"Leviatã", tela do pintor espanhol Goya (1812). Símbolo do gigantismo estatal patrimonialista. |
É divulgado, a seguir, mais um significativo estudo do professor Antônio Paim, acerca das possibilidades de consolidação de uma abertura para a saída do Patrimonialismo na Rússia, mediante o reforço de Partidos situados à direita do espectro político. O velho centralismo grão-russo parece que ainda é a grande dificuldade.
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A industrialização da União Soviética levaria os responsáveis
pela planificação a se apropriar das
técnicas utilizadas no Ocidente para promover projeções consistentes relativas
à evolução da demanda. Assim, enquanto a ortodoxia desprezava a existência de
ciência econômica ocidental (isto é, conhecimento comprovadamente isento de
ideologia), os planejadores trataram de aprender a utilizar técnicas de gestão
produzidas pelo keinesianismo e mesmo procedimentos desenvolvidos por
multinacionais ocidentais. E, assim, emergiu uma corrente liberal em economia.
(1)
Entretanto, nada de parecido ocorreria
em matéria política. A ortodoxia desqualificava sistematicamente, como
achando-se a serviço da burguesia internacional (portanto dos inimigos figadais
da experiência soviética), especialmente as doutrinas liberais mas igualmente a
vertente consolidada no Ocidente do socialismo democrático. Deste modo, quando
se deu o fim da União Soviética, as correntes políticas mais fortes seriam
aquelas bafejadas pelo poder central e remanescentes do Partido Comunista.
Decorridos vinte e cinco anos dessa
experiência e tais correntes permanecem como as forças dominantes na Duma
(Parlamento).
Num quadro destes, corresponderia a
grande progresso o simples estabelecimento de condições favoráveis à
competitividade entre correntes. Mesmo essa simples pretensão não está sendo de
fácil concretização dado o poder catalisador da milenar tradição de forte
governo central. Sem embargo de que hajam sido efetivadas tentativas de criação
de organizações partidárias de inspiração contrária à dominante. Cumpre
portanto avaliar as reais possibilidades de que se criem, na Federação Russa,
condições favoráveis à consolidação de competição eleitoral.
Resultados
Eleitorais
Das eleições parlamentares de
2011 resultou a seguinte composição da Duma:
Partido
Cadeiras %
Rússia
Unida 315 66
Comunista
57 13
Liberais
Democratas 40 9
Rússia
Justa 38 8
Outros
(1) -- 4
Total
450 100
(1)
Agremiações que não alcançaram 5%.
As eleições presidenciais dão-se de modo autônomo. As últimas
realizaram-se em 2012, apresentando os seguintes resultados:
Partido Candidato Votos
milhões %
Rússia Unida Vladimir Putin 45,0 63,6%
Comunista Guennadi Ziuganov 12,3 18,3
Independente Mikhail Prokhonov 5,7 7,9
Liberal Democrata Vldimir Jirinovski 4,5 6,3
Rússia Justa SergueiMironov 2,8 3,9
Total
70,6 100,0
Onze candidatos não obtiveram registro
Em abril de 2012 foram radicalmente simplificados os procedimentos para
criação de partidos políticos. O número de eleitores que deve instruir o pedido
foi reduzido de 40 mil para 500. Novidade então introduzida diz respeito à
possibilidade de registro político para movimentos sociais. O governo criou a
Frente Nacional Popular que passará a atuar conjuntamente com o Partido Rússia
Unida, que, como se indicou, detém maioria na Duma. Essa Frente, por sua vez,
congrega diversos movimentos inclusive sindicatos. A manobra parece consistir
em abrir caminho para a reconquista da maioria de dois terços, que vigorava
antes da eleição de 2011.
Caracterização das
agremiações
Rússia Unida é a denominação da
agremiação governamental. O Partido Comunista proclama-se herdeiro do antigo
PCUS, inclusive do stalinismo, bem como adepto do marxismo leninismo.
Entretanto, seu líder (Guennadi Ziuganov; nascido em 1944)) aboliu da doutrina
o ateísmo e aproximou-se da Igreja Ortodoxa Russa. Surgiu também uma espécie de
dissidência comunista. Temos em vista a auto-denominada Patriotas da Rússia.
Surgiu em 2005 com a pretensão de alcançar a “união de todas as forças da
oposição do país sob a bandeira do patriotismo, com base nas teses socialistas,
social-democratas e centristas”. Nas eleições anteriores, obteve menos de 1%
dos votos e não conseguiu representação no Parlamento. Vale a pena detalhar o
que pretende efetivamente: nada mais nada menos que a reestatização das
empresas que considera “ilegalmente privatizadas”. É elucidativo indicar a
origem de seu artífice e fundador (Guennadi Semiguin): deputado integrante da
bancada comunista. Era dirigente de empresa estatal.
Embora não deva ser surpreendente a presença, na Federação Russa, de
saudosistas do regime comunista, depois de 70 anos de União Soviética,
certamente não se pode acalentar nenhuma esperança de que possam, de algum
modo, contribuir para a diversificação do quadro político.
Vejamos como se caracterizam as demais organizações partidárias.
Além das citadas (Liberais
Democratas e Rússia Justa), concorreram ao pleito outras organizações que não
conseguiram os 5% exigidos pela legislação a fim de que alcançassem o direito de
representar-se no Parlamento. Figura, nessa lista, Partido Social Democrata,
criado por Mikhail Gorbachov, em 2001. Corresponde à fusão das diversas
agremiações existentes com esse nome. Apesar de que tenha alcançado a adesão de
doze mil membros ativos, não conseguiu assento no Parlamento. Gorbachov
afastou-se em 2004, à vista de que o presidente em exercício (Konstantin Titov)
tivesse firmado acordo para apoiar o partido governista (Rússia Unida). No
Leste Europeu, em geral --e provavelmente também na Federação Russa--, essa
opção pela social democracia não tem revelado a compreensão de que envolve o
abandono da utopia da sociedade sem classes e, mais relevante, a adesão à economia de mercado. Na prática, tem sido
entendida como forma (moderada) de preservar o controle do Estado sobre a
economia.
Segue-se agremiação que porta esta estranhíssima denominação: Partido
Nacional Bolchevista. Mereceria a caracterização de parte de conhecido escritor
francês, Emmanuel Carrère, na obra intitulada Limonov, nome da personagem que a lidera. Ao tempo em que documenta
o alto grau de liberdade alcançada pelo país desde Gorbachov, Carrère retrata a perplexidade que se tem apoderado de
contingentes expressivos da população(e não só entre os jovens) diante da
novidade representada pelo consumismo. A propaganda soviética mascarou
amplamente o grau de pobreza a que o país viu-se então arrastado e da
generalizada escassez de produtos de consumo de massa, como se dava no
Ocidente.
O Partido
Liberal Democrata da Rússia obedece à liderança de Vladimir Jirinovski (nascido
em 1946), personalidade extremamente controvertida, porquanto em tempos
eleitorais aparece como opositor do governo, passando a bancada parlamentar
eleita a apoiar as políticas governamentais, na maioria dos casos. De certa
forma, esse comportamento explica-se pela circunstância de que considera os
Estados Unidos como inimigo da Rússia, no fundo, saudosista dos tempos da
guerra fria, o que o leva a secundar a ação do lobby norte-americano em favor
de sua restauração. Analistas explicam essa aparente contradição pelo
nacionalismo extremado que revela cotidianamente.
Tem se candidatado à Presidência da Federação Russa, alcançando votação
expressiva em alguns pleitos, embora muito oscilante, como se indica a seguir:
eleições de 1991, 6,2 milhões de votos; 1996, 4,3 milhões; 2000, 2,0 milhões;
2008, 7,0 milhões (9,5% do total).
A opção pelos Liberais Democratas, originária da Inglaterra, deve ter
resultado de que, tendo como agremiação mais destacada o Partido Liberal do
Canadá (maior agremiação política do país que, entre outras coisas, vem de
ganhar as eleições de 2015, no embate com os conservadores, há dez anos no
poder) tem assegurada certa visibilidade generalizada. Assim, criou organização
internacional que parece muito atuante. Vale dizer: deve tratar-se de uma opção
fortuita porquanto sendo o nacionalismo o grande vetor, nada seria mais
incompatível com uma opção liberal que o alheamento da característica central
de nossa época: a globalização.
Os próprios analistas russos são os primeiros a reconhecer que não se
trata de nenhuma escolha de caráter ideológico. É opinião difundida de que os
seus eleitores “se sentem atraídos pelo carisma de seu principal líder: o
populista, demagogo e brilhante orador Vladimir Jironovski. Ele é capaz de
angariar votos de protesto e convertê-los em lugares no Parlamento --no entanto
assim que tomam posse, os integrantes da sigla assumem uma posição de apoio
total ao governo.”
O aparecimento dessa corrente na Inglaterra resultou da hegemonia no
Partido Trabalhista, na década de oitenta, da esquerda radical, enfrentada e
fragorosamente derrotada por Margareth Thatcher. A mencionada hegemonia
provocou uma grave crise no trabalhismo inglês pelo fato de haver, em Congresso
Extraordinário, realizado em 1981, retirado à bancada parlamentar a
prerrogativa de escolher o líder, candidato a tornar-se Primeiro Ministro. A atribuição
passou a conferência específica onde as Trade Unions teriam poder decisório. A
decisão provoca o afastamento da corrente liderada por David Owen, que então
fundou o Partido Social Democrata. Seria com essa nova agremiação que o Partido
Liberal fundiu-se em 1988, dando origem ao Partido dos Liberais Democratas.
No Parlamento Europeu essa vertente acha-se representada pelo Partido
Europeu dos Liberais, Democratas e Reformadores (sigla européia ELDR), que
detém pouco mais de dez por cento das cadeiras. A principal liderança é
exercida pela agremiação inglesa. Aderentes dos outros países são os Partidos
Liberais tradicionais, a exemplo do Partido Liberal Alemão.
Quanto à Rússia Justa consiste de
partido criado pelo governo, tendo apoiado a candidatura de Medevedev (2008).
Adiante passou à oposição. Apresenta-se como social democrata de tendência
moderada. Faz parte da Internacional Socialista. Como foi indicado, concorreu
com candidato próprio às eleições presidenciais de 2012 (candidato Serguei
Mironov).
Evidências da caracterização
precedente
Qual seria, a nosso ver, o traço comum a esse conjunto de
partidos políticos? Parece-nos que gravitam em torno do poder central, isto é,
não correspondem de fato a organizações concorrentes, com propostas
diversificadas.
Louvando-nos da experiência
disponível na matéria (basicamente ocidental), o capitalismo é que se tem
revelado como ingrediente capaz de promover a diversificação dos interesses.
Com a Revolução Industrial, a própria elite dirigente (formada a partir da
propriedade agrícola) vai defrontar-se com setor disposto a enfrentar o seu
monopólio da representação política e conquistar espaço independente (Reforma
Eleitoral Inglesa de 1832). A hipótese de que os trabalhadores urbanos,
surgidos com a mencionada Revolução Industrial, não tinham interesses próprios --e
se lhes fosse franqueado o direito e voto iriam marchar a reboque da monarquia--,
seria desautorizada pelo comportamento das Trade Unions na segunda metade do
século XIX (na primeira metade ocuparam-se de quebrar máquinas, em defesa da
manufatura, sendo reprimidos e derrotados pelo curso histórico). E assim
sucessivamente até que se chegou ao sufrágio universal.
O segundo traço característico dessa experiência corresponde ao
aprendizado de identificar-se com as propostas políticas que, de algum modo,
correspondessem ao interesse dos novos grupos sociais emergentes. A difusão da
propriedade (e também da melhoria dos rendimentos do trabalho),
progressivamente iria levar os grupos sociais emergentes a identificar o grande
inimigo comum: o imposto, os gastos públicos. Desse ponto de vista, a relação
gastos públicos/PIB na Federação Russa é alta: 42,5% do PIB (Estados Unidos,
35,7% em 2014).
Dispomos de várias indicadores do desenvolvimento
capitalista da Federação Russa. Vale dizer: do lado da sociedade constatam-se
melhorias flagrantes dos padrões de renda e da emergência de afluente classe
média, inexistente no passado histórico da Rússia. Citemos alguns exemplos:
renda per capita da ordem de US$ 20 mil anuais (OCDE, US$25,9 mil); nível de
emprego das pessoas entre 15 e 64 anos de idade: 6,9% (OCDE, 6,5%); 94% dos
adultos completaram a educação secundária (OCDE, 65%). A taxa de desemprego é
bem mais favorável que a da Europa Ocidental, concorrendo com os resultados
alcançados presentemente pelos Estados Unidos (2015, 5%): Federação Russa:
2014, 5,8%. São equiparáveis o número dos que vivem abaixo da linha da pobreza
(Federação Russa, 11%), se bem que os padrões ocidentais são muito mais
elevados, isto é, os pobres norte-americanos têm padrões de vida e renda de
setores da classe média brasileira.
Naturalmente nem todos os indicadores são equiparáveis. A diferença de
níveis de remuneração ainda permanece muito alta. Entre os russos, os melhor
remunerados ganham em média oito vezes mais que os de menor remuneração. Em
compensação, a participação eleitoral é bastante satisfatória (65% nas últimas
eleições; OCDE, 68%).
Para completar a informação: a Federação Russa, segundo o Censo de 2010,
tem 143 milhões de habitantes; previsão do PIB para 2015, US$3,6 trilhões.
Na caracterização precedente deixamos
de focar ao movimento capitaneado por Mikhail Prokhonov, pela circunstância de
que destoa integralmente do conjunto, sendo uma proposta abertamente
concorrente à política dominante, liderada pelo Kremlin e pelo Partido Rússia
Unida. Explica-se a precaução pelo fato de que tenha obtido apenas 8% dos
votos; seu líder está longe de ter o perfil de um dirigente político típico
(trata-se de grande empresário), a par de que os analistas não lhe apontam
melhores perspectivas. Com essa ressalva, procedamos ao registro das indicações
disponíveis.
O candidato presidencial Mikhail
Prokhonov aparece, nos resultados eleitorais (oficiais) como “independente” mas
na verdade tem o patrocínio do Partido Causa de Direita. Prokhonov é Presidente do grupo
Onexim (fundo de investimento privado no
valor de 19,5 bilhões de dólares). O grupo empresarial que lidera compreende
uma das maiores mineradoras do país (Polyus Goild). Em seus negócios
imobiliários andou às voltas com a família Safra no Brasil. É classificado como
o 24º homem mais rico do mundo (2008).
Com esse perfil bilionário certamente
não faz o gênero do líder político. Pode talvez vir a ter sucesso se constituir
uma equipe que venha a adquirir perfil eleitoral e apresente plataforma
política exeqüível e atraente.
Analistas russos entendem que a
proposta eleitoral da Causa de Direita não é popular entre a população
porquanto apresenta-se como se pretendesse angariar o apoio apenas do
empresariado. Advoga a liberdade para se fazer negócios, a retração do papel do
Estado nos assuntos econômicos, a aposta em suas próprias forças e não na ajuda
do Estado. Tem angariado apoio entre representantes da classe média (em formação)
e empresários de pequeno porte. Parece-lhes que esse grupo abstinha-se da
participação eleitoral ou votava com o governo. Dificilmente corresponderiam a
segmento relevante do eleitorado. Eventual sucesso exigiria a capacidade
de angariar outros apoios, o que
provavelmente requer prazos algo dilatados.
Causa espécie a completa ausência no
debate político da figura dos entes federativos. Formalmente, existe a
Assembléia Federal (pela Constituição e 1993 substituiu o antigo Soviéte
Supremo dos tempos do comunismo). Na prática, está longe de ser, de fato,
Câmara Alta com papel relevante na elaboração legislativa. Deve haver problemas
no relacionamento federativo como se pode deduzir do conflito com a Chechenia.
Agremiação política que pretenda de fato diferenciar-se do que seria do
interesse político do Kremlin, certamente teria que ter uma política federativa
diferenciada.
Outra componente da proposta política
concorrente deveria ser o processo de constituição do Welfare, que inexistia
sob os soviéticos. A julgar pelas indicações tornadas públicas pelos seguidores
de Yegor Gaidar, têm claro as diferenças entre os sistemas europeu e
norte-americano, este baseado em dois
pontos de apoio: rendimento mínimo de caráter universal, sustentado por
imposto, seguindo-se os Fundos de Pensões que asseguram a manutenção dos
padrões de vida alcançados pelo trabalho, no curso da existência, mas da
responsabilidade individual. Na Federação Russa funcionam Fundos de Pensões,
mas o debate sistemático dos avanços (e dos problemas emergentes) não se torna público.
Deste modo, limitadas as propostas da
Causa de Direita às apontadas, dificilmente produzirá alterações como as
requeridas pelo atual panorama político vigente na Federação Russa.
NOTAS
(1) Antonio Paim - Emergência na
Rússia de corrente liberal em economia.
Pensadordelamancha.blogspot.com.br
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