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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

HORIZONTES PARA O BRASIL

(Palestra pronunciada na Academia Apucaranense de Letras, no dia 5 de Fevereiro de 2012)

O tema que desenvolverei nesta palestra diz relação ao que nós, habitantes de um município brasileiro, podemos esperar do nosso país no ano que se inicia. Quero insistir na inserção municipal, pois é ali onde transcorre a nossa vida do início ao fim. Tudo quanto dizer relação à qualidade de vida deve ser, portanto, referido à circunstância municipal. Dizia Ortega y Gasset: “Eu sou eu e as minhas circunstâncias, e se não as salvo a elas, não me salvo eu”. Ora bem, quero insistir, nesta minha fala, nessa circunstância, a municipalidade, que é inseparável das nossas vidas, porquanto se “não a salvarmos” tampouco garantiremos a qualidade de vida que aspiramos ter.



Dividirei a minha exposição em três itens: 1 - O que podemos esperar do Brasil no plano econômico. 2 - O que podemos esperar do Brasil no plano político. 3 - O que podemos esperar do Brasil no plano cultural. Estabeleço essa tríade, por pensar, como dizia Sílvio Romero, que a realidade social não é redutível a uma única variável, sendo o conjunto das três mencionadas uma expressão mais completa do que se passa na nossa sociedade.





1 - O que podemos esperar do Brasil no plano econômico.



Uma notícia alvissareira foi divulgada pelos jornais no mês de janeiro deste ano de 2012: o Brasil tornou-se, pelo seu Produto Interno Bruto, a 6ª economia mundial, tendo desbancado dessa posição à Inglaterra. Em poucos anos, calculam os analistas, o nosso país ultrapassará, também, a França, para sermos colocados, no que tange ao PIB, na 5ª posição. Notícia positiva? Nem tanto. As estatísticas, dizia Mário Henrique Simonsen, enganam: posso ter a minha cabeça no congelador, os meus pés na chama do fogão e conservar uma média de temperatura excelente para a saúde. Algo semelhante ocorre com o PIB. Seria melhor se prestássemos atenção ao Índice de Desenvolvimento Humano, que pretende medir as efetivas condições de vida das pessoas, levando em consideração vários itens como: acesso à rede de saúde de boa qualidade e a uma educação compatível com as exigências do mundo moderno, alimentação adequada, transporte público moderno, habitação decente, prática de exercícios, condições sócio-ambientais razoáveis, controle da violência, etc. É aí, como diz o caboclo, que “a porca torce o rabo”. Porque, em matéria de IDH estamos bastante atrás no conjunto de nações do mundo, ocupando, apenas uma modesta 84ª posição, bem atrás da Inglaterra.



A pergunta que cabe fazer aqui é por que o nosso Índice de Desenvolvimento Humano é tão baixo se, por outro lado, o nosso Produto Interno Bruto se situa entre os maiores do Planeta. Aí vem como explicação o famoso “custo Brasil”. A nossa economia, sim, é grande, mas está travada no seu crescimento, bem como na distribuição da riqueza produzida, em decorrência da tradição patrimonialista em que se formatou o nosso país. Emergimos ao mundo como Nação organizada, de mãos dadas com um modelo que Max Weber denominava de Patrimonialista, e que se caracteriza porque o Estado, entre nós, foi fruto da hipertrofia de um poder patriarcal original, que alargou a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extra-patrimoniais, passando a administrá-los como propriedade privada. O poder, no Brasil, como frisava Raymundo Faoro, “tem donos”. E eles açambarcam, com gula incontrolável, os benefícios do desenvolvimento.



A economia brasileira (leia-se, aquilo que é produzido pelos nossos empresários e os trabalhadores que eles empregam) cresceu bastante ao longo das últimas décadas. Mas a nomenklatura tupiniquim, através da complexa máquina de cobrança de impostos e tributos indiretos, apropria-se da maior parcela da riqueza produzida. É imenso, quase incomensurável o tamanho do monte de dinheiro sugado dos cidadãos por uma pesadíssima carga tributária, digna de fazer inveja aos Faraós do Antigo Egito. O brasileiro médio trabalha seis meses por ano para atender à demanda fiscal do Leviatã. O montante arrecadado chegou, no final de 2011, à casa de um trilhão de reais. Essa montanha de ouro engorda as contas fantasmas dos corruptos nos paraísos fiscais, bem como os altíssimos salários da burocracia improdutiva do Estado e financia as pouco produtivas empresas estatais, que a gestão petista está fazendo surgir como cogumelos após a chuva. Quando parecia que o Monstro orçamentívoro ia arrefecer, eis que aparece ressuscitado, como a ave Fênix, das próprias cinzas. Exemplo desse estranho fenômeno são as privatizações petistas: na mais recente delas, dos aeroportos mais lucrativos do país, terminaram ficando de fora as grandes empreiteiras e os concorrentes internacionais de peso do setor, para ser abocanhado o naco dos aeroportos em leilão pelos fundos estatais de pensão, com financiamento pelo BNDS. Reconheçamos que isso se deu, também, com algumas das privatizações efetivadas na era FHC. Mas o caso atual é especialmente significativo, pois foram Lula e o seu partido os maiores críticos das privatizações efetivadas no ciclo anterior.



O Estado patrimonial brasileiro não aplica bem o que arrecada. Muito se destina no orçamento para educação e saúde, por exemplo. Mas o compadrio termina fazendo com que sejam desviados os recursos para benefício dos “companheiros”. As agências reguladoras foram entregues aos militantes de plantão. Isso explica, por exemplo, o caos na saúde pública e na telefonia, bem como as ineptidões do INEP, por parte do Ministério da Educação, no que tange às avaliações, desmoralizadas pelas constantes fraudes. Pouco se destina, no orçamento, a saneamento básico, segurança pública, infra-estrutura e habitação. Todos esses fatores: ineficaz gerenciamento de recursos e escassas verbas, fazem com que as condições de vida para o cidadão sejam próximas às de um país africano. Viu-se, nas desgraças naturais recentes, essa distorção, com ministros desviando recursos para os seus currais eleitorais, ou prefeitos simplesmente surrupiando as verbas dificilmente obtidas. Essa é a razão pela qual o nosso IDH é tão baixo.



A expectativa da sociedade brasileira, em face dessa performance altamente estatizada e ineficiente da economia, é que o sistema produtivo seja colocado a serviço da Nação, como um todo, e pare de beneficiar apenas a uma cúpula de espertos que tomou conta da direção do Estado. Ora, para isso é necessário que a sociedade recupere os canais institucionais que garantem o seu controle sobre a máquina pública. Trata-se de revitalizar a representação política, hoje infelizmente tão desvalorizada. Em segundo lugar, é necessário que o país se unifique ao redor da discussão e implantação de um currículo de ensino básico que favoreça a educação para a cidadania.



Desses dois aspectos tratarei nos itens a seguir, pois ultrapassam a esfera econômica. Justamente pela falta dessas duas providências (valorização e efetivo funcionamento da representação, de um lado, e, de outro, educação para a cidadania) é que as políticas públicas que pautam a economia brasileira terminam beneficiando mais à burocracia improdutiva e a classe política. A reforma tributária, que seria o ponto inicial para revisar as nossas políticas na área econômica, deveria ser o primeiro passo.



2 - O que podemos esperar do Brasil no plano político.



Neste terreno, o fenômeno mais visível consiste no descompasso entre as nossas instituições políticas e a defesa dos interesses dos cidadãos. O presidencialismo de transação, a que estamos assistindo, revela justamente a desvalorização e o não funcionamento da representação política. A máquina pública foi praticamente privatizada pela burocracia e a classe política, que se distanciaram da defesa dos interesses dos cidadãos. O PT tenta, desde o primeiro governo Lula, substituir a representação de interesses dos cidadãos pela cooptação. A essência da corrupção praticada pelo PT e coligados ao ensejo do “mensalão”, descoberto em 2005, consistiu justamente nessa substituição: aquele que se acolher à vontade todo-poderosa dos donos do poder, receberá sesmarias de recursos públicos. Aquele que fizer oposição ficará a ver navios. O estúpido aumento dos gastos do Executivo com propaganda (que não diminuiu no atual governo) justifica-se em virtude da política de cooptação adotada.



Visito com alguma freqüência países desenvolvidos onde moram os meus familiares que foram em busca de sossego, fugindo da guerra do narcotráfico que assolou a Colômbia entre 1978 e 2002, e que deixou, nesse período, um saldo trágico de 450 mil vítimas. Parte da minha família mora no Canadá, no subúrbio de Toronto. Outra parte mora no sul da França. Ora, tanto num lugar quanto no outro, encontro uma tranqüila e muito equilibrada vida municipal dificilmente encontradiça nas nossas cidades brasileiras. A representação municipal funciona, alicerçada no voto distrital. E os municípios estão aparelhados tecnicamente para fazer frente aos reptos que a vida social coloca.



Em Quarante, uma linda cidadezinha do sul da França, pertencente ao Departamento de Hérault, situado na macro-região do Languédoc - Rousillon, tudo transcorre na santa paz de Deus com os funcionários municipais ciosos da qualidade de vida dos habitantes do burgo. A cidadezinha foi fundada por volta do ano 800 pelo imperador Carlos Magno (742-814) e deve seu nome ao fato de que ali o soberano mandou construir a 40ª catedral românica, que é preservada ciosamente pela municipalidade. A base do sossego decorre de dois aspectos: em primeiro lugar, o respeito do sistema eleitoral vigente para com a representação dos interesses dos cidadãos do pequeno burgo. São 1572 habitantes distribuídos em 49 cantões, identificados com outros tantos distritos eleitorais. É evidente o controle que o eleitorado exerce sobre os seus representantes, que são consultados, rotineiramente, sobre os assuntos de maior monta. Em segundo lugar, a municipalidade conta com um quadro técnico muito bem preparado, que conhece os detalhes econômicos, culturais e sócio-ambientais do lugar. Esse fator técnico deu ensejo a um excelente plano de desenvolvimento regional, que enfatiza as atividades econômicas mais produtivas, dentre as quais se destacam os vinhos artesanais, cuja qualidade está a melhorar cada dia mais, tendo algumas vinícolas, como o domain Abéla, pertencente aos meus familiares, conquistado lugares de destaque entre os sommeliers franceses e internacionais. A segurança do lugar é invejável, podendo o visitante fazer longas caminhadas pelos vinhedos ou passear a qualquer hora sem ser incomodado.



Algo semelhante observo no município de Mississauga, na multicultural Toronto, pertencente à província de Ontário e situado à beira do belo lago que faz limite com os Estados Unidos. Mississauga, com 734 mil habitantes e 55 mil empresas é a maior municipalidade suburbana da América do Norte. Assemelha-se, pela sua extensão geográfica e a imensa área verde que a circunda, à 14ª Região Administrativa do Rio de Janeiro, situada em Campo Grande. Em Mississauga a legislação municipal consolidou-se ao redor de um ousado Plano de Desenvolvimento Ambiental Sustentado (Mississauga’s Living Green Master Plan) que contempla as reivindicações dos cidadãos e as insere dentro de uma diretriz ambiental que vale para todo o Município. O Plano Ambiental foi formulado com ampla consulta aos habitantes, que podem manifestar, em qualquer momento, as suas opiniões através de um blog oficial . É evidente que o sistema distrital facilita a proximidade entre eleitores e eleitos, com reuniões habituais destes com os seus representantes. Uma das 49 ações adotadas pelo Plano de Desenvolvimento Ambiental Sustentado consiste na substituição da frota veicular oficial e particular por automóveis não poluentes, sendo a adoção de carros híbridos (movidos a combustível e eletricidade) uma das medidas recomendadas. O Mayor da localidade, Hazel McCallion, fez questão de aderir às políticas ambientais aprovadas, passando a se deslocar unicamente no seu híbrido popular Chevrolet Volt TM que é fabricado no Canadá.



Fenômeno curioso se observa em Mississauga (bem como em outras localidades dos Estados Unidos e do Canadá, onde funciona o voto distrital): os latino-americanos, em geral, caracterizam-se porque não costumam comparecer às reuniões semanais com os seus representantes. Ficam em casa, cuidando dos afazeres domésticos, ou simplesmente se entregam ao lazer familiar. Quando um ato legislativo da municipalidade não lhes convém agem, irados, como o condômino esperto, porque “não foram consultados”. É a síndrome patrimonialista do “complexo de clã”, tão criticado por Oliveira Vianna.



Diferentes dos municípios franceses ou canadenses, onde impera o voto distrital e as localidades têm corpos técnicos que sabem avaliar as necessidades locais e elaboram propostas viáveis (como o Plano de Desenvolvimento Ambiental Sustentado de Mississauga, ou o Plano de Desenvolvimento das Vinícolas em Quarante), as cidades brasileiras não estão divididas em distritos eleitorais, sendo o sistema vigente bastante confuso, de forma a impedir a criação de elos entre eleitor e eleito. O sistema proporcional que vigora no Brasil irresponsabiliza os eleitos em face dos seus corpos eleitorais. As alianças de legenda entre siglas as mais diversas abrem a porta para a falta de programas e, também, para a prática de negociações espúrias, com o surgimento de frentes que têm como única finalidade manter vivos os canais de cooptação. Peça importante dessa engrenagem são as Emendas Parlamentares, que constituem, hoje, a melhor alavanca do Executivo para manter submissos, aos seus interesses, os corpos colegiados, em nível municipal e estadual. De outro lado, faltam aos municípios, em geral, recursos técnicos que lhes permitam elaborar planos de desenvolvimento regional, como os que encontramos na França ou no Canadá. Parece como se a única finalidade dos políticos, no município, consistisse na manutenção dos seus privilégios, fato que se expressa nos absurdos aumentos salariais que corroem a economia dos e aumentam a desconfiança do eleitorado em face dos seus representantes locais.



A região onde está situada Apucarana é constituída pelas cidades e vilas fundadas pelos colonizadores atraídos, no final da década de trinta do século passado e no início dos anos 40, pela Companhia de Terras do Norte do Paraná. Os 450 mil alqueires adquiridos pela mencionada Companhia, no final dos anos vinte, foram objeto de um rigoroso planejamento, de forma que, as cidades de maior vulto fossem demarcadas de 100 em cem quilômetros, como é o caso de Londrina, Maringá, Cianorte e Umuarama. Entre essas cidades, com distâncias entre 10 a 15 quilômetros, foram demarcados os denominados “patrimônios”, pequenas aglomerações urbanas como Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana, etc.



O planejamento regional pensado pelos ingleses da Companhia de Terras do Norte do Paraná foi aperfeiçoado com a participação de algumas figuras públicas esclarecidas (como Caetano Munhoz da Rocha e Afonso Alves de Camargo), bem como de empresários e técnicos brasileiros, dentre os que se destacavam Antônio Barbosa Ferraz Jr., João Domingues Sampaio, Erasmo de Assumpção, Charles Murray, Gordon Fox e Antônio Carlos de Assumpção. Inicialmente os ingleses, sob a direção do engenheiro agrônomo Lorde Lovat (antigo assessor do secretário de finanças do governo Inglês, Lorde Edwin Samuel Montagu) tinham planejado o cultivo de algodão nas terras adquiridas. Para facilitar o escoamento da produção, os ingleses adquiriram a Companhia Ferroviária São Paulo - Paraná. Com a participação dos brasileiros, no entanto, a destinação econômica da região mudou para o cultivo de café em moldes de colonização de pequenos proprietários. Isso fez com que a região demarcada constituísse um pólo equilibrado de desenvolvimento, que converteu o Norte do Paraná num dos grandes centros produtores de riqueza do Estado, a partir dos anos 50. Vale a pena nos determos um pouco na forma em que foram planejadas as cidades e a comunicação entre elas, bem como as atividades econômicas.



O historiador Francisco Soares Dias Sobrinho escreve a respeito: “Tanto nas cidades como nos patrimônios, a área urbana apresentava uma divisão em datas (lotes) residenciais e comerciais. Ao redor das áreas urbanas se situariam cinturões verdes, isto é, uma faixa dividida em chácaras que pudessem servir para a produção de gêneros alimentícios de consumo local. A área rural seria cortada de estradas vicinais, abertas preferentemente ao longo dos espigões, de maneira a permitir a divisão da terra da seguinte maneira: pequenos lotes de 10, 15 ou 20 alqueires, com frente para a estrada de acesso e fundos para o ribeirão. Na parte alta, apropriada para plantar café, o proprietário da gleba desenvolveria sua atividade agrícola básica: cerca de 1.500 pés por alqueire. Na parte baixa, construiria sua casa, plantaria a sua horta, criaria os seus animais para consumo próprio e formaria o seu pequeno pomar. A água seria obtida no ribeirão ou um poço de boa vazão. As casas, de vários lotes contíguos, alinhados nas margens do curso d’água, formariam comunidades que evitassem o isolamento familiar e favorecessem o trabalho em mutirão, principalmente na época da colheita do café, que para a maioria dos pequenos produtores representava lucro líquido de sua atividade independente, porquanto no decorrer do ano ele viveria - consumindo o necessário e vendendo o supérfluo - das culturas paralelas: arroz, milho, feijão, etc., plantados por entre as fileiras de café novo. O pequeno proprietário não agiria como o grande fazendeiro de café, que produzia grandes safras e as comercializava nos grandes centros, diretamente em São Paulo ou Santos. Ele venderia seu pequeno lote de sacas de café nos patrimônios, aos pequenos maquinistas, que por sua vez comercializavam a sua produção nas cidades maiores, já com representantes das casas exportadoras. Por outro lado, esse pequeno proprietário não gastaria o dinheiro recebido como o grande fazendeiro, nas grandes cidades. Ele o gastaria ali mesmo, no comércio estabelecido nos patrimônios, gerando assim uma distribuição de interesses e uma circulação local de dinheiro, que constituiriam um salutar fator de progresso local e regional”.



O planejamento regional referido nas linhas acima foi um dos fatores-claves do desenvolvimento equilibrado do Norte do Paraná. No entanto, a defeituosa organização política, em nível das municipalidades, terminou fazendo com que a riqueza obtida não fosse canalizada, de forma contínua, para o maior desenvolvimento humano das cidades. O que se observa, hoje, numa cidade como Apucarana, é a falta de planejamento que faça frente aos novos reptos identificados com o fim do ciclo cafeeiro e a sua substituição pelo cultivo intensivo da soja, bem como pelo surgimento de pequenas empresas de fundo de quintal na área de confecções, muitas das quais, por falta de uma adequada política industrial para o município, terminaram ingressando no terreno movediço da economia clandestina, favorecendo a aparição da pirataria. Faltou às municipalidades, certamente, manter viva a chama do planejamento inicial, dando ensejo à organização de corpos técnicos que fossem pensando as novas etapas do desenvolvimento econômico.



Paralelo a essa falta de planejamento local, a defeituosa representação municipal terminou fazendo com que as câmaras de vereadores das cidades da região fossem se distanciando progressivamente dos seus eleitores, dando ensejo a administrações que passaram a cuidar mais dos interesses da burocracia e da própria classe política, sem levar em consideração a defesa dos interesses dos cidadãos. O exemplo de Apucarana ilustra o que se passa em outras cidades do Norte do Paraná. Segundo noticiava o jornal O Globo , a atual legislatura aprovou um aumento de 49% nos salários da alta cúpula do município, de forma que, a partir de 2013, o salário do prefeito passará de 22.500 reais para 25.000, o do vice-prefeito passará de 10.000 para 15.030, o dos secretários municipais passará de 6.700 reais para 9.250 e o dos vereadores pulará dos 6.700 atuais para 10.010 reais.



Contrastando com tanta generosidade no terreno dos salários oficiais, a situação das ruas da bela localidade de Apucarana é vergonhosa. As amplas avenidas traçadas pela Companhia de Terras (e arborizadas na época da sua abertura) têm uma aparência caótica: cheias de buracos, mal sinalizadas, com lombadas que funcionam mais como armadilhas para os motoristas do que como proteção para os pedestres. Falta, aliás, planejamento no trânsito: o motorista visitante pode se esborrachar na primeira esquina, se não tiver ao seu lado um apucaranense que o alerte para as ciladas viárias. É evidente a falta de um instituto municipal que regule o planejamento e o fluido do trânsito.



Duas providências seriam necessárias para revitalizar a política local no Brasil: adoção do voto distrital e criação, em cada Estado, de uma instituição que cuidasse da formação dos administradores municipais. Esta tarefa poderia ser realizada, hoje, com o auxílio do método de ensino à distância. O Paraná, concretamente, conta com várias Universidades que possuem ampla experiência nesse tipo de ensino. Por que as municipalidades não fazem um convênio com alguma dessas instituições de ensino, a fim de que sejam oferecidos, aos seus funcionários, cursos de formação e aperfeiçoamento nos vários itens da gestão municipal? A engenharia de trânsito poderia ser uma das linhas de estudo .



3 - O que podemos esperar do Brasil no plano cultural.



Referir-me-ei, inicialmente, ao que se pode fazer, em nível da educação básica, para responder à questão de como fazer surgir, na população, a vivência da cidadania. Referir-me-ei, rapidamente, para terminar, à necessidade de um currículo nacional para o ensino médio.



A questão que podemos denominar de “educação para a cidadania” tem sido, corriqueiramente, tratada, no Brasil, como incumbência do Estado nos ciclos autoritários. Disso se desincumbiu o Estado getuliano, no longo ciclo ditatorial que se estendeu de 1930 até 1945. Tratava-se de organizar a sociedade disciplinada ao redor do valor “trabalho”, sendo o Estado o grande gerenciador dessa disciplinada força. Surgiram os sindicatos atrelados ao Estado. E foi formulada toda uma ideologia de valorização do trabalhador e de combate à vagabundagem, ou seja, daqueles que não se inserissem nos esquemas do trabalho produtivo controlado pelo Estado. Surgiu o peleguismo, sob essa tutelar forma de gerenciar a sociedade. Os empresários terminaram sendo arregimentados ao redor dessa força centrípeta.



No segundo ciclo autoritário de longa duração que conheceu a história republicana, de 1964 a 1985, Encontramos algo semelhante, no que tange à “educação para a cidadania”. No primeiro e segundo graus foi programada a disciplina “educação moral e cívica”. No ensino universitário, o currículo passou a oferecer a disciplina “estudo de problemas brasileiros”. A idéia era manter todo mundo unido ao redor do programa de desenvolvimento nacional, formulado pela elite tecnocrático-militar.



Tendo saído dos ciclos autoritários a partir de 1985, com a criação da Nova República e a aprovação da “constituição cidadã” de 1988, a elite brasileira simplesmente passou a ignorar a educação para a cidadania. Esta era considerada como algo pertencente ao “entulho autoritário”. A Constituição de 88 oferecia direitos, mas não assinalava deveres. Era, como diziam muitos, a “Constituição da ingovernabilidade”. Nesse contexto nos encontramos, sem que o Brasil tenha equacionado a questão básica de quais as diretrizes axiológicas e comportamentais que devem pautar aos seus cidadãos. Não se trata de doutrinação. Trata-se, sim, de estabelecer um pano de fundo a respeito de quais serão as coisas fundamentais que todos devem valorizar e saber para serem brasileiros.



Ora, na formulação de um currículo mínimo do que deveria ser a “educação para a cidadania” (a ser oferecida nas quatro primeiras séries do primeiro grau), o Ministério de Educação nunca prestou atenção. A julgar pelo caráter estúpido de ideologização que anima aos gestores petistas, esse descaso talvez tenha sido positivo. Mas já que o Brasil aspira a ser alguém no mundo de hoje, um país com pretensões de liderança, é bom que os burocratas do MEC enfiem a viola ideológica no saco e passem a pensar com seriedade na forma em que poderia ser formulado um currículo mínimo de educação para a cidadania.



Nos anos 90 do século passado, o Instituto de Humanidades elaborou proposta a ser discutida com os professores do ensino básico . Poder-se-ia partir de uma proposta como essa, para, efetivadas discussões entre os docentes e diretores de escolas, das redes pública e privada, se chegasse a um consenso daquilo que deveria integrar o currículo correspondente. Sem maquinações partidárias nem pretensões de hegemonia gramsciana. Com honestidade. Com sadio realismo. Talvez o desejável fosse proceder como nos inquéritos sobre educação superior realizados, na década de 10 do século passado, pela Associação Brasileira de Educação e pela Academia Brasileira de Ciências, acerca da conveniência de fundar a Universidade no Brasil .



Consenso semelhante é necessário no terreno do ensino médio. O descalabro do MEC, a respeito, é paradigmático. Sucessivas fraudes e erros grosseiros levaram a que a sociedade brasileira desconfiasse de qualquer proposta feita nesse sentido pelos burocratas de plantão. Ora, o que falta é sair do corporativismo ranzinza e escutar os reais interesses da sociedade brasileira. Não mediante consultas cooptadas, em “congressos” nacionais fictícios, nos quais a militância petista já sabe o que quer. Levando em consideração a diversidade do país e quebrando o modelo único (que ainda produz orgasmos nos burocratas do MEC) . Propostas não faltam. A mais clarividente é, sem dúvida, a feita recentemente por três pesos-pesados do planejamento educacional, João Batista A. e Oliveira, Simon Schwartzman e Cláudio de Moura Castro, no artigo intitulado: “CNE e o pesadelo do ensino médio” .


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