O articulista
João Nemo publicou a matéria que reproduzo abaixo sobre o caso do Senador Demóstenes Torres, o
mais recente membro da oposição defenestrado sem dó por causa das suas
vinculações com o contraventor Carlinhos Cachoeira. Reflexão que vale a pena
fazer nesta conjuntura: assim como o partido que pretende a hegemonia
republicana colocou em alto volume as denúncias contra o “Mensalão do DEM”, ao
mesmo tempo em que, pela boca dos seus mais importantes representantes, a
começar pelo ex-presidente Lula afirmava cinicamente que não houve “Mensalão do
PT”, o senador punido teve as suas vinculações com a contravenção ampliadas
pela lupa impiedosa dos engenheiros gramscianos do atual governo. Não que não
mereça investigação e a correspondente punição, se os seus atos forem
considerados crimes pela instância institucional correspondente. Mas não deixa
de causar espécie no cidadão comum essa desproporção entre a compreensão
infinita para com os “malfeitos” dos amigos e a rápida lapidação com que são
punidos, já desde o início, os opositores suspeitos de terem cometido algum
crime. Estamos no reino da propaganda escancarada (já deixou de ser
subliminar), em favor dos donos do poder e em desfavor do resto. Mais um passo
na escalada da hegemonia total do Novo Príncipe... Mais um passo no cumprimento
da sentença propalada desde o costumeiro palanque pelo então presidente Lula: a
oposição tem de acabar! (Me faz lembrar essa sentença a assertiva do ditador
Júlio de Castilhos: “Aos nossos adversários o único que lhes resta é uma
sincera penitência”).
A DECEPÇÃO
http://www.midiaamais.com.br/brasil/7965-a-decepcao
“O que clama aos céus não são os vossos pecados,
mas a mesquinhez dos vossos pecados.”
Friedrich Nietzsche
O episódio mais recente da tragédia política brasileira é o comentado
naufrágio daquele que parecia ser, com méritos, um dos melhores senadores da República.
Os jornais pululam de notícias ou simulacros de notícias, já que são, na
maioria, repetições das mesmas coisas já publicadas com variadas composições de
palavras.
Para a sórdida e corrupta máquina política que hoje
controla o país, com toda a sua trilha ideológica, crua às vezes, ardilosa
quase sempre, o desastre pessoal do senador Demóstenes Torres foi um presente
dos deuses. Tudo que ele representava como crítico combativo e competente, não
apenas das falcatruas oficiais, mas dos desatinos de um conceito de política
voltada para a escalada gramsciana, fica exposto ao descrédito, o
cinismo ganha mais músculos e alarga-se o fôlego do poder com o episódio.
Fosse um
parlamentar comum, desses que todos sabemos serem cheios de enroscos por aqui,
mumunhas por ali, e poderia contar com a relativa tolerância que se confere a
todo cafajeste, mas “um bom rapaz”, quando apronta, é logo soterrado pelo
escândalo.
Para os
que admiravam o senador, a sensação resultante foi uma amarga decepção. Como
alguém com a sua postura aparentemente destemida, sempre seguro e preciso na
defesa da ética, apontando sem contemporização o dedo para as manobras típicas
da hipocrisia política vigente, podia ignorar a própria vulnerabilidade ao
conviver amigavelmente com um renomado contraventor? Pior, trocar favores com
ele? Dá para imaginar, mas não dá para aceitar, infelizmente.
Vejamos
no que consistem os pecados do senador. A primeira acusação foi ter recebido
como presente de casamento um fogão e uma geladeira, o que, convenhamos, não
seria nada de mais, mas prepara o ambiente para demonstrar a proximidade entre
os dois personagens. Depois, vêm as constantes ligações telefônicas e gravações
em que se evidencia não apenas a intimidade, como a troca de favores,
intermediação de contatos, inclusive acessos a gente do próprio governo que
Demóstenes combatia, para resolver problemas diversos. Há momentos em que
Demóstenes se torna um despachante de luxo do senhor Cachoeira. Em
contrapartida, recebe sugestões de encaminhamento da própria carreira política,
com a recomendação de abandonar o DEM e ir para o PMDB, o que agradaria à
própria presidente da República.
Ainda não
foram demonstradas vantagens econômicas diretas, exceto as costumeiras verbas
para campanha, mas estas contribuições, pode-se apostar, no caso de um generoso
empresário como o senhor Cachoeira, estarão presentes nas contas de gente de
todos os partidos. Tanto empresas idôneas como inidôneas costumam fazer
distribuições bastante ecumênicas, para não ficar mal com ninguém. Há grandes e
respeitabilíssimas empresas que, numa eleição para a Prefeitura de São Paulo,
por exemplo, destinam exata e milimetricamente a mesma quantia para a campanha
dos 3 ou 4 candidatos viáveis. Santo Deus! Estão contribuindo para a democracia
(sic).
Há uma
ironia inescapável neste episódio. Assim como o caso do ex-presidente Collor se
iniciou com o ridículo recebimento de uma Fiat Elba para dar asas a um arrastão
político-jurídico que o tiraria do poder, o caso do senador Demóstenes partiu do
recebimento de alguns objetos da chamada linha branca.
As
irregularidades que emergiram a partir desse primeiro tópico dos respectivos
escândalos não têm a menor chance de chegar a uma fração mínima do que o país
tem assistido apatetado ao longo dos últimos governos. Isso, é claro, não os
absolve da gravidade moral de cada caso. Entretanto, existe uma diferença de
escala entre o provincianismo do esquema Collor, o artesanato dos favores do
senador Demóstenes e a corrupção como método, com plano estratégico e ação
profissionalizada de informação e contrainformação, que se implantou a partir
do governo Lula. Só que o complexo e sufocante esquema de dominação e cooptação
dá proteção aos seus.
Do
“mensalão” para cá mudou a logística, eliminaram-se as linhas de suprimento que
se mostraram vulneráveis. Os “aliados” não são mais mantidos a soldo, mas
participam de uma complexa matriz de “self service”, sem impressões digitais da
nave mãe. Quarenta ministérios e sabe Deus quantos órgãos se prestam bem para isso.
Os “malfeitos” podem ser eliminados simbolicamente por atitudes de suposta
“faxina”, que secam a veia do escândalo e ainda rendem manchetes bobocas do
tipo: a presidente enquadrou este ou aquele. Parece que a fantasia predileta
agora é de caráter sadomasoquista, onde temos uma mestra dominadora que sai por
aqui e pelo mundo afora distribuindo pitos com o chicote em riste. O auge da
fantasia parece ter sido aquele ministro do trabalho que fazia declarações de
amor enquanto recebia chicotadas.
Quanto ao
senador Demóstenes, temos uma situação que lembra o conto machadiano “Suje-se
gordo”, ou seja, se é para se sujar, suje-se gordo e receberá maior
condescendência. Todos sabemos que quem deve pouco é um caso perdido, e quem
deve muito ainda costuma ser tratado com certo cuidado e até algum respeito.
Esses envolvimentos do senador, mesmo que ainda cresçam, sempre serão migalhas
perto do que hoje se vive no Brasil. Mas, para ele, não haverá perdão. Se não
for cassado, ficará perambulando como uma sombra do que foi no cenário político
brasileiro. De um lado a sanha vingativa da pior gente da política,
especialistas do ódio e da lapidação, a quem ele sempre afrontou com a verve e
a coragem pelas quais tanto o admirávamos; de outro lado a frustração, o
ressentimento justo dos que se sentem traídos na sua confiança, surpreendidos
pela proximidade evidenciada com um dos inúmeros Darth Vader que assediam o
espaço público brasileiro.
Já
escrevi, certa vez, que fazer política no Brasil sem dispor de algum pedaço da
máquina pública é como empreender uma travessia no deserto carregando apenas o
próprio cantil. Com exceção do PT, que conta com uma nuvem dos chamados
movimentos sociais, ONGS parasitas de toda espécie e com máquinas sindicais
alimentadas pela herança fascista que persiste no nosso sistema trabalhista,
ninguém encontrou uma tecnologia própria de sobrevivência, que pudesse ser
funcional, sem se nutrir nos órgãos públicos. E não adianta falar, pois eu
mesmo já falei muito e é o mesmo que pregar nesse mesmo deserto. Por isso a
oposição já parece uma vela bruxuleante, no fim da cera, prestes a se apagar
como, aliás, foi desejo explicitamente manifestado pelo ex-presidente Lula.
É então que Darth Vader suaviza a voz para
convidar: venha mais para cá. A maioria vai, muitas vezes até pensando que
poderá manter sob controle as suas relações com o lado negro da força.
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