Biblioteca "Virgílio Barco", em Bogotá: um dos Parque-Bibliotecas que ajudaram na pacificação. (Fotos: Divulgação). |
Parece não haver nada em comum entre estes três conceitos. No entanto, na realidade colombiana eles estão estreitamente ligados. Não de maneira unívoca, mas dialética. Explico: a dura realidade dos narcos e dos seus massacres terminou sendo enfrentada, pelas cidades colombianas, com a concretização do terceiro conceito: as bibliotecas.
O
seriado “Narcos” apresentado pelo Netflix e estrelado por Wagner Moura, sob a
direção de José Padilha (2015) repete o sucesso do seu antecessor, o seriado
colombiano “El patrón del mal”, estrelado por Andrés Parra e com a direção de
Camilo Cano e Juana Uribe (2012).
Ambas
as séries televisivas narram a história de Pablo Escobar (1949-1993), o
traficante colombiano fundador do “Cartel de Medellín”, que se tornou
bilionário ao organizar a empresa do narcotráfico a partir da venda de cocaína
aos viciados dos Estados Unidos. De forma pragmática, Pablo Escobar dizia: “a
cocaína é o petróleo dos pobres. Ora, se os americanos e os xeques árabes
lucram bilhões com a exportação e o refino de petróleo, nós, os pobres, podemos
ganhar legitimamente uns trocados com a exportação de cocaína”.
Desenvolverei
neste artigo os seguintes itens: I – A guerra dos Narcos e dos Guerrilheiros
contra a sociedade colombiana. II – A reação dos municípios colombianos e dos
governos de Uribe Vélez (2002-2010), na reconstrução do tecido social. III –
Políticas de segurança pública em Bogotá e Medellín. IV – Bibliotecas e
políticas públicas para a recuperação da memória nacional. V – A influência da
experiência colombiana no Brasil e na América Latina. VI – Conclusão.
I - A guerra dos Narcos e dos
Guerrilheiros contra a sociedade colombiana.
Quem
foram os narcos? Eles se identificaram, na Colômbia, com os produtores e
comercializadores das drogas, representados pelos tradicionais cartéis de
Medellín e de Cali, bem como pela narcoguerrilha das FARC, que se transformou
no mais poderoso cartel após a morte de Pablo Escobar em 1993. Na guerra que,
entre 1978 e 2002, os narcos e os guerrilheiros moveram contra a sociedade, houve
um saldo trágico de 450.000 mortos. Os colombianos chegaram ao fundo do poço.
A
Colômbia tinha sido balcanizada em três regiões, com séria ameaça para a
unidade nacional. Essas regiões eram constituídas, no norte e noroeste do país,
pelas autodefesas unidas da Colômbia (AUC), que foram organizadas por criadores
de gado para reagir contra os achaques das FARC e dos outros grupos
guerrilheiros. Na parte central, dominava o governo, sitiado no planalto onde
fica a capital, Bogotá, pelos paramilitares e pelos narcos. Na parte sul, a
partir da “República livre de El Caguán” (uma imensa área do tamanho do Estado
do Rio de Janeiro, cedida aos guerrilheiros pelos governos populistas),
dominavam as FARC e os outros grupos armados.
Diante
da situação de anarquia reinante na maior parte dos municípios colombianos,
houve uma reação inesperada, nascida no seio das pequenas cidades onde se
situavam os “resguardos” indígenas. Nessas áreas os nativos podiam exercer a
sua soberania, elegendo prefeitos, deputados, senadores e até governadores, uma
herança do velho direito filipino.
No
desenrolar da guerra contra o Estado colombiano, os guerrilheiros chegaram a
dominar mais da metade dos 1000 municípios do país, notadamente aqueles de
maior expressão econômica, situados nas ricas regiões produtoras de gado e de
café. A forma de imposição das FARC era brutal: durante uma noite inteira os
guerrilheiros atacavam a pequena cidade a ser submetida, com um pesado
bombardeio feito com botijões de gás carregados de dinamite e metralha,
disparados mediante rudimentares canhões fabricados pelo Exército Republicano
Irlandês (IRA).
O
resultado, na manhã seguinte, era desolador: embora os alvos prediletos fossem
prédios públicos (prefeitura, câmara de vereadores, escritórios do governo
central, bancos oficiais e quartel da polícia), os improvisados canhões
geralmente erravam o alvo e atingiam residências, igrejas, escolas e hospitais.
Os sobreviventes do massacre, de manhã, eram levados pelos guerrilheiros à
praça central, onde após a identificação do prefeito e dos secretários
municipais, era assinado um “contrato de serviços de segurança” com as FARC,
que obrigava o município ao repasse de 10% do orçamento aos guerrilheiros. Se
os funcionários se negassem a assinar, ou se não pagassem religiosamente a soma
mensal estabelecida, eram fuzilados na presença dos habitantes aterrorizados.
Era o denominado “clientelismo armado” das FARC, uma espécie de “mensalão”
cobrado pelos meliantes.
O
exército, mal aparelhado e constituído por conscritos inexperientes, estava
acuado pela agilidade com que a guerrilha atacava. Esta se deslocava sempre mais
rápido que as forças da ordem. Nesse contexto, os aterrorizados habitantes das
pequenas cidades submetidas estavam praticamente entregues à sua própria sorte.
Foi quando, nos municípios indígenas, surgiu uma reação à la Gandhi entre os habitantes. Após a noite de bombardeio, na
manhã seguinte, todos os cidadãos se sentavam em silêncio na praça pública. Ninguém
falava, mesmo que os chefetes guerrilheiros ameaçassem matar todo mundo, se não
indicassem quem era o prefeito e os seus secretários.
A
reação dos guerrilheiros foi de surpresa diante do silêncio geral. Não sabiam o
que fazer. Matar ali, à luz do dia, dois mil e mais indígenas desarmados,
constituiria um genocídio evidente demais, que seria rapidamente noticiado pela
imprensa internacional e atrairia a reação do exército. Os meliantes
esquerdistas abandonavam, então, a cidade de forma atabalhoada.
II - A reação dos municípios colombianos
e dos governos de Uribe Vélez (2002-2010), na reconstrução do tecido social.
Essa
primeira reação não violenta fez acordar, nas cidades do interior colombiano
submetidas à chantagem armada das FARC, o sentido da força dos habitantes
quando decidem agir juntos. Houve, é claro, alguns assassinatos que não fizeram
esmorecer, entre os habitantes do interior colombiano, esse sentimento de
força. Em Bojayá, por exemplo, um perdido município do departamento de Chocó, na
parte noroeste do país, em maio de 2002, os guerrilheiros atacaram, com
botijões de gás recheados de dinamite e pregos, 120 mulheres, velhos e crianças
que tinham se refugiado na igrejinha de madeira. Todos morreram carbonizados. Mas
apesar desses atos hediondos, a consciência na força dos habitantes unidos
prevaleceu sobre o terror assassino.
Foi
assim como, nos municípios maiores e nas áreas das grandes cidades, nasceu o
movimento cívico “Como Vamos”, que passou a reunir as pessoas que decidiam agir
por conta própria, como movimento social, a fim de fazer frente à violência
guerrilheira e organizar a gestão municipal para responder aos anseios da
população. Esse movimento se fortaleceu ao longo da década de 1990 e se
consolidou como prática rotineira de 2002 para cá.
Sensível
a esta reação dos municípios colombianos, o candidato presidencial Alvaro Uribe
Vélez centrou sua plataforma de governo (em 2002) em duas questões
fundamentais: primeiro, reforçar e modernizar as Forças Armadas para que
pudessem combater com eficiência os grupos armados. Segundo, governar escutando
diretamente as demandas dos municípios e garantindo, neles, a presença do
Estado mediante uma vigilância efetiva da Polícia Nacional e das Forças
Armadas. Nisso consistia, fundamentalmente, o denominado “Plano Colômbia”, para
cuja realização o presidente eleito conclamou as nações latino-americanas
vizinhas, a fim de que lhe dessem ajuda financeira com a intermediação da
Organização dos Estados Americanos.
É
sabido como a OEA e os principais países latino-americanos, notadamente o
Brasil, ficaram em cima do muro. “Essa guerra não é nossa, a Colômbia que a
administre sozinha”! Essa foi a resposta das “nações amigas”. Pior: O governo
brasileiro, presidido por Lula, simplesmente tomou as dores dos assassinos das
FARC, se negando a qualifica-los como terroristas, pelo fato de que os
guerrilheiros pertenciam ao famigerado Foro de São Paulo, criado nos anos
noventa por Lula e por Fidel Castro para dar sobrevida ao comunismo
internacional. Paralelamente, o governo brasileiro passou a desqualificar as
decisões do presidente colombiano.
Mas
voltemos à reação protagonizada pelos municípios na Colômbia. Alvaro Uribe a
reforçou de maneira decidida e eficaz. Passou a governar visitando,
semanalmente, os municípios mais esquecidos do interior do país. Toda semana o
Chefe do Estado despachava a partir de um deles, se deslocando, no final de
semana, com o seu gabinete. Os funcionários da alta administração se queixavam
da estafante maratona que o Chefe do Executivo tinha posto em marcha. A reunião
do presidente com os seus ministros ocorria na sede do poder municipal, o
“cabildo”, a fim de que pudessem participar os cidadãos, que faziam diretamente
ao governo as reivindicações mais urgentes. Foi assim como renasceu, no
interior da Colômbia, o sentimento de que havia Estado e de que este estava a
serviço dos cidadãos.
A
hábil política desenvolvida por Uribe Vélez tirou rapidamente qualquer ponto de
sustentação às FARC. A decisão, por ele rapidamente tomada, de garantir, em
cada município, a presença constante da Polícia Nacional e das Forças Armadas,
fez com que se esvaziasse a denúncia dos guerrilheiros de que o Estado tinha
abandonado as cidades do interior. Foi organizada pelo governo ampla rede de
informações que eram repassadas ao alto comando das Forças Armadas, a respeito
dos movimentos das FARC e de outros grupos armados. As políticas sociais como a
relativa à “bolsa família” enquadraram-se nesse contexto de incorporar ao
convívio cidadão as pessoas mais esquecidas. [1]
Ressurgiu, com toda força, o sentimento de confiança no governo. Isso explica a
tremenda popularidade de que ainda goza Uribe Vélez entre os colombianos.
Mas
voltemos às ações com que os municípios reagiram à violência das FARC com o
movimento “Como Vamos”, que foi organizado também nas grandes cidades como
Bogotá, Medellín, Cali, Cartagena de Índias, etc. A nossa exposição
restringe-se, aqui, aos resultados obtidos nas duas maiores cidades
colombianas, Bogotá (8 milhões de habitantes) e Medellín (3 milhões).
III - Políticas de Segurança Pública em Bogotá e Medellín.
Apontadas como as
cidades mais violentas do mundo, Bogotá e Medellín transformaram-se em
avançados laboratórios para a prevenção da criminalidade e, em especial, dos
homicídios. Apesar de ainda manterem altos níveis de pobreza – cerca de 40% da
população — essas duas cidades conseguiram reduzir, respectivamente, suas taxas
de homicídio em 79% (Bogotá) e 90% (Medellín), ao longo dos últimos dez anos.
Qual foi a
estratégia desenvolvida para a redução da violência?
As principais
medidas adotadas foram as seguintes:
1 - Com a
finalidade de unificar o combate à criminalidade, as reformas constitucionais
feitas em 1993 atribuíram aos alcaides
(prefeitos) das áreas metropolitanas a missão de coordenar as políticas
públicas que visavam à segurança cidadã. O prefeito, nessas regiões, passou a
desempenhar as funções de chefe de polícia.
2 - A Polícia
Nacional sofreu uma forte modernização, bem como uma depuração dos maus
elementos. Em Bogotá e Medellín foram extintas as bandas podres que davam cobertura aos meliantes. Para se ter uma
idéia da profundidade da limpeza efetivada no seio dos organismos policiais,
pode-se lembrar que somente na capital colombiana, no decorrer de um ano, foram
excluídos dois mil agentes. Hoje, a polícia colombiana constitui uma força de 164.600
homens, muito bem treinada e com armamento moderno. A reforma foi profunda e
moralizadora. A população, em contrapartida, passou a confiar mais na
corporação policial.
3 – As Forças
Armadas aumentaram os seus efetivos para 281.400 homens. Nelas atuam duas
unidades de elite: a Força de Intervenção Rápida (FUDRA), do Exército, criada
em 1999 e que conta com 5 mil homens treinados para intervir rapidamente em
qualquer região do país, em operações de tipo comando. A segunda unidade de
elite é constituída pela Força de Tarefa Conjunta Ômega (FUTCO), criada em 2003
com militares do exército, da marinha e da aeronáutica e que conta com 21.000
efetivos que dão apoio às ações da Força de Intervenção Rápida.
Vale a pena destacar
que as Forças Armadas colombianas se modernizaram de forma definitiva ao longo
dos dois mandatos de Uribe Vélez, no contexto do “Plano Colômbia”, que os
Estados Unidos apoiaram. As Forças Especiais (FUDRA e OMEGA) receberam
treinamento de ponta nos Estados Unidos e foram equipadas com armamento de
última geração, incluindo helicópteros Black Hawk e aviões de combate Tucano T
29, de fabricação brasileira, equipados com aviónica israelense, além de
armamento moderno como os fuzis M-4 calibre 5.56, coletes cerâmicos e um amplo
conjunto de acessórios ótico-eletrônicos. Assim, as Forças Armadas colombianas
constituem hoje o mais bem treinado exército da América Latina. Elas passaram a
contar, também, com apoio satelital americano, a fim de fazer um seguimento
preciso dos movimentos de combatentes das guerrilhas e dos grupos
paramilitares. Graças a esses avanços, o Exército conseguiu virar a guerra
contra as FARC e leva-las à mesa de negociação.
A Força de
Intervenção Rápida do Exército (FUDRA) podia entrar em ação a pedido do
Prefeito metropolitano e do governador do Departamento. É importante destacar
que os projetos de pacificação empreendidos nas cidades de Bogotá e Medellín se
inseriram no contexto mais amplo da estratégia da “Seguridade Democrática” que
o presidente Álvaro Uribe Vélez colocou em funcionamento. As condições de
sobrevivência das instituições do estado democrático de direito eram muito
negativas quando Uribe assumiu o poder. A Colômbia estava praticamente dividida
em três grandes áreas: ao norte, dominavam os paramilitares. No centro, o
governo mal conseguia governar a região de Bogotá. No sul, dominavam as FARC.
Tratava-se de uma situação de balcanização que ameaçava seriamente a
sobrevivência da Colômbia como país democrático.
Diante dessa
situação extremada, os três ramos do poder público fecharam fileiras ao redor
do Executivo. O Legislativo colaborou votando uma legislação que visava dar ao
Estado instrumentos para combater o terrorismo das FARC e dos narcotraficantes.
O Judiciário colaborou também, mediante a rápida concretização das novas modalidades
de administração de justiça (os legisladores colombianos inspiraram-se, em boa
medida, nas reformas que foram efetivadas na Itália para combater a máfia e o
poder dos grupos terroristas, na década de 80 do século passado). O sistema
prisional foi reformado, de maneira a garantir a incomunicabilidade dos líderes
mafiosos e dos guerrilheiros presos nos presídios de segurança máxima como o de
Cómbita (no Departamento de Boyacá). Um tratado de extradição foi firmado com
os Estados Unidos, para enviar a esse país os líderes dos cartéis da cocaína
acusados de exportação da droga. Sem essas medidas que comprometeram o alto
governo, a política pacificadora dos municípios teria sido insuficiente para
restabelecer a tranquilidade nas áreas metropolitanas. A Igreja Católica, de
outro lado, deu a sua contribuição, apoiando de forma clara a política
pacificadora posta em execução pelo governo. Isso ficou patenteado nos
pronunciamentos da Conferência Episcopal colombiana.
4 - O Prefeito e os
seus assessores passaram a identificar as áreas mais violentas das cidades e a
definir as ações que deveriam ser feitas para erradicar os focos de
narcotraficantes, paramilitares e guerrilheiros ali instalados. A ação da Força
Pública foi rápida e, uma vez desarticulados os focos violentos, a Polícia
passou a ocupar, de forma permanente, a área que foi objeto da intervenção. Foi
garantido, em toda a área ocupada, o policiamento ostensivo.
5 - Num prazo de
120 dias, após a erradicação dos focos armados, a Prefeitura entregou à comunidade
uma série de obras sociais, que visavam a elevar a autoconfiança dos cidadãos,
lhes mostrando, eficazmente, que o Estado veio para ficar e que não os
abandonaria. Essa ação abarcou a instalação dos seguintes itens: posto de
saúde, escola municipal, delegacia de polícia, banco popular (denominado de Megabanco, cuja finalidade consistia em fazer
empréstimos com juros baixos para pequenos comerciantes e prestadores de
serviços), parque-biblioteca com área de lazer (vale a pena lembrar que
as construções e as áreas públicas foram desenvolvidas com recursos de última
geração em arquitetura e urbanismo) e sistema local de transporte urbano que
conectava o bairro com a rede pública de transporte de massa da cidade.
O eixo principal de
transporte de massa em Medellín é constituído pelo metrô e em Bogotá pelo
sistema de ônibus em faixa rápida denominado de Transmilênio (que se inspirou na modalidade de ônibus articulado de
Curitiba). Como Medellín é uma cidade de relevo irregular, com muitos morros, o
sistema de integração dos bairros com o metrô foi o bondinho, com seis linhas
que atendem as mais remotas comunidades. Em virtude do fato de Bogotá ser uma
cidade plana, o sistema integrado passou a ser a ciclovia (a cidade conta,
atualmente, com 380 quilômetros de vias para essa modalidade de transporte,
integradas ao Transmilênio).
Salientemos, outrossim, que o sistema de transporte serve às comunidades que
buscam os parques-biblioteca, de forma tal que os habitantes dos bairros
carentes contam com acesso rápido e barato a essas áreas de cultura e lazer,
pois é possível a um passageiro percorrer vários desses lugares com um só
bilhete.
6 - Com a finalidade de restabelecer a confiança da população nas
autoridades, tanto em Bogotá quanto em Medellín foram ocupados, pelo poder
municipal, os lugares mais problemáticos da cidade. Em Bogotá as ações
ocorreram, inicialmente, em três áreas onde o poder público não estava presente
e que tinham sido tomadas de assalto pelos marginais: El Cartucho (reduto das FARC, no centro velho da cidade), El Tunal e El
Tintal (na periferia, sendo que estas localidades tinham virado núcleos
maioristas de narcotráfico e outras formas de criminalidade). Em Medellín foram ocupados,
inicialmente, o conjunto de favelas Santo Domingo (na parte leste-norte
da cidade, que tinha se convertido em praça forte de guerrilheiros e
milicianos), a perigosa Comuna 13 (dominada pelas FARC) e a Comuna 6,
(controlada por milicianos e traficantes). Depois de ocupadas as áreas mais
problemáticas de ambas as cidades, outras foram objeto da intervenção militar e
social das respectivas Prefeituras, com a criação, em Bogotá e Medellín, de
mais parques-bibliotecas, que hoje somam nove em cada uma dessas cidades.
7 - Todas as obras
foram financiadas pelas respectivas Prefeituras, mediante parcerias
público-privadas (90% do investimento), ou ajuda internacional (10%). Os
empreendimentos sociais chamaram a atenção de governos estrangeiros. A Coroa
espanhola, por exemplo, financiou integralmente o Parque-Biblioteca Espanha, em
Medellín. Nessa mesma cidade, os franceses ajudaram transferindo a tecnologia
para os bondinhos que atendem as comunidades carentes.
8 - Resultados:
entre 1993 e 2007 a taxa de homicídios caiu 79% em Bogotá, passando de 80 por 100 mil habitantes para 17. A taxa, em Medellín, caiu 90%, passando de 311
por 100 mil habitantes, para 26. Além de transporte público e ciclovias, as
duas cidades investiram no ensino, tornando-se epicentro, na América Latina, da
idéia de Cidades Educadoras. Papel importante coube, nesse esforço, à rede pública de Parques-bibliotecas de Bogotá e Medellín, interligados às
outras bibliotecas existentes em cada uma dessas cidades. Assim, aos parques-biblioteca
de Bogotá foram interligadas 26 bibliotecas públicas; em Medellín, foram
vinculadas 34 bibliotecas municipais.
Tanto em Bogotá
quanto em Medellín, essas entidades vincularam-se também aos museus, no sentido
de divulgar as suas exposições e facilitar a visita, mediante o oferecimento,
pela rede de transportes públicos, de bilhetes a preços reduzidos no final de
semana, quando a entrada aos museus é gratuita. A principal finalidade dessa
política municipal consiste em recuperar o espaço público deteriorado e
facilitar a convivência a partir da ideia de que o lazer pode ser encontrado na
área cultural, dando à comunidade a possibilidade de ter, no seu seio, uma bela
biblioteca que sirva como espaço de convívio e de divertimento sadio,
notadamente para os jovens. O impacto visual dessas construções é semelhante ao
dos CEUs, as modernas e amplas escolas públicas na periferia de São Paulo,
sendo que algumas delas são verdadeiras joias arquitetônicas, como a Biblioteca
Virgílio Barco em Bogotá, ou a Biblioteca Espanha, em Medellín.
9 - Essas políticas
públicas de ocupação e resgate de áreas marginais foi precedida, em Bogotá e
Medellín, como já foi destacado, pela participação cidadã na luta contra a
violência, no movimento cívico “Como Vamos”, mencionado acima. Em meados da
década de 90 consolidaram-se os movimentos “Bogotá como vamos” e “Medellín como
vamos”. O movimento, nas duas cidades, foi organizado a partir das Câmaras de
Comércio. Somaram-se a essa iniciativa as Universidades, bem como algumas
Fundações mantidas pela Indústria e a Imprensa.
A finalidade do
Movimento consistia em fazer um balanço mensal do estado da gestão municipal,
levando em consideração a qualidade de vida dos habitantes da cidade, bem como
a percepção que eles tinham acerca da gestão urbana. Passaram a ser avaliados,
mensalmente, 12 indicadores, a saber: educação, saúde, saneamento básico,
habitação, meio ambiente, áreas públicas, transporte público, responsabilidade
cidadã, segurança cidadã, gestão pública, finanças públicas e desenvolvimento
econômico. Os resultados das avaliações mensais são divulgados, no final de
cada mês, por um jornal de ampla circulação na cidade correspondente (El
Tiempo, de Bogotá e El Colombiano, de Medellín).
Convém destacar que
as avaliações efetivadas pelo Movimento tornaram-se pauta para os governantes
municipais e para as plataformas dos novos candidatos, dando ensejo à continuidade
de projetos, entre uma administração municipal e outra. Passaram a ser
eleitos novos atores políticos, desvinculados dos Partidos tradicionais
(Liberal e Conservador), provenientes do meio empresarial, operário ou
universitário. (Na última campanha presidencial, os ex-prefeitos Antanas
Mockus, Sérgio Fajardo, Enrique Peñalosa e Lucho Garzón integraram as duas
chapas mais votadas).
De outro lado,
aumentou significativamente a autoestima dos habitantes de ambas as cidades,
bem como a sua participação cidadã. O Movimento
Como Vamos passou a ser adotado por outras cidades colombianas, dando
ensejo ao Projeto “Rede de Cidades Como Vamos”. No início de 2007, cinco cidades
integravam esse Movimento: Bogotá, Medellín, Cali, Barranquilla e Cartagena de
Índias.
A partir da sua
implantação, o Movimento cívico “Como Vamos” passou a acompanhar a
administração municipal, mediante a pesquisa de opinião mensal atrás referida.
Surgiram novas lideranças que renovaram a representação em nível municipal, nas
Câmaras de Vereadores e nas Assembleias Legislativas que passaram a responder,
melhor, aos anseios da população. Essa renovação em nível municipal e departamental
terminou tendo reflexos em nível nacional, tendo sido adotados critérios mais
democráticos para as eleições dos membros da Câmara de Representantes e do
Senado da República.
Na atual campanha
para eleições municipais em Medellín, a ação do Movimento cívico “Como Vamos”
tem sido decisiva na tentativa de elaborar critérios de escolha mais
democráticos e que respeitem os anseios da sociedade. Eis o que publicava a
respeito, em 24-09-2015, o jornal El Colombiano, de Medellín:
“Transparência. A
isso responde a pergunta feita aos candidatos acerca da sua proposta de
governabilidade, um assunto que cai bem se levarmos em conta que aí está
compreendida a ética da gestão pública e como garantir que os programas
propostos possam efetivamente ser executados. Para responder a esta
preocupação, El Colombiano solicitou a cada um dos aspirantes que resumissem
em textos de 250 palavras aquilo que seria a sua proposta de governabilidade
(...), a fim de mostrar aos cidadãos as estratégias que serão utilizadas para
executar as políticas públicas de que Medellín necessita. Criar espaços de
diálogo e participação cidadã, reformar a estrutura da atual administração,
zelar para que haja um governo transparente, ético e legal, e promover uma
administração mais eficiente e austera. Todas essas propostas fazem parte das
ideias esboçadas pelos candidatos. A análise dessas iniciativas ficará por
conta (...) do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Antioquia”.
IV – Bibliotecas e políticas públicas
para a recuperação da memória nacional.
Bibliotecas Públicas Colombianas: a sua presença cobre o território nacional. (Imagem: Divulgação do Ministério da Cultura). |
O
Libertador Simón Bolívar (1783-1830), em que pese a sua formação rousseauniana,
conhecia, porém, profundamente, os países por ele libertados. Dizia a respeito
daqueles que integravam a Grã Colômbia: “A Venezuela é um quartel, o Equador é
um convento e a Colômbia é uma universidade”. Pois bem: a República da Colômbia
(que levou inicialmente o nome de Nueva Granada) caracterizou-se, desde os seus
primórdios, pela valorização que a sociedade professava em relação à vida
cultural. Já desde o período colonial, as universidades situadas nesse
vice-reinado eram notáveis pela atividade intelectual, atraindo cientistas como
José Celestino Mutis (1732-1808) ou formando pesquisadores como Francisco José
de Caldas (1768-1816). Os centros de estudos superiores brilhavam também pelas
suas bibliotecas. A guerra da Independência foi um caldeirão de ideias que, das
universidades, se espraiou por todo o tecido social, dando provas de uma enorme
curiosidade intelectual por parte dos neogranadinos e do esforço dos seus
líderes em prol da fundamentação do seu projeto de nação, à luz das ideias que
se debatiam então na Europa e nos Estados Unidos.
Ao longo do século
XX, notadamente após a década de 30, a Colômbia passou a apostar nas redes de
bibliotecas públicas, espalhadas por todo o país, como forma de enfrentar a
violência política. Essa política veio se reforçar com motivo do surto mais
recente da violência, ao ensejo da guerra contra os narcos e as guerrilhas, a
partir de 2002. A experiência de pacificação das cidades colombianas foi, assim,
acompanhada, como coração das intervenções cívicas, de uma presença forte e da
ação dos Parques-Biblioteca, que ajudaram, certamente, na consolidação da paz,
fazendo diminuir dramaticamente os índices de violência.
A ministra
da cultura colombiana, Mariana Garcés deu, no Rio de Janeiro, em evento
internacional sobre políticas culturais ocorrido em 2013, importante testemunho
acerca da força que as bibliotecas públicas têm no país, enquanto variável
pacificadora. Como exemplo, ela citou o papel que desempenha, na cidade de
Cali, fortemente abalada pelos cartéis do narcotráfico, a iniciativa da
prefeitura local de criar um parque-biblioteca na violenta localidade de Água
Branca, onde se defrontavam gangues rivais de jovens de dois bairros da
periferia.
Eis o relato
jornalístico desse fato: “A biblioteca tem seis andares e obrigou os
estudantes, que antes viviam em guerra, a compartilhar salas de aula, os mesmos
espaços esportivos e livros. Para Garcés, até em comunidades violentas como as
de Cali existe um consenso de que os espaços culturais devem ser respeitados e
é necessário que essa atitude seja a de toda a população. O Plano Nacional de
Leitura e Bibliotecas do Governo da Colômbia já conseguiu que todos os
municípios do país contem com pelo menos uma biblioteca pública, o que
concentra os próximos esforços do governo em fortalecer os seus conteúdos, com
lançamentos literários, jornais e revistas, explicou a ministra. A prioridade
de investimento está em municípios chamados de consolidação, que sofreram condições de violência ou conflito, onde
o Estado intervém com presença militar, mas também com ofertas culturais para
mudar as condições de vida do local. De acordo com Garcés, o impacto social tem a ver com a autoestima dessas populações, com a
possibilidade que elas passam a ter de contar suas próprias histórias e de
preservar sua língua. As comunidades indígenas e palenqueras recebem textos
em seus próprios idiomas e participam de projetos culturais em suas bibliotecas
ou malocas, onde se desenvolve sua vida cultural e social. Segundo a Ministra,
o governo do presidente Juan Manuel Santos construiu 100 bibliotecas públicas
nos últimos quatro anos, superando as 16 construídas no mesmo período na
administração anterior. Para financiar o programa, se usa a décima parte de um
imposto de 4% de consumo de celulares, explicou. Isso faz com que os próximos ministros que ocuparem o cargo no tenham a
obrigação de destinar estes recursos para o projeto, mesmo que mudem seus focos
de ação, apontou”. [2]
Jorge Melguizo, secretário de cultura de Medellín,
frisava a respeito do papel desempenhado pelos parques-biblioteca para
dinamizar a cultura democrática da cidade: "Os parques-biblioteca deram um
sentido de pertencimento a esses locais, promovendo o acesso à leitura; oferecem
acesso gratuito à internet onde antes não havia; trazem ao bairro eventos
culturais, tanto da comunidade como realizados pela prefeitura, o que faz com
que tenhamos apresentações de primeira qualidade em todos esses lugares,
gerando uma afluência de turismo interno e externo. Isso porque esses lugares
se converteram em lugares de circulação para as pessoas da cidade que antes não
se atreviam nem sequer a pensar em ir a um desses bairros". [3]
As
políticas públicas de pacificação das cidades colombianas incorporaram,
portanto, a ideia de que a cultura, no seu sentido mais amplo, é fator básico
para um processo de combate à violência. O conceito de Biblioteca deixou de ser
o de depósito de livros, para se vincular àquela concepção clássica, nascida na
Antiguidade, na Biblioteca-Museu de Alexandria, de ponte entre os povos, bem
como de espaço para lazer, de convívio com os nossos semelhantes e de livre
desenvolvimento dos valores espirituais que marcam a própria identidade.
Referindo-se
à atualidade dessa herança, escreveu Claudio de Moura Castro: “A fórmula
salvadora já existe e é resumida pela celebrada arquiteta americana Maya Lin. Para
ela, bibliotecas são os templos de hoje, espaços para reflexão, exploração
intelectual e discussão de ideias. Mas engana-se quem pensa ser revolucionária
tal visão. De fato, a primeira grande biblioteca que o mundo conheceu, a de
Alexandria, tinha como ponto de partida uma arquitetura memorável, e sua
concepção antecipa essa linha. Além dos livros, tinha jardins, exposições de
arte, concertos e outras atividades culturais. No dizer de um contemporâneo, era um lugar para curar a alma”.[4]
O “livro e
a leitura – lembrando o escritor argentino José Luis Borges – é a extensão da
memória e da imaginação”, se constituindo, assim, nos melhores aliados para
pacificar os espíritos. Essa concepção dinâmica de biblioteca foi enriquecida,
a partir de meados do século passado, com a ideia de que as Bibliotecas, os Museus
e os Arquivos Públicos devem estabelecer uma rede cultural a serviço dos
cidadãos; esta ideia foi tomada da Biblioteca Pública da Cidade de Nova Iorque
e passou a inspirar os empreendimentos culturais que, nas cidades colombianas,
ajudaram de forma definitiva no desmonte da violência.
Ora, os
prefeitos colombianos, bem como os administradores da área cultural em nível
nacional, departamental e municipal, passaram a desenvolver audacioso programa
de inter-relação entre as várias bibliotecas, museus e centros de documentação
do país, com a finalidade de ajudar no embasamento de uma cultura nacional
vinculada à paz. Ao redor das bibliotecas públicas passou a se desenvolver uma
política de colaboração com as redes de bibliotecas particulares. Só para dar
um exemplo, a Caixa de Compensação Familiar da Federação de Comerciantes da
Colômbia (COMFENALCO) administra 120 bibliotecas distribuídas em todo o país, e
que trabalham junto com as 1414 bibliotecas públicas existentes na Colômbia, em
projetos de ampliação da leitura notadamente entre jovens e de desenvolvimento
de iniciativas culturais que interessem às comunidades.
V - A
influência da experiência colombiana no Brasil e na América Latina.
A experiência colombiana de pacificação dos centros urbanos foi seguida
de perto por governadores e prefeitos do Brasil. No início de 2007, os
governadores de Minas Gerais (Aécio Noves) e do Rio de Janeiro (Sérgio Cabral)
viajaram à Colômbia a fim de observar a forma como as autoridades do país
vizinho estavam ganhando a guerra contra a criminalidade, notadamente contra o
envolvimento de menores.
Empolgado com os resultados observados, o governador do Rio fez
declarações à imprensa, no sentido de que poria em execução políticas
semelhantes às adotadas no país andino, tanto no que diz respeito ao transporte
público de massas em áreas faveladas, quanto no relativo às questões sociais
(policiamento e atendimento à população carente). Surgiram, assim, tanto no
Estado do Rio de Janeiro quanto em Minas Gerais, políticas de pacificação, que
no Rio se traduziram na criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Paralelamente, nas campanhas para eleição de prefeitos nos anos seguintes,
vários candidatos se interessaram por conhecer a experiência colombiana.
Ex-prefeitos de Bogotá e Medellín, bem como alguns dos seus colaboradores,
foram convidados para expor, em várias cidades (São Paulo, Vitória, Porto
Alegre, Salvador, etc.), as experiências de pacificação.
Do ponto de vista da iniciativa privada, houve várias visitas às cidades
colombianas, a fim de tomar conhecimento das políticas de pacificação ali
desenvolvidas. Sem dúvida que a iniciativa mais importante foi a empreendida
pela Confederação Nacional do Comércio. Aproximadamente vinte empresários
participaram de uma missão que visitou, no final do mês de julho de 2007, as
cidades de Bogotá, Medellín e Cartagena de Índias, a fim de conhecer as
políticas que ali se desenvolviam. O resultado de tal visita ficou registrado
na minha obra intitulada: Da guerra à
pacificação – A escolha colombiana. [5]
No que tange à influência do “Movimento Como Vamos” no Brasil, foi
criada, em 2008, a Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis.
Fazem parte dela: Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba
(PR), Florianópolis (SC), Goiânia (GO), Holambra (SP), Ilha Bela (SP), Ilhéus
(BA), Januária (MG), Maringá (PR), Niterói (RJ), Peruíbe (SP), Porto Alegre
(RS), Recife (PE), Salvador (BA), Ribeirão Bonito (SP), Rio de Janeiro (RJ),
Santos (SP), São Luis (MA), São Paulo (SP), Teresópolis (RJ) e Vitória (ES).
No âmbito dos países hispano-americanos, a rede “Como Vamos”
também recebe o nome de Rede Cidadã por Cidades Justas e
Sustentáveis. Integram a rede na América Latina: Barranquilla, Bogotá,
Cali, Cartagena e Medellín (Colômbia), Buenos Aires (Argentina), Lima (Peru),
Quito (Equador) e Santiago (Chile). Participam dessa rede, também, as cidades
brasileiras mencionadas anteriormente.
VI - Conclusão.
Da experiência
colombiana, com certeza, podemos tirar algumas lições práticas, em face dos
projetos de pacificação em andamento no Rio de Janeiro, e que estão servindo
como vitrine para projetos semelhantes em outras cidades brasileiras. Eis as
principais conclusões:
1 – Urgência de sanear os organismos policiais,
a fim de recuperar a credibilidade deles entre os cidadãos. No Rio de Janeiro,
o grande problema ainda existente reside, justamente, na presença da denominada
“banda podre” da polícia, que esvazia ações tendentes a erradicar o
narcotráfico, beneficiando os bandidos com informações prévias e, o que é pior,
achacando-os para favorecer a agentes corruptos, fazendo com que a população
passe a desconfiar sistematicamente dos homens da lei. Falhas dessa natureza
terminaram por empanar uma ação excelentemente bem planejada, como foi a ocupação
do Morro do Alemão em novembro de 2010.
O recente
envolvimento de policiais cariocas na eliminação sumária de jovens suspeitos de
colaborarem com o narcotráfico, simplesmente faz desabar a confiança dos cidadãos
na instituição policial. As chacinas perpetradas ao longo deste ano em São
Paulo simplesmente chocam pela mensagem contraditória que passam para a opinião
pública. Como pode uma instituição paga com dinheiro dos contribuintes para garantir
a segurança, ser uma máquina mortífera que escapa à lei e aos procedimentos
mais comezinhos da justiça? Nenhuma política de segurança sobrevive à presença
habitual de agentes assassinos.
2 – Necessidade urgente de revisar a legislação
existente, a fim de que se assinalem
os caminhos pelos quais as Forças Armadas podem participar de ações contra o
terrorismo imposto pelo narcotráfico. As condições de luta contra o inimigo
mudaram radicalmente no final do século passado e no início deste milênio, com
a presença, na atual conjuntura, de novos atores internos, ligados a redes
terroristas. Tal é o caso dos narco-terroristas que, pela sua capacidade de
fogo e pela mobilidade nas nossas fronteiras e no interior do país, deixaram de
ser apenas um inimigo da polícia e se transformaram em núcleos a serem
combatidos com força maior.
Ouço de muitas
pessoas a seguinte queixa: se as nossas Forças Armadas participam, com
eficácia, de ações de combate aos marginais em países como o Haiti, por que não
podem fazer o mesmo no nosso país, quando isso se torne necessário? O episódio
de ocupação do Morro do Alemão mostrou que a presença das Forças Armadas, em
certas circunstâncias, é necessária. Falta, porém, definir um quadro legal que
dê sustentação a essas ações. Como falta, também, que a legislação brasileira
mude no item relacionado à prática do terrorismo. O vácuo da atual legislação
simplesmente abre a porta para a ação de grupos terroristas no Brasil. Isto,
diante da realização, no país, de eventos internacionais de grande porte, é inacreditável.
A posição do PT de tolerar, até o limite do inaceitável, a ação de grupos
terroristas, simplesmente por motivos ideológicos, é suicida e contamina a
tomada de decisões do governo federal nesse ponto.
3 – Falta definir, no Brasil, uma política de
alcance nacional, não apenas municipal e regional, no terreno da segurança
pública. Ações tópicas, como as desenvolvidas no Rio de Janeiro (e em
outras áreas metropolitanas), conduziram, de fato, a uma interiorização da
criminalidade, como vem acontecendo ao longo dos últimos dez anos. A zona da
mata mineira, o interior nordestino, o interior paulista, o interior
paranaense, bem como os municípios interioranos de Santa Catarina e Rio Grande do
Sul têm sido vítimas dessa mobilidade dos narco-terroristas que, combatidos nas
áreas metropolitanas, passaram a migrar para áreas menos policiadas.
O aumento acelerado
do índice de criminalidade causado pela migração dos traficantes de crack e
cocaína, nas pequenas e médias cidades do interior brasileiro, mostra que algo
há de falho nas políticas de segurança pública. Em contraposição, um ponto
importante no sucesso das políticas de segurança pública adotadas em Bogotá e
Medellín decorreu, justamente, de terem sido formuladas no marco mais amplo, de
alcance nacional, efetivado pelos dois governos do presidente Álvaro Uribe
Vélez, no combate frontal contra as FARC e os paramilitares. Sem esse
enquadramento maior, as políticas de segurança pública desenvolvidas nas
cidades de Bogotá e Medellín teriam sido insuficientes para fazer cair os
índices de criminalidade.
4 – Na estratégia desenvolvida para aplicar políticas
públicas de pacificação em áreas urbanas, é importante levar em consideração
que a ação policial tem de estar acompanhada, ao mesmo tempo, das intervenções
sociais que visem a devolver aos
cidadãos a autoestima. O exemplo de Bogotá e Medellín, nesse aspecto, é
fundamental. A ação policial, sozinha, não é suficiente para devolver às
pessoas o sentimento de cidadania. Deve haver um conjunto de ações
eficientemente coordenadas, como aconteceu nas cidades colombianas. Como frisava o prefeito de Medellín Sérgio
Fajardo: “As pessoas precisam entender, com estas políticas, que o Estado veio
para ficar e para lhes servir”.
5 – É necessária a colaboração efetiva da
sociedade civil na concretização das políticas de segurança pública e de
pacificação. Essa participação é fundamental, notadamente no terreno do
estudo das políticas de segurança, por parte de Universidades e centros de
pesquisa. Ainda é modesta a colaboração dos nossos centros de estudos
superiores nesse terreno. Em face de uma questão polêmica como a legalização de
determinadas drogas, fazem falta estudos que esclareçam a população, acerca da
forma em que essas políticas têm sido implementadas em outros contextos
(Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia), para evitar que
soluções inadequadas tornem ainda mais complexo o problema de consumo de
tóxicos. De outro lado, convém lembrar que as políticas desenvolvidas em Medellín
e Bogotá só se tornaram possíveis com a maciça colaboração do empresariado
local que financiou, em parecerias público-privadas, as obras realizadas.
6 – É necessário, também, que todos os poderes
públicos, no plano estadual, federal e municipal, bem como as três ramas do
poder, executivo, legislativo e judiciário, assumam a mesma posição, em face do
combate ao narco-terrorismo, de acordo com a defesa do estado de direito e dos
direitos humanos. É grave, para a sociedade, a posição díspar dos poderes
públicos em face de tão importante questão. A anistia concedida pelo presidente
brasileiro a notório terrorista já condenado pela justiça de um país amigo, em que
impera o estado de direito, constitui um vexame para a opinião pública
civilizada e endereça uma mensagem aos terroristas, no sentido de que as nossas
instituições toleram esse tipo de crime. Na Colômbia, em face da agressividade
do terrorismo, houve uma sintonia dos poderes públicos. Somente assim a
sociedade colombiana conseguiu se sobrepor aos violentos, na guerra contra os
narcotraficantes.
7 – Por último, levando em consideração que já
há várias cidades brasileiras que integram a experiência iniciada na Colômbia
com o Movimento “Como Vamos” (Rede
Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis) seria interessante que
houvesse eventos que avaliassem essa experiência e divulgassem os resultados obtidos, a fim de que pudessem servir para outras
cidades preocupadas com as questões da segurança pública. Alguma entidade
privada (como a CNC, por exemplo), poderia, com a colaboração do Ministério das
Cidades, se tornar a força aglutinadora das experiências urbanas em relação ao
movimento “Como Vamos”.
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[consultado em 02-10-2015]
http://www.usergioarboleda.edu.co/biblioteca/bibliotecas_virtuales_colombia.htm
[consultado em 02-10-2015]
http://www.bibliotecanacional.gov.co/
[consultado em 01-10-2015]
[1]
Convém lembrar que o programa “Bolsa Família” foi copiado do Brasil, mas se ajustando
às recomendações do Banco Mundial, que foi o inspirador dessa política. Entre as
recomendações, figurava a de estabelecer nexos de responsabilidade com os
beneficiários das mesmas. Assim, o programa foi implantado por Uribe Vélez,
tendo-o alocado numa secretaria especial vinculada à presidência da República.
Cada grupo de 100 famílias era monitorado mensalmente por um representante da
secretaria, com o auxílio de um palm,
em que eram anotados os resultados obtidos pelo grupo familiar. Antes de entrar
no programa, o representante da família assinava com a secretaria especial um
contrato, em que se comprometia a cumprir com uma lista de aproximadamente 25
itens. Se ao longo de três meses seguidos a família descumprisse cinco deles,
era excluída do programa. Os itens iam desde enviar as crianças à escola
municipal, ter em dia a carteira de vacinação delas, colaborar com as
autoridades locais nas políticas de segurança, até indicar alguém pertencente
ao grupo familiar a fim de que se capacitasse para o mercado de trabalho, em
cursos oferecidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem (SENA) no município. Em
dez anos de funcionamento, o balanço do programa mostrava que um índice muito
pequeno de famílias foi excluído do programa, sendo que, em cinco anos (período
máximo para o recebimento da bolsa), a maioria tinha saído da linha de pobreza.
[3]DOMINGUEZ,
Andrea. “Bibliotecas para a paz urbana na Colômbia” In: http://www.comunidadesegura.org/pt-br/node/41456.
[Consultado em 02/10/2015].
[4] CASTRO, Claudio de Moura. “Bibliotecas: metamorfose
ou morte?” In: Veja, São Paulo, edição 2440, ano 48, nº 34 (26 de agosto de
2015): pg. 24.
[5]
VÉLEZ Rodríguez, Ricardo. Da guerra à pacificação – A escolha
colombiana. Campinas: Vide Editorial, 2010.
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