Li no Estadão de 31 de Outubro dois artigos, um de Dora
Kramer, intitulado: “É assim que começa” e outro, na página de opinião, de
Eugênio Bucci, intitulado: “Uma aliança crimino-estudanti?” Ambos os artigos
versam sobre os violentos eventos que fecharam estradas federais nas
vizinhanças de São Paulo, comandados por criminosos mascarados. Desde Junho,
aliás, esses elementos vêm aterrorizando a população ao ensejo dos massivos
movimentos de ruas protagonizados por jovens da classe média. Os “black blocs”
caboclos conseguiram, segundo os analistas citados, esvaziar as legítimas
manifestações multitudinárias.
Para Dora Kramer, repete-se, nos dias de hoje, a política populista
que Brizola aplicou ao Estado do Rio de Janeiro quando eleito governador, em
1983. A fim de angariar os votos dos setores populares, Brizola prometeu que,
se eleito, a polícia não subiria aos morros. Cumpriu a promessa e as favelas
tornaram-se redutos do crime organizado, que passou a importar armas pesadas.
Os antigos “malandros” tornaram-se profissionais do crime e passaram a peitar a
polícia com armamentos modernos. Deu-se, assim, no Rio, o agravamento da
violência, com as cenas de guerra que os cariocas conhecem sobejamente. Para
Dora Kramer, mais do que uma questão corriqueira de ordem pública, a atual
situação é grave: estão em jogo as instituições democráticas. Isso em virtude
do crescimento desmedido da violência dos ativistas nas manifestações, com
infiltração do crime organizado e, por outro lado, em face da indefinição dos
governos, tanto federal quanto estaduais, diante de uma situação de violência
generalizada que atemoriza, com razão aos cidadãos. Conclui a jornalista a sua
análise com as seguintes palavras: “Para além de declarações formais, de
reuniões e de intenções de agir conjuntamente, conviria aos governos federal e
estaduais prestarem a devida atenção aos primeiros acordes e reconhecer a
sinfonia. Está em jogo o Estado de Direito. E isso requer mais que a análise do diagnóstico proposta pelo
secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para quem não
se pode criminalizar as manifestações
sociais”.
Para o jornalista e professor Eugênio Bucci, a atual situação
enquadra-se num marco bem maior, que diz relação a três movimentos
revolucionários: o da aliança de camponeses e operários, ao ensejo do levante
bolchevique na Rússia em 1917, o da aproximação entre estudantes e operários em
1968, nas jornadas parisienses que passaram à história como “Maio de 68” e o da
aliança entre movimento juvenil e criminalidade, que estaria presente nas
jornadas de Junho deste ano. Considera o articulista que a infiltração dos
radicais “black blocs” conseguiu esvaziar um movimento de ruas legítimo e
ordeiro nos seus inícios e lamenta esse fato. Assim conclui o articulista a sua
análise: “Se fenecerem nesse esvaziamento
patético, as manifestações de junho terão sido um malogro. Que grande pena. Sem
gente na rua, gente de cara limpa, não será possível mudar o Brasil. (...). Um
país em que a tropa de choque é treinada para ver no manifestante um inimigo -
e onde os policiais se omitem criminosamente diante de tantos atos de
vandalismo escancarado. Vivemos, enfim, num país que precisa mudar. Aí vêm os black blocs e expulsam das ruas os
manifestantes pacíficos. Mesmo que involuntariamente, eles agem como os
coveiros de uma esperança”.
As manifestações do espírito revolucionário moderno são, de fato,
variáveis, abarcando a desordem populista destacada por Dora Kramer ou a tríade
apresentada pelo professor Bucci. Mas há, bem no fundo, algo que, como vulcão
nas profundezas marinhas, impele rochas incandescentes por baixo da calmaria das
águas, dando ensejo a um tsunami que tudo arrasa quando desatado. Essa força
bruta, incontida, é o espírito do que Talmon denominou a “democracia
totalitária”, cujo formulador, no século XVIII, foi Jean-Jacques Rousseau. O filósofo
de Genebra elaborou no seu Contrato Social, a fórmula para que
a democracia dos modernos se tornasse democracia totalitária. O arrazoado do
maluco pensador era claro, como reta é a lógica dos psicopatas: a felicidade
geral da Nação decorre da unanimidade. Logo, pau na dissidência! Todos os meios
são válidos para conseguir esse espírito de entropia universal, na unanimidade
almejada: ameaças, terrorismo, polícia secreta, assassinatos. O importante é
garantir o surgimento do “homem novo”, todo ele formatado ao redor da “vontade
geral” que constitui o bem público. Esse é o regime da virtude. “Somente os
puros, os desambiciosos, os impregnados de espírito público, estão chamados a
governar” bradava, nas páginas de A Federação (jornal do Partido
Republicano sul-rio-grandense), Júlio de Castilhos. O resultado foi uma
ditadura científica que provocou, com a hegemonia partidária e a perseguição
inclemente contra quem dissentisse do governo, as duas guerras civis mais
sanguinolentas da nossa história republicana: a ocorrida entre 1892 e 1897
entre chimangos e maragatos, e o conflito com os
federalistas que se opunham às reeleições crônicas do candidato oficial, Borges
de Medeiros, em 1922-1923.
Está em ascensão, no horizonte político, perigoso esquema hegemônico
que coopta tudo e todos ao redor do projeto de poder total que anima ao núcleo
duro do PT. Por trás do maquiavelismo do Rasputim do Planalto, Gilberto
Carvalho, e inspirando os avanços e recuos do ministro da Justiça, Eduardo
Cardozo, que ora oferece apoio federal contra os desmandos, ora diz que deve
haver diálogo com os terroristas mascarados, esconde-se o mesmo espírito que
animou aos jacobinos franceses em 1789: a busca da unanimidade, bem como da
entropia política, veiculadas pela hegemonia partidária.
Para agravar esse estado de
coisas, o ministro da Justiça vem dar a sua contribuição ao Partido dos
Trabalhadores na busca da hegemonia, ao alimentar o esquema de denúncias pífias
levantadas pelo CADE (sob direção do sobrinho de Gilberto Carvalho) contra os
governos paulistas sob comando do PSDB. Eduardo Cardozo transforma, assim, o
Ministério num ponto avançado da luta político partidária para atacar
opositores e beneficiar os planos do PT na conquista do governo de São Paulo.
Ao acatar denúncias que se mostraram falsas de um ex-dirigente da Siemens com
projetos de ascensão com as bênçãos partidárias, o Ministro Cardozo
simplesmente confundiu alhos com bugalhos e colocou a sua pasta a serviço da
luta eleitoreira.
O jornalista Reinaldo Azevedo,
em matéria postada no seu blog em 23 de novembro, explicitou claramente as
reais dimensões desse desvio de conduta do ministro da Justiça, que não é de
hoje, mas que se remonta ao ano passado. A propósito, o citado jornalista
escreveu: “José Eduardo Cardozo atua de forma dedicada e metódica contra São
Paulo. No surto de violência que atingiu o Estado em 2012, o ministro exerceu
um papel lamentável, desestabilizador, que acabou resultando na queda do
secretário de Segurança Pública. Nos protestos de junho, este senhor fez
proselitismo contra o governo e contra a Polícia Militar. Quando os manifestantes
botaram fogo no Itamaraty, não se ouviu a sua voz. Agora, as digitais do
ministro aparecem nessa história da Siemens — confirmando, de resto, o que já
se sabia. Diz ter encaminhado pessoalmente à Polícia Federal a denúncia de um
sujeito que atua, é visível, como esbirro do PT. Cardozo não tem a isenção e a
seriedade necessárias para continuar à frente do Ministério da Justiça. Estados
democráticos exercem seu poder de vigilância, investigação e polícia para
manter a ordem e coibir os faltosos. Estado policial é outra coisa: seleciona
alvos e arma conspiratas para destruir adversários (...).”
Com a palavra o Ministério
Público, o Ministro em questão e a chefe dele, a Presidente da República.
Bem, infelizmente é isso mesmo professor.
ResponderExcluirO pior que quem deveria estar na frente para enfrentar, está por trás para incentivar.
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