O conceito de Brics traduz relação complexa entre unidades nacionais que não possuem uma política comum e cuja integração precisa ser equacionada
Por Ricardo Vélez Rodriguez*
Artigo publicado em: http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/3216/brics-democracia-e-perspectivas-de-integra-o.html
15/04/2012
O Novo Milênio veio com uma novidade: surgiram os Brics (Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul). O conceito de Brics é recente e
traduz uma relação complexa entre várias unidades nacionais que não
possuem uma política comum, mas que têm alguns pontos que as aproximam e
outros que as distanciam no complexo cenário do mundo globalizado (...).
O Brasil progrediu definitivamente ao longo dos
últimos 40 anos. Virou uma nação industrializada e montou um dos mais
competitivos sistemas de agronegócio do mundo. Por força desse
crescimento, efetivado pelo setor produtivo e incentivado pelo Estado
com empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), o nosso país ocupa hoje o sexto lugar entre as economias mais
poderosas do mundo (atrás dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e
França). Embora a democracia tenha se consolidado nos últimos 30 anos, a
variável social ainda não foi equacionada de forma satisfatória.
Apesar das medidas tomadas pelos últimos cinco governos (dois do PSDB
e três do PT), no sentido de distribuir, de forma equitativa, a renda
nacional, favorecendo os mais pobres, ainda há enormes disparidades. O
Estado, de outro lado, não conseguiu equacionar o problema da baixa
qualidade do ensino, a fim de tornar o país mais competitivo. Ainda está
para ser resolvida a questão logística (portos, aeroportos, estradas,
rede hoteleira). Este fator obstaculiza o bom desempenho na realização
da próxima Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos (Rio de Janeiro,
2016). Falta-nos formular, de outra via, uma política exterior mais
racional e que acorde aos interesses da sociedade.
A Rússia pós-Mikhail Gorbachev
entrou no mundo e o mundo entrou nela. É pouco provável um retrocesso
que a segregue do convívio com o Ocidente. É pouco provável, também, que
os novos czares se manifestem contra a globalização. As forças de
segurança que hoje controlam o poder na Rússia deverão estabelecer
limites ao terror de Estado exercido contra dos dissidentes, como os
chechenos, por exemplo, a fim de não aumentar as arestas com os países
ocidentais.
Os russos podem trilhar o seu próprio caminho e apresentá-lo ao
mundo, enveredando uma globalização "com rosto humano", diante da
globalização chefiada pelos norte-americanos e pelo seu estilo de
capitalismo financeirizado agressivo. A base da riqueza da Rússia
concentra-se no petróleo, no gás e na mineração. Ao se modernizarem no
mundo globalizado, os russos correm o risco de ressuscitar velhos sonhos
estatizantes, ao insistir, em face da atual crise financeira
internacional, num "capitalismo de Estado", como forma de evitar a crise
do cassino global. O país possui poder nuclear.
Na China, ocorreu uma mudança de rumo, mas o país
está longe de sair da tradição paternalista ou patrimonialista: o poder
continuará a ter "donos". O abandono do comunismo maoísta pela atual
elite dirigente não significou um rompimento com a tendência à
privatização do poder por parte de uma elite ou de uma casta. A
burocracia chinesa (chamada de "mandarinato") se modernizou. Tornou-se
gestora de uma nova "sociedade limitada" capitalista. O capitalismo
chinês não é uma economia aberta às sociedades anônimas. É um modelo de
capitalismo dirigido desde o Estado. Quem não se ajustar - como
aconteceu com o Google -, tem de arrumar as malas e ir embora.
Por outro lado, houve a inserção da prática democrática no contexto do paternalismo de Estado. A China pós-Mao mudou a base cultural da dominação. O mandarinato chinês reciclou-se, aderiu ao terno e à gravata, engavetou Marx e desengavetou Confúcio.
Os chineses acreditam numa "democracia dos melhores" nas várias
instâncias da administração. A China constitui uma potência nuclear.
Na Índia, consolidaram-se estruturas políticas
partidárias e, em geral, o modelo de governo representativo, junto com o
esforço decidido em prol do avanço do capitalismo de mercado e de um
ajuste do sistema educacional a esse modelo. A Índia está aperfeiçoando
os mecanismos de partipação, o que tornará viável a incorporação ativa
do universo de cidadãos desse país. Além de formar milhares de
professores e mestres, têm sido adotados critérios de eficiência na
gestão educacional, com os olhos postos na excelência profissional das
novas gerações. Como consequência, o sistema universitário tem aumentado
a sua competitividade no plano internacional. O bom desempenho desse
sistema traduz-se no tipo de emigrante que a Índia produz: cérebros
qualificados. O país possui poder nuclear.
A África do Sul foi organizada na sua atual etapa como República, após finalizar o regime de Apartheid,
que estabelecia a separação entre brancos e negros. Trata-se da
economia mais poderosa da África, produz 25% de toda a riqueza do
continente africano. Em que pese o grande desenvolvimento da mineração
(notadamente de metais preciosos), ainda há grandes desigualdades
sociais, herdadas do regime de segregação racial. Em decorrência desses
desequilíbrios (que produzem, na atualidade, o desemprego de quarta
parte da população), ainda prevalece no país uma alta taxa de violência.
No entanto, trata-se de um país com grande riqueza cultural e
multirracial, em que há 11 idiomas (dois de origem europeia - africâner e
inglês - e nove de origem africana). A África do Sul deu provas da sua
capacidade gerencial e logística, na realização da Copa do Mundo de
2010. Embora de tamanho menor que os outros membros dos Brics, a sua
projeção internacional cresceu muito no mundo globalizado, a partir da
eliminação do regime de segregação racial. O país chegou a desenvolver
armas atômicas, mas renunciou ao poder nuclear.
Uma integração entre os cinco países que compõem os Brics (cuja
produção anual de riqueza chega aos 11 trilhões de dólares) é possível,
mas ainda não foi equacionada. O Brasil e a Rússia são grandes
produtores de commodities (alimentos, minerais e petróleo), e a China e a Índia, grandes consumidoras e processadoras de commodities.
É possível construir uma ponte de intercâmbio entre eles. Aí radica a
sua grandeza neste século. Não desbancarão, certamente, a economia
norte-americana, com seu montante bruto de 14 trilhões anuais de
dólares, mas poderão exercer um contrapeso significativo. Perspectiva da
democracia: bastante boa no Brasil e na Índia, relativa na Rússia e na
China, ainda às voltas com o autoritarismo herdado do sistema
totalitário comunista.
*Ricardo Vélez Rodriguez é professor do
Departamento de Filosofia do Instituto de Ciências Humanas da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). É coordenador do Núcleo de
Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos, do Núcleo Tocqueville-Aron de
Estudos sobre as Democracias Contemporâneas.
Mikhail Gorbachev foi secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética de 1985 a 1991.
Mao Tse-Tung
foi fundador da República Popular da China e um dos mais proeminentes
teóricos do comunismo do século 20. Em 1931, foi eleito presidente da
República Soviética da China e depois, em 1949, da República Popular da
China. Governou até sua morte, em 1976.
Karl Heinrich Marx foi
um intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina
comunista moderna, que atuou
como economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista.
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