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sábado, 26 de outubro de 2013

ROTEIROS DA JOVEM HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA




Estive em Porto Alegre proferindo palestra sobre o tema: “Castilhismo, autoritarismo e republicanismo”, no contexto do Seminário Internacional sobre “A República Velha: conflitos armados, embates ideológicos”, desenvolvido pelo Programa de Pós-graduação em História da PUC do Rio Grande do Sul e tive uma grata surpresa. Confirmei que a nova geração de historiadores brasileiros caracteriza-se pela abertura de perspectivas, tendo deixado para trás o ranço ideológico que caracterizou a atividade de pesquisadores no setor, em décadas anteriores. O fenômeno se dá de dez anos para cá. Os jovens que buscam os cursos de história certamente se cansaram da surrada vulgata marxista que lhes era servida como refeição obrigatória, no cardápio de fome em que terminaram afundando muitas universidades na área de ensino da história e, em geral, das ciências humanas. Os pesquisadores querem ter conhecimento de tudo que se passa no universo da historiografia mundial, quais os temas mais debatidos nos maiores centros, quais os assuntos acerca dos que se pode estabelecer um diálogo frutífero com outras áreas do conhecimento, etc. No caso da historiografia brasileira, jovens estudantes, professores e pesquisadores estão resgatando progressivamente o estudo das ideias liberais e conservadoras, que foram relegadas ao saco sem fundo da denominada "direita" pelos ideólogos da vulgata marxista.


Já tinha apreciado esse fenômeno entre os alunos e os jovens docentes do Departamento de História da Universidade em que trabalhei ao longo das últimas décadas, a Federal de Juiz de Fora. Vi jovens pesquisadores orientarem os seus alunos para a pesquisa de autores brasileiros outrora menosprezados pelos historiadores marxistas, como é o caso do nosso Silvestre Pinheiro Ferreira. O terreno, aliás, da história das ideias políticas e, em geral, da historiografia do pensamento e das mentalidades, começou a ser desbravado nos Cursos de História, antes agarrados à história econômica, seguindo a trilha do dogmatismo marxista. 
Parque Moinhos de Vento, Porto Alegre




Bairro Moinhos de Vento (vista parcial).
Em 2008, lembro, com motivo das comemorações dos 200 anos da vinda da corte portuguesa para o Brasil, os meus alunos do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos pediram-me orientação para realizar, na UFJF, uma jornada comemorativa da importante data. Ponderei com eles que o natural seria procurarem o Departamento de História da Universidade (o Núcleo de estudos ibéricos e ibero-americanos estava lotado no departamento de Filosofia). Os jovens pesquisadores entraram em contato com os acadêmicos do Curso de História e realizaram, com financiamento da FAPEMIG, de empresas privadas e do Banco do Brasil, uma bela jornada para a qual foram convidados, como palestrantes, vários pesquisadores de renome: Antônio Paim, Leonardo Prota, José Murilo de Carvalho, Isabel Lustosa, etc., além de vários docentes do Departamento de História da UFJF. Impressionou-me o número e a assiduidade dos alunos das várias Universidades e Faculdades da cidade. O auditório do Centro de Ciências Humanas, com capacidade para 500 pessoas, ficou literalmente abarrotado ao longo de toda a semana. Os temas históricos certamente movimentam a nossa juventude universitária. Quando os estudantes podem agir livremente, como no caso das jornadas comemorativas dos 200 anos da vinda da corte portuguesa para o Brasil, o resultado é a vitalidade e a participação, longe dos preconceitos ideológicos que, tempos atrás, asfixiavam o ambiente acadêmico. As coisas, felizmente, no que tange ao estudo da história, estão mudando para melhor no Brasil.


Volto ao Seminário Internacional sobre “A República Velha, conflitos armados, embates ideológicos”. A maior parte das intervenções, pelo que se pode depreender do programa, foi constituída pelas pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelos doutorandos do programa de Pós-graduação em História da PUC-RS. As palestras do evento foram as seguintes, após a conferência de abertura pronunciada pelo Prof. Dr. Gerardo Caetano (docente da UDELAR – Uruguai): “Castilhismo, autoritarismo e liberalismo” (que esteve sob a minha responsabilidade, tendo sido os debates coordenados por Luiz Claudio Nunes Knierim, Diretor Técnico da Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folklore); “Positivismo” (a cargo do prof. Dr. Cássio Albernaz, jovem pesquisador e docente da PUC-RS); “Biografias: Júlio de Castilhos” (Miguel Espírito Santo – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul); “Biografias: Gaspar da Silveira Martins” (Eduardo Rouston Jr., doutorando da PUC-RS); “Revolução de 1893: continuidades e descontinuidades” (Giovanni Mesquita, IGTF); “1893 para além das fronteiras” (Ana Luiza Setti Reckziegel, UPF); “Cenário econômico da Revolução de 1893” (Luiz Roberto Targa, FEE); “Conflitos armados de 1893” (Luiz Roberto Grijó, UFRGS); “Revolução de 1923” (Luciano Abreu, PUC-RS); “Cenário econômico de 1923” (Ronaldo Herrlein, UFRGS); “Liberalismo Assissista” (Manuel Passos, UFRGS); Exibição do filme “Revolução 1923” (Luis Carlos dos Passos Martins, PUCRS); Abertura da exposição fotográfica “1923”, no Solar dos Câmara; Solenidade de entrega do retrato do Marechal Câmara, no Solar dos Câmara. 

(Da esquerda para a direita): Miguel do Espírito Santo (Instituto Histórico do Rio Grande do Sul), este cronista e Prof. Dr. Cássio Albernaz (PUCRS), no campus da PUC, Porto Alegre.


Ressalta na programação a grande importância que, no Rio Grande do Sul, tem a historiografia regional. Essa tendência não é nova e já era observada quando realizei as minhas pesquisas sobre o Castilhismo, no decurso dos anos 70. Contrariamente ao que acontecia em outras regiões do país, onde a orientação prevalecente era uma historiografia com foco no eixo Rio – São Paulo, os gaúchos sempre apreciaram a análise da história regional. Hoje, os cursos de pós-graduação stricto sensu voltam-se para essa orientação.

Em conversas que tive com os coordenadores do evento, os professores doutores Luciano Aronne de Abreu (Coordenador do Departamento de História da PUCRS) e Cássio Albernaz (pesquisador e docente do Programa), percebi que é grande o interesse pelo estudo de temas até há pouco tempo vetados pelo patrulhamento ideológico nos Departamentos de História das Universidades brasileiras. Eles mostraram-se muito empenhados em continuar o seu trabalho de garimpo de ideias, nas searas do denominado “pensamento liberal-conservador”. Um exemplo: eles estudam com afinco a obra de Oliveira Vianna, outrora descartado como "fascista" nos claustros acadêmicos. Várias comunicações do evento realizado resgataram a memória dos liberais gaúchos Gaspar da Silveira Martins e Joaquim Francisco de Assis Brasil. Manifestei, é claro, o meu interesse em colaborar com o Programa de Pós-graduação em História da PUCRS no aprofundamento desses temas. Já encaminhei a eles o meu trabalho sobre o sociólogo fluminense, intitulado: Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro (Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 1997), bem como estudo recente que realizei, intitulado: Pensamento Político Brasileiro Contemporâneo (Rio de Janeiro: Editora Revista Aeronáutica, 2012). Enviei, também, o meu livro intitulado: Keynes, doutrina e crítica (São Paulo: Massao Ohno/Instituto Tancredo Neves, 1999). Nesse estudo, destaco, ao lado das ideias matrizes de Keynes, a crítica feita pelos autores neoliberais na segunda metade do século XX.   
(Da esquerda para a dir.): Miguel do Espírito Santo (Instituto Histórico), este cronista e doutorando Eduardo Rouston Jr., no campus da PUC, Porto Alegre.

Por outro lado, estou lendo com interesse o livro do professor Aronne de Abreu, intitulado: Um olhar regional sobre o Estado Novo (apresentação de René E. Gertz, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007), que constituiu a sua tese de doutorado defendida na Unisinos com o título de: O Rio Grande estadonovista: interventores e interventorias. Tive, outrossim, oportunidade de trocar ideias com o prof. Albernaz, acerca das pesquisas por ele desenvolvidas na Universidade Sorbonne, em Paris, ao ensejo da sua tese de doutorado, sobre temas relacionados com a origem e funcionamento dos Conselhos Técnicos Integrados à Administração da era Vargas. Tema que, aliás, me interessa muitíssimo, pois assinala o marco  da consolidação, na nossa tradição política marcada pelo cientificismo pombalino, da tecnocracia de cunho autoritário, que ainda assombra as perspectivas das políticas públicas brasileiras.

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