No contexto da Guerra contra
o Terrorismo Islâmico em que mergulhou o mundo após os ataques perpetrados pela
rede Al Qaeda, nos Estados Unidos, em 11 de Setembro de 2001, é questão fundamental
para a sobrevivência de uma Nação indagar acerca da forma em que o país deve
enfrentar esse conflito. Não é questão voluntarista. É uma problemática
colocada pelo mundo globalizado. Era aquilo que John Locke definia como “Poder
Federativo”, ou
seja, a dimensão estratégica de defesa de toda a Nação, como um corpo, no
contexto dos riscos internacionais que podem por em risco a sua sobrevivência
enquanto comunidade organizada. O Brasil não pode, portanto, se furtar a
definir, de forma objetiva, os caminhos a serem trilhados pela sociedade, sob a
orientação do Estado, em face da guerra contra o Terrorismo Islâmico.
Não se trata, evidentemente,
de sagrar o velho estatismo patrimonialista. Os três governos lulopetistas que
esvaziaram os cofres da Nação representam já uma dose superlativa de estatismo
e de patrimonialismo. Evidente que se trata de sair dessa encruzilhada de
familismo clânico e de privatização do Estado pelos “companheiros”. Mas
torna-se necessário algo mais: a definição dos rumos estratégicos que queremos
imprimir ao Brasil neste duro contexto histórico em que tivemos de viver. Estas
reflexões são encaminhadas à sociedade brasileira, de cujo seio deve partir o
debate para a nossa sobrevivência coletiva. Somos todos nós, enquanto Nação,
que devemos alimentar o debate e identificar os caminhos por onde teremos de
nos dirigir para fazermos frente aos reptos estratégicos do século XXI, num
mundo em que a multipolaridade de forças é um dos dados fundamentais.
Benjamin Constant de Rebecque
(1767-1830) destacava, no seu clássico livro intitulado: Princípios de Política,
que as questões pertinentes à sobrevivência nacional deveriam ser abordadas na
Constituição, levando em consideração três níveis: o cultural, o político e o
econômico. Se fosse deixada para trás uma dessas variáveis, ela geraria
problemas intransponíveis mais adiante. Uma variável não atendida, a política,
por exemplo, comprometeria o desenvolvimento das outras. Tentarei refletir
nestas linhas, portanto, na trilha da interligação entre essas três variáveis,
acerca do que do ponto de vista estratégico deveria ser feito no nosso país, a
fim de melhor conjurarmos a ameaça terrorista.
A guerra que o terror
islâmico desfraldou contra o Ocidente e contra os que, no interior das Nações
muçulmanas, não comunguem com a visão dos militantes radicais que matam em nome
de Alah, constitui o maior genocídio deste século. Os vários grupos radicais,
desde o Exército Islâmico, passando pelo Bokô Haram, pelos terroristas que atuam
no Sudão, na Etiópia e no Corno da África e chegando até os que militam nas
fileiras de Al-Qaeda, no Iêmen, semeiam vítimas por onde passam. Elas já se
contam aos milhares e os mais sacrificados são os cristãos e os muçulmanos
moderados dos povos pobres da África (na Nigéria, na República Democrática do
Congo, no Chade, no Egito, etc.), bem como do Médio Oriente, na Síria e no
Iraque. As vítimas, em menor número, são também judias, em Israel e na Europa.
Esses radicais agora começam a atuar, de forma sistemática, na Europa e ameaçam
de novo os Estados Unidos. Já atacaram na Argentina, no final do século passado
e é apenas questão de tempo a sua atuação criminosa no Brasil, ao ensejo dos
eventos internacionais que o nosso país desenvolverá a partir do ano que vem, a
começar pelas Olimpíadas do Rio.
Como não existe
monocausalismo em ciências sociais, segundo deixaram claro os precursores do
nosso pensamento sócio-político no ciclo republicano, Sílvio Romero (1851-1914)
e Oliveira Vianna (1883-1951), analisarei as exigências estratégicas que o
atual momento apresenta, estudando-as sob o triplo viés sugerido por Constant:
o cultural, o político e o econômico.
I - Equacionamento da variável cultural na luta contra
o terrorismo.
Segundo vários analistas que
se debruçaram sobre o ataque terrorista contra o jornal Charlie Hebdo em Paris (7
de janeiro de 2015), uma das causas da radicalização dos jovens de origem argelina
que participaram do atentado decorre da não assimilação, por eles, dos valores
fundamentais que constituem o espírito republicano francês. Haveria, nas
comunidades muçulmanas da França, falta de “educação para a cidadania”. Esses
jovens terminam se radicalizando ao ensejo das mensagens recebidas dos radicais
islâmicos do Oriente Médio, em virtude de que se sentem excluídos do convívio
social, cultural e político com os outros franceses.
Dois aspectos serão
desenvolvidos neste item: em primeiro lugar, a importância da educação para a
cidadania para garantir a coesão interna da Nação. Em segundo lugar, a ação
deletéria da “revolução cultural” gramsciana na era lulopetista.
1 - A importância da educação para a cidadania para
garantir a coesão interna da Nação.
É evidente que uma adequada
“educação para a cidadania” que integre crianças e jovens ao convívio social, é
uma arma importante no combate contra o radicalismo. Estima-se entre 6% e 7% do
total da população o número de habitantes de cultura muçulmana estabelecidos na
França. Até eles não teria chegado, de forma adequada, a “educação para a
cidadania” que o sistema básico de ensino garante aos outros cidadãos. Afinal
de contas, essa questão a França já resolveu a partir de meados do século XIX,
com as reformas empreendidas por François Guizot, que foram adaptadas ao
contexto democrático nas restantes décadas dessa centúria.
No Brasil, a nossa situação
em matéria de educação cidadã é mais dramática. Porque aqueles que ficam por
fora da educação para cidadania não integram minorias: constituem, pelo
contrário, a grande maioria das nossas crianças e jovens. A cultura brasileira
se ressente com o fato de não ter sido equacionada a urgente questão da assimilação,
pelas novas gerações, dos valores básicos da brasilidade, que deveria ser garantida
nas quatro primeiras séries do ensino fundamental.
Nos quatorze anos já
percorridos deste novo século, percebe-se uma deterioração no que tange à
preservação dos valores que deveriam dar sustentação ao nosso convívio social.
Duas são, a meu ver, as causas dessa falha: em primeiro lugar, o não
equacionamento da educação para a cidadania no ciclo básico (em que pese às
promessas petistas no sentido de sanar essa falha herdada do passado) e, em
segundo lugar, a agressiva tentativa dos três governos lulopetistas para impor
à sociedade a denominada “revolução cultural” gramsciana.
Analisemos em detalhe esses
dois aspectos. Quanto ao primeiro, é evidente que não foi equacionada a questão
premente da “educação para a cidadania”. Os governos de Lula e da Dilma não
priorizaram o ensino básico. Lula, no primeiro mandato, demitiu pelo telefone o
seu ministro da Educação (o hoje senador Cristovam Buarque), pelo fato de ter
pedido mais verbas a fim de implantar as mudanças que se faziam necessárias e
que começavam com a justa remuneração aos docentes do ensino fundamental.
Após o primeiro mensalão, em
2005, todos os esforços do governo foram afoitamente canalizados para dar
sobrevida à permanência do PT no poder, no contexto do desgaste sofrido que
fazia prever o perigo de impeachment.
O comportamento leniente da oposição (que preferiu “ver sangrar” o enfraquecido
presidente, em lugar de tê-lo enquadrado nos rigores da lei), possibilitou que
o governo se refizesse, tendo Lula dado a volta por cima, partindo inclusive
para a sua reeleição em 2006, garantindo o emplacamento da “candidata-poste”
nas eleições de 2010, bem como a reeleição da mesma em 2014.
O objetivo social fundamental
dos dois governos de Lula, bem como do primeiro governo da Dilma, foi garantir
as verbas canalizadas nas inúmeras bolsas que, no sentir do senador Jarbas
Vasconcellos, constituíram o maior programa de compra de votos do hemisfério
ocidental. Lula se reelegeu em 2006, Dilma foi eleita em 2010 e reeleita em
2014, com pequeníssima margem de diferença em relação ao candidato das
oposições, Aécio Neves. Os índices de votos favoráveis ao PT foram caindo
progressivamente ao longo destes doze anos, em decorrência do desgaste sofrido
com as inúmeras irregularidades que fizeram escoar bilhões de reais pelo ralo
da corrupção, “como nunca se viu na história deste país” (para repetir o chavão
inventado por Lula e repetido ad nauseam
pelos seus seguidores).
Em consequência, o ponto
fundamental da educação para a cidadania não foi equacionado nos governos
lulopetistas. Esse vácuo foi preenchido criminosamente, com a posta em prática
de agressiva campanha de doutrinação marxista, de inspiração gramsciana, ao
ensejo das políticas deletérias com que os arautos do caos começaram a poluir
as mentes das crianças e dos jovens.
2 - A ação deletéria da “revolução cultural”
gramsciana na era lulopetista.
Aqui entramos no segundo aspecto
que foi mencionado: a implantação, pelos governos petistas, da “revolução
cultural gramsciana”. A essência desta é a seguinte: tudo, em matéria de
políticas culturais, deve ser direcionado para destruir os “valores burgueses”,
a fim de implantar a nova mentalidade “revolucionária”, que apoia sem nenhuma
crítica a política do governo. Antônio Gramsci (1891-1937)
pretendia, numa Europa diversificada e que já tinha dado início com sucesso à
revolução industrial e à consolidação da democracia pluralista em vários
países, mudar rapidamente o panorama a fim de tornar viável a revolução
comunista apregoada por Wladimir Illich Lenine (1870-1924), cujo ideal de
governo consistia em deter uma autoridade “não controlada por leis”. O modelo
comunista é uma ditadura burocrática sobre todos os cidadãos, sem nenhuma
oposição, sem alternância no poder e sem que seja possível preservar qualquer
elo de solidariedade entre os membros da sociedade. É o modelo totalitário puro,
excelentemente descrito no século passado por Hannah Arendt (1906-1975) e Karl
Wittfogel (1896-1988).
Ora, a implantação de tal
modelo totalitário seria impossível mediante a luta direta dos revolucionários
para se apossarem do poder, como tinha ocorrido na Rússia. Era necessário
enfraquecer e derrubar o “Estado burguês”, mediante a sistemática e implacável
destruição dos valores em que este assentava. Tornou-se prioritário acabar com
tudo aquilo que escorasse o velho Estado a ser derrubado. Eis as prioridades
gramscianas acolhidas pelo PT: destruição da família tradicional; destruição da
religião; destruição da propriedade privada; destruição, em geral, da ordem
jurídica “burguesa”, mediante o acirramento de conflitos cuja solução deveria
ser encontrada pela militância “`a margem da legalidade”, na constituição dos
denominados “conselhos populares”. Eis o roteiro de viagem rumo ao caos, que constituiu
o programa da “revolução cultural” gramsciana. Esse foi o caminho que os
lulopetistas e os seus auxiliares trilharam, no campo cultural, ao longo destes
doze anos de desgoverno e corrupção.
Longe de ter sido equacionada
a “educação para a cidadania”, que deveria ser ministrada nas quatro primeiras
séries do primeiro grau, o que realmente ocorreu no ciclo lulopetista foi a
deterioração do que já existia precariamente. As pesquisas desenvolvidas pelo
PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos)
nos últimos anos, ilustram bem esse lamentável estado de coisas do nosso ensino
fundamental, que se projeta de forma negativa sobre o ensino médio.
Ao não equacionamento da
educação para a cidadania no ensino fundamental veio se somar, para piorar as
coisas, a deformação mental que se instalou entre os intelectuais que cultuam as
ciências sociais no nosso país, ao serem polarizados pelo cientificismo
marxista que ocupou o lugar como marco epistemológico de referência nas nossas
Universidades e centros de pesquisa.
A cultura brasileira já tinha
sido dominada, desde o período colonial, pelo cientificismo do marquês de
Pombal (1699-1782). Para esta mentalidade, não existe ciência social com
caráter independente do poder estabelecido. Tudo, conforme o modelo
despótico-ilustrado que animava ao primeiro ministro de Dom José I (1714-1777),
deveria girar em torno ao Estado empresário, que estaria incumbido de garantir
a riqueza da Nação e de assegurar a sua distribuição entre os súditos, bem como
o comportamento moral destes. Tudo seria equacionado, de forma mecânica, pelo
Estado-empresário, com a ajuda da ciência aplicada. É claro que tal visão
simplória foi criticada de forma contundente por intelectuais do porte de
Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Mas a herança cientificista ficou
presente como raiz que iria alimentar a vetusta árvore do poder patrimonial do
Monarca e da classe política.
Com a chegada da República e
a ascensão dos positivistas ao poder, o velho cientificismo pombalino toma novo
fôlego, ao ser vinculado ao marxismo por Leônidas de Rezende. A partir de
então, forma-se um marco de referência da ciência social no Brasil. Esta deve
ter um objetivo prático no seio do Estado tecnocrático. Tal objetivo seria o
equacionamento da questão social mediante a implantação do socialismo. Como a
versão positivista que se impôs foi a do caudilhismo gaúcho com Júlio de
Castilhos (1860-1903), o socialismo colimado passou a ser o autoritário, modelo que encontrou ressonância no reformismo
getuliano e nos governos tecnocráticos do ciclo militar.
Um périplo semelhante percorreu a ciência
social francesa. Nascida sob a influência do messianismo político
saint-simoniano, foi evoluindo, sob a inspiração de Augusto Comte (1798-1857) e
de Émile Durkheim (1858-1917), pelo caminho de um saber a serviço do
aperfeiçoamento moral da sociedade, presidido pelo Estado e dirigido à
construção de um vaporoso socialismo. A ciência social francesa, no século XX,
não conseguiu se desvencilhar dessa pesada herança. Isso explica, em boa
medida, a falta de visão estratégica tradicional dos Franceses no cenário político
internacional, bem como as trapalhadas do Estado em face da agressiva presença,
hoje, de grupos terroristas. As heranças saint-simoniana e positivista,
acrescidas do messianismo político contido no pensamento de Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), terminaram por confundir as mentes em relação ao que
seriam os ideais republicanos.
A tríade ideológica:
“Liberdade, Igualdade, Fraternidade” que constituiu o leitmotiv da Revolução
Francesa, teve um desfecho absolutista, ao ser entendida como regime da
unanimidade, tanto pelo Terror Jacobino, quanto pelo remédio que se opôs às
suas loucuras: o imperialismo napoleônico. Este fez ressuscitar, das sombras do
passado, os fantasmas que a Revolução tinha procurado esconjurar. A
Revolução tentou cortar radicalmente com as origens do povo francês nessa
loucura que foi a cultura revolucionária, que deu nomes novos a tudo, a começar
pelo tempo (com o novo calendário revolucionário) e o espaço (com o novo
sistema métrico). O imperador Napoleão Bonaparte (1769-1821) pôs as coisas em
ordem recolocando tudo no seu lugar, com a burguesia comerciante como
beneficiária direta do regime (nos Códigos de Direito Civil e Comercial) e se
colocando ele próprio no papel do Legislador rousseauniano, que gera a partir
do Trono a unanimidade. O colbertismo econômico de Luís XIV (1638-1715) encontrou
novos ares. Ao Liberalismo só restaria, na França, o ideal do exílio ou da
marginalidade.
É claro que tanto Getúlio
Vargas (1883-1954) quanto os militares abjuraram de Karl Marx (1818-1883) e
perseguiram duramente os comunistas, em decorrência das trapalhadas
estratégicas destes, liderados por Luís Carlos Prestes (1898-1990). Mas o
arcabouço mental do pombalismo permaneceu inteiro: a ciência social ficou
ligada à implantação de um modelo estatal de caráter distributivista, longe dos
liberais, aberto ao populismo do “pai do povo” e com marcados preconceitos em
face do capitalismo entendido como corrupta empresa de enriquecimento
individual. O estatismo saiu vivo dos ensaios modernizadores que se processaram
no ciclo getuliano e durante o período militar. O capitalismo permitido seria o
decorrente do Estado-empresário, que garantiria a riqueza da Nação. O lulismo,
sob a influência macunaímica do seu mentor, formado na escola da política
sindical cooptada pelos militares, passou a fazer uso amplo dessa visão
econômica, se aproximando paradoxalmente, nos planos econômicos, dos modelos
heterodoxos vigentes no ciclo desenvolvimentista ensejado pelos governos
militares.
Em conclusão: longe de ter
sido equacionada a variável educacional que daria embasamento à luta contra o
terrorismo, foi criado um vácuo axiológico que deixou aberta a porta para
valores exógenos à nossa história, ao não ter sido resolvida a questão da
educação para a cidadania. Grave risco estratégico em face de um mundo
convulsionado pelo “choque de civilizações”, com os radicais islâmicos atacando
a escala axiológica que deu identidade ao Ocidente, embasada no Cristianismo e
na herança da filosofia grega.
II - Equacionamento da variável política na luta
contra o terrorismo.
Desenvolverei neste item dois
aspectos: em primeiro lugar, o aperfeiçoamento da representação política, como
primeiro meio para garantir a paz interna. Em segundo lugar, a prioridade do
planejamento estratégico do Estado, para garantir a segurança num mundo
convulsionado pelos terroristas.
1 - O aperfeiçoamento da representação política, como
primeiro meio para garantir a paz interna.
A questão política
fundamental em face do terrorismo consiste na representação dos interesses de
todos os cidadãos na gestão da coisa pública, bem como na participação destes.
Séculos de patrimonialismo na gestão do Estado conduziram, na América Latina, a
uma desvalorização da representação, bem como dos partidos políticos e dos
corpos legislativos.
No Brasil, a agressiva
ascensão do castilhismo como modelo republicano autoritário que deu certo,
terminou socavando os alicerces da representação e da valorização do Poder
Legislativo. Hoje, entre nós, co9ntinua popular o velho princípio castilhista:
“o sistema parlamentar é um sistema para lamentar”. A herança do messianismo
político rousseauniano, vinculada ao cientificismo pombalino-marxista, terminou
produzindo nas mentes e nos partidos políticos uma grave aberração: passou a
ser entendido o regime republicano como legítimo pelo fato de ter saído das
urnas, sem que se discutisse claramente, de um lado a questão do papel da
representação e da tripartição de poderes e, de outro, tendo conferido ao
Executivo, nascido do voto, um poder sem limites. Confundiu-se legitimidade com
ausência de limites. Ora, como lembrava Constant de Rebecque, todo poder
político legítimo deve ser limitado, porquanto não pode tomar conta da
totalidade da vida humana, apenas de um aspecto: o concernente à constituição
da res publica e à procura, nela, do
bem comum mediante a negociação entre os interesses diversos dos cidadãos.
Silvestre Pinheiro Ferreira já
tinha salientado, nas suas Cartas sobre a revolução brasileira,
que a luta armada nas sociedades modernas acontece quando alguns ou um grupo
ficaram por fora do pacto político. A melhor forma de esconjurar a violência
das armas num determinado país consiste em construir os canais de representação
que permitam, a todos os cidadãos, ver representados os seus interesses materiais.
A instituição que canalizava a representação deveria ser de tal ordem que
possibilitasse a presença, no Parlamento, das diversas ordens de interesse
presentes na sociedade.
Ora, esse princípio continua
tendo plena validade no mundo de hoje. Os grupos armados que se levantam contra
as instituições fazem-no porque não se sentem representados por elas. Zelar
pela salvaguarda da representação mediante o aperfeiçoamento do voto,
constitui, ainda hoje, a melhor forma de manter a paz interna num determinado país.
Qual a providência que
deveria ter sido tomada, no Brasil, para melhorar a representação? Sem dúvida
nenhuma que essa resposta seria a reforma política. Ora, esta foi
sistematicamente empurrada para baixo do tapete pelos governos petistas.
Gozavam de cômoda maioria no Parlamento, isso lhes bastava. Não enxergaram que
a melhor forma de conferir estabilidade política ao país consistia em levar
adiante a reforma política. Moral da história: estamos ainda sofrendo as
consequências das graves falhas da representação que começaram a se tornar
explícitas na reconstituição do nosso convívio democrático, após o ciclo
militar.
2 - A prioridade do planejamento estratégico do Estado,
para garantir a segurança num mundo convulsionado pelos terroristas.
O Brasil contou, desde a sua formação como nação
moderna, com a formulação de um pano de fundo estratégico que lhe possibilitou
se situar no contexto internacional. Esta variante do
pensamento político está presente, desde tempos remotos, na cultura
luso-brasileira.
Portugal
desenvolveu, muito cedo, uma política de sobrevivência no meio de Nações mais
fortes. Na partilha do Reino entre os filhos de Afonso VI (1039-1109), Rei de
Leão e Castela e Imperador da Espanha, coube à herdeira do Condado
Portucalense, Dona Teresa de Leão (1080-1130), filha bastarda, fazer valer os
seus direitos contra as pretensões de Dona Urraca I de Leão e Castela
(1081-1126), que pretendia se apossar das suas terras. Casadas as meias-irmãs
com dois príncipes estrangeiros, Urraca com Raymundo de Borgonha (1070-1107) e
Teresa com Henrique de Borgonha (1066-1112), houve uma negociação entre este e
o seu tio, Guido de Borgonha (1050-1124), bispo de Vienne (cidade do
departamento de Isère, na França), que em 1119 foi eleito Papa, em Cluny,
(tendo adotado o nome de Calixto II), no sentido de que fosse garantida, pela
Santa Sé, a independência do Condado Portucalense, em face das pretensões de
Castela[13]. Não há
dúvida de que essa preocupação estratégica entrou no DNA político do fundador
do Reino de Portugal, Dom Afonso Henriques (1109-1185), filho de Teresa e
Henrique de Borgonha.
Ulteriormente,
essa política de sobrevivência manifestar-se-ia nas medidas tomadas pelos Reis
de Portugal, no sentido de costurar alianças que garantissem a independência do
país em face das pretensões espanholas ou de outros reinos europeus,
notadamente da França. Data do século XVII o “plano B” da Coroa portuguesa de
transferir a capital do Reino para fora do continente, caso houvesse uma
invasão por parte de outro Estado. Inicialmente tinha-se pensado na instalação
da Corte nas Ilhas Açores, como capital de um Reino que, além de Portugal,
abarcasse, também, o Pará e o Maranhão [14]. Quando o
general José Bonaparte (1768-1844) entrou na Península Ibérica, em 1808, pôs-se
em funcionamento um plano desse tipo, com a transferência da corte portuguesa
para o Brasil, inicialmente para Salvador e, pouco depois, para o Rio de
Janeiro.
Zelo
estratégico especial tiveram os negociadores portugueses do Tratado de
Tordesilhas (assinado entre Espanha e Portugal e ratificado pelo Papa Júlio II,
em 1506), no sentido de, mediante hábeis negociações e falsificação de mapas,
ir alargando a faixa que correspondia a Portugal, em direção ao oeste. Senso estratégico
extraordinário acompanhou à idéia pombalina, no século XVIII, de ocupar a
hinterlândia brasileira, mediante a transferência da capital da Colônia para o
Planalto Central, de onde pudessem ser atendidas todas as Províncias, colocando
um tapume para a expansão castelhana, cujas Colônias ficaram confinadas nos
Andes, ao ensejo da anulação definitiva do Tratado de Tordesilhas, em 1777,
pelo Tratado de Santo Ildefonso.
O plano
pombalino de ocupação do Planalto Central voltou a ser acariciado pelo
Patriarca da Independência brasileira, José Bonifácio de Andrada e Silva
(1763-1838), em 1821, e seria a idéia geradora da construção de Brasília, no
governo de Juscelino Kubitschek (em 1961). Os mapas portugueses dos séculos XVI
e XVII foram progressivamente empurrando a linha demarcatória do antigo Tratado
para o oeste, de forma a garantir a posse, por Portugal, de vastas áreas que
outrora eram reivindicação castelhana. A política de construção de fortes, no
período pombalino, conserva esse mesmo espírito, de garantir a defesa dos
limites das colônias portuguesas. Nesse contexto de um senso quase instintivo
de sobrevivência coletiva, que garantiu a soberania portuguesa entre vizinhos
mais poderosos, inserem-se os primórdios do pensamento estratégico brasileiro.
Recolhendo
a herança dos autores que pensaram o Brasil a longo prazo num contexto
estratégico, durante o século XIX [15] e na
primeira metade do século XX [16],
destacam-se quatro pensadores na contemporaneidade: a professora Terezinha de
Castro [17] (falecida
em 2000), o general Golbery do Couto e Silva [18]
(1911-1987), o general Carlos de Meira Mattos [19]
(1913-2007) e o jornalista e sociólogo Oliveiros Ferreira [20]. A
estratégia brasileira, no decorrer do século XX, esteve marcada por um fator
decisivo: o perfil autoritário incutido à República pelos positivistas. Assim,
foram de cunho autoritário as formulações estratégicas efetivadas durante o
longo ciclo getuliano (pela segunda geração castilhista) [21] e durante
o ciclo militar (que orbitou ao redor do modelo denominado por
Wanderley-Guilherme dos Santos [22] de
“autoritarismo instrumental”).
No entanto,
em que pese o viés autoritário, firmou-se, definitivamente, a base
modernizadora do Estado brasileiro, no ciclo getuliano e no período militar pós
64. No primeiro período, efetivou-se a integração política nacional, superando
as divisões ensejadas pelas oligarquías estaduais. No segundo realizou-se a
transformação do país em economía industrial e deu-se um passo definitivo rumo
à integração nacional, mediante a modernização das telecomunicações e a
abertura da malha rodoviária federal, sendo que se equacionou também, de forma
pacífica, a abertura democrática, à luz do que o general Golbery denominava de
“engenharia política”, com a volta dos exilados e a livre fundação de partidos
políticos.
Não deixa
de ostentar uma faceta autoritária a atual formulação da política externa,
efetivada pelo regime lulopetista à sombra da “diplomacia presidencial”
praticada por Lula e por Dilma e norteada, inicialmente, pelo ex-ministro
Mangabeira Unger [23] e, depois, pela geração de diplomatas terceiro-mundistas que tomaram
conta do Itamaraty, embalados na retórica gramsciana e na compulsão ideológica
de um imaturo antiamericanismo [24], e que
efetivaram grosseira simplificação do atual momento de globalização.
Podem ser
identificados acertos na atual política brasileira, sendo o principal a decisão
de formular uma Estratégia Nacional de Defesa [25] que
corresponda ao ideal democrático e à complexidade do mundo contemporâneo. Mas
esta disposição não se coaduna com os aspectos negativos mencionados no
parágrafo anterior, nem com a irracional sonegação, pelos governos petistas,
dos recursos a serem aplicados na realização da política traçada [26]. Seria
conveniente a formulação de uma estratégia que incorporasse, novamente, o
controle, pela sociedade civil, do aparelho do Estado, mediante o revigoramento
da representação parlamentar e a limitação da ingerência indevida do Executivo
na legislação, como acontece com a prática das “medidas provisórias”. Esses
ideais, de inspiração liberal, foram praticados pelos estrategistas do século
XIX e deixados de lado no ciclo republicano.
A
formulação de uma estratégia que incorpora o ideal democrático está presente,
no entanto, nas inúmeras iniciativas da sociedade civil e de alguns órgãos das
Forças Armadas, que menciono a seguir: em primeiro lugar, a criação do Centro
de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da Universidade Federal de
Juiz de Fora, em 2005; sobressaem, aquí, a contribuição dada por Expedito
Carlos Stephani Bastos [27], com
estudos acerca de tecnologia militar e história dos blindados brasileiros e por
Aristóteles Rodrigues [28], com análises
estratégicas que abarcam a variável psicossocial. Em segundo lugar, os Foros
Nacionais, programados regularmente no Rio de Janeiro pelo Instituto Nacional
de Altos Estudos, sob a coordenação do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso.
Em terceiro lugar, os estudos e eventos programados, no Rio de Janeiro, pelo
Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), sob a direção do
embaixador José Botafogo Gonçalves. Em quarto lugar, os Encontros Nacionais de
Centros de Estudos Estratégicos, programados, no Rio, pela ECEME, com a
colaboração da ESG. Em quinto lugar, as atividades do Centro de Estudos e
Formulação Estratégica do Exército, com sede em Brasília. Em sexto lugar, os
seminários promovidos regularmente sobre temas estratégicos e políticos, pelo
Instituto Millenium, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em sétimo lugar, os
seminários desenvolvidos, no Rio de Janeiro, pela Academia Brasileira de Defesa
(presidida pelo brigadeiro Ivan Frota). Em oitavo lugar, os colóquios e
simpósios programados, no Rio de Janeiro, pelo Instituto de História e
Geografia Militar (presidido pelo general Aureliano Pinto de Moura) e pela
Academia Brasileira de Filosofia (presidida pelo professor João Ricardo
Moderno).
Falta, no entanto, atualmente, a existência de
um centro de reflexão estratégica ligado ao Estado e que apresente uma análise
dos riscos que podem ocorrer para o Brasil e que desenhe os caminhos que podem
ser seguidos pelo governo, em resposta a um cenário de desestabilização. Um
pais que aspira a ocupar posição de destaque no cenário internacional não pode
se furtar a essa tarefa. A China, que desponta como potência de primeira
magnitude neste século, possui nada menos que 1.400 centros de pesquisas
estratégicas.
O Brasil se dá ao luxo de hoje não ter um só centro de nível internacional que
seja consultado regularmente pelo Estado na tomada das suas decisões.
Nos ciclos autoritários que antecederam à Nova
República, emergida em 1985 com a eleição de Tancredo Neves, houve a elaboração
de um pensamento estratégico que norteasse os tomadores de decisão. Tal foi a
incumbência de homens públicos como Lindolfo Boeckel Collor ou Oliveira Vianna
(no ciclo getuliano) ou de instituições como a Escola Superior de Guerra (ao
longo do ciclo militar). A Revista Cultura Política serviu, no ciclo getuliano,
como foro de debates aberto ao pensamento de direita, no sentido de encontrar
caminhos transitáveis em momentos de perigo nacional. Com o advento da Nova
República, em 1985, os civis desmontaram irresponsavelmente os núcleos de
pensamento estratégico que funcionavam, como pertencentes ao “entulho
autoritário”. Passou a prevalecer, em política de longo prazo, a improvisação.
Esse cenário piorou com a chegada do PT ao
poder, cuja única preocupação consistiu, desde o começo, em garantir a
hegemonia partidária e o aniquilamento da oposição. O Brasil perdeu o rumo do
médio e do longo prazo. Falta, na atual conjuntura, um tipo de reflexão
institucional de caráter estratégico. Tudo se decide no embalo do vaivém da
política partidária, sem que se leve em conta o horizonte de interesses
permanentes da Nação, para utilizar um conceito que foi posto em circulação
pelos liberais do período imperial.
Os núcleos de reflexão estratégica existentes
na sociedade civil, simplesmente não são consultados pelo governo. Ele se
pauta, única e exclusivamente, pelas prioridades dos marqueteiros em momentos
de eleição, ou pelas preocupações hegemônicas do partido do governo, que
incluem práticas “non sanctas”,
havida conta das criminosas políticas de aparelhamento das estatais e da
roubalheira dos recursos públicos ali instalada, tudo a serviço dos interesses
partidários, sem que importe a perspectiva do país como um todo. É evidente o
risco que decorre dessa falta de orientação estratégica num mundo global
convulsionado pelo terrorismo islâmico.
III
– Equacionamento da variável econômica na luta contra o terrorismo.
No
terreno econômico, as mirabolantes promessas de que a economia iria nos
catapultar a índices chineses de desenvolvimento, com crescimento e
distribuição de renda de tipo europeu ou americano, se traduziram em queda
constante dos patamares de desenvolvimento, com as marcas negativas que hoje
nos afetam. Destacarei dois aspectos da economia brasileira, que se vinculam de
forma direta com a criação de condições para fazer frente ao terrorismo islâmico:
em primeiro lugar, as duvidosas perspectivas da economia, no plano interno. Em
segundo lugar, a confusa situação da economia brasileira, no seio do MERCOSUL.
1 – As duvidosas perspectivas da economia, no plano
interno.
O
modelo econômico inicialmente perseguido pelo PT estava calcado no
desenvolvimentismo do ciclo militar (tão condenado por eles). Presença forte do
Estado intervencionista, que com auxílio do BNDES guinda às alturas alguns
empresários, para apresenta-los ao Brasil e ao mundo como “campeões de
bilheteria”. Esse modelo, que deu certo nos anos sessenta do século passado,
quando os juros internacionais eram baixos e havia dinheiro sobrando, antes dos
choques do petróleo, hoje, no entanto, não funciona. Está defasado. Também
pudera! Isso funcionou há cinquenta anos. Mas hoje a história é outra.
Pesou
na atual quebradeira petralha uma dupla ordem de fatores: incapacidade da
equipe da área econômica, chefiada pela “presidenta” e a roubalheira que se
instalou no país, a começar por estatais outrora prósperas como a Petrobrás,
que da 11ª posição mundial descambou para a 112ª entre as empresas do setor
petrolífero. Outra instituição, que foi “usada e abusada” pelos companheiros
foi a Caixa Econômica Federal, hoje praticamente quebrada. Fez bem o candidato
Aécio Neves em prometer, na campanha para a eleição presidencial em outubro do ano passado, uma rigorosa
devassa nessa instituição, bem como no BNDES, a fim de esclarecer os duvidosos
“empréstimos” a regimes marginais como Cuba e alguns países africanos, feitos
com critérios puramente clientelistas, em benefício do PT e sem nenhuma
transparência.
Hoje,
a Petrobrás é uma indigente internacional que mal se sustenta. Os salários dos
funcionários da estatal caíram 35 % ao longo dos governos petralhas. Nem para
isso foi hábil a equipe econômica, que não conseguiu manter os salários pagos
aos funcionários da empresa. Quanto menos para garantir ganhos aos acionistas
que acreditaram nas mensagens cor de rosa de Lula e Dilma.
O
programa “Bolsa Família”, de que tanto se orgulham Lula e Dilma, apresentando-o
como criação petista, foi copiado do Banco Mundial, como lembrou recentemente o
professor e pesquisador Simon Schwartzman.
A
propósito, ele escrevia: “Lula chegou ao poder em 2002 anunciando o Fome Zero,
que pretendia mobilizar a sociedade e colocar toda a produção agrícola do país
nas mãos do Estado para garantir a segurança
alimentar da população. Mal
nascido, o programa foi enterrado depois que o IBGE mostrou que, mais do que a
fome, o problema do país era a pobreza e a obesidade. Em seu lugar veio o Bolsa
Família, inspirado nos programas de transferência
condicionada de dinheiro que
já existiam no México (Oportunidades), Colômbia (Famílias en Acción), Chile
(Subsidio Unitario Familiar) e outros. O grande incentivador desses programas era
o Banco Mundial, que propunha que as políticas sociais deveriam ser focalizadas
nos mais pobres e que por isto foi acusado de tentar destruir as políticas universais que, no Brasil, ainda colocam a maior
parte dos recursos nas mãos dos mais ricos”.
As “pedaladas” da equipe econômica do primeiro
governo Dilma para melhorar o desempenho estatístico do sistema, terminaram por
semear a insegurança jurídica e afastar investidores. Aconteceu isso no setor
elétrico, bem como no vasto campo das políticas públicas para solucionar
problemas logísticos em portos, aeroportos e estradas. Em qualquer pais do
mundo, para atrair investidores são necessárias duas medidas: transparência e
valorização da livre iniciativa. Justamente as duas coisas que na política
estatizante do governo desapareceram. Após o affaire da Petrobrás os investidores privados sumiram,
condicionando uma quebradeira no setor, que afeta sensivelmente os Estados que
recebiam royalties do petróleo. O desemprego maciço em importantes Estados da
federação, como Rio de Janeiro, já é um fato, bem como o crescimento praticamente
negativo da economia brasileira no presente ano. Isso faz aumentar as tensões
sociais, abrindo espaço para a insatisfação social, constituindo assim um caldo
de cultura aproveitável pelos radicais, especializados em pescar em águas
turvas. Os terroristas aproveitam, certamente, esse estado de coisas.
2 - A confusa situação da economia
brasileira, no seio do MERCOSUL.
O MERCOSUL, nos seus primórdios,
representava uma instância de integração continental e um âmbito ampliado de
liberdade para os cidadãos dos países que se acolheram à organização. Criado em
26 de Março de 1991 pelo Tratado de Assunção, assinado pelos presidentes da
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o Mercado
Comum do Sul ampliou-se, passando a acolher os seguintes Estados Associados: Chile (1996),
Bolívia (1996) Peru (2003) Equador (2004) e Colômbia (2004). Foram incluídos,
na qualidade de Estados Observadores, os
seguintes países: México e Nova Zelândia (2010). Em 31 de Julho de 2012 foi
incluída como Membro Pleno a
Venezuela, sendo que o Paraguai apresentou o seu veto a esta inclusão. O veto
paraguaio fundamentou-se no fato de a Venezuela não ter as condições
institucionais para se tornar membro do MERCOSUL, em decorrência das reformas
ensejadas pelo presidente Chávez, que tornaram esse país um regime de força,
tendo atrelado os poderes Legislativo e Judiciário à vontade do Executivo. O
Paraguai, entretanto, terminou sendo excluído do MERCOSUL pelos demais Membros Plenos, em virtude de que este
país estaria desconhecendo as exigências de adesão ao regime democrático, pelo
fato de ter sido destituído, por impeachment, o presidente Lugo, em Junho de
2012.
Inserido o MERCOSUL no contexto
neopopulista pelo predomínio, nele, do Brasil e da Argentina (nos governos de
Lula e do casal Kirchner, respectivamente), terminou sendo esvaziado das suas
características econômicas ao longo dos últimos anos, especialmente após a
admissão da Venezuela como Membro Pleno,
para se converter em aliança política de defesa de regimes patrimonialistas na América
Latina. Após a consolidação da “Revolução Bolivariana” na Venezuela chavista,
esta passou, lamentavelmente, a polarizar a inspiração das instituições
regionais sul-americanas ligadas ao MERCOSUL.
Em consequência, os países membros dessa
organização desenharam, ao longo da última década, um círculo vicioso de
privatização patrimonialista do Estado e de atraso. A saga percorreu as mesmas
etapas nos vários países: 1 - Tomada do poder pela via das eleições. 2 – Atribuição, aos mandatários eleitos, de
um poder sem limites, pressupondo que eram os únicos representantes da
soberania popular e os salvadores das massas oprimidas. 3 – Centralização de
todas as instituições republicanas em mãos do executivo hipertrofiado, ao qual
foram submetidos os demais poderes públicos, mediante reformas constitucionais
efetivadas a toque de caixa. 4 – Hipertrofia do partido do governo, que passou
a ocupar todos os espaços do jogo político, banindo, mediante o terror
policial, o pluralismo partidário e o exercício da oposição. 5 – Ataques
sistemáticos à imprensa livre, que passou a ser considerada como instrumento
das antigas elites. 6 – Desenvolvimento de uma política externa pautada pela
ideologia do confronto anti-imperialista e pela ideia da missão salvadora em
favor das massas, com a criação de novas instituições internacionais que melhor
representassem os anseios dos novos messias. Assim, surgiram a ALBA
(Alternativa Bolivariana para as Américas) e a UNASUL (União de Nações
Sul-Americanas), contrapostas à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), ao North
American Free Trade Agreement (NAFTA) e à Organização dos Estados
Americanos (OEA), embora esta tenha sido bastante infiltrada pelos novos
salvadores, lhe sugando a capacidade de mediação nos conflitos por eles
causados. 7 – Estatização progressiva da economia, sendo consideradas as
empresas privadas não tuteladas pelo Estado como inimigas dos interesses
populares. 8 - Desvio de grandes somas de recursos públicos para apoiar a
fragilizada economia cubana; têm-se destacado nessa empreitada especialmente a
Venezuela (que garante petróleo a baixo custo à ilha caribenha e entregou parte
da sua soberania aos irmãos Castro, tendo transferido para Cuba o Ministério
venezuelano da Informação) e o Brasil (que através de generosos empréstimos do
BNDES financiou a construção do porto estratégico de Mariel, por onde os
cubanos alimentam o tráfico de armas para a Coréia do Norte e outras ditaduras
consideradas “populares”). [31]
Para os Membros Plenos da área do MERCOSUL passou a vingar essa ideologia
messiânico-populista, acompanhada por reformas nacionalistas, que passaram a
ser interpretadas como parte da missão salvadora dos novos donos do poder. Como
a Venezuela foi a que mais se destacou na construção dessa ideologia messiânica
sob o comando do carismático Hugo Chávez (1954-2013), que usou e abusou dos
petrodólares para comprar adesões, o novo clima afinou-se, na organização, com
o populismo chavista. A defesa incondicional da “Revolução Bolivariana” ocupou
a ordem do dia. Tem sido lamentável a atitude leniente dos Membros Plenos do MERCOSUL em face dos desmandos autoritários do
atual presidente venezuelano Nicolás Maduro, cujo governo, nas protestas
populares do ano passado, assassinou perto de meia centena de cidadãos do seu
país.
No terreno econômico, os resultados têm
sido trágicos nos vários países do MERCOSUL, que terminou se convertendo,
apenas, numa organização político-ideológica, tendo sido esvaziado das antigas
funções de promover o desenvolvimento econômico e o intercâmbio sem barreiras
entre os países membros. A inflação disparou em todos eles, em decorrência das
políticas populistas de distribuição irresponsável de renda, nas várias
“missões”, “bolsas” ou “projetos”, que visavam a comprar o apoio popular para
ganhar eleições. Isso aconteceu na Venezuela chavista, no Brasil do
lulopetismo, na Argentina do velho tango do atraso dançado pelo casal Kirchner,
no Paraguai nos tempos do bispo-presidente Lugo, no Equador do falastrão Rafael
Correa, na Bolívia do telúrico líder cocalero Evo Morales. Na nova onda de
salvacionismo populista arrolar-se-iam pequenos países centro-americanos
cativados pelos dólares chavistas, como foi o caso da Nicarágua.
O Brasil mergulhou por inteiro na
nova onda bolivariana. Faço apenas uma breve caracterização centrada no aspecto
da política econômica regional. Como gafanhotos famintos, ou à maneira de
ávidos cupins (para utilizar a imagem cunhada por lúcido crítico do
neopopulismo brasileiro, o saudoso Gilberto Ferreira Paim) [32],
os militantes passaram a aparelhar as grandes empresas estatais e a coloca-las
a serviço do seu enriquecimento pessoal e da hegemonia partidária; assim, foi
quebrada a Petrobrás e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
virou instrumento político dos anseios internacionais do Lula que, diga-se de
passagem, após oito anos de governo, passou a formar parte da lista Forbes dos
milionários latino-americanos.Os números não mentem: a inflação,
que tinha sido controlada mediante reformas efetivadas nos vários países nas
duas últimas décadas do século passado, voltou a disparar na Venezuela, na
Argentina, no Brasil, na Bolívia, no Paraguai, no Uruguai, etc. Para garantir a
continuidade das eleições dos populistas de plantão, Hugo Chávez fez desfilar
pastas repletas de petrodólares pelos vários países sul-americanos. Assim
aconteceu na Argentina, no Equador, no Paraguai de Lugo e na Bolívia.
Petrodólares chavistas alimentaram movimentos sociais simpáticos ao lulopetismo
no Brasil, inclusive mediante o financiamento de escolas de samba com enredos
bolivarianos no carnaval. A refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que já
custou bilhões de dólares ao Brasil sem produzir uma gota sequer de
hidrocarbonetos, foi projetada para ser co-financiada pela estatal venezuelana
PDVSA. Nenhum tostão foi desembolsado
pelos “generosos” vizinhos. A inflação, na Argentina, está na casa dos 20% ao ano,
enquanto na Venezuela supera o teto de 50%. O Brasil que, com o Plano Real
(rejeitado pelos petistas quando da sua implantação, nos anos 90) saneou as
finanças públicas, vê a inflação atingir preocupantes patamares que, neste ano,
já superarão os 7%, sem que se veja, no horizonte, uma perspectiva de controle
efetivo.
Essa foi a herança que receberam os
países signatários do MERCOSUL, após as prestidigitações bolivarianas, à luz do
conhecido princípio macunaímico: “privatização de lucros, socialização de
prejuízos”. O clima econômico do Brasil e do MERCOSUL é uma porta aberta para o
terrorismo islâmico, em decorrência do fato de que, nessa desarrumação
populista, abriram-se espaços importantes para que as organizações islâmicas
totalitárias organizem o financiamento das suas atividades.
Sabemos, no caso brasileiro, que a tríplice
fronteira em que se situa a cidade brasileira de Foz do Iguaçu é um ninho de traficantes
e financistas que servem aos interesses do terror islâmico, tendo já sido
assinalada pelos serviços de informação dos Estados Unidos como uma das
fronteiras “quentes”, na luta conta o terror.
Conclusão.
Não é alvissareira, do ângulo estratégico,
a situação do Brasil para fazer frente ao risco do terrorismo islâmico. Nunca é
tarde, porém, para acordar. A sociedade brasileira, pelos seus intelectuais e
os seus institutos de pesquisa e estudo, precisa acordar da letargia e colocar
mãos à obra, na definição de uma estratégia de combate ao terrorismo islâmico.
O atual governo da Dilma, no seu
segundo mandato, mostrou que está disposto a corrigir erros do passado, por
exemplo, na definição dos rumos da política econômica e na condenação explícita
ao terrorismo islâmico após o atentado aos jornalistas do Charlie Hebdo. A mandatária
brasileira corrigiu, assim, a vergonhosa defesa que fez, na abertura da sessão
da ONU, em Nova Iorque, em Setembro de 2014, dos terroristas do Estado Islâmico,
ao criticar os ataques aéreos dos Estados Unidos contra as bases desses
meliantes na Síria.
Esperamos que uma atitude sensata do
atual governo se projete, também, sobre a estratégia que o Estado brasileiro
deve seguir para fazer frente aos reptos da globalização no combate ao
terrorismo. Este repto é tanto mais urgente, quanto que o nosso pais passou a
sediar eventos internacionais de grande envergadura, como as Olimpíadas do Rio,
que acontecerão em 2016.
Existe, segundo John Locke, na sociedade politicamente organizada, uma
terceira instância (além da executiva e da legislativa), o Poder Federativo,
que é o poder da comunidade política de exercer proteção contra inimigos
estrangeiros e também o poder de ela se comunicar com outras comunidades
semelhantes, bem como com indivíduos que se encontram ainda no estado de
natureza. Locke não propõe um poder judiciário à parte, pois a função de
proferir sentenças cabe originariamente ao Legislativo. O filósofo considerava
que o ideal seria manter o Executivo e o Legislativo em mãos diferentes. Mas
previa, de outro lado, que o chefe do Executivo fosse parte do Legislativo, com
a incumbência de convocá-lo e colocá-lo em recesso. O governo, assim, para
Locke, emerge da vontade e do consentimento dos membros associados e deve,
sempre, se reportar a eles, sendo de todo ponto de vista inaceitável que, em
algum momento, se sobreponha aos membros integrantes da comunidade política.
Cf. LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo.
(Tradução de Júlio Fischer; introdução de Peter Laslett). São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p. 574 seg.
Conforme revelam os documentos do PISA citados na
nota anterior, em 2012 o desempenho dos
estudantes brasileiros em leitura piorou em relação a 2009. De acordo com dados
do PISA, o país somou 410
pontos em leitura, dois a menos do que
a sua pontuação na última avaliação e 86 pontos
abaixo da média dos países da OCDE (Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Em compensação, a cidade chinesa
de Xangai apareceu liderando os três rankings do PISA em 2012, ostentando
os melhores desempenhos em matemática (613 pontos), leitura (570 pontos) e
ciências (580 pontos), dentre as 65 economias avaliadas pela OCDE. Com isso, o
nosso país ficou com a 55ª
posição do ranking de leitura, abaixo de países como Chile, Uruguai,
Romênia e Tailândia. Segundo o relatório da OCDE, parte do mau desempenho do
Brasil pode ser explicada pela expansão de alunos de 15 anos na rede em séries
defasadas. Quase metade (49,2%)
dos alunos brasileiros não alcança o nível 2 de desempenho
na avaliação que tem o nível 6 como teto. Isso significa que eles não são
capazes de deduzir informações do texto, de estabelecer relações entre
diferentes partes do texto e não conseguem compreender nuances da linguagem. Em
ciências, o Brasil obteve o 59° lugar do ranking entre 65 países. Apesar de ter
mantido a pontuação (405), o país perdeu seis postos desde o 53° lugar em 2009.
Nessa disciplina, a média dos países de OCDE foi de 501 pontos.
Cf. a anotação feita por Lúcio de AZEVEDO (1855-1933),
em relação à missão desempenhada pelo Padre Antônio VIEIRA (1608-1697) nas
Cortes Européias, como enviado de Dom João IV (1604-1656): “Não se tendo
composto os negócios com a Holanda, resolveu D. João IV mandar outra vez a esse
país Antônio Vieira e, conjuntamente, tratar em França o casamento do Príncipe
D. Teodósio com Mademoiselle de Montpensier, filha do Duque de Orléans, sobre
que já antes tinha feito tentativas. Tão pouco segura julgava o soberano em si
a coroa que propunha abandoná-la ao filho e retirar-se para os Açores,
declarando-se Rei de um novo Estado, com Angra por capital, constituído pelo
arquipélago e, juntamente, o território do Pará e do Maranhão”. In: VIEIRA,
António. Cartas. (Introdução, coordenação e notas de J. Lúcio de
Azevedo). Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1997, Vol. I, pg. 93,
Biblioteca de Autores Portugueses.
Cf. MATTOS, Carlos de Meira, general. Brasil Geopolítica e Destino,
Rio de Janeiro: José Olímpio, 1975; A
Geopolítica e as Projeções do Poder, Rio de Janeiro: José Olímpio,
1977; Uma Geopolítica Pan-Amazônica,
Rio de Janeiro: Bibliex, 1980. O
Marechal Mascarenhas de Morais e sua Época, Rio de Janeiro: Bibliex,
1983; Geopolítica e Trópicos,
Rio de Janeiro: Bibliex, 1984; Geopolítica
e Teoria de Fronteiras, Rio de Janeiro: Bibliex, 1990; Castello Branco e a Revolução,
Rio de Janeiro: Bibliex, 2000; Geopolítica
e Modernidade, Rio de Janeiro: Bibliex, 2002.
Cf. FERREIRA, Oliveiros S. Ordem
Pública e Liberdades Políticas na África Negra, Belo Horizonte: Edição da Revista Brasileira de Estudos Políticos,
1961; As Forças Armadas e o desafio
da Revolução, Rio de Janeiro: Edições GRD, 1964; O fim do Poder Civil, São Paulo: Editora Convívio, 1966; Nossa América, Indoamérica, São
Paulo: Livraria Pioneira Editora / Editora da USP, 1971; A Teoria da "Coisa Nossa", São Paulo: Edições GRD, 1986; Os 45 cavaleiros húngaros, São
Paulo: Hucitec; Brasília: Editora UnB, 1986; Uma Constituição para a mudança, São Paulo: Livraria Duas
Cidades Editora, 1986; Forças
Armadas, para quê? São Paulo: Edições GRD, 1988; Perestroika, da esperança à nova pobreza, São Paulo:
Inconfidentes, 1990; Vida e morte do
Partido Fardado, São Paulo: Saraiva, 2000; A crise da política externa (autonomia ou subordinação?), (comentários do embaixador Rubens
Ricúpero; apresentação do prof. Reginaldo Mattar Nasser), Rio de Janeiro:
Editora Revan, 2001.
Cf. UNGER, Roberto Mangabeira. Knowledge and Politics, Free Press, 1975; Law in Modern Society, Free
Press, 1976; Passion – An Essay on Personality, 1986; The Critical Legal Studies Movement, Harvard University
Press, 1986; Politics: A Work in
Constructive Social Theory, Cambridge University Press, 1987, in 3
Vols: Vol 1 - False Necessity:
Anti-Necessitarian Social Theory in the Service of Radical Democracy;
Vol 2 - Social Theory: Its Situation
and Its Task - A Critical Introduction to Politics: A Work in Constructive
Social Theory; Vol 3 - Plasticity
Into Power: Comparative-Historical Studies on the Institutional Conditions of
Economic and Military Success; What Should Legal Analysis Become?,
Verso, 1996; Politics: The Central
Texts, Theory Against Fate, Verso, 1997, (with Cui ZHIYUAN); Democracy Realized: The Progressive
Alternative, Verso, 1998; The
Future of American Progressivism: An Initiative for Political and Economic
Reform, Beacon, 1998 – (with Cornel WEST); What Should the Left Propose?, Verso, 2006; The Self Awakened: Pragmatism Unbound,
Harvard, 2007; Free Trade Reimagined:
The World Division of Labor and the Method of Economics, Princeton
University Press, 2007; The Left
Alternative, Verso, 2009 (2nd edition to What Should the Left Propose?, Verso, 2006.).
Cf. BRASIL, Governo Federal, Ministério da Defesa. Estratégia
Nacional de Defesa – Paz e Segurança para o Brasil. Brasília: Governo
Federal – Ministério da Defesa, Dezembro de 2008. Portal do Ministério da
Defesa: www.defesa.gov.br (consultado em: 27-11-2011). Da tarefa de elaborar
este documento incumbiu-se, como coordenador dos trabalhos, o então ministro da
Defesa, Nelson Jobim. Para esta disposição já apontavam, pioneiramente,
trabalhos de militares esclarecidos que propunham a profissionalização das
Forças Armadas, num contexto de obediência ao poder civil legitimamente estabelecido.
Cf. A respeito, FLORES, Mário César, almirante, Panorama do poder marítimo
brasileiro, Rio de Janeiro: Bibliex, 1972; As Forças Armadas na Constituição,
São Paulo: Convívio, 1992; Bases para uma política militar,
Campinas: Unicamp, 1992; Reflexões estratégicas – Repensando a Defesa
Nacional, São Paulo: É Realizações, 2002. Cf. SANTOS, Murilo
brigadeiro, (1939-2009), O caminho da profissionalização das Forças Armadas, (prefácio de Miguel
Reale; apresentação de Leônidas Pires Gonçalves). Rio de Janeiro: Instituto
Histórico-Cultural da Aeronáutica / Gráfica Editora do Livro, 1991.