1977) que deformou de
maneira profunda a representação no Parlamento brasileiro. O Congresso passou a
privilegiar a representação do Nordeste e do Norte, as regiões que dependiam
dos favores da União, em detrimento da representação das áreas mais
modernizadas do Brasil, que faziam oposição aos militares. E essa distorção
passou para a posteridade, sendo ainda hoje um dos entraves para a modernização
do Congresso.
Em recente artigo, o sociólogo Bolívar Lamounier (“Dois
importantes pronunciamentos”, O Estado de S. Paulo, 29-10-2017, p.
A2) analisava o desinteresse que campeia nos quadros parlamentares. Os projetos
de lei, para serem levados em consideração, precisam ser negociados primeiro
nas Mesas Diretivas da Câmara dos Deputados, já afinadas com os interesses do
Executivo. Aqueles projetos que não se ajustarem aos interesses da Presidência
da República simplesmente não prosperam... Algo assim como as “degolas”, que
ocorriam no início da República com a Política dos Governadores passou a
entravar a marcha do Legislativo nos tempos atuais. As normas estatutárias e os
regulamentos expedidos após o ciclo militar, continuaram atrelando o
Legislativo ao Executivo, como se viu na formatação do Centrão sob o governo
Sarney e nas manobras efetivadas pelo Presidente Temer para salvar a pele.
Nisso, a política peemedebista tem sido de uma continuidade meridiana na Nova
República. Hoje, a política de liberação de fundos das Emendas Parlamentares
serve como exemplo do poder que o Executivo ainda exerce sobre o Parlamento.
Bolívar Lamounier cita, no artigo acima mencionado, o
deputado Tiririca, quando da sua decisão de não concorrer mais para ser eleito
na Câmara dos Deputados: “Vim para cá – frisou Tiririca – pensando em aprovar
projetos, mas a coisa aqui é muito complicada”. Lamounier explica: “A
referência principal de sua curta sentença é, sem dúvida, o poder absurdo que
as Mesas do Senado e da Câmara detêm. Nenhum senador ou deputado consegue
aprovar projeto algum se elas não quiserem, só com uma paciência de Jó e puxando
bastante o saco dos respectivos presidentes. Esse mecanismo explica um dos
maiores paradoxos do Legislativo, dois traços perversos que qualquer cidadão
percebe a olho nu: de um lado, o governismo sem-vergonha que reduz as duas
Casas a uma quase total impotência, fraudando a estipulação constitucional do
equilíbrio de Poderes e desestimulando carreiras políticas sérias; de outro,
revoltas inesperadas, surtos de rebeldia, notadamente do chamado baixo clero, cujo objetivo é
invariavelmente aumentar o custo do apoio às Mesas e, por via de consequência,
ao Executivo. Há quem singelamente acredite que a debilidade ou a mediocridade
do Legislativo sejam como uma danse sur
place, um ponto de equilíbrio muito ruim, mas estático. Ledo engano. O que
se passa no Brasil, mercê do equivocado conjunto de engrenagens que compõe
nosso sistema político, é um paulatino deslocamento para um equilíbrio cada vez
pior. Uma das faces mais visíveis desse processo é a incapacidade do
Legislativo, evidente já há muitos anos, de recrutar bons candidatos. Por que
cargas d´água uma pessoa apta a desempenhar cá fora um papel de relevo vai se
meter numa máquina de moer carne como aquela? Tiririca disse que não vai se
recandidatar, e eu acredito nele. Tem toda a razão: entre ser figurativo ou de
verdade, é melhor sê-lo de verdade, cá fora. Circo por circo, os de cá são mais
engraçados”.
Recentemente um cientista político lembrava que a
mediocridade do Legislativo piorou muito com a transferência da Capital federal
para Brasília, no governo de Juscelino Kubitschek. Ao passo que figuras de
prol se candidatavam corriqueiramente para ocupar vagas na Câmara ou no Senado,
quando o Rio de Janeiro era capital da República, esses personagens deixaram de
querer participar do poder Legislativo quando a capital ficou longe, no remoto
interior brasileiro. Passaram a se candidatar, então, aqueles que só tinham uma
ideia na cabeça: virar burocratas do Congresso domesticado.
Bolívar Lamounier ilustra melhor o cenário de mediocridade
que passou a dominar as expectativas de quem se candidata ao Legislativo. A
respeito, frisa: “Claro, o deslocamento de equilíbrio para pior deve-se à
operação de outros mecanismos, não só ao poder das Mesas. A proliferação
desordenada de partidos carentes de identidade é um deles. É mais ou menos
assim que a coisa se passa: um aventureiro ou um grupo qualquer funda um
partido e obtém no Tribunal Superior Eleitoral o devido reconhecimento. Só com
esse passo ele (aventureiro ou grupelho) já se habilita a participar dos
recursos do Fundo Partidário. Se conseguir eleger um punhado de deputados ou
senadores, habilitar-se-á a vantagens não menos suculentas: entrará no universo
conhecido como ‘presidencialismo de coalizão’, usando seus votinhos como poder
de chantagem para integrar a maioria governista, que cedo ou tarde, no limite,
vai precisar deles. A contrapartida do Executivo pode ser em cargos nos
ministérios ou nas estatais, mas, em caso de necessidade, há quem aceite em
moeda sonante, como ocorreu abundantemente no ‘mensalão’ arquitetado pelo
ex-presidente Lula. Claro, a proliferação de agremiações acirra a disputa
eleitoral (...)”.
Uma última anotação nesse contexto de deformação do
Legislativo e do ideal da representação. Ao ensejo da elaboração da
Constituição de 1988, os constituintes deixaram passar a oportunidade de ouro
para adotar o voto distrital. Este tinha sido adotado pelo senador José Richa,
como uma das medidas fundamentais da nova Carta. Mas o idealismo do senador
paranaense não prosperou por obra e graça das artimanhas clientelistas de outro
senador do antigo MDB, Mário Covas, que, no dia em que seria votada a adoção do
voto distrital na comissão correspondente, levou, para a porta da mesma,
brucutus do sindicato de estivadores do porto de Santos, armados de porretes, para
desestimular a adoção do voto distrital que, é claro, não estava de acordo com
os interesses do feudo podre em que se alicerçava o seu prestígio parlamentar.[2]
C – Medidas no terreno
cultural.
Nesta época de pré-candidaturas presidenciais e de discussão
sobre aspectos ainda quentes da Lava-Jato, na participação dos cidadãos nas
discussões ensejadas nas redes sociais, tornou-se comum a radicalização de posições
que simplesmente descartam o diálogo com aqueles que pensam diferente.
A minha posição é liberal: todo mundo tem o direito de expor
os seus pontos de vista e as suas razões merecem ser discutidas. A única
objeção que faço neste terreno é contra os que entram para destruir os que
pensam diferente. Ou aqueles que passam por cima da legislação vigente,
apresentando a menores de idade cenas e experiências contrárias aos seus
direitos, como ocorreu nos eventos ensejados pela exposição “queermuseu” em Porto
Alegre e outras capitais. Não há diálogo possível com eles. Mas também não
apregoo a “ação direta” sobre esses elementos. Existem as instituições
policiais e jurídicas para enfrenta-los.
Em particular, a discussão tem sido quente ao longo dos
últimos meses em face dos que defendem posições radicais no terreno da educação
de gênero. As instâncias acadêmicas, acho, devem registrar e analisar os pontos
de vista dos que defendem essas posições. E no caso daqueles que transgredirem
os direitos dos menores, as instâncias policiais e da magistratura devem ser
acionadas, como de fato tem ocorrido.
A senhora Judith Butler deve, a meu ver, ser escutada e não
simplesmente censurada no meio acadêmico. Não compartilho o seu ponto de vista
em relação à “educação de gênero”. Mas a sua decadente filosofia analítica deve
ser estudada e convenientemente criticada pela academia. Ninguém é dono da
verdade e somente a discussão ampla e transparente permitirá que pontos de
vista sensatos se sedimentem na nossa sociedade. Atacar por atacar nada
resolve. Impedir a discussão de um determinado assunto tampouco.
A Universidade brasileira, infelizmente, de há décadas,
pratica as “patrulhas ideológicas”, para que determinados temas incômodos para
os que detêm o poder nesse meio não sejam tratados. Isso somente sedimenta mais
dogmatismo e maior radicalização. Os casos de polícia, quando as leis e
instituições são ameaçadas, devem, evidentemente, ter tratamento diferenciado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário