Em meio ao grevismo irresponsável que tomou conta das Universidades públicas brasileiras, acho que vale a pena aprofundar na reflexão acerca das soluções para melhorar o nosso ensino médio, levando notadamente em consideração a aprovação, pelo Senado, da Lei de Cotas e a promessa do Executivo de sancionar essa maluca legislação. Considero as reflexões do professor Simon Schwartzman, a respeito do ensino médio, muito procedentes, embora a sua proposta não seja a única. O Instituto de Humanidades apresentou, já desde os anos 80 do século passado, uma proposta a que me refereirei neste espaço em futura postagem.
SIMON SCHWARTZMAN - ENSINO MÉDIO: ESCOLHER E APROFUNDAR E NÃO DILUIR
http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=3814&lang=pt-br
Comentando
os resultados desastrosos do ensino médio brasileiro, confirmados pelos
dados recém divulgados do IDEB, o Ministro da Educação, Aloísio
Mercadante, falou do absurdo que é exigir que os todos os alunos tenham
que estudar 13 matérias diferentes neste nível, e o jornal Folha de São Paulo
anunciou que “o Ministério da Educação prepara um novo currículo do
ensino médio em que as atuais 13 disciplinas sejam distribuídas em
apenas quatro áreas (ciências humanas, ciências da natureza, linguagem e
matemática). A mudança prevê que alunos de escolas públicas e privadas
passem a ter, em vez de aulas específicas de biologia, física e química,
atividades que integrem estes conteúdos (em ciências da natureza). A
proposta deve ser fechada ainda neste ano e encaminhada para discussão
no Conselho Nacional de Educação, conforme a Folha informou ontem. Se
aprovada, vai se tornar diretriz para todo o país”. O modelo a seguir
seria o do ENEM, que se divide em quatro áreas, “ciências humanas”,
“linguagens e códigos”, matemática e “ciências da natureza”, cada qual
com as respectivas tecnologias.
A preocupação do Ministro é
correta e muito oportuna, ainda mais se pensamos que hoje os jovens que
queiram ter uma formação técnica de nível médio precisam fazer todas
estas disciplinas obrigatórias mais as de sua especialização técnica. No
entanto, a solução proposta pode levar a uma situação pior do que a
atual. A razão é que não existe, como as vezes se pensa, alguma coisa
que se chame “ciências sociais” ou “ciências naturais” em geral, e sim
ciências e áreas de formação específicas, cada qual com seus métodos,
tradição de trabalho, autores centrais e cultura própria, da mesma
maneira que não existe um “método científico” em geral, mas abordagens
experimentais, analíticas e interpretativas próprias das diversas áreas
de conhecimento. Esta é uma discussão filosófica complicada que não
caberia aprofundar aqui, mas o que significa, na prática, é que a única
maneira de realmente entrar no mundo da cultura e do conhecimento é
escolher uma ou poucas áreas de estudo e se aprofundar nelas, e não
tentar entender o conjunto em sua generalidade. O mesmo vale para quem
opte por uma via mais prática e profissional, a partir da qual os
conhecimentos de natureza mais geral podem ser ampliados e aprofundados.
Para
o ensino médio, isto significa que os estudantes precisam poder optar
por poucas disciplinas e se aprofundar nelas, e não tentar aprender
generalidades ou um pouquinho de cada coisa. Se o interesse for física,
economia, inglês ou eletrônica, então ele deve poder se dedicar a isto e
deixar de lado todo o resto, e não se preocupar com “ciências na
natureza”, “ciências sociais” ou “linguagem” de maneira geral, coisas
que poderão vir depois a partir destas escolhas. Uma vez escolhidos os
temas, é necessário aprofundar os estudos com autonomia, buscando
recursos didáticos disponíveis, experimentando, escrevendo e tendo seu
progresso estimulado e acompanhado por professores competentes.
A
outra observação é que o currículo do ensino médio brasileiro, embora
muito detalhista e extenso, não inclui áreas de grande importância no
mundo contemporâneo como a estatística, a economia, direito, ciência
política e computação, ao mesmo tempo em que exige disciplinas como
filosofia e sociologia que, embora possam ser muito interessantes e
produtivas, correm o risco sério de serem dadas de forma extremamente
rasa e preconceituosa quando tornadas obrigatórias.
Mas será que,
além disto, não existem algumas coisas mais gerais que todos deveriam
saber? O consenso é que todos deveriam desenvolver bem o domínio da
língua e da matemática, e que isto deve ser trabalhado até o fim da
educação fundamental, para que os estudantes já cheguem ao ensino médio
com esta formação pronta. Mesmo aqui, no entanto, temos muito que
avançar no entendimento sobre o que, realmente, todos os estudantes
precisariam aprender. Em um artigo recente no The New York Times,
o conhecido cientista social Andrew Hacker critica a exigência, nos
Estados Unidos, de que todos os estudantes aprendam álgebra, e mostra
como esta exigência faz pouco sentido, porque é pouco demandada no
mercado de trabalho e é responsável por grande parte dos problemas de
fracasso escolar que ocorrem nos Estados Unidos.
Diz ele: “Of
course, people should learn basic numerical skills: decimals, ratios and
estimating, sharpened by a good grounding in arithmetic. But a
definitive analysis by the Georgetown Center on Education and the
Workforce forecasts that in the decade ahead a mere 5 percent of
entry-level workers will need to be proficient in algebra or above. And
if there is a shortage of STEM graduates, an equally crucial issue is
how many available positions there are for men and women with these
skills. A January 2012 analysis from the Georgetown center found 7.5
percent unemployment for engineering graduates and 8.2 percent among
computer scientists.”
E conclui dizendo que ”Instead of investing
so much of our academic energy in a subject that blocks further
attainment for much of our population, I propose that we start thinking
about alternatives. Thus mathematics teachers at every level could
create exciting courses in what I call “citizen statistics.” This would
not be a backdoor version of algebra, as in the Advanced Placement
syllabus. Nor would it focus on equations used by scholars when they
write for one another. Instead, it would familiarize students with the
kinds of numbers that describe and delineate our personal and public
lives. It could, for example, teach students how the Consumer Price
Index is computed, what is included and how each item in the index is
weighted — and include discussion about which items should be included
and what weights they should be given. This need not involve dumbing
down. Researching the reliability of numbers can be as demanding as
geometry. More and more colleges are requiring courses in “quantitative
reasoning.” In fact, we should be starting that in kindergarten.”
Esperemos
que, ao levar à frente a indispensável reforma do ensino médio, o
Ministério da Educação não recaia nos equívocos do ENEM, trocando os
conhecimentos retalhados de hoje por generalidades sem conteúdo, e opte
por dar aos estudantes possibilidades reais de escolha, aprofundamento e
melhor formação.
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