Estátua do fundador do Reino de Portugal, Afonso Henriques (1109-1185), em Guimarães |
Ulteriormente, essa política de sobrevivência manifestar-se-ia nas medidas tomadas pelos Reis de Portugal, no sentido de costurar alianças que garantissem a independência do país em face das pretensões espanholas ou de outros reinos europeus, notadamente da França. Data do século XVII o “plano B” da Coroa portuguesa de transferir a capital do Reino para fora do continente, caso houvesse uma invasão por parte de outro Estado. Inicialmente tinha-se pensado na instalação da Corte nas Ilhas Açores, como capital de um Reino que, além de Portugal, abarcasse, também, o Pará e o Maranhão . Quando o general José Bonaparte (1768-1844) entrou na Península Ibérica, em 1808, pôs-se em funcionamento um plano desse tipo, com a transferencia da corte portuguesa para o Brasil, inicialmente para Salvador e, pouco depois, para o Rio de Janeiro.
Zelo estratégico especial tiveram os negociadores portugueses do Tratado de Tordesilhas (assinado entre Espanha e Portugal e ratificado pelo Papa Júlio II, em 1506), no sentido de, mediante hábeis negociações e falsificação de mapas, ir alargando a faixa que correspondía a Portugal, em direção ao oeste. Senso estratégico extraordinário acompanhou à idéia pombalina, no século XVIII, de ocupar a hinterlândia brasileira, mediante a transferencia da capital da Colônia para o Planalto Central, de onde pudessem ser atendidas todas as Províncias, colocando um tapume para a expansão castelhana, cujas Colônias ficaram confinadas nos Andes, ao ensejo da anulação definitiva do Tratado de Tordesilhas, em 1777, pelo Tratado de Santo Ildefonso. O plano pombalino de ocupação do Planalto Central voltou a ser acariciado pelo Patriarca da Independência brasileira, José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), em 1821, e seria a idéia geradora da construção de Brasília, no governo de Juscelino Kubitschek (em 1961). Os mapas portugueses dos séculos XVI e XVII foram progresivamente empurrando a linha demarcatória do antigo Tratado para o oeste, de forma a garantir a posse, por Portugal, de vastas áreas que outrora eran reivindicação castelhana. A política de construção de fortes, no período pombalino, conserva esse mesmo espírito, de garantir a defesa dos limites das colônias portuguesas. Nesse contexto de um senso quase instintivo de sobrevivência coletiva, que garantiu a soberanía portuguesa entre vizinhos mais poderosos, inserem-se os primórdios do pensamento estratégico brasileiro.
Recolhendo a herança dos autores que pensaram o Brasil a longo prazo num contexto estratégico, ao longo do século XIX e na primeira metade do século XX , destacam-se quatro pensadores na contemporaneidade: a professora Terezinha de Castro (falecida em 2000), o general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), o general Carlos de Meira Mattos (1913-2007) e o jornalista e sociólogo Oliveiros Ferreira (nasc. 1929). A estratégia brasileira, no decorrer do século XX, esteve marcada por um fator decisivo: o perfil autoritário incutido à República pelos positivistas. Assim, foram de cunho autoritário as formulações estratégicas efetivadas durante o longo ciclo getuliano (pela segunda geração castilhista) e durante o ciclo militar de 64 (que orbitou ao redor do modelo denominado por Wanderley-Guilherme dos Santos de “autoritarismo instrumental”). No entanto, em que pese o viés autoritário, firmou-se, definitivamente, a base modernizadora do Estado brasileiro, no ciclo getuliano e no período militar pós 64. No primeiro período, efetivou-se a integração política nacional, superando as divisões ensejadas pelas oligarquías estaduais. No segundo período (que corresponde ao ciclo militar), realizou-se a transformação do país em economía industrial e deu-se um passo definitivo rumo à integração nacional, mediante a modernização das telecomunicações e a abertura da malha rodoviária federal, sendo que se equacionou também, de forma pacífica, a abertura democrática, à luz do que o general Golbery denominava de “engenharia política”, com a volta dos exilados e a livre fundação de partidos políticos.
Não deixa de ostentar uma faceta autoritária a atual formulação da política externa, efetivada pelo regime lulo-petista à sombra da “diplomacia presidencial” praticada por Lula e por Dilma e norteada, inicialmente, pelo ex-ministro Mangabeira Unger (nasc. 1947) e, depois, pela geração de diplomatas terceiro-mundistas que tomaram conta do Itamaraty, embalados na retôrica gramsciana e na compulsão ideológica de um imaturo anti-americanismo , e que efetivaram grosseira simplificação do atual momento de globalização.
Podem ser identificados acertos na atual política brasileira, sendo o principal a decisão de formular uma Estratégia Nacional de Defesa que corresponda ao ideal democrático e à complexidade do mundo contemporâneo. Mas esta disposição não se coaduna com os aspectos negativos mencionados no parágrafo anterior, nem com a irracional sonegação, pelo governo, dos recursos a serem aplicados na realização da política traçada . Seria conveniente a formulação de uma estratégia que incorporasse, novamente, o controle, pela sociedade civil, do aparelho do Estado, mediante o revigoramento da representação parlamentar e a limitação da ingerência indebida do Executivo na legislação, como acontece com a prática das “medidas provisórias”. Esses ideais, de inspiração liberal, foram praticados pelos estrategistas do século XIX e deixados de lado no ciclo republicano.
A formulação de uma estratégia que incorpora o ideal democrático está presente, no entanto, nas inúmeras iniciativas da sociedade civil e de alguns órgãos das Forças Armadas, que menciono a seguir: em primeiro lugar, a criação do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da Universidade Federal de Juiz de Fora, em 2005; sobressaem, aquí, a contribuição dada por Expedito Carlos Stephani Bastos , com estudos acerca de tecnologia militar e história dos blindados brasileiros e por Aristóteles Rodrigues , com análises estratégicas que abarcam a variável psicossocial. Em segundo lugar, os Foros Nacionais, programados regularmente no Rio de Janeiro pelo Instituto Nacional de Altos Estudos, sob a coordenação do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso (nasc. 1931). Em terceiro lugar, os estudos e eventos programados, no Rio de Janeiro, pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), sob a direção do embaixador José Botafogo Gonçalves (nasc. 1935). Em quarto lugar, os Encontros Nacionais de Centros de Estudos Estratégicos, programados, no Rio, pela ECEME, com a colaboração da ESG. Em quinto lugar, as atividades do Centro de Estudos e Formulação Estratégica do Exército, com sede em Brasília. Em sexto lugar, os seminários promovidos regularmente sobre temas estratégicos e políticos, pelo Instituto Millenium, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em sétimo lugar, os seminários desenvolvidos, no Rio de Janeiro, pela Academia Brasileira de Defesa (presidida pelo brigadeiro Ivan Frota). Em oitavo lugar, os colóquios e simpósios programados, no Rio de Janeiro, pelo Instituto de História e Geografia Militar (presidido pelo general Aureliano Pinto de Moura) e pela Academia Brasileira de Filosofia (presidida pelo professor João Ricardo Moderno).
No que tange às revistas e publicações especializadas, cabe mencionar as seguintes: Política e Estratégia, editada pela sociedade Convívio, em São Paulo, ao longo dos anos 80 do século passado (sob a direção de Adolpho Crippa e Antônio Carlos Pereira); a Revista de Ciência Política publicada pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, destacando-se, aquí, os trabalhos desenvolvidos pelo cientista político Octavio Amorim Neto; A defesa nacional, publicada regularmente no Rio de Janeiro pela Bibliex; Aeronáutica, editada no Rio de Janeiro, para o Clube da Aeronáutica, pelo coronel aviador Araken Hipólito da Costa; a Revista do Exército Brasileiro, publicada no Rio de Janeiro pela Bibliex; as diversas publicações sobre temas estratégicos, que regularmente realizam a Biblioteca do Exército, no Rio de Janeiro, bem como a Escola de Guerra Naval; a Revista de Economia e Relações Internacionais, publicada em São Paulo pela Fundação Armando Alvares Penteado; as inúmeras publicações realizadas sobre temas diplomáticos e estratégicos pelo IPRI (ligado ao Ministério das Relações Exteriores, em Brasília); as revistas eletrônicas Ibérica – Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos e Cogitationes , coordenadas por Alexandre Ferreira de Souza e Marco Antônio Barroso, do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, etc.
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