"Sistema TRAPPIST - Uma estrela pequena e sete terras" (Desenho artístico da NASA, fevereiro de 2017). |
Passou o Natal, o novo ano chegou, o Carnaval virou cinzas e eis-nos aqui, neste modorrento final de verão, a lidar com a cotidianidade das nossas limitadas perspectivas, neste maluco mundo globalizado em crise. Será que perdemos a capacidade de traçar os nossos destinos, nesta confusa quadra da história mundial?
Mas a vida continua e só há certeza de uma coisa: quanto mais tomarmos consciência daquilo que somos, mais aparelhados estaremos para fazermos frente às incertezas que nos angustiam.
Com muito bom senso dois intelectuais de peso fizeram, no domingo passado, reflexões válidas sobre o futuro do nosso país. Refiro-me aos artigos publicados, em 5 de março, pelo jornal O Estado de São Paulo, por esses dois acadêmicos de esquerda que têm dado válidas contribuições para a tarefa de traçar rumos nesta confusa quadra da nossa história: Fernando Henrique Cardoso ("Jogo de gente grande"), e Luís Werneck Vianna ("A retomada das atividades reflexivas").
Com muito bom senso dois intelectuais de peso fizeram, no domingo passado, reflexões válidas sobre o futuro do nosso país. Refiro-me aos artigos publicados, em 5 de março, pelo jornal O Estado de São Paulo, por esses dois acadêmicos de esquerda que têm dado válidas contribuições para a tarefa de traçar rumos nesta confusa quadra da nossa história: Fernando Henrique Cardoso ("Jogo de gente grande"), e Luís Werneck Vianna ("A retomada das atividades reflexivas").
Fernando Henrique lembra que, embora não sejam fáceis as atuais circunstâncias internacionais, pelo fato de as grandes potências terem aparentemente chegado ao fim dos seus esforços em prol da manutenção de condições internacionais para dar vida à paz (no contexto do arranjo político que se seguiu ao segundo conflito mundial), abrem-se, no entanto, novas perspectivas.
No seio da ênfase que hoje os grandes dão à dimensão nacionalista (e o governo Trump seria arquétipo dessa variante), no entanto as perspectivas para o crescimento econômico e o bem-estar não se fecharam para nós, em decorrência do fato de que, pelas frestas das grandes decisões estratégicas dos poderosos, restam para os menos aquinhoados alternativas de crescimento e de novas negociações no plano internacional. Quem parece que está em situação mais difícil, no entender de Fernando Henrique, são os europeus, com o final do equilíbrio geopolítico pacientemente tecido com os americanos no segundo pós-guerra, em face de outras potências como a China e a Rússia.
Mas, mesmo assim, a nossa perspectiva será a de negociarmos com europeus, americanos, chineses, russos e com outros países, condições favoráveis ao crescimento econômico na região do Mercosul, devidamente faxinado esse espaço sul-americano dos arroubos bolivarianos graças à nova orientação dada pelo governo Temer através do Itamaraty, chefiado pelos tucanos. A atual acomodação das placas tectônicas do poder não é desfavorável a nós. O novo ambiente pode ser canalizado de forma positiva pelo Brasil.
A respeito da perspectiva que se abre, frisa Fernando Henrique: "O rearranjo atual da ordem global não tem força para estancar o que as mudanças culturais e tecnológicas tornaram irreversível: as consequências do aumento da produtividade e a integração produtiva. As mudanças em curso decorrem mais das questões de poder do que das econômicas. Isso não nos leva a descuidar de nossa base produtiva, mas nos induz a não descuidar dos meios disponíveis de poder, que incluem capacidade de defesa e visão estratégica".
Mas, mesmo assim, a nossa perspectiva será a de negociarmos com europeus, americanos, chineses, russos e com outros países, condições favoráveis ao crescimento econômico na região do Mercosul, devidamente faxinado esse espaço sul-americano dos arroubos bolivarianos graças à nova orientação dada pelo governo Temer através do Itamaraty, chefiado pelos tucanos. A atual acomodação das placas tectônicas do poder não é desfavorável a nós. O novo ambiente pode ser canalizado de forma positiva pelo Brasil.
A respeito da perspectiva que se abre, frisa Fernando Henrique: "O rearranjo atual da ordem global não tem força para estancar o que as mudanças culturais e tecnológicas tornaram irreversível: as consequências do aumento da produtividade e a integração produtiva. As mudanças em curso decorrem mais das questões de poder do que das econômicas. Isso não nos leva a descuidar de nossa base produtiva, mas nos induz a não descuidar dos meios disponíveis de poder, que incluem capacidade de defesa e visão estratégica".
Luís Werneck Vianna, que já foi inflamado ideólogo de esquerda e que hoje, felizmente, forma parte dessa geração de seniores que se dedica às artes mais frutíferas da reflexão, enxerga que, no contexto da nossa tumultuada política interna que depôs uma presidente e que abriu um espaço de transição com o governo Temer, é possível, sim, ver sinais de crescimento democrático, pelo simples fato de as instituições republicanas estarem funcionando malgré tout, incluindo aí o pessimismo dos que acham que tudo está perdido e dos radicais de sempre, que unicamente enxergam a possibilidade da revolta das ruas e da hegemonia dos "movimentos sociais", num clima escatológico de golpes intermináveis.
Não, frisa o notável acadêmico, os tempos são outros, as instituições democráticas ganham força e, nesse contexto, vale a pena apostar na arma que temos à mão (que é utilizada infelizmente com pouca frequência): a razão e a análise aprofundada, "sine ira ac studio", como diria Weber, da atual conjuntura histórica. É o que o professor da PUC-RJ chama de "a retomada das atividades reflexivas".
Para Werneck Vianna, a esquerda socialdemocrata deu a sua decisiva contribuição já a partir dos anos setenta do século passado, com o breve texto de 1971 escrito pelos economistas Maria da Conceição Tavares e José Serra, que se intitulava: "Além da estagnação - uma discussão sobre o desenvolvimento recente do Brasil". Nele, segundo o professor da PUC-RJ, "seus autores argumentavam que a economia brasileira sob o regime militar, ao contrário de estagnar, crescia a olhos vistos, ampliando a sua sustentação social. O ensaio de Conceição e Serra, recusando o determinismo esquerdista, sinalizava para uma direção oposta da que ele preconizava - a resistência ao regime militar encontraria seu melhor terreno no campo da política. Como se sabe, essa inflexão está na raiz das lutas que nos devolveram à democracia"
Para Werneck Vianna, a esquerda socialdemocrata deu a sua decisiva contribuição já a partir dos anos setenta do século passado, com o breve texto de 1971 escrito pelos economistas Maria da Conceição Tavares e José Serra, que se intitulava: "Além da estagnação - uma discussão sobre o desenvolvimento recente do Brasil". Nele, segundo o professor da PUC-RJ, "seus autores argumentavam que a economia brasileira sob o regime militar, ao contrário de estagnar, crescia a olhos vistos, ampliando a sua sustentação social. O ensaio de Conceição e Serra, recusando o determinismo esquerdista, sinalizava para uma direção oposta da que ele preconizava - a resistência ao regime militar encontraria seu melhor terreno no campo da política. Como se sabe, essa inflexão está na raiz das lutas que nos devolveram à democracia"
Tentando dar a minha contribuição ao debate, acho, em primeiro lugar, que Fernando Henrique e Werneck Vianna deixaram de assinalar um fato importante: o mundo está dando uma guinada à direita, para evitar a esclerose do "politicamente correto" que foi implantado pacientemente no plano internacional por socialdemocratas e socialistas, ao longo destas décadas de efetivação do "estado de bem-estar" na Europa e na América, mas que, como "não tinham combinado com os russos" terminaram deixando do lado de fora muita gente que passou a questionar o paraíso identificado pelos pensadores de esquerda.
A reposta para essa falha histórica está na guinada trumpiana, nos Estados Unidos, bem como na agitação que toma conta do espaço político europeu, após consolidado, pelos ingleses, o Brexit.
A reposta para essa falha histórica está na guinada trumpiana, nos Estados Unidos, bem como na agitação que toma conta do espaço político europeu, após consolidado, pelos ingleses, o Brexit.
Não será o fim do mundo, mas no espaço não trilhado que se abre, devemos refletir em profundidade, a fim de descobrirmos novos caminhos. O dogma do "welfare celestial" que nos apregoou a esquerda está chegando ao fim. São necessários novos esquemas de análise e ação, que no Brasil passam pela superação do pensamento da esquerda, pelos funerais da petralhada e que enveredam pela entrada em cena de propostas conservadoras e liberais-conservadoras, em que apostam claramente novas gerações de jovens pensadores e ativistas.
Propostas que já tinham sido formuladas com coragem pelos liberais-conservadores do século findo, à cuja testa, no terreno da economia, estão situados dois grandes vultos: os professores Eugênio Gudin e Roberto Campos. Digo professores porque, embora tenham desempenhado importantes funções de Estado, sobressaía, em ambos, a visão de longo curso dos mestres do pensamento econômico, que se contrapunham à onda estatizante que tomou conta do nosso panorama intelectual já a partir dos anos 30 do século passado, sendo os capítulos iniciais a polêmica de Gudin contra a ideia estatal de planejamento (que permeia a sua discussão com Roberto Simonsen) e está presente nas críticas de Roberto Campos ao estatismo que tomou conta dos governos militares após o desaparecimento do marechal Castelo Branco, quando o núcleo de militares gaúchos tomou conta da nau do Estado ao longo do resto do ciclo militar, com a posta em prática do mesmo vício criticado por Gudin: a ideia estatizante de planejamento, com a consolidação do ideal pombalino do Estado empresário...
Ora, ora. Não foram os socialdemocratas que se anteciparam à crise atual do Estado, com a adoção do modelo cepalino, que não é mais do que um estatismo disfarçado sob as vestes do keynesianismo transplantado para nosso contexto patrimonialista. Os pensadores que elaboraram um diagnóstico verdadeiramente crítico do estatismo de marras foram os liberais-conservadores identificados, no terreno econômico, com Eugênio Gudin e Roberto Campos, bem antes de Maria da Conceição Tavares e José Serra terem elaborado o seu breve escrito de inspiração cepalina.
Lembrando aos incautos que, do ângulo político, já tínhamos as análises críticas de toda uma geração de pensadores liberais-conservadores, como Miguel Reale, Antônio Paim, Paulo Mercadante, Gilberto Ferreira Paim, Ubiratan Macedo, Roque Spencer Maciel de Barros, José Osvaldo de Meira Penna e tantos outros, cujas vozes terminaram sendo caladas pelas patrulhas ideológicas de esquerdistas encarrapitados no poder.
Dou apenas dois exemplos de como essas patrulhas tentaram abafar o pensamento liberal-conservador crítico do estatismo: as duas revistas que, ao longo das décadas de 60 e 70 do século passado, canalizaram o debate contra o estatismo pretensamente modernizador acalentado por militares positivistas e esquerdistas de todos os matizes, inclusive os socialdemocratas, foram duramente perseguidas pelas patrulhas ideológicas. Em segundo lugar, a partir da abertura democrática foram sendo fechados, por pressão da CAPES, os cursos de mestrado e doutorado em pensamento brasileiro existentes no Brasil, que tinham aberto espaço para análises da realidade brasileira do ângulo liberal-conservador.
Primeiro exemplo: A Revista brasileira de Filosofia, fundada pelo professor Miguel Reale no início dos anos 50, viu cortada a modesta verba para circulação que o governo da União lhe passava no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, graças à eficaz intervenção do ministro da Cultura, Francisco Weffort. A Revista Convivium, fundada por Adolpho Crippa no início da década de 60 e que se destacou como foro de debate em que tinham voz os conservadores e os liberais, terminou sendo banida, ao longo da década de 90, pela CAPES, do índice de publicações que merecem o título de "científicas" na área da Filosofia e Humanidades. Note-se que, desde o final do regime militar, a área de Filosofia da CAPES sempre foi coordenada por ex-militantes da Ação Popular Marxista-leninista, do grupo de antigos estudantes que foram discípulos do padre Henrique Cláudio de Lima Vaz.
Segundo exemplo: esse sacerdote jesuíta, ao cujo redor se estruturou a AP (Ação Popular Marxista-leninista) foi, desde finais do regime militar, quem deu as cartas na Comissão de Filosofia e Teologia da CAPES. Lima Vaz atacou com força os cursos de mestrado e doutorado que, entre os anos 70 e 90, se estruturaram na PUC do Rio e, posteriormente, na Universidade Gama Filho e na Universidade Federal de Juiz de Fora. Não interessava ao padre Vaz o funcionamento deses cursos por um motivo simples: abriam espaço para a crítica à esquerda radical do ângulo liberal-conservador. A perseguição chegou às raias inquisitoriais quando, ao ser desmantelado no final da década de 70 o Curso de Mestrado em Pensamento Brasileiro da PUC, desapareceu - possivelmente nas chamas da fogueira inquisitorial, a biblioteca de Pensamento Brasileiro que o professor Paim tinha doado a essa Universidade.
Assim, não é válida a afirmação de que os caminhos da redemocratização do Brasil passaram primeiro pelos socialdemocratas como pretende Werneck Viana. A abertura política foi obra de liberais-conservadores da talha de Tancredo Neves, como mostrou claramente Arsênio Eduardo Correa no seu livro intitulado: A Frente Liberal e a Democracia no Brasil (2001).
Propostas que já tinham sido formuladas com coragem pelos liberais-conservadores do século findo, à cuja testa, no terreno da economia, estão situados dois grandes vultos: os professores Eugênio Gudin e Roberto Campos. Digo professores porque, embora tenham desempenhado importantes funções de Estado, sobressaía, em ambos, a visão de longo curso dos mestres do pensamento econômico, que se contrapunham à onda estatizante que tomou conta do nosso panorama intelectual já a partir dos anos 30 do século passado, sendo os capítulos iniciais a polêmica de Gudin contra a ideia estatal de planejamento (que permeia a sua discussão com Roberto Simonsen) e está presente nas críticas de Roberto Campos ao estatismo que tomou conta dos governos militares após o desaparecimento do marechal Castelo Branco, quando o núcleo de militares gaúchos tomou conta da nau do Estado ao longo do resto do ciclo militar, com a posta em prática do mesmo vício criticado por Gudin: a ideia estatizante de planejamento, com a consolidação do ideal pombalino do Estado empresário...
Ora, ora. Não foram os socialdemocratas que se anteciparam à crise atual do Estado, com a adoção do modelo cepalino, que não é mais do que um estatismo disfarçado sob as vestes do keynesianismo transplantado para nosso contexto patrimonialista. Os pensadores que elaboraram um diagnóstico verdadeiramente crítico do estatismo de marras foram os liberais-conservadores identificados, no terreno econômico, com Eugênio Gudin e Roberto Campos, bem antes de Maria da Conceição Tavares e José Serra terem elaborado o seu breve escrito de inspiração cepalina.
Lembrando aos incautos que, do ângulo político, já tínhamos as análises críticas de toda uma geração de pensadores liberais-conservadores, como Miguel Reale, Antônio Paim, Paulo Mercadante, Gilberto Ferreira Paim, Ubiratan Macedo, Roque Spencer Maciel de Barros, José Osvaldo de Meira Penna e tantos outros, cujas vozes terminaram sendo caladas pelas patrulhas ideológicas de esquerdistas encarrapitados no poder.
Dou apenas dois exemplos de como essas patrulhas tentaram abafar o pensamento liberal-conservador crítico do estatismo: as duas revistas que, ao longo das décadas de 60 e 70 do século passado, canalizaram o debate contra o estatismo pretensamente modernizador acalentado por militares positivistas e esquerdistas de todos os matizes, inclusive os socialdemocratas, foram duramente perseguidas pelas patrulhas ideológicas. Em segundo lugar, a partir da abertura democrática foram sendo fechados, por pressão da CAPES, os cursos de mestrado e doutorado em pensamento brasileiro existentes no Brasil, que tinham aberto espaço para análises da realidade brasileira do ângulo liberal-conservador.
Primeiro exemplo: A Revista brasileira de Filosofia, fundada pelo professor Miguel Reale no início dos anos 50, viu cortada a modesta verba para circulação que o governo da União lhe passava no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, graças à eficaz intervenção do ministro da Cultura, Francisco Weffort. A Revista Convivium, fundada por Adolpho Crippa no início da década de 60 e que se destacou como foro de debate em que tinham voz os conservadores e os liberais, terminou sendo banida, ao longo da década de 90, pela CAPES, do índice de publicações que merecem o título de "científicas" na área da Filosofia e Humanidades. Note-se que, desde o final do regime militar, a área de Filosofia da CAPES sempre foi coordenada por ex-militantes da Ação Popular Marxista-leninista, do grupo de antigos estudantes que foram discípulos do padre Henrique Cláudio de Lima Vaz.
Segundo exemplo: esse sacerdote jesuíta, ao cujo redor se estruturou a AP (Ação Popular Marxista-leninista) foi, desde finais do regime militar, quem deu as cartas na Comissão de Filosofia e Teologia da CAPES. Lima Vaz atacou com força os cursos de mestrado e doutorado que, entre os anos 70 e 90, se estruturaram na PUC do Rio e, posteriormente, na Universidade Gama Filho e na Universidade Federal de Juiz de Fora. Não interessava ao padre Vaz o funcionamento deses cursos por um motivo simples: abriam espaço para a crítica à esquerda radical do ângulo liberal-conservador. A perseguição chegou às raias inquisitoriais quando, ao ser desmantelado no final da década de 70 o Curso de Mestrado em Pensamento Brasileiro da PUC, desapareceu - possivelmente nas chamas da fogueira inquisitorial, a biblioteca de Pensamento Brasileiro que o professor Paim tinha doado a essa Universidade.
Assim, não é válida a afirmação de que os caminhos da redemocratização do Brasil passaram primeiro pelos socialdemocratas como pretende Werneck Viana. A abertura política foi obra de liberais-conservadores da talha de Tancredo Neves, como mostrou claramente Arsênio Eduardo Correa no seu livro intitulado: A Frente Liberal e a Democracia no Brasil (2001).
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