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Simón Rodríguez (1771-1854), o educador rousseauniano. |
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Simón Bolívar (1783-1830), o Libertador, formado na pedagogia rousseauniana por Simón Rodríguez. |
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Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o pensador do "regime da virtude" que passou a inspirar os movimentos revolucionários na América Latina, ao longo dos séculos XIX e XX. |
Em 1995 foi apresentado, no Colóquio Internacional de Montmorency sobre o pensamento de Rousseau, o trabalho que ora divulgo neste blog. Foi um estudo preliminar sobre a influência do pensador genebrino na vida e na obra de Simón Bolívar. O pensamento rousseauniano, certamente, está na origem de muitas das revoluções efetivadas na América Latina ao longo dos séculos XIX e XX. Justamente por conta da radicalidade com que esses eventos revolucionários apresentaram o corte com o passado, apregoando o surgimento de um "homem novo". Não foi apenas a Revolução Francesa a herdeira direta do pensamento de Rousseau. O "chavismo", na Venezuela, não se explicaria sem a referência a esse pensador e, claro, sem levar em consideração a vida e a obra do maior discípulo das ideias rousseaunianas nesse país, Simón Bolívar.
É indiscutível a presença dos ideais rousseaunianos nas
lutas da independência dos vários países ibero-americanos (Cf.
Sánches Vásquez, 1969; Vélez Rodríguez, 1978 e 1985, Arciniegas, 1984). Tenciono, neste trabalho, mostrar a inspiração exercida
pelo filósofo de Genebra sobre uma das mais expressivas personalidades do mundo
ibero-americano: o Libertador Simón Bolívar (1783-1830). Desenvolverei dois
aspectos: 1) O Mestre, em que destacarei como o pensamento rousseauniano
inspirou o tutor e mestre de Bolívar, don Simón Rodríguez
(1771-1854) e como
este marcou a formação intelectual do Libertador e 2) O Discípulo, em que
analisarei a influência de Rousseau em Bolívar.
1) O Mestre
Simón Rodríguez foi, sem dúvida, o educador que exerceu
maior influência na formação da personalidade do Libertador Simón Bolívar.
Rodríguez nasceu em Caracas e veio falecer em Amotape, cidadezinha do
Departamento de Piura (Perú) (Cf. Liévano Aguirre,
1987: 15-22).
Se teve alguém que encarnou de forma fiel o ideal de vida e
de concepção humanística apregoados por Jean-Jacques Rousseau, foi Simón
Rodríguez. Ele reproduziu, na sua vida e nos seus ensinamentos, os ideais
rousseaunianos: autodidatismo, relação estreita entre natureza e sociedade,
moral alicerçada na liberdade, domínio
do sentimento sobre a razão, teoria da bondade natural do homem e doutrina do contrato social (Cf. Francovich, 1983: 2).
Simón Rodríguez também sofreu a influência de Holbach
(1723-1789) e Saint-Simon (1760-1825). Do primeiro, o educador de Bolívar tirou
a valorização do conhecimento científico e experimental da natureza, influência
que, aliás, também tinha recebido de Rousseau, e do segundo os ideais
socialistas, calcados sobre a idéia rousseauniana de igualdade. A filosofia que
prevaleceu em Rodríguez foi, como se pode observar, a de Rousseau.
Como o filósofo de Genebra, Simón Rodríguez foi um pensador
itinerante. “Não quero -- dizia -- ser como as árvores, deitando raízes num
lugar para não sair dali. O vento, a água, o sol, tudo que se move e não pára
nunca, essa é a vida para mim” (In Castro: 1973, 22). O próprio Bolívar exprimiu da seguinte forma a
personalidade itinerante e cosmopolita
do seu mestre e amigo: “É o melhor homem do mundo, mas, como é um filósofo
cosmopolita, não tem pátria, nem lar, nem família, nem nada”(in Castro, 1973: 22). Nas suas atitudes práticas o mestre de Bolívar era também
um rousseauniano puro: autodidata --
como já foi salientado --, amante da natureza, defensor incansável dos
oprimidos, reformador audacioso dos métodos pedagógicos, tratava-se de uma
personalidade polifacética, difícil de ser enquadrada num sistema de pensamento
ou num stablishment. Essa sua natural originalidade o levou a mudar de nome,
tendo adotado o de “Samuel Robinson”. Guillermo Francovich
(1945: 75) sintetizou assim a
figura de Rodríguez: ”A personalidade do ‘Mestre do Libertador’, Simón
Rodriguez, é uma das mais originais da história americana. São conhecidas
várias anedotas suas graças às quais, se tivesse nascido na Grécia clássica,
teria merecido figurar na galeria dos ‘filósofos ilustres’, de Diógenes
Laercio, junto a mestres do pensar cínico e cético. Em que pese a sua aparente
excentricidade, Simón Rodríguez foi um espírito profundamente humano e
preocupado sempre com os problemas do bem-estar social”.
J. A. Cova (1943: 31) , por sua vez,
identifica Rodríguez como uma espécie de cópia de Rousseau, da seguinte
forma: “As excentricidades, as debilidades ou as manias do angustiado escritor
das Confissões revivem incorporadas no ‘dromômano’ impenitente, no preceptor sistemático, no sofista e no
poeta hipocondríaco”.
O contato de Simón Rodríguez com Bolívar deu-se em três
momentos: na adolescência do seu pupilo, entre os 11 e os 14 anos (1794-1797),
na sua juventude, aos 21 anos de idade (1804-1805) e vinte anos depois, quando
já Bolívar era o Libertador de cinco países. Em todos esses momentos, a influência do mestre sobre o discípulo foi
decisiva.
Em relação à influência exercida por Rodríguez sobre o
Bolívar adolescente, Jules Mancini (1970: 118) escreve: “Investido
de total autoridade sobre o seu discípulo predileto, pensou então Rodríguez em realizar um projeto
particularmente grato ao seu coração, o de tratar de pôr em prática o sistema
por excelência de educação apregoado por Rousseau. O menino que lhe tinha sido
entregue era, como deve ser Emílio,
‘rico’, ‘de grande linhagem’, órfão’,
‘robusto’ e ‘sadio’ e, ao mesmo tempo, não realizava Rodríguez o ideal do
preceptor desejado por Jean-Jacques? ‘Jovem’, ‘prudente’, celibatário’ e
independente’, ‘uma alma sublime’, qualidades ou atributos aos que podia
pretender Simón Rodríguez quem, então,
tinha vinte e um anos e gozava da reputação de ser o melhor professor da
cidade”.
A fim de que o discípulo desenvolvesse as suas
potencialidades, o tutor dedicou-se, como dizia Rousseau (1958) no Émile
ou de l’ Education, à “difícil
tarefa de não ensinar nada ao seu discípulo”, a fim de que pudesse permanecer
em “estado natural”. De outro lado, convencido da verdade do axioma
rousseauniano de que “a razão do sábio acostuma se associar ao vigor do
atleta”, Rodríguez prolongou a permanência do seu pupilo no campo e conseguiu
desenvolver maravilhosamente as aptidões físicas do futuro Libertador, que se
caracterizava por ser um andarilho incansável, um exímio ginete e um intrépido
nadador com quem, como frisa Mancini 1970: 118) “não conseguiu competir nenhum dos seus companheiros de
armas”.
Em relação à influência exercida por Simón Rodríguez no
período de juventude de Bolívar, o próprio Libertador deu testemunho de grande
valia. Em carta dirigida, de Paris, à sua prima Fanny D’ervieu de Villars, em
1804, Bolívar confessa que foi Simón Rodríguez quem o tirou do estado de
depressão em que se encontrava após o falecimento de sua esposa María Teresa
Rodríguez de Toro, ocorrido em 1803, e quem lhe indicou o caminho da luta em
prol da liberdade da América espanhola, como meta que dêsse sentido à sua vida (Bolívar, 1912:
41-42). Em 1805, mestre e
discípulo viajaram a Itália e ali, no Monte Sacro, em Roma, Bolívar pronunciou,
diante de Rodríguez, o famoso juramento de libertar os povos hispano-americanos
(Mancini, 1970: 150).
Em relação à influência exercida por Simón Rodríguez na
maturidade do Libertador, é muito significativa a carta dirigida por ele ao seu
mestre, que então regressava à Ibero-América, depois de 20 anos de permanência
na Europa. Eis um trecho dessa carta,
datada em 1824: “Ô, meu mestre! Ô, meu amigo! Ô, meu Robinson! O senhor na
Colômbia! O senhor em Bogotá e não me falou nada, não me escreveu nada! Sem
dúvida que o senhor é o homem (...) mais extraordinário do mundo (...). Ninguém
mais do que eu sabe quanto o senhor ama a nossa adorada Colômbia. Lembra o
senhor quando fomos ao Monte Sacro, em Roma,
jurar sobre aquela terra santa a liberdade da Pátria? (...) O senhor,
meu mestre, quanto deve ter me observado de perto, mesmo que colocado em tão
remota distância! Com que interesse o senhor deve ter seguido os meus passos,
dirigidos muito antecipadamente pelo senhor mesmo (...). Não pode o senhor
imaginar quão fundo gravaram-se no meu coração os seus ensinamentos; não tenho
conseguido apagar sequer uma vírgula das grandes máximas que o senhor tem-me
presenteado: sempre presentes aos meus olhos, tenho-as seguido como guias
infalíveis (...). Fico impaciente por saber quais são os seus planos a respeito
de tudo (...). O senhor contemplará com encanto a imensa pátria que tem sido
esculpida na rocha do despotismo pelo buril vitorioso dos libertadores, os seus
irmãos (...). Venha ao Chimborazo. Profane com o seu ousado pé a escala dos
Titãs,. a coroa da Terra, a torre
inexpugnável do Universo Novo. (...) Amigo da natureza, venha perguntar a ela
pela sua vida e pela sua essência primitiva (...). Lá (na Europa), ela está
dobrada sob o peso dos anos, das doenças e do hálito pestilento dos homens;
aqui ela é donzela, imaculada, formosa, ornada pela mão mesma do Criador” (apud Mancini, 1970: 154-155).
O Libertador quis que o
mestre irradiasse a luz dos seus conhecimentos nos países recém
libertados. No Alto Perú (Bolívia), Simón Rodríguez tentou desenvolver as suas
“escolas-modelo”, em que se realizaria o ideal de um “socialismo pedagógico”,
com a finalidade de transformar as crianças abandonadas em cidadãos livres. A
intenção desse empreendimento, frisava Rodríguez, “não era encher o país com artesãos rivais ou
miseráveis, mas instruí-los e
acostumá-los ao trabalho para fazé-los homens úteis, dar-lhes terras e
apoiá-los nos seus empreendimentos. Tratava-se de colonizar o país com os seus
próprios habitantes. Dava-se instrução e ofício às mulheres para que não se
prostituíssem por necessidade, nem fizessem do matrimônio um negócio para
garantir a sua subsistência” (apud Francovich,
1945: 79). A iniciativa de
Rodríguez não prosperou, de um lado, por causa da sua falta de espírito prático
e, de outro, devido às intrigas das oligarquias, das quais, aliás, foi também
vítima o próprio Libertador, marginalizado da vida pública nos seus últimos
anos (cf. Francovich, 1984: 2; García Márquez, 1989: 269-272;
Mutis, 1982: 70-93). Mestre e discípulo tiveram, assim, um final de incompreensão, como o tivera
também o genial inspirador de ambos, “o homem que acreditava no homem”,
Rousseau, para repetir o feliz título da obra de Marc-Vincent Howlet (1994).
2) O Discípulo
Se bem é certo que a formação de Simón Bolívar sofreu, como
vimos, a marcante influência do seu tutor e mestre, Simón Rodríguez, não se
pode afirmar, contudo, que se circunscrevesse aos ideais humanísticos
rousseaunianos do seu “Robinson”. Houve no Libertador, também, a formação
militar. Para compensar a formação
heterodoxa e romântica que o tutor dispensava ao adolescente, o seu previdente
tio, don Carlos Palacios, decidiu incorporá-lo como cadete no Batalhão de
Voluntários de Aragua, o mesmo no qual o pai de Bolívar tinha servido. Entre
1797 e 1798, durante 13 meses, o futuro Libertador recebeu a sua formação
militar. Como frisa Sandoval Franky (1991: 40), “(...) daí em diante, até a
sua morte, essa atividade seria a sua
mais gloriosa, talvez a sua exclusiva e verdadeira profissão”.
Era evidentemente clara a feição militar da personalidade de
Bolívar. “A guerra é meu elemento; os perigos, a minha glória”, afirmava ele
mais tarde. Com ironia melancôlica, o Libertador escrevia ao general Santander:
”Sendo a organização dessa República tão sublime e eu tão soldado, não sou
capaz de manejar teclas tão delicadas “. “Fora do exército -- afirmava Bolívar em outra oportunidade --
estou fora do meu centro”. Mais uma afirmação significativa: “Soldado por
necessidade e inclinação, o meu destino está traçado no campo ou nos quartéis”.
Ou esta outra: “A minha horrível profissão militar tem-me obrigado a me formar
uma consciência de soldado e um braço forte que não pode manejar o bastão mas a
espada” (apud Sandoval Franky, 1991: 40). Se os ideais humanísticos e cívicos foram bebidos por
Bolívar na fonte rousseauniana, o seu arquêtipo militar foi Napoleão. Como
frisa Mancini (1970: 151), “não lhe foi possível se substrair à influência dos dois homens cujo
pensamento e cuja ação dominam o século e a Jean-Jacques e a Napoleão é a quem
Bolívar pedirá lições e exemplos”. Não obstante a admiração que o Libertador
tinha pelo herói da França na época da assinatura do Tratado de Amiens, em 1802
(cf. Cova, 1943: 49), quando da coroação deste, em 1804, como Imperador, Bolívar
considerou que Napoleão tinha traído os ideais republicanos. Ao general Tomás
Cipriano de Mosquera (1977: 39) confessou, anos mais tarde: “Depois que Napoleão foi rei, a
sua glória mesma parece-me o resplandor do inferno, as chamas do vulcão que
cobria a prisão do mundo”.
Destarte, o arquêtipo militar que Napoleão representava
estava submetido, na concepção de Bolívar, à preservação do ideal republicano
apregoado por Rousseau, centrado na salvaguarda da salvação pública, num
momento de crise de legitimidade como o que viviam as nações hispano-americanas.
O princípio que inspirou a gesta revolucionária de Bolívar
foi, sem dúvida, o exposto por Rousseau (1962: 150) no seu Contrat
Social: “Só os maiores
perigos podem contrabalançar (o poder) de alterar a ordem pública, e nunca se
deve suspender o sagrado poder das leis, a não ser quando se trata da salvação
da pátria. Nesses casos raros e manifestos, providencia-se a segurança pública
por um ato particular que confia o cargo ao mais digno (...), nomeia-se um
chefe supremo que faça silenciar todas as leis, suspendendo a vontade geral,
sendo evidente que a primeira inteção do povo é a de que o Estado não pereça”.
Esse foi o princípio que, por exemplo,
levou Bolívar a aceitar exercer a ditadura na Venezulea, em 1814 e no
Peru, em 1824. Mas a inspiração rousseauniana do Libertador não parava aí. Uma
vez garantida a independência e a liberdade às nações hispano-americanas, o
Libertador aspirou ao supremo ideal rousseauniano: encarnar a figura do
Legislador, o “(...) indivíduo único (...), ser extraordinário, inspirado e
quase divino, capaz de dar a um povo, no ponto de partida, na origem de sua
vida política, o seu ‘sistema de legislação’, as suas leis essenciais,
fundamentais, fonte de instituições duradouras”
(Chevallier, 1973: 173).
Assim, o aspecto fundamental do Bolívar político foi o do
Legislador que pensou os fundamentos legais do pacto social, o qual garantiria
a liberdade e a igualdade às nações recém libertadas do jugo espanhol. É
evidente que a concepção constitucionalista do Libertador não se alicerçava,
apenas, em fontes rousseaunianas. Inspiradores dela foram, também, Locke,
Montesquieu, Sieyès e os constitucionalistas anglo-americanos. O projeto de
constituição apresentado por Bolívar no Congresso de Angostura (1819) deixava
ver essas influências nas oito grandes propostas ali contidas: 1) forma
republicana de Estado; 2) a soberania nacional materializada nos representantes
da nação eleitos por sufrágio censitário; 3) adoção da divisão dos poderes
públicos, que seriam quatro: executivo, legislativo, judiciário e moral; 4)
adoção dos direitos individuais e das liberdades públicas, à semelhança das
experiências norte-americana e francesa; 5) abolição da escravidão e dos
títulos nobiliárquicos; 6) organização política e administrativa com base no
princípio centralista; 7) adoção do modelo presidencialista norte-americano,
com um executivo monocrático controlado por um legislativo bi-cameral; 8)
criação de um poder moral com funções para garantir uma fundamental educação
cívica aos cidadãos (Rozo Acuña, 1983: 14-15).
Pode-se afirmar, no entanto, que a influência de Rousseau é
a mais marcante no pensamento constitucional de Bolívar, toda vez que na
filosofia política do genebrino se alicerça o aspecto mais original da proposta
bolivariana: a idéia do poder moral. Bolívar pretendia, com ele, dar ensejo ao “regime da virtude” apregoado
por Rousseau no seu Contrat Social, e que consistia, fundamentalmente, no banimento dos
interesses particulares para que emergissem o bem público e a vontade geral
indivisível, infalível, absoluta, inalienável, sagrada e inviolável.
O seguinte trecho do discurso pronunciado por Bolívar em
Angostura em 1819, é revelador da sua inspiração rousseauniana: “Para tirar
deste caos a nossa nascente República, todas as nossas faculdades morais não
serão suficientes, se não fundirmos a massa do povo num todo; a composição do
governo num todo; a legislação num todo,
e o espírito nacional num todo. Unidade, unidade, unidade, deve ser a nossa
consigna (...). A educação popular deve
ser o cuidado primogênito do amor paternal do Congresso. Moral e luzes são os
pólos de uma República, moral e luzes são as nossas primeiras necessidades.
Tomemos de Atenas o seu Areópago e os guardiães dos costumes e das leis;
tomemos de Roma os seus censores e os seus tribunais domésticos; e fazendo uma
Santa Aliança dessas instituições morais renovemos no mundo a idéia de um povo
que não se contenta com ser livre e forte, mas que quer ser virtuoso. Tomemos
de Esparta os seus austeros estabelecimentos, e formando desses três mananciais
uma fonte de virtude, demos à nossa
República uma quarta potestade cujo domínio seja a infância e o coração dos
homens, o espírito público, os bons costumes e a moral republicana.
Constituamos esse Areópago para que vele sobre a educação das crianças, sobre a
instrução nacional; para que purifique o que se tenha corrompido na República
(...). A jurisdição desse Tribunal
verdadeiramente Santo, deverá ser efetiva em relação à educação e à instrução e
de opinião somente nas penas e castigos. Mas os seus anais ou registros onde se
consignem as suas atas ou deliberações; os princípios morais e as ações dos
cidadãos, serão os livros da virtude e do vício. Livros que consultará o povo
para as suas eleições, os Magistrados para as suas resoluções e os juízes para
os seus juízos (...)” (Bolívar, 1971: 116-117).
Lendo as anteriores palavras, conclui-se que não é exagero
dos biógrafos do Libertador (La Croix, Ducoudray-Holstein, O’Leary, Mancini,
etc.) a afirmação de que as obras de Rousseau
“constituem (...) em toda ocasião, a sua leitura favorita. Tira dos Discursos o fundo do seu vocabulário até o ponto que, ao ler Bolívar,
a gente crê, às vezes, ler uma tradução de Rousseau. Quando se trata de
celebrar com festas os primeiros triunfos dos exércitos libertadores, consulta
a Lettre sur les spectacles. O Contrat Social ‘farol dos legisladores’, é o seu código de política, e a Profession
de foi du vicaire savoyard lhe serve de religião” (Mancini, 1970: 151).
Mas não foi apenas o Bolívar político ou legislador que
revelou a influência rousseauniana. Ela se revela também, de forma marcante, no
Bolívar educador, para quem o processo educacional consistia no “endurecimento
do corpo como suporte do espírito” (apud Acevedo Carmona,
1989: 26). A influência
rousseauniana manifesta-se, outrossim, no Bolívar romântico que ama as mulheres
e a vida do bon sauvage e que sente fastídio pela velha Europa. A Fanny de Villars,
de quem se apaixonou em Paris, escreveia o jovem Bolívar em 1807: “Vou procurar
outro modo de existir; estou fastidiado com a Europa e com as suas velhas
sociedades; regresso à América. O que farei ali? (...). Ignoro-o (...). Sabeis que tudo em mim é espontâneo e que
jamais faço projetos. A vida do selvagem possui para mim muitos encantos.
É provável que eu construa uma palhoça
em meio aos belos bosques da Venezuela (...)
(apud Gaitán de Paris, 1991: 43). Outro traço romântico do Libertador, que o aproxima de
Rousseau, vamos encontrar na mística revolucionária que o inspirava e que o
levou a proferir, em 1805, no Monte
Sacro, em Roma, o juramento de libertar a sua pátria (Mancini,
1970: 149-150). Feição
romântica é também a sua rousseauniana admiração pela natureza, expressão da
qual foi o seu memorável “Delírio sobre
o Chimborazo” (1824) (Mancini, 1970: 148-149; cf. Arciniegas, 1988: 57) , bem como o fascínio e o magnetismo de sua personalidade
que, sem, dúvida, lembram o herói à
la Rousseau e o carisma
napoleônico (cf. Noguera Mendoza-Castro, 1983: 83, 137, 168).
Como Rousseau e como o seu mestre, Simón Rodríguez, Bolívar
teve um final de incompreensão, de que dão testemunho as seguintes palavras,
escritas pouco antes de morrer à amiga Fanny de Villars: “(...) Morro
desprezado, proscrito, detestado por aqueles mesmos que gozaram dos meus
favores; vítima de intensa dor, cativo de infinitas amarguras. Deixo-te minhas
recordações, minhas tristezas e as lágrimas que meus olhos não chegaram a
derramar” (in Castro, 1973: 275).
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