Os ensinamentos sofísticos segundo uma gravura francesa para ilustrar a obra de François Rabelais, Gargântua e Pantagruel (1564). |
Com os Sofistas, Atenas virou o núcleo da reflexão. Os
Pré-socráticos tinham aberto a sua meditação ao Cosmo e ao papel desempenhado
pelo Homem nele. Neste novo período, Atenas ocupa o lugar central. Como
organizar a cidade? Como participar da sua vida econômica, política e cultural?
Essas são as novas preocupações, de que se desincumbiram, em primeiro lugar, os
Sofistas. Entre os estes, destacam-se: Protágoras de Abdera (490 a. C.- 415 a.
C), Híppias de Elis (460 a. C.-400 a. C.), Górgias de Leontinos (485 a. C. –
380 a. C.), Isócrates de Atenas (436 a. C-338 a. C.), etc. Uma frase de
Protágoras sintetiza o espírito que marcou a reflexão dos Sofistas: "O
homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são e das
coisas que não são, enquanto não são". Tudo é relativo às ambições
humanas e à participação do Homem na Polis. A Retórica será a nova ciência que
abre caminhos para a participação nos negócios atenienses. A elite social busca
desaforadamente preparar os seus jovens para a nova “profissão”, que consiste
em, mediante a argumentação clara e a palavra rápida, convencer os concidadãos
de que o candidato é capaz de “falar em público” para defender os interesses de
quem o elege.
Os sofistas eram, em geral, estrangeiros que tentavam
a sorte em Atenas. As aulas de retórica eram bem pagas. E aqueles que tivessem
sucesso encontrariam uma fonte certa de enriquecimento e de participação na
vida da cidade. A Sofística era a
chave de ouro para quem vinha de fora com a finalidade de tentar o sucesso
rápido. A filosofia era utilizada como fundamento prático para a arte da
retórica. Não interessava muito o aprofundamento conceitual nos problemas. A
preocupação consistia, basicamente, em vender a arte da retórica, a fim de que
o formando pudesse se sair bem nas discussões na praça pública ou “ágora”. Os
sofistas estavam ali onde fossem chamados.
Os escritos dos Sofistas se perderam no tempo.
Chegaram até nós fragmentos ou referências feitas principalmente por Platão,
que foi o seu principal crítico. A essência dessa rejeição podia-se sintetizar
assim: a vida da Polis é a culminância da vida do Homem, aquilo que lhe garante
o pleno desenvolvimento espiritual e moral. Portanto, na formação dos jovens
para a participação na vida ateniense, não pode ocupar o lugar alguém
inescrupuloso que busca apenas o sucesso material. Platão considerava que a
educação da juventude para a política deveria ser dever do Estado.
Platão julgava que os sofistas não eram filósofos.
Apesar disso, eles deixaram importantes contribuições à filosofia. Foram os
primeiros a fazer uma distinção entre a physis
(ordem natural) e a nomos (ordem
humana). Afirmavam não haver uma verdade absoluta. Ensinavam que o que existia
eram simples opiniões. Protágoras, com o seu princípio de que “o homem é a
medida de todas as coisas”, defendia que cada homem seria a medida e o
fundamento da sua própria verdade.
Os sofistas eram considerados como praticantes da polimatia, ou seja, tratavam de qualquer
assunto. Falavam – como diriam os Escolásticos mais tarde, “de omni re scibili et de quibusdam aliis”
[“acerca de tudo quanto pode ser sabido e
de algumas outras coisas”]. Organizaram os seus ensinamentos num currículo
integrado pelas seguintes disciplinas: gramática, retórica, dialética,
aritmética, geometria, astronomia e música, deitando, assim, as bases para o
sistema de formação da enkiklios paideia
ou cultura humanística e enciclopédica que antecipava, na Antiguidade, o que
hoje conhecemos como Ensino Básico e Humanístico.
Para os sofistas, a virtude poderia ser ensinada
através dos seus longos discursos. Esta consistia, fundamentalmente, na arte da
argumentação para convencer os outros e, assim, galgar degraus na vida da Polis
(ou na Política). O ensino consistia numa profissão que deveria ser remunerada.
Protágoras foi o primeiro sofista a
aceitar pagamento pelos seus ensinamentos.
Os sofistas discutiram a
sabedoria recebida dos antigos, bem como a heroicidade da civilização
ateniense, alicerçada no espírito de luta para defender a Polis. As práticas
culturais não eram mais do que convenções elaboradas entre cidadãos. Não
haveria, portanto, na estrutura legislativa da Polis ateniense nada de sagrado.
Toda a moralidade deveria ser referida a esse contexto de construção de
consensos entre os cidadãos. O papel da Nomos
(Lei) consistia em fixar momentos dessa convenção, que poderia ir se ajustando
às necessidades do momento. Os pensadores clássicos, que surgiram da reação das
elites atenienses contra esta visão descaradamente prática da existência,
arrolaram os Sofistas como superficiais, corruptos e imorais.
Além do conhecido princípio
de Protágoras de que "o homem é a medida de todas as coisas", surgiu
dos ensinamentos sofistas a teoria do contra-argumento: contra qualquer
argumento podia se opor outro argumento que tivesse maior verossimilhança
perante o público. Os sofistas foram considerados, assim, os precursores da
prática da advocacia. Eles cobravam dos seus clientes pela efetividade da sua
argumentação em favor dos interesses daqueles. Eram, destarte, considerados por
muitos, na sua época, como guardiões da democracia, ao defenderem a variedade
de pontos de vista, levando sempre em consideração os interesses dos clientes. Sofística
era originalmente o termo dado às técnicas ensinadas pelos sofistas. Com a
crítica deflagrada pelos clássicos, este termo terminou perdendo a sua
significação original e passou a ser considerado como uma espécie de defesa da
mentira.
O principal ensinamento
sofístico consiste, pois, numa visão relativa de mundo, a partir da defesa dos
interesses individuais. Tal ensinamento entrava em choque direto com a hipótese
dos pensadores metafísicos de que há um ser que fundamenta tudo e que é
inamovível. A metafísica não era uma das preocupações sofísticas. Apenas interessava
a retórica.
A Sofística defende o relativismo prático, destruidor da moral antiga
da Polis, alicerçada no sentimento de honra e no valor de quem luta pela defesa
da Cidade-estado. Os Sofistas eram chegados, em teoria do conhecimento, ao
empirismo, e, do ângulo ético, se inclinavam pelo hedonismo e o utilitarismo. O
único bem desejável é o prazer. A única regra de conduta é o interesse
particular. Górgias declara plena indiferença em face de qualquer moralismo. Os
sofistas consideram ser a lei um fruto arbitrário, sedimentado pela pura
convenção. A natureza humana não é a racional, mas é apenas sensível, animal,
instintiva.
A realização da humanidade
perfeita consiste, portanto, única e exclusivamente no engrandecimento
ilimitado da própria personalidade, no prazer e no domínio violento dos outros.
Ora, tal domínio é necessário para possuir e gozar os bens terrenos, levando em
consideração que estes são limitados e buscados freneticamente pelos demais
homens. A verdadeira justiça, conforme à natureza material do homem, exige que
o forte domine o fraco em seu proveito.
Quanto ao direito e à
religião, a posição da Sofística é simplificadora, também, como na gnosiologia
e na moral. A sofística desenvolveu uma forte crítica contra o direito
positivo, em nome do direito natural. Mas este direito natural (bem como a
moral natural) não seria o direito fundado sobre a natureza racional do homem,
e sim sobre a sua natureza animal e instintiva. O direito natural é, portanto,
o direito do mais poderoso, pois numa sociedade em que estão em jogo forças
brutas, a força constitui o único elemento de ordem.
SÓCRATES
(469-399 a. C.) E O DIÁLOGO COMO MÉTODO PARA A REFLEXÃO FILOSÓFICA
Sócrates serviu como hoplita (infante) no exército de Atenas. De temperamento religioso,
foi avisado, pelo seu concidadão Querofonte, de que o Oráculo de Delfos o tinha
declarado “o mais sábio dos atenienses”. Consciente de que os deuses o chamaram
para uma missão de moralização de Atenas, dedicou-se a levar os seus
concidadãos a que se conhecessem a si mesmos (seguindo a máxima délfica),
mediante o exame das concepções que outros julgavam possuir a respeito de
determinada virtude. Sócrates adotou o diálogo como forma de reflexão. Depois
de duas ou três tentativas de dialogar com ele para responder aos seus
questionamentos, o interlocutor se calava, derrotado. (Situa-se, aqui, o
caráter aporético ou problemático do diálogo socrático). O interlocutor era
conduzido à inevitável conclusão: “só sei que nada sei”, a partir da qual
poderia começar a ser escutado “o demônio interior” (a voz da razão dentro de
si). Nisso consiste a maiêutica (ou arte de dar à luz os conceitos), que é a
disponibilidade para a sabedoria, que conduz à catarse, ou purificação das ilusões egoístas. Alicerçado nesse seu
método de interiorização à procura da verdade, Sócrates partiu para uma crítica
radical à Sofística, a qual consistia, segundo o pensador, no domínio da doxa (ou da opinião).
A morte de Sócrates (1787). Tela do pintor francês Jacques-Louis David. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque. |
O filósofo, conseqüentemente, afrontou os poderosos da
cidade e teve de encarar a fúria deles. Condenado à morte pelo Areópago de
Atenas, ofereceu a sua vida como testemunho da validade da doutrina que
ensinava. Segundo o ensinamento socrático, para bem agir não bastava alguém se
pautar pelo que estava estabelecido pelo costume ou as leis da Polis, sem levar em consideração a voz
da consciência. Sócrates, como Jesus, aperfeiçoou o conceito da moral, exigindo
uma raiz de autenticidade no comportamento humano, que deveria se basear em
convicções enraizadas no fundo da alma. O pensador grego tornou-se, assim, o
precursor do modelo da ética da autenticidade, que seria sistematizado séculos
mais tarde, por Immanuel Kant (1724-1804), na sua Fundamentação da metafísica dos
costumes.
Platão (427-347 a.C.) realizou a sistematização da
tradição socrática na Academia, fundada por ele em 387 a.C. e que funcionou
durante aproximadamente 800 anos até 529 d.C., (quando foi encerrada por ordem
do Imperador Justiniano I). Platão conservou a tradição do seu mestre nos Diálogos
que levam o nome de “aporéticos”. O sentido geral do pensamento platônico é de
superação das coisas fenomenais, apreendidas pelos sentidos (onta gignoména). É preciso ir dessas
coisas até o ser verdadeiro, a Idéia (eidos).
O domínio das Idéias é apresentado como aquilo que é estável, permanente. O
domínio das coisas sensíveis, por sua vez, é apresentado como o reino do
movimento. Mas, se há essa dualidade de domínios, existe, portanto, o problema
da mediação entre ambas as instâncias.
Platão estendeu uma ponte entre esses dois pontos, que
se apresentavam contrários no pensamento pré-socrático. De um lado, o Ser é imobilidade
(o representante desta versão foi, sem dúvida, Parmênides de Eléia, embora o
seu pensamento levasse em consideração, também, a finitude e o movimento). O
segundo ponto, contrário ao anterior, pressupõe que o ser é mobilidade (sendo o
representante desta versão Heráclito de Éfeso, embora ele reconhecesse, por sua
vez, o pano de fundo de permanência em relação ao qual ocorre o movimento).
Na atual conjuntura brasileira, em que se defrontam duas atitudes fundamentais: a do vale-tudo dos marqueteiros e dos seus associados, os políticos chamados de pragmáticos, dispostos a tudo comprar ou vender de acordo com as suas conveniências de momento, de um lado, e, de outro, a atitude dos representantes do Ministério Público e da Magistratura (secundados pelos milhões de cidadãos que reclamam justiça nas ruas e nas redes sociais), que tentam restabelecer os princípios da transparência e da ética na gestão do Estado, são de grande atualidade os ensinamentos dos Sofistas e dos seus críticos, representados inicialmente por Sócrates e, depois, por Platão e Aristóteles.
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