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domingo, 27 de junho de 2010

SERÁ COLOMBIA EL PRÓXIMO CHILE?

 El pasado domingo los colombianos eligieron a Juan Manuel Santos Presidente de la República. El nuevo mandatario tomará posesión el próximo 7 de agosto. Hubo un consenso nacional acerca del nuevo Presidente. Vale la pena ver lo que los analistas internacionales dicen acerca de él. Transcribiré, a continuación, artículo del periodista estadounidense Andrés Oppenheimer, publicado en el diario El Colombiano, de Medellín, el 27 de Junio de 2010.


Por: Andrés Oppenheimer

Préstenle atención a Colombia. Tras la aplastante victoria electoral de Juan Manuel Santos, Colombia podría seguir los pasos de Brasil, Chile y Perú y convertirse en la próxima estrella económica de Latinoamérica.

Es verdad que muchas cosas pueden salir mal, incluyendo un resurgimiento de la violencia guerrillera, y de las tensiones con Venezuela y Ecuador. Pero varios observadores bien situados me citaron cuatro razones por las que Colombia podría despegar bajo el gobierno de Santos.

En primer lugar, Santos, quien fue ministro de Defensa del presidente saliente Uribe, ganó con casi el 70 por ciento de los votos, y con 2 millones de votos más de los que obtuvo Uribe en su última elección. Eso le dará a Santos una sólida mayoría en el Congreso, lo que le permitirá atraer inversiones con garantías de continuidad económica.

Colombia es ya el cuarto mayor receptor de inversiones extranjeras de Latinoamérica, según un reciente informe de las Naciones Unidas. Y muchos economistas creen que Santos logrará cumplir su promesa de campaña de llegar a un crecimiento económico del 6 por ciento en dos años, porque su primera prioridad será la economía.

A diferencia de Uribe, que es abogado de profesión, Santos es un economista graduado en la Universidad de Kansas y de la London School of Economics, que empezó su carrera gubernamental como ministro de Comercio Exterior, y luego fue ministro de Finanzas. No resulta sorprendente que su primera designación haya sido la de su futuro ministro de Finanzas, Juan Carlos Echeverry.

En segundo lugar, es posible que Santos tenga mejores posibilidades que Uribe de conseguir que el Congreso estadounidense ratifique el acuerdo de libre comercio que fue firmado por el ex presidente George W. Bush y Uribe en el 2006.

Los demócratas en el Congreso de Estados Unidos se han negado a ratificar el acuerdo por las violaciones de los derechos humanos cometidas contra los sindicalistas en Colombia. Sin embargo, fuentes del Congreso de Estados Unidos me dicen que la mayoría demócrata del Congreso no someterá a voto el acuerdo antes de las elecciones parlamentarias de noviembre, y que lo que ocurra después dependerá del resultado de esas elecciones.

En tercer lugar, Santos tiene una personalidad menos mercurial que Uribe y es probable que alivie las tensiones tanto a nivel nacional como con los países vecinos, afirman los observadores.

En cuarto lugar, Santos prometió en su discurso de aceptación luchar contra la impunidad y mejorar los vínculos presidenciales con el sistema judicial, para mejorar la situación de los d.h..

Creo que existe por lo menos un cincuenta por ciento de posibilidades de que Santos le dé un empujón a Colombia, aprovechando la estabilidad económica que heredó, el mandato que acaba de recibir en las urnas y su experiencia en el manejo de la economía. Si le va razonablemente bien, Colombia podría ser la próxima estrella emergente de la región.

domingo, 20 de junho de 2010

JOAQUIM NABUCO E O SEU SIGNIFICADO PARA O PENSAMENTO BRASILEIRO



Pretendo, neste comentário, desenvolver dois aspectos relativos ao pensamento de Joaquim Nabuco, que me parecem relevantes para a meditação brasileira: 1 – O queridinho dos salões e o ideal monárquico; 2 - Uma pauta para a política parlamentar: O abolicionismo.

Farei, antes, um breve escorço biobibliográfico do nosso autor. Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo foi o quarto filho de José Tomás Nabuco de Araújo e Ana Benigna de Sá Barreto, sendo que os seus irmãos eram: Sizenando, Rita de Cássia (Iaiá), Vitor e a caçula, Maria Carolina (Sinhazinha). Nasceu no Recife, em 19 de agosto de 1849. Em dezembro desse ano, Nabuco de Araújo, eleito deputado, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. O menino Joaquim (Quincas) ficou com os padrinhos, no engenho Massangano, no Recife. Em 1857, em decorrência da morte da madrinha, Nabuco foi para o Rio morar com os seus pais. No ano de 1859 estudou, interno, no colégio do Barão de Tautphoeus, em Nova Friburgo. No ano seguinte, ingressou no Colégio Pedro II, tendo se bacharelado em letras, em 1865.

Em 1866 ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo, onde estudou durante três anos, destacando-se pelos seus pendores de orador e pelo fato de organizar o jornal A Independência. No ano seguinte, Nabuco organizou o jornal estudantil A Tribuna Liberal, e escreveu Estudos Históricos. Em 1868, o nosso autor traduziu, para o pai, documentos do jornal Anti-Slavery Reporter, órgão da British and Foreing Anti-Slavery Society. Em 1869, transferiu os seus estudos para a Faculdade de Direito do Recife. Em novembro desse ano, Nabuco formou-se em ciências sociais e jurídicas, tendo voltado ao Rio de Janeiro, onde começou a sua vida de dandy, freqüentando os salões do Império.

Lembremos que em setembro de 1871 foi proclamada a Lei do Ventre Livre. Em 1873, ano da formação do Partido Republicano de São Paulo, o nosso autor realizou a sua primeira viagem à Europa. Conheceu, no navio, a jovem e rica aristocrata Eufrásia Teixeira Leite, com quem viveu tumultuado noivado, que teve como palco a Europa e o bairro da Tijuca, no Rio. Nabuco, já maduro, em 1889, preferiu casar com uma filha da aristocracia remediada, de prendas domésticas, Evelina Torres Soares Ribeiro. Com ela teve cinco filhos: Maria Carolina, Maurício, Joaquim, Ana Maria e José Thomaz.  Em 1875, fundou, com Machado de Assis, a revista A Época. No ano seguinte, ocupou o seu primeiro emprego, como adido da Legação Brasileira nos Estados Unidos. Em 1878, o nosso autor foi transferido para Londres, ocupando o mesmo posto de adido de Legação. Tendo falecido o pai, Nabuco regressou ao Brasil. Elegeu-se deputado e fundou, em 1880, no Rio de Janeiro, com André Rebouças, a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e lançou, a seguir, o jornal da Sociedade, O Abolicionista, redigido, na íntegra, por ele mesmo.

Em 1881, o nosso autor candidatou-se para a Câmara dos Deputados pelo 1º distrito da Corte, mas não se elegeu. Mudou-se para Londres, como correspondente do Jornal do Comércio. Em 1882, tornou-se membro da British and Foreing Anti-Slavery Society. Em 1883, publicou o seu livro O Abolicionismo. Em 1887, em Londres, conheceu o grande reformista William Gladstone, por quem tinha admiração profunda. No final desse ano, elegeu-se deputado e passou a desempenhar, na Câmara, o papel de líder do movimento abolicionista. Este período representou a culminância do prestígio parlamentar de Nabuco.

Em setembro de 1890, desgostoso com os rumos positivistas e jacobinos por que enveredara a República, o nosso autor publicou o manifesto intitulado: “Por que continuo monarquista”, vendeu a sua casa em Paquetá e passou a residir em Londres. Nabuco tornou-se correspondente do Jornal do Brasil. Residindo em Petrópolis, para onde se mudara com a família em 1893, recebeu várias propostas para aderir à República, tendo-as recusado. Ao ensejo de uma dessas negativas, escreveu o seu manifesto intitulado: O dever dos monarquistas. Em 1896, o nosso autor aderiu ao recém-fundado Partido Monarquista. Em vista de que não foi indicado para continuar dirigindo o jornal dessa agremiação, A Liberdade, afastou-se do partido. Em 1897, foi eleito secretário geral da Academia Brasileira de Letras.

Entre 1898 e 1899, Nabuco publicou os dois volumes de Um estadista do Império. Integrou, a pedido do presidente da República, a missão para estudar a questão das Guianas, que seria arbitrada em favor da Inglaterra, fato que o aborreceu profundamente. Em 1900, o nosso autor assumiu a embaixada brasileira em Londres e publicou Minha formação. Em 1901, publicou os seus Escritos e discursos literários. Em 1905, tendo sido criada a representação diplomática do Brasil em Washington, Nabuco assumiu o cargo de embaixador. Em 1906 presidiu, no Rio de Janeiro, a Conferência Pan-americana. Recebeu o título de doutor honoris causa das Universidades de Columbia e de Yale. Em 17 de janeiro de 1910, Joaquim Nabuco morreu em Washington, vítima de congestão cerebral. O seu corpo foi transportado para o Rio de Janeiro, onde foi velado no Palácio Monroe e, depois, enterrado no Recife.

1 – O queridinho dos salões e o ideal monárquico.

A vida nas cortes européias girava em torno dos salões, notadamente na França, ao longo do século XIX. Já desde os tempos do Primeiro Império, logo após a Revolução Francesa, eles floresceram. Napoleão Bonaparte apreciava muito a suntuosidade dos bailes palacianos e o burburinho de belas mulheres, homens de negócios, governantes, embaixadores e nobres que acudiam aos mesmos [cf. Lévy, 1943: 35]. Madame de Staël, a corajosa opositora ao absolutismo bonapartista em ascensão, considerava que a pior coisa que poderia lhe suceder era viver fora dos salões parisienses. De fato, o seu inimigo mais feroz, o Imperador, baniu-a da corte e dos salões, fato que ensejou a escrita dessa magnífica obra de lamento e crítica mordaz ao seu algoz, intitulada Dez anos de exílio [cf. Staël, 1996].

Na corte de Luís Filipe, entre 1830 e 1848, o brilho dos salões constituía ainda a mola mestra da sociedade, o que levou Victor Cousin, o maior filósofo da corte, a dedicar os seus últimos anos de vida a historiar a vida desses memoráveis recintos de cultura, intrigas palacianas e fofocas cortesãs, num momento identificado pelos historiadores como “La Belle-Époque de la monarchie de juillet” [cf. Caron, 1993: 117]. Na corte portuguesa transplantada para o Rio de Janeiro em 1808, no Primeiro Reinado, na Regência, mas especialmente no Segundo Reinado, não podia ser diferente: a vida dos salões era como que o coração social da cidade.

Joaquim Nabuco, o jovem Quincas, como o chamavam familiares e amigos mais íntimos, experimentou, de forma muito viva, o ambiente dos salões do Segundo Reinado. Único país latino-americano a ter instituído vida de corte (as tentativas mexicanas foram muito curtas e sanguinolentas), o Brasil constituiu palco privilegiado, nas Américas, para essa experiência social. A propósito da vida cultural do Rio de Janeiro, no início da década de 1870, escreveu Angela Alonso: “A boa sociedade se encontrava nos teatros, como o de São Pedro, na praça do Rossio. No Casino Fluminense dançavam-se quadrilhas; schottish; polca; mazurca e valsa. O clube Mozart tinha serões, com a presença da família imperial, e no clube Beethoven havia recitais de música de câmara de Chopin, Weber, Mendelssohn – mas a moda eram os italianos, suas óperas e especialmente Rossini. O epicentro da vida social eram os salões. Neles, Quincas, o Belo, reinou. Os dotes naturais, o jeito faceiro e o requinte da última moda fizeram dele um partido desejado. Recitava madrigais às moças e ganhava a fama de sedutor, como Juca Paranhos, filho do visconde de Rio Branco, o então todo-poderoso chefe de gabinete” [Alonso, 2007: 32].

É bem verdade que algo de taciturno rodeava a corte de Dom Pedro II, austero por natureza e pela importância que o Imperador conferia à vida familiar e aos estudos. Mais do que grandes festas no Palácio Imperial, o Monarca preferia pequenas reuniões com familiares e amigos íntimos. Mesmo assim, ou talvez justamente por essa característica de austeridade imperial, a sociedade abria lugar para que, nos salões mantidos pela nobreza e pelos altos funcionários do Império, se vivessem as pequenas glórias da vida de corte. “Essa abdicação da suntuosidade cortesã pela família imperial – frisa Angela Alonso - pulverizou a vida social em salões particulares. A pequena envergadura da boa sociedade obrigava a uma rotação dos dias da semana entre os anfitriões, de modo a minimizar a competição pelos convivas. A condessa de Barral, preceptora das princesas e amante do imperador, dirigia uma pequena corte, para onde afluíam políticos em busca de favores imperiais. No salão da marquesa de Abrantes, em Botafogo, bailes, concertos, jogos, representações e tertúlias atraíam diplomatas, políticos, homens de letras e de negócios. Havia distinções partidárias. Os conservadores iam ao barão de Cotegipe encontrar artistas e diplomatas, em jantares seguidos de voltarete, dança, poesia e música. Os liberais visitavam Francisco Octaviano, aonde os letrados – José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo Guimarães, Alfredo Taunay, Machado de Assis – iam ler trechos de obras em andamento” [Alonso, 2007: 33].

Como se situava a vida da família Nabuco nesse contexto de corte? Diríamos que com uma dignidade austera, que lembrava os hábitos imperiais. Mas sem descuidar o refinamento da melhor tradição aristocrática. Os Nabuco não eram ricos. O Senador Nabuco de Araújo, patriarca da família, era conservador pernambucano de longa data, e foi juiz de direito e deputado (entre 1843 e 1851), presidente da província de São Paulo (em 1851), ministro da Justiça do gabinete Paraná (entre 1853 e 1857) e do gabinete Abaeté (entre 1858 e 1859), e, por fim, senador do Império (em 1857). O pai de Quincas sempre desejou, como culminância da sua carreira política, chegar ao cargo de Chefe de Gabinete. Nunca conseguiu, em decorrência do predomínio dos denominados “emperrados” na chefia do Partido Conservador. Nabuco de Araújo, reformista, não encontrou o lugar almejado na cúpula do Partido. Desgostoso, afastou-se da sigla tradicional e, junto com Zacarias de Góes, fundou novo partido, a Liga Progressista, em aliança com os liberais moderados. Embora não possuísse título de nobreza, o senador Nabuco de Araújo poderia ser arrolado entre os que Oliveira Vianna identificava como “Homens de Mil”, fiéis e incorruptíveis funcionários do Império [cf. Vianna, 1987: I, 300].

A principal biógrafa de Quincas caracteriza da seguinte forma a inserção da família do nosso autor no contexto dos salões da época: “Comparativamente pouco abastados, os Nabuco recebiam num salão menor, às quintas. Compensavam com elegância e austeridade, mantendo seu oratório aberto durante as recepções. Ali despontaram Sinhazinha e Iaiá, muito apreciadas como cantoras líricas, e debutou o Quincas. Foi assim, em casa, que ele conheceu os políticos brasileiros de proa, diplomatas estrangeiros e a alta sociedade. Virou habitué de todos os salões. Com o amigo Arthur, também rebento liberal, ia às soirées de Cotegipe. Apesar das marcas partidárias, a polidez com os adversários se impunha, uma exigência de bom-tom. Afinal, como diria em sua autobiografia, acima de quaisquer partidos está a boa sociedade. Nesse mundo reinava a etiqueta, e a moeda forte eram a elegância e a arte da conversação. A maestria nesses quesitos elevou Quincas a estrela de primeira grandeza. Solidificou-se como sedutor incorrigível e irresistível. Voltou-se especialmente para as mulheres maduras (...)” [Alonso, 2007: 33-34].  

Com uma delas ocorreu o seu primeiro affaire romântico. Tratava-se de uma senhora casada (Carolina Delfim Moreira). A paixão começara nos salões cariocas e prolongou-se no paraíso de Petrópolis. Completamente enamorado, Quincas confessava ao amigo Sancho, em setembro de 1871: “Quisera que a felicidade me venha sempre sob a forma que tomou para mim e que eu suponho a definitiva” [apud Alonso, 2007: 34]. A fim de evitar o escândalo, o marido traído viajou para a Europa com a família. Quincas teria gostado de seguir a amada. Formado em Ciências Sociais e Jurídicas pela Faculdade do Recife, em 1870, o jovem bacharel não quisera praticar a profissão à frente de um escritório de advocacia. Preferia empreender uma viagem – mesmo que romântica - à Europa, como, aliás, faziam os jovens aristocratas da época. Mas os recursos familiares eram parcos, para lhe garantir longa permanência no Velho Continente. A hegemonia dos conservadores no poder, de outro lado, diminuía as chances de conseguir algum emprego oficial digno da sua estirpe. Procurou, junto ao ministro do Império, o conservador João Alfredo Correia de Oliveira, obter uma bolsa de estudos para “aprofundar seus estudos na Europa”. O ministro recusou a concessão da bolsa a Quincas com um argumento arrasador: “Sei que o moço quer pretexto para uma viagem romântica, acompanhando pessoa que já partiu, ou vai partir; e se eu não tivesse outros motivos para recusar a proposta, este seria peremptório” [apud Alonso, 2007: 35-36]. De nada valeram os bons ofícios do diretor da Inspetoria da Instrução Pública Primária e Secundária do Rio de Janeiro, Homem de Mello, amigo do senador Nabuco de Araújo, nem sequer a intermediação do próprio Imperador. O austero ministro impôs a sua vontade. Funcionário público imperial era outra coisa.

Em 31 de agosto de 1873, o nosso autor partiu para a sua primeira viagem à Europa. No navio conheceu a jovem aristocrata, sobrinha do conservador Barão de Vassouras, Eufrásia Teixeira Leite, com quem iniciou tumultuado namoro, que se prolongaria por anos a fio, sem que tivessem chegado ao casamento. Ela, herdeira de grande patrimônio. Ele, aristocrata remediado. As diferenças econômicas teriam sido o motivo das dificuldades que o namoro teve. A primeira escala do jovem viajante foi Paris. Ali, pela mão de aristocratas brasileiros, amigos de seu pai, como o barão de Itajubá, circulou pelos mais importantes salões, tendo tido a oportunidade de conhecer figuras importantes como Adolphe Thiers, Jules Simon, Victor Schoelcher, Edmond Schérer, Édouard de Laboulaye, Charles Edmond, Saint-Hilaire, Renan, Hipólito Taine e a já velha senhora George Sand, com quem conversou animadamente sobre amenidades literárias e políticas.

Em junho de 1874, o nosso autor chegou a Londres. A majestade da city impressionou fortemente Nabuco. No entanto, ele ficou balançado entre a feminina Paris e a máscula capital britânica, Meca do capitalismo. Mas a balança pendia, no peito do jovem viajante, em favor da metrópole francesa. Quincas avaliava esta com o coração e Londres com a razão. Como, aliás, fazia com os seus inúmeros amores parisienses. Eufrásia, radicada na capital francesa, era a prima donna das suas preferências afetivas. As namoradas britânicas que teve, durante as várias permanências em Londres, eram pragmáticas demais para o jovem advogado.

Em A minha formação escreveu a respeito dessa ambigüidade, transportada para os respectivos povos, o francês e o inglês: “Às vezes me distraio a pensar que povo eu salvaria, podendo, se a humanidade se devesse reduzir a um só. Minha hesitação seria entre a França e a Inglaterra – aliás, sei bem que no começo do século quem eliminasse a Alemanha do movimento das idéias, da poesia, da arte, eliminaria o que ele teve de melhor. Entre a França e a Inglaterra, porém, fico sempre incerto. O meu dever seria, talvez, socorrer a França. Se madame Récamier e eu estivéssemos a nos afogar, qual de nós duas o senhor salvaria? - perguntou uma vez madame de Staël ao seu amigo Talleyrand. Oh! Madame, vous savez nager. A Inglaterra, também, sabe nadar” [Nabuco, 2005: 70].

Mesmo a Inglaterra sabendo nadar, ou talvez por isso, desde o início a preferência prática de Nabuco foi por Londres e não por Paris. Foi na city onde o nosso autor passou a maior parte dos anos vividos na Europa, antes da sua final destinação estado-unidense. Vale a pena acompanhar o raciocínio de Nabuco em relação à sua apreensão de ambas as metrópoles, que é uma apreciação das duas culturas, a inglesa e a francesa, muito semelhante, aliás, à que já tinha efetivado François Guizot nessas duas magistrais lições (13 e 14) da sua Histoire de la civilisation en Europe. O nosso autor escreveu, a respeito: “O gênio francês tem todos os raios do espírito humano, principalmente os raios estéticos; o gênio inglês não os tem todos, tem até uma opacidade singular nos focos do espírito, que merecem o nome de franceses, em quase todos os que merecem o nome de atenienses. A Inglaterra -  a associação de idéias tem sido muitas vezes feita – é a China da Europa; isto é, tem uma individualidade inamolgável, incapaz de tomar a fisionomia comum. Latinos, alemães eslavos formarão uma só família, por muitíssimos traços comuns, antes que o inglês deixe de ser um tipo  sui generis, à parte do tipo coletivo europeu. Por esse motivo, a França, só,  representaria melhor a humanidade do que a Inglaterra; há nela mais atributos universais, maior número de faculdades criadoras, de qualidades de tronco, maior soma de hereditariedade humana, de possibilidades evolutivas portanto, do que no particularismo e no exclusivismo inglês. Em compensação, a raça inglesa parece ser mais sã, mais elástica; ter maior vigor mesmo de gênio e de criação; maior provisão de vida e de força – ainda que a força sem a imaginação e a cultura (que na Inglaterra tem sido, em grande parte pelo menos, estrangeira) possa degenerar em brutalidade e egoísmo. Estão aí as razões da minha hesitação, quando imagino um novo dilúvio universal e me pergunto que país, nos mais altos interesses da inteligência humana, mereceria o privilégio de construir a arca” [Nabuco, 2005: 70].

Londres, para Nabuco, era grande como grande foi a Roma dos Césares. “Qualquer que seja a explicação, - escreveu em A minha formação - o fato é que nunca experimentei esse prazer de viver em Paris, que foi e é a paixão cosmopolita dominante em redor de nós. A grande impressão que recebi não foi Paris, foi Londres. Londres foi para mim o que teria sido Roma, se eu estivesse entre o século II e o século IV, e um dia, transportado da minha aldeia transalpina ou do fundo da África Romana para o alto do Palatino, visse desenrolar aos meus pés o mar de ouro e bronze dos telhados das basílicas, circos, teatros, termas e palácios; isto é, para mim, provinciano do século XIX, foi, como Roma para os provincianos do tempo de Adriano ou de Severo: a Cidade. Essa impressão universal, da cidade que campeia acima de todas, senhora do mundo pelo milliarium aureum, o qual no século tinha de ser marítimo; essa impressão soberana, tive-a tão distinta como se a humanidade estivesse ainda toda centralizada. O efeito dessa impressão de domínio foi uma sensação de finalidade, que somente Londres me deu (...)” [Nabuco, 2005: 70-71].

Porém, não foi a City, como monumento, foram as instituições políticas inglesas, todas elas criadas para garantir a liberdade dos cidadãos, as que mais fortemente impressionaram Nabuco. Após a sua permanência em Londres, o nosso autor passou a defender, com ardor, o modelo britânico de monarquia constitucional como o mais civilizado da Terra. As instituições do governo representativo, a magistratura e o papel simbólico da monarquia: eis os três elementos que constituíam a pedra de toque das instituições britânicas. A propósito, escreve Nabuco: “O que deixa tão funda impressão na Inglaterra é, antes de tudo, o governo da Câmara dos Comuns: a suscetibilidade daquele aparelho, ainda perante as mais ligeiras oscilações do sentimento público, a rapidez dos seus movimentos e a força, em repouso, da reserva, que ele concentra. Mais ainda, porém, do que a Câmara dos Comuns, é a autoridade dos juízes. Somente na Inglaterra, pode-se dizer, há juízes. Nos Estados Unidos a lei pode ser mais forte do que o poder; é isso que dá à Corte Suprema de Washington o prestígio de primeiro tribunal do mundo, mas só há um país no mundo em que o juiz é mais forte do que os poderosos: é a Inglaterra. O juiz sobreleva à família real, à aristocracia, ao dinheiro e, o que é mais do que tudo, aos partidos, à imprensa, à opinião; não tem o primeiro lugar no Estado, mas  tem-no na sociedade (...). Esta é, a meu ver, a maior impressão de liberdade que fica da Inglaterra. O sentimento de igualdade de direitos ou de pessoa na mais extrema desigualdade de fortuna e condição é o fundo da dignidade anglo-saxônia” [Nabuco, 2005: 83].

Fazendo especial referência à instituição monárquica, eis a apreciação entusiasmada de Nabuco, convertido, após a sua primeira viagem a Londres, em incondicional defensor da monarquia constitucional: “Foi na Inglaterra que senti que nunca a nossa raça atingiu o mesmo ponto de altivez moral que em uma Monarquia. Com o privilégio dinástico, que também o meu radicalismo rejeitava, eu agora o via bem, não se fazia no século XIX senão aproveitar a tradição nacional mais antiga e mais gloriosa para neutralizar a primeira posição do Estado. A concepção monárquica ficava sendo esta: a do governo em que o posto mais elevado da hierarquia fica fora de competição. Era uma concepção simples como a da balança, como a do eixo. Nenhum direito se transformou tanto no decurso deste século no Ocidente como o direito real, que de divino passou a ser passivo. O rei da Inglaterra, se quiser influir na política com as suas idéias próprias e a sua iniciativa, tem primeiro de abdicar e – se a hipótese é admissível – fazer-se eleger à Câmara dos Comuns ou tomar a direção da Casa dos Lordes. Entre o czar e a rainha Vitória a diferença de autoridade é infinitamente maior do que entre a rainha Vitória e o presidente dos Estados Unidos. O governo pessoal é possível na Casa Branca; é impossível em Windsor Castle” [Nabuco, 2005: 84-85].

2 – Uma pauta política: O abolicionismo.

Tardiamente Quincas entrou no universo da política partidária. Preferiu, antes dela, a tarefa de correspondente de imprensa, como colunista do Jornal do Comércio em Londres. Deu preferência, outrossim, aos trabalhos como consultor de empresas, atividade que desempenhou juntamente com o jornalismo econômico. Também escreveu artigos jornalísticos sobre política, mas em menor escala, em decorrência do fato de o jornal para o qual escrevia estar interessado mais naquilo que tangia aos negócios. Exerceu Quincas, outrossim, funções públicas: primeiro, como adido da Legação Brasileira nos Estados Unidos (entre junho de 1876 e fevereiro de 1878) e, depois, na mesma função junto a Legação em Londres (entre fevereiro e abril de 1878). Morto o pai nesse ano, Nabuco viu-se obrigado a regressar ao Brasil e ocupar a trincheira parlamentar que o seu progenitor tinha dignificado durante décadas, como senador do Império. Em 5 de setembro, o nosso autor elegeu-se deputado.

Embarcado na carreira política pouco à vontade, Nabuco passou a buscar um norte para a mesma, na escolha de algum tema que lhe servisse de bordão parlamentar. Curiosa a situação do Quincas, muito parecida, aliás, com a vivida, décadas atrás, pelo jovem advogado Alexis de Tocqueville, que procurava uma atividade diferente daquela para a qual foi encaminhado pela família, como magistrado. Descontente com a dificuldade oratória para as funções de juiz, Tocqueville partiu, em 1831, para viagem de pesquisa sobre o sistema penitenciário americano, em companhia do amigo Gustave de Beaumont. Nove meses depois, o ainda magistrado desembarcava na França com um ensaio sobre o tema mencionado, mas também munido do rascunho da obra que marcaria a sua vida daí para frente: A democracia na América (1833). O jovem advogado, deixada a magistratura que exercia em Versailles, dedicou-se aos estudos sobre o grande tema da democracia moderna, que lhe deu inspiração para a sua participação no parlamento como deputado. Diferentemente de Tocqueville, Quincas estava bem dotado para a oratória parlamentar. E, de modo semelhante ao escritor francês, elaborou acurada análise acerca de um tema de momento: a escravatura, que deu ensejo ao seu livro O abolicionismo. Na defesa das teses levantadas na obra, Joaquim Nabuco virou figura de prol do parlamento brasileiro e se firmou, outrossim, como ativista humanitário em nível internacional.

Marco Aurélio Nogueira sintetizou, com claridade, nos seguintes termos, a contribuição do nosso autor ao debate parlamentar sobre a escravatura: “O abolicionismo e Nabuco se completaram. A causa da libertação ajudou a amortecer o impacto da política imperial sobre o jovem deputado (impedindo que ele fosse, por exemplo, cooptado) e nele acabou por encontrar um de seus mais brilhantes e talentosos porta-vozes. Como parlamentar e propagandista – e, nos momentos eleitorais, eficiente agitador - Nabuco deu o melhor de si ao abolicionismo, ajudando decididamente a fazer com que o movimento adquirisse operacionalidade política e os protestos das senzalas ecoassem no parlamento, nos jornais, nas cidades. Nele, pôde ser verdadeiramente radical, ir às raízes da sociedade. Personalidades, instituições, partidos, doutrinas e procedimentos, nada escaparia à sua crítica ferina e veemente, mas sempre ponderada; saberia como poucos aliar à denúncia apaixonada dos crimes da escravidão uma análise abrangente da estrutura social brasileira e dos grandes problemas nacionais. Beneficiado pelo renascimento do liberalismo brasileiro, que naquela década agitava-se como um todo, Nabuco não se limitaria a ser um mero repetidor das plataformas partidárias ou dos jargões abolicionistas: seria um renovador, um ideólogo. E acabaria por se aproveitar (não se sabe com que dose de consciência) da formação inglesa recebida ao longo dos anos 70, que lhe permitirá manter saudável distância do liberalismo mesquinho e limitado que se praticava no Brasil. Pôde, com isso, aderir de forma intransigente e não conservadora à luta pela emancipação dos escravos – uma causa grandiosa e humanitária até então desfocada pelo viés liberal-conservador predominante dos partidos e no sistema político” [Nogueira, 1988, apud Nabuco, 2000: 10-11].

Uma breve anotação acerca da forma em que Nabuco utilizou as fontes inglesas. A magnífica biografia escrita por Angela Alonso deixa claro que o nosso autor louvou-se, conscientemente, na questão abolicionista, de duas fontes: de um lado, os discursos reformistas de Gladstone, que se encaminhavam em direção da democratização das instituições (sem pregação republicana e mantendo os institutos da monarquia constitucional); de outro lado, a plêiade de autores britânicos, irlandeses e americanos que, a partir da The British and Foreing Anti-Slavery Society, fundamentavam a luta abolicionista, pelo mundo afora, como uma questão de ordem moral. A Sociedade Brasileira contra a Escravidão (SBCE), nascida, em 1880, na casa dos Nabuco, no Rio de Janeiro, recolheu essa herança moderada (as grandes mudanças sociais realizam-se com reformas liberais, à la Gladstone, não com revoluções, à la Karl Marx), bem como a idéia dos anti-escravagistas anglo-saxões, da criação de uma rede política internacional que pressionasse o governo brasileiro em prol da abolição [Cf. Alonso, 2007, p. 116 seg.].

Quais foram as teses centrais da obra de Nabuco, O abolicionismo, publicada pelo autor, em Londres, em 1883? Essas teses (que passaram a inspirar a pregação parlamentar do nosso autor, ao longo da segunda parte da década de 1880), são as seguintes, nas palavras dele:

“Queremos acabar com a escravidão (...) pelos seguintes (motivos): 1- Porque a escravidão, assim como arruína economicamente o país, impossibilita o seu progresso material, corrompe-lhe o caráter, desmoraliza-lhe os elementos constitutivos, tira-lhe a energia e a resolução, rebaixa a política; habitua-o ao servilismo, impede a imigração, desonra o trabalho manual, retarda a aparição das indústrias, promove a bancarrota, desvia os capitais do seu curso natural, afasta as máquinas, excita o ódio entre classes, produz uma aparência ilusória de ordem, bem-estar e riqueza, a qual encobre os abismos de anarquia moral, de miséria e destruição, que do Norte ao Sul margeiam todo o nosso futuro. 2 – Porque a escravidão é um peso enorme que atrasa o Brasil no seu crescimento em comparação com os outros Estados sul-americanos que a não conhecem; porque, a continuar, esse regime há de forçosamente dar em resultado o desmembramento e a ruína do país; porque a conta dos seus prejuízos e lucros cessantes reduz a nada o seu apregoado ativo, e importa em uma perda nacional enorme e contínua; porque somente quando a escravidão houver sido de todo abolida, começará a vida normal do povo, existirá mercado para o trabalho, os indivíduos tomarão o seu verdadeiro nível, as riquezas se tornarão legítimas, a honradez cessará de ser convencional, os elementos de ordem se fundarão sobre a liberdade, e a liberdade deixará de ser privilégio de classe. 3 – Porque só com a emancipação total podem concorrer para a grande obra de uma pátria comum, forte e respeitada, os membros todos da comunhão que atualmente se acham em conflito, ou uns com os outros, ou consigo mesmos: os escravos, os quais estão fora do grêmio social; os senhores, os quais se vêem atacados como representantes de um regime condenado; os inimigos da escravidão, pela sua incompatibilidade com esta; a massa inativa da população, a qual é vítima desse monopólio da terra e dessa maldição do trabalho; os brasileiros em geral que ela condena a formarem, como formam, uma nação de proletários” [Nabuco, 2000: 91-92].

Em síntese, o que Nabuco pregava era, apenas, que o Brasil se modernizasse plenamente, alargando a conquista da liberdade a todos os habitantes deste imenso país e adotando, de forma plena, uma economia de mercado que preservasse as instituições de governo representativo existentes no Império. Não aderia à pregação republicana. Exorcizava, pioneiramente, a deletéria tese, nascida nos arraiais do jacobinismo e do socialismo marxista, da divisão irreconciliável da Nação brasileira em campos irreconciliáveis que confrontassem, em fratricida luta, negros contra brancos, empresários contra empregados, silvícolas contra habitantes das cidades, etc. Pena que o nosso autor não tivesse compulsado os escritos de Alexis de Tocqueville (com os quais, certamente, encontraria plena identificação, de forma semelhante à simpatia que despertaram, nele, os discursos de Gladstone). É que os tempos eram outros e Tocqueville, nos idos de 1870, tinha se ocultado nos canais subterrâneos das tradições que não são esquecidas, mas que dormitam à espera de um novo amanhecer: o grande escritor francês somente seria redescoberto no século XX, ao ensejo da luta heróica da Europa, arrasada por duas guerras mundiais, na trilha da luta a morte entre o totalitarismo e a  Liberdade. 

Concluamos.

Qual foi a relevância de Joaquim Nabuco para o pensamento brasileiro? Responderia brevemente: a lição de moderação liberal nas reformas a serem executadas, a defesa das instituições que – como a monarquia e o governo representativo – garantiam o exercício da liberdade por parte de todos os cidadãos, a coragem para lutar por aquilo que ele considerava questão de justiça (a abolição da escravatura, notadamente) e, em matéria de política externa, um sadio realismo que consultava os interesses da Nação, não apenas as mesquinhas perspectivas partidárias ou de pessoas. Este último ponto exigiria que fosse analisada, com detalhamento, a passagem de Nabuco pela embaixada brasileira em Washington, no final da sua brilhante corrida de estadista.

Façamos para terminar, uma apertada síntese do que significou a lição de diplomacia deixada pelo nosso autor. Duas tendências da política externa brasileira foram delineadas no início da República: o Brasil deveria privilegiar, no seu relacionamento internacional, a perspectiva sul-americana, em decorrência da urgência de delimitação clara das nossas fronteiras, a fim de evitar confrontos ulteriores. Esta foi a opção adotada pelo ministro do exterior, o Barão do Rio Branco. A segunda tendência, formalizada por Nabuco, consistia em privilegiar, na nossa política externa, a perspectiva de pan-americanismo que se desenhava nesse momento e que ia colocar o Brasil no contexto da globalização da época, ao abrigo da doutrina Monroe. O nosso autor achava que essa opção não conflitava com a primeira; mas destacava que não poderia o Brasil se fechar numa opção sul-americana, que comprometesse a abertura ao grande mercado que se desenhava, o norte-americano e que nos trancafiasse, ressentidos, no pequeno universo da nossa vizinhança. Pareceria que o nosso primeiro embaixador em Washington tivesse enxergado os impasses ensejados por uma visão terceiro-mundista, ao ensejo de uma Unasul contraposta à Organização dos Estados Americanos. Tremenda atualidade das lições diplomáticas de Joaquim Nabuco!

Uma última observação. Cometi a injustiça de não analisar, nestas páginas, uma das obras-mestras do nosso autor, Um estadista do Império. Problema de tempo e de espaço que espero futuramente equacionar. Mas valha apenas destacar uma lição que se depreende dessa magna obra: a defesa desassombrada do Segundo Reinado, não na trilha de um saudosismo vácuo, mas no caminho construtivo de mostrar o que essa experiência poderia iluminar a nossa vida republicana. O Império, para Nabuco, colocou em alto a idéia da necessidade de uma aristocracia sobre a qual tivesse estabilidade o serviço público. Ele próprio trocou a aristocracia dos salões pela encontradiça nos círculos intelectuais, como a Academia Brasileira de Letras. Ora, o nosso autor adaptou essa consideração às exigências republicanas, quando da sua fecunda passagem pela embaixada de Washington, cargo no qual culminou a sua brilhante carreira – e a vida.

Fez algo semelhante ao que Tocqueville pensou quando, ao ensejo da descoberta da democracia americana, percebeu que, nos Estados Unidos, a velha aristocracia de origem feudal foi substituída pela idéia de idoneidade e de responsabilidade nas funções de gestão do Estado. Desde os Selected Men das localidades, até os Ministros de Estado, os Magistrados da Suprema Corte, os Congressistas e o Chefe do Executivo, o pensador francês encontrava, em todos eles, a exigência, de parte da sociedade, de uma capacitação para o exercício do cargo, bem como a pressuposição de que todos eles fossem responsáveis perante os cidadãos, não ficando ninguém fora do domínio da lei. Ora bem, essa foi exatamente a lição que Nabuco tirou do estudo do sistema inglês, bem como da sua adaptação à democracia americana. Em todos esses contextos, como, aliás, no desenho que traçou do ideal de regime republicano brasileiro (tardia e pragmaticamente aceito), o pensador pernambucano destacou os dois ideais de capacidade e de responsabilidade dos funcionários públicos, sem exceções. Bela lição de civilidade, muito atual em momentos em que o Brasil chafurda em abjeto populismo patrimonialista que coloca alguns – beneficiários do peleguismo, do compadrio político e dos lucros exorbitantes das empresas cooptadas pelo Estado – por fora da produtividade no trabalho e da prestação de contas a que somos obrigados os demais brasileiros.


Bibliografia

ALONSO, Angela. Joaquim Nabuco: os salões e as ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

BOSI, Alfredo. “Joaquim Nabuco, o ícone do novo liberalismo”. In: Ideologia e contra-ideologia: temas e variações. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

CARON, Jean-Claude. La France de 1815 à 1848. Paris: Armand Colin, 1993.

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DO PENSAMENTO BRASILEIRO (organizador). Dicionário biobibliográfico de autores brasileiros. Salvador-Bahia: Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro; Brasília: Senado Federal, 1999 (Coleção Biblioteca Básica Brasileira).

CHACON, Vamireh. Joaquim Nabuco: revolucionário conservador (Sua filosofia política). Brasília: Senado Federal, 2000. (Coleção Biblioteca Básica Brasileira).

GUIZOT, François. Histoire de la civilisation en Europe, depuis la chute de l´Empire Romain jusqu´a la Révolution Française. 8ª edição. Paris: Didier, 1864.


GLADSTONE, William. The Throne and The Prince Consort; The Cabinet and Constitution. New York: Charles Scribner´s Sons, 1886.

LÉVY, Artur. A vida íntima de Napoleão. (Tradução de Emil Farhat).  São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1943.

NABUCO, Joaquim. Minha formação. 10ª edição. (Introdução de Gilberto Freyre). Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981. (Coleção Itinerários).  

NABUCO, Joaquim. Minha formação. (Introdução de Gilberto Freyre). Brasília: Senado Federal, 1998, ( Coleção Biblioteca Básica Brasileira).

NABUCO, Joaquim. Minha formação. São Paulo: Martim Claret, 2005.

NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. 6ª edição. (Introdução de Marco Aurélio Nogueira). Petrópolis: Vozes, 2000.

NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. 4ª edição. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1975.

SISSON, S. A. Galeria dos brasileiros ilustres. Brasília: Senado Federal, 1999, volumes I e II. (Coleção Brasil 500 anos).

STAËL, Madame de (Germaine Necker de Staël-Holstein). Dix années d´exil. (Edição crítica preparada por Simone Balayé e Mariella Vianello Bonifacio). Paris: Arthème Fayard, 1996.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. 2ª edição. (Tradução, prefácio e notas de Neil Ribeiro da Silva). Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da USP, 1977.

VIANNA, Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras – Volume I: Fundamentos sociais do Estado (direito público e cultura). Belo Horizonte: Itatiaia; Niterói: Universidade Federal Fluminense; São Paulo: USP, 1987.

sábado, 19 de junho de 2010

A INTERIORIZAÇÃO DO NARCOTRÁFICO NO BRASIL

O jornal Tribuna de Minas realizou, entre os dias 17 e 19 de Junho de 2010, uma série de reportagens sobre a interiorização da criminalidade, decorrente do narcotráfico, em Juiz de Fora e outras cidades da Zona da Mata. Várias matérias foram preparadas pelos jornalistas Guilherme Arêas, Sandra Zanella e Renata Brum. Ao ensejo da pesquisa jornalística empreendida pelo jornal, respondi ao repórter Guilherme Arêas as perguntas que ora seguem:


- Como você já escreveu vários artigos sobre a criminalidade no Rio e mora em Juiz de Fora, você percebe alguma semelhança entre o perfil da criminalidade nas duas cidades?

Bom, há uma semelhança básica, embora os números da criminalidade em Juiz de Fora ainda não tenham, felizmente, chegado ao grau de violência em que mergulhou a capital carioca. A semelhança é, basicamente, a seguinte: o estouro da criminalidade acompanhou, em ambas as cidades, ao aumento no consumo de narcóticos. Segundo o “Balanço do Carnaval na Região” (Tribuna de Minas, 10-02-10), a apreensão de crack foi, em 2009, de 37 gramas, e em 2010, de 58 gramas. A criminalidade acompanhou esse aumento de circulação de crack na área estudada (86 cidades atendidas pela 4ª Região da Polícia Militar de Minas Gerais). Os índices foram, respectivamente, os seguintes, em 2009 e 2010: acidentes de trânsito urbano (126/138); acidentes com vítimas fatais na área urbana (0/3); homicídios consumados (3/7); tentativas de homicídio (3/5); lesões corporais (211/242); furtos qualificados em residências (40/44); furtos qualificados na zona rural (4/7); número de operações realizadas (523/600); número de armas de fogo apreendidas (13/21) fuga de presos (0/1) foragidos (0/2); autuações de trânsito municipal (223/287). Repete-se, aqui, constatação que já tinha sido feita nas cidades colombianas, bem como no Rio de Janeiro e em São Paulo e que está sendo registrada, hoje, com pavor, pelos mexicanos, por exemplo, em Ciudad Juarez (a nova capital mundial do narcotráfico), onde a criminalidade decorrente da ação dos cartéis da droga praticamente explodiu, se tornando questão de segurança nacional.

- De que forma o crime organizado no Rio pode interferir na criminalidade em Juiz de Fora? Os 184km que separam as duas cidades são uma distância curta quando o assunto é violência?

Como destacou o estudioso Julio Jacobo (autor do Mapa da Violência no Brasil), em entrevista concedida em 24 de maio passado à TV Estadão, de São Paulo, houve, nos últimos anos, um fenômeno de interiorização da violência decorrente do narcotráfico nas cidades brasileiras. Como nas grandes capitais (Rio de Janeiro e São Paulo, especialmente) as autoridades começaram a desenvolver políticas agressivas de combate ao narcotráfico, os criminosos interiorizaram os seus negócios, passando a estocar drogas e a organizar o comércio da morte a partir de cidades do interior. As autoridades dessas localidades ainda não estavam preparadas para fazer frente a essa nova realidade e, então, os índices de criminalidade dispararam. Esse é um fenômeno que o citado estudioso constata ao longo de todo o país. Juiz de Fora, assim, não foi exceção. A presença de narcotraficantes cariocas e paulistas certamente tem mudado, na nossa cidade, o perfil da criminalidade. E a sociedade civil ainda não acordou para essa nova realidade, ao contrário do que já está acontecendo nas grandes cidades litorâneas, onde os cidadãos ficaram muito mais espertos em face do narcotráfico, passando a colaborar estreitamente com os organismos policiais. O consumo de entorpecentes ainda não perdeu o seu charme para setores expressivos da nossa sociedade. É tolerado e até estimulado em festinhas e raves.

- A ocupação das favelas cariocas pela Polícia Militar (Unidade de Polícia Pacificadora - UPP) deixa claro que um dos objetivos é expulsar os traficantes dos morros. Mas nem por isso eles deixam de ser traficantes. Para onde vão esses criminosos? Para o asfalto carioca ou para cidades vizinhas? Há notícias de que traficantes tenham ido para outros municípios devido à ocupação pela PM? Eles poderiam ter ultrapassado os limites do estado do Rio e vindo para Minas, por exemplo?

Não há dúvida de que isso vem acontecendo. Tranqüilas cidades do interior brasileiro, como Atibaia, em São Paulo ou Mar de Espanha, na Zona da Mata mineira, por exemplo, passaram a receber “investimentos” de notórios traficantes, porque nestas localidades ficavam os testas-de-ferro muito mais tranqüilos em relação ao combate sem trégua que, nas capitais, estava sendo desfechado pelas autoridades policiais. Não que as polícias militar e civil tivessem menos empenho na luta contra os bandidos nas cidades do interior. Mas a presença mais agressiva dos traficantes, nestas localidades, não foi acompanhada de um reforço da segurança pública condizente com a nova realidade. E, o que é mais grave, os cidadãos ainda se sentem alheios ao problema.

- Informações apontam que traficantes cariocas já começam a deixar de lado a venda de crack, devido ao alto poder destrutivo da droga, e voltando o foco novamente para a maconha. Isso procede? É uma tendência natural? Será que Juiz de Fora, que vive uma verdadeira "epidemia" de crack, seguirá essa tendência daqui a alguns anos?

Bom, neste caso seria interessante consultar os números que a 4ª Região da Política Militar tem em relação às apreensões de narcóticos. Uma eventual substituição do comércio de crack pela maconha ainda deve, no entanto, preocupar. Porque, como está provado por especialistas e pela experiência de outros países, a maconha é a porta de entrada para drogas mais pesadas. É lamentável ver figuras públicas, como o ex-ministro do meio ambiente Carlos Minck, em passeatas em prol da liberação da maconha. Essa é uma canoa furada.  

- Aqui em Juiz de Fora os jovens envolvidos com a criminalidade se identificam muito com as facções criminosas do Rio. Nossa reportagem mapeou as gangues de Juiz de Fora e descobriu que elas necessariamente assumem uma posição entre Comando Vermelho (CV) ou Amigos dos Amigos (ADA), por mais que as facções originais não tenham ligação direta com os jovens daqui. A que você atribui toda essa idolatria às facções e de que forma esses grupos criminosos organizados influenciam em comunidades a quilômetros de distancia deles?
CV e ADA viraram verdadeiras logomarcas?

Infelizmente as siglas dos narcoterroristas viraram logomarcas. Nos morros Medellín, na Colômbia, o traficante era, há quinze anos atrás, o herói da parada, como acontece ainda hoje em áreas faveladas das nossas cidades. Diante de um quadro de desemprego grande para os jovens, os traficantes oferecem a miragem do enriquecimento rápido e do consumo suntuário daí decorrente. Os jovens sem perspectivas de trabalho ficam, evidentemente, impressionados. Andar na garupa de uma moto com tênis de grife e portando um AR-15, faz do adolescente que caiu na cantada do narcotráfico um herói momentâneo. Em Juiz de Fora não chegamos ainda a esse extremo. Mas os traficantes teimam em botar a sua logomarca em locais públicos. Moro na pracinha de São Mateus e é comum, nas imediações, ver pichações com as logomarcas CV e ADA. A Prefeitura, há algum tempo, tomou providências e na quadra de esportes (que constituía uma verdadeira feira livre de logomarcas criminosas) foram convidados artistas do grafite para que decorassem os muros da quadra, que fica a metros de distância do posto policial. Essa ação, de reforçar a presença do Estado, em lugares públicos que os marginais pretendem se apropriar, é fundamental. Não pode, no entanto, ser episódica. Tem de ser constante. A atual administração municipal (imagino que pela escassez de verbas decorrente da má administração anterior), praticamente abandonou a limpeza urbana. Isso é muito negativo. Porque dá, para os meliantes, a impressão de que o espaço público está aberto para colocarem a sua propaganda deletéria e instalarem, ali, os seus postos avançados de venda de entorpecentes. Gostaria de fechar esta entrevista lembrando o excelente exemplo que a Polícia Militar está dando na Vila Olavo Costa, onde, ademais da ação repressiva contra os bandidos, o Posto Policial está incrementando ações de cultura, mediante a criação de uma pequena biblioteca comunitária destinada aos jovens do bairro. Isso é importantíssimo. Em cidades como Medellín (que era, há quinze anos atrás a cidade mais violenta do mundo, com 350 assassinatos por 100 mil habitantes) a violência do narcotráfico caiu verticalmente graças ao binômio repressão policial contra os traficantes e ações massivas de cultura popular (implementadas pela prefeitura). Nessa cidade, em 2007, foram inauguradas cinco mega-bibliotecas populares nos bairros mais violentos. A fórmula deu certo e hoje Medellín é uma cidade procurada por investidores do mundo inteiro. Essa fórmula, não tenho dúvida, dará certo também em Juiz de Fora.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL (1770-1831)


Coube a este pensador realizar a complementação da perspectiva transcendental kantiana, colocando-a no contexto da história. Em Kant, embora encontremos referências à problemática da razão no período iluminista, no entanto não aparece tematizada, de forma explícita, a dimensão histórica da mesma. Ora, Hegel realizou a sistematização da perspectiva transcendental, destacando a forma dialética em que o espírito humano perpassa pelos diferentes momentos da sua caminhada histórica.


Hegel nasceu em Stuttgart, em 1770 e faleceu em 1831, em Berlim, desempenhando o cargo de reitor da Universidade. Em 1790, o nosso autor obteve o grau de Magister Philosophiae no Seminário Teológico de Tübingen. Em 1795 publicou a sua primeira obra, a Vida de Jesus. Recomendado por Goethe, Hegel foi nomeado professor extraordinário da Universidade de Jena. Nos anos de 1806-1807 publicou a sua obra-mestra, a Fenomenologia do Espírito. Em 1811 casou-se com Marie Von Tucher. No ano de 1816 foi nomeado para a cátedra de filosofia da Universidade de Heidelberg. Em 1818 foi nomeado catedrático de filosofia da Universidade de Berlim. Em 1821, o nosso autor publicou os seus Princípios da Filosofia do Direito. Em 1829, Hegel foi eleito reitor da Universidade de Berlim.

As principais obras de Hegel são as seguintes:

Vida de Jesus (1795),
Fenomenologia do Espírito (1806-1807),
Ciência da lógica (1812-1813),
Enciclopédia das ciências filosóficas (1817),
Lições de história da filosofia (1817),
Princípios de filosofia do direito (1821),
Lições de filosofia da história (1821),
Lições de filosofia da religião (1821).

Nos seguintes 8 pontos pode ser sintetizada a concepção de Hegel, quanto à forma histórica em que se desenvolve a criação filosófica:

1 – Hegel é o fundador da História da Filosofia. Nas suas Lições de história da filosofia, o mestre alemão escrevia: “A história da filosofia só considera uma filosofia, um só ato, repartido, porém, em graus diferentes. Nunca houve senão uma filosofia, o conhecimento do espírito por ele mesmo” [Hegel, Introdução às Lições de história da filosofia, tradução francesa de Gibelin; tradução ao português de Roland Corbisier, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981, p. 41].

2 – A concepção histórica da filosofia pressupõe as várias manifestações do espírito, ao longo da história da civilização. Nas Lições de história da filosofia Hegel escreve a respeito: “Falar de numerosas filosofias significa dizer que são os graus necessários ao desenvolvimento da razão que se torna consciente dela mesma, do Uno (...). Só há uma razão (...). A filosofia é a razão que se apreende na forma do pensamento, que se torna consciente de modo a objetivar-se, a conhecer-se na forma do pensamento” [Hegel, Introdução às Lições de história da filosofia, ob. cit., p. 41].

3 - As numerosas filosofias são, de um lado, as várias manifestações nacionais da meditação filosófica e, de outro, os vários sistemas. A compreensão dessa totalidade é que constitui o cerne da história da filosofia, ou seja, a apreensão do espírito na sua ação criadora.

4 - Essa apreensão do espírito humano por si mesmo se dá no seio da tomada de consciência de um povo dos seus valores fundantes. É o que Hegel denominava de Volkgeist (Espírito do Povo). As filosofias nacionais surgem e evoluem, no contexto do esforço de um povo na busca da sua identidade. Quando as instituições se degradam, o espírito humano volta sobre si mesmo e desse movimento de identidade emerge uma nova síntese cultural. Compreender esse movimento dialético do espírito, eis a grande tarefa da história da filosofia. A respeito, escrevia o filósofo: “Para que a filosofia surja num povo, é preciso que esse povo comece a abandonar sua vida concreta, a satisfação que lhe proporciona sua vida real (...).  Sócrates e Platão surgiram quando desapareceu o interesse pelas coisas públicas, A realidade, a vida política, não mais lhes trazia satisfação, e a procuraram no pensamento; procuraram, em si mesmos, algo mais perfeito que o grau supremo em relação à constituição política” [Hegel, Introdução às Lições de história da filosofia, ob. cit., p. 38-39].

5 - Os sistemas filosóficos devem ser compreendidos nesse contexto dialético de busca de um povo pela sua identidade. Eles são filhos do seu tempo. A respeito, Hegel escrevia: “Todo princípio do entendimento é unilateral e esse caráter se revela em que o outro princípio lhe é oposto. Ora, esse outro princípio também é unilateral. A totalidade, enquanto unidade que os une, não se encontra neles, não existe, inteiramente, senão no curso da evolução. Assim é que o epicurismo se opõe ao estoicismo, como a substância de Espinosa (enquanto) unidade absoluta se opõe à Mônada de Leibniz, à individualidade concreta. O Espírito que se desenvolve integra também o aspecto exclusivo de um princípio, fazendo aparecer o outro. A segunda forma, forma superior da negação, consiste em unir, em uma totalidade, as diversas filosofias, de tal sorte que nenhuma permaneça em sua independência, mas pareçam todas ser as partes de uma só filosofia” [Hegel, Introdução às Lições de história da filosofia, ob. cit., p. 41].

6 – A história da filosofia abarca dois momentos: um, atrelado à história e que consiste no estudo das manifestações concretas da razão, materializadas nas filosofias nacionais e nos sistemas. Outro, global, identificado com o esforço da razão por se encontrar a si própria, em meio ao processo histórico, mas não se restringindo a um momento determinado. É o que Hegel identifica como “necessidade interna da razão”. A respeito, o nosso autor escrevia: “Recolhemos os pensamentos historicamente tais como se apresentaram nos indivíduos particulares (...). É uma evolução no tempo, mas conforme à necessidade interna da razão. Somente essa concepção é digna da história da filosofia; o verdadeiro interesse dessa história está em nos mostrar que, também aqui, tudo se passou no mundo de acordo com a razão (...). Essa história é o desenvolvimento da razão pensante; seu vir-a-ser deve ter-se passado de acordo com a razão” [Hegel, Introdução às Lições de história da filosofia, ob. cit., p. 43].

7 – Nem a história da filosofia ficaria completa sem o estudo das filosofias nacionais e dos sistemas, nem ficaria completa sem a visão de conjunto que revela a necessidade interna da razão. O filósofo dedicou, ao estudo do primeiro aspecto (filosofias nacionais e sistemas), as suas Lições de história da filosofia. Já para estudar o segundo aspecto (visão de conjunto que revela a necessidade interna da razão), o pensador escreveu o seu tratado fundamental, a Fenomenologia do espírito. A respeito da validade do estudo de ambos os aspectos mencionados, o nosso pensador escrevia o seguinte: “A progressão da filosofia é necessária. Toda filosofia surgiu, necessariamente, na época do seu aparecimento. Toda filosofia surgiu no momento em que devia: nenhuma ultrapassou seu tempo; todas apreenderam, pelo pensamento, o espírito de sua época (...) O conjunto da história da filosofia apresenta uma progressão em si, conseqüente, necessária; é racional em si, determinada por si mesma, pela idéia” [Hegel, Introdução às Lições de história da filosofia, ob. cit., p. 43].

8 -  A dinâmica da filosofia, segundo Hegel
  • Espírito Humano (Volkgeist)
  • Idéia
  • Manifestações do Espírito Absoluto (Arte, Religião, Filosofia)
  • Manifestações do Espírito Subjetivo (Psicologia, Antropologia, Fenomenologia do Espírito)
  • Manifestações do Espírito Objetivo (Moralidade Superior, Direito, Moralidade Jurídica)
  • Crise das Manifestações do Espírito
  • Espírito Humano (Volkgeist)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778) E AS ORIGENS DA DEMOCRACIA TOTALITÁRIA

Deparamo-nos, hoje, com movimentos conduzidos por ativistas em nome da “democracia”, dos quais não se pode dissentir, sob o risco de ser alcunhado de reacionário ou de receber ameaças à integridade pessoal. Assim, não é estranho o cidadão comum se deparar com situações ultrajantes, protagonizadas por esses ativistas. Os exemplos são múltiplos, e cobrem a vasta gama das relações sociais, no nível interno dos países, ou no terreno internacional. Mencionemos alguns desses casos: piquetes “democráticos” nas portas das fábricas, em períodos de greve, para amedrontar aos que furem a decisão das massas; ativistas “democráticos” que utilizam métodos fascistas (incêndio de escritórios, por exemplo), para insuflar pânico entre jovens que não tenham se curvado à tendência dos DCEs oficiais (como aconteceu, no decorrer dos primeiros meses de 2010, no Rio Grande do Sul). Invasões de propriedades produtivas em nome de uma vaporosa “via campesina”, com a finalidade de amedrontar pequenos e médios produtores rurais e obrigá-los a ceder às desapropriações propostas pelos “movimentos sociais”. Governantes, como Chávez, por exemplo, na Venezuela, ou os irmãos Castro, em Cuba, que ostensivamente perseguem grupos de oposicionistas, inclusive praticando assassinatos que ficam impunes, cometidos com a finalidade de manter a fraudulenta propriedade do poder pessoal sem qualquer crítica; teólogos ou comunidades eclesiais, que assumem como missão evangelizadora a defesa de uma versão de democracia, que faz da cinzenta massa dos “oprimidos” o sujeito de direitos políticos, com exclusão de quaisquer outros grupos; líderes populistas que em período de palanque, centram os seus discursos na ameaça das “elites” contra o povão, para se apresentarem como os salvadores da pátria, e que, em virtude dessa vocação “democrática” da qual eles são os exclusivos portadores, passam por cima da legislação eleitoral vigente, pressupondo que tudo é válido para eleger a sua candidata..., etc.


Pretendo, neste texto, ilustrar acerca das origens, no pensamento de Jean-Jacques Rousseau, dessa vertente do pensamento moderno, que passou a ser conhecida pelos estudiosos como “democracia totalitária”. O nome é paradoxal. Mas o paradoxo é, justamente, o elemento básico da retórica democrática. Porque, se bem é certo que se apresenta como defensora da democracia, ela esconde a sua própria negação, para utilizar uma expressão bem ao gosto de uma parcela dos que a professam.

Falemos um pouco da vida de Rousseau. Nasceu em Genebra, em 28 de Junho de 1712. Teve uma infância infeliz. A mãe, a bela Suzanne Bernard, filha de um pastor calvinista, morreu de parto quando do nascimento do nosso autor. Jean-Jacques ficou aos cuidados do pai, Isaac, homem profundamente indisciplinado, que tinha abandonado a sua esposa em Genebra para tentar a profissão familiar de relojoeiro, num harém em Constantinopla. Em 1722, o nosso autor passou a estudar na casa do ministro protestante Lambercier, em Bossey, na Alta Sabóia (sudeste da França, limitando com a Suíça e a Itália). Voltou a Genebra e, em 1728, encaminhou-se para a França, conheceu a senhora de Warens e converteu-se ao catolicismo, passando a residir na casa dela, em Annecy (na Alta Sabóia, perto da Suíça). Foi encaminhado pela sua protetora ao Seminário em Turim, onde passou a estudar latim. Em 1740 tornou-se preceptor, na França, mas não conseguiu bons resultados nessa profissão. Em 1742, Rousseau chegou a Paris, em busca de sucesso pessoal e profissional. Em 1745, ligou-se a uma humilde mulher, Thérèse Levasseur, lavadeira de profissão, com quem passa toda a sua vida, numa relação bastante tempestuosa da qual nasceram cinco filhos, por ele abandonados em orfanatos, alegando falta de recursos para sustentá-los. Este fato o atormentaria pelo resto da vida. Em sonhos, o nosso autor via a mulher e os cinco filhos perseguindo-o. Em 1749, Rousseau redigiu o seu Discurso sobre as ciências e as artes. Em 1752, compôs o “intermezzo” operístico intitulado “O adivinho da aldeia”, que foi encenado no palácio de Fontainebleau. Em 1754, o nosso autor visitou a sua cidade natal, Genebra, e voltou ao seio do protestantismo, sua religião de infância. Em 1755, publicou os discursos Sobre a origem da desigualdade entre os homens e Sobre a economia política. Em 1756, Rousseau passou a viver no castelo do Ermitage, pertencente à sua amiga e protetora Madame d´Epinay; esse castelo estava localizado perto de Montmorency, nos arredores de Paris (onde se encontra importante museu em memória do pensador genebrino). Ali o nosso autor começou a escrita do seu romance A Nova Heloísa. Em 1757 escreveu o seu tratado pedagógico Emílio ou da educação, bem como o Contrato social. Rousseau começou, nessa época, a revelar os sintomas da mania de perseguição. Esta última obra, bem como Emílio foram condenados pelas autoridades francesas; para fugir à perseguição policial, o nosso autor refugiou-se na Suíça, em Neuchâtel. Em 1764, redigiu um Projeto de constituição para a Córsega, bem como as suas Confissões. Em 1765, perseguido pelas autoridades suíças, deixou Neuchâtel e refugiou-se na Inglaterra, onde passou a morar, em Londres, na casa do amigo David Hume. Em decorrência das suas suspeitas em relação a Hume, movidas pela mania persecutória, brigou com o seu protetor, voltando para a França; em 1767 formalizou a união com a mãe dos seus filhos, Thérèse. Nesse mesmo ano publicou o seu Dicionário de Música. No ano de 1771, Rousseau escreveu as suas Considerações sobre o governo da Polônia e compôs os Diálogos: Rousseau, juiz de Jean-Jacques para supostamente se defender dos ataques dos seus adversários. Em 1776 escreveu Devaneios de um caminhante solitário. O nosso autor faleceu em 2 de Julho de 1778, no castelo de Ermenonville (perto de Paris), propriedade de seu amigo  o marquês Louis de Girardin (que desenhou os jardins, inspirado na obra novelística de Rousseau). O seu corpo foi enterrado na Ilha dos Choupos, em Ermenonville. Os restos mortais do filósofo foram transferidos para o Panteão, em Paris, durante a Revolução Francesa.

O pensamento de Jean-Jacques Rousseau pode ser sintetizado nos seguintes oito pontos:

1 – Tentativa de superar o conflito entre a obediência à própria vontade e o impulso a adaptar-se a algum critério objetivo. No fundo da reflexão rousseauniana encontramos esse conflito, decorrente da sua irregular infância. A propósito dessa situação, escreve Talmon: “Rousseau fala de sua própria condição quando descreve, no Emílio, e em algum outro lugar, a infelicidade do homem que, depois de deixar o estado de natureza, é prisioneiro do conflito entre os seus impulsos e os deveres para com a sociedade civilizada, sempre oscilando entre as suas inclinações e os seus deveres, nem inteiramente homem nem inteiramente cidadão, nem bom com ele mesmo nem bom com os demais, porque nunca está de acordo consigo mesmo” [Talmon, Los Orígenes de la democracia totalitária, tradução espanhola de M. Cardenal Iracheta, México: Aguilar, 1969, p. 271].

2 – Solução para o problema: desnaturalizar esse homem assim confuso, substituindo uma existência relativa e transformando a própria consciência em consciência social. Em relação a este ponto, Talmon escreve: “Impôs-se um modelo fixo, austero, universal, dos sentimentos e da conduta, com o objeto de criar o homem de uma só peça, sem contradições, sem força centrífuga nem desejos anti-sociais. O objetivo era criar cidadãos que quisessem somente a vontade geral e que, desse modo, fossem livres, em lugar de que cada homem constituísse uma entidade em si mesmo, atormentado por paixões egoístas e, portanto, escravizado” [Talmon, Los Orígenes de la democracia totalitária, ob cit., p. 42].

3 – O indivíduo, conseqüentemente, só pode resolver as suas contradições íntimas num projetar-se para fora de si mesmo, tratando de se identificar com o pólo objetivo da existência, constituída pela realidade social, identificada com a vontade geral. Quem se submete a esta, mesmo que se obrigue a obedecê-la em tudo, não perde a liberdade; muito pelo contrário, realiza-la-á em plena medida, pois se liberta da contradição original, que o dissocia entre o dever objetivo e as inclinações subjetivas. Considerando a solução dada por Rousseau ao problema da liberdade humana, podemos frisar que ele envereda por caminho totalmente contrário ao seguido por Immanuel Kant, pois enquanto o filósofo de Königsberg tenta encontrar um fundamento transcendental, ligado à consciência do homem, para o agir ético, o pensador genebrino renuncia à subjetividade, num projetar-se total na realidade extra-subjetiva da vontade geral.

4 - A vontade geral assume, para Rousseau o caráter de uma verdade matemática ou uma idéia platônica, com existência objetiva, mesmo que não a compreendessem os homens. Seria necessário um forte exercício pedagógico sobre os indivíduos, para que eles descobrissem a vontade geral. Uma vez descoberta, os homens não poderiam honestamente deixar de aceitá-la. A problemática da liberdade fica reduzida à identificação do eu com a vontade geral. Como diria Espinosa, esta consiste no “reconhecimento da necessidade”. Talmon frisa que, para Rousseau, “a liberdade é a capacidade para se libertar a si mesmo das considerações, interesses, preferências e prejuízos, tanto pessoais quanto coletivos, que obscurecem a verdade e o bem objetivos, os quais, se eu for sincero com a minha verdadeira natureza, estou forçado a querer. O que se aplica ao indivíduo poderia aplicar-se, igualmente, ao povo. O homem e o povo foram feitos para eleger a liberdade e, se necessário, para serem forçados a serem livres” [Talmon, ob. cit., ibid.].

5 – A vontade geral consiste, para Rousseau, na unanimidade, origem da felicidade pública. Não sendo fato consumado, ela deve ser formada no seio do povo, por intermédio do seu partido da vanguarda revolucionária, integrado pelos “puros”, que renunciaram à defesa dos seus interesses particulares, em benefício do bem público. Esse partido da vanguarda revolucionária, transformado em Comitê Revolucionário, deve destruir toda a ordem política antiga, a fim de formatar a nação jovem, que é o povo organizado unanimemente ao redor da vontade geral. O chefe da vanguarda revolucionária, uma vez triunfe a insurreição contra a velha ordem, transforma-se no Legislador, verdadeiro déspota esclarecido que, com o seu conhecimento superior, prepara o povo para cerrar fileiras em torno à vontade geral, eliminando qualquer oposição, que deverá ser considerada como atentado contra a Humanidade, porquanto conspiradora contra a racionalidade social e a felicidade pública. Qualquer meio é válido para o Legislador e a sua Vanguarda Revolucionária conseguirem materializar a unanimidade no seio do povo.

6 – No fim de todo o processo de unificação totalitária, Rousseau enxergava o surgimento de um novo tipo de homem. Ele possuiria uma nova mentalidade (alheia à defesa dos interesses individuais), com novos valores, com nova sensibilidade, totalmente livre dos velhos instintos, maus hábitos e preconceitos. Trata-se de uma conversão de tipo religioso, que abarca a Humanidade por inteiro.

7 – Para facilitar o trabalho de conscientização política a ser efetivado pelo Legislador e o Comitê Revolucionário, Rousseau propunha uma Religião civil. Essa idéia inspirava-se na consideração da história do Império romano, no qual, segundo o pensador, tinha se consolidado a autoridade inquestionável dos Césares, ao redor da Religião do Estado. O nosso autor inspirou-se, também, na leitura do Leviatã, de Thomas Hobbes, que propunha a unificação dos poderes espiritual e temporal nas mãos da autoridade única e inquestionável do soberano absoluto. A índole da religião que Rousseau propunha, era assim explicada pelo filósofo: “Existe, pois, uma profissão de fé puramente civil, cujos artigos o soberano está incumbido de fixar, não precisamente como dogmas de religião, mas como sentimentos de sociabilidade, sem os quais seria impossível alguém se tornar bom cidadão ou sujeito fiel” [Rousseau, Du contrat social, Paris: Garnier/Flammarion, 1966, p. 179]. A nova religião deveria ter um conjunto de normas simples, que levassem a gerar, no seio do povo, a unanimidade necessária para a felicidade de todos. Quem não se ajustasse aos mandamentos apresentados pelo Legislador, deveria ser expulso do corpo social, como inimigo da felicidade pública. Inspiraram-se nesse modelo os “Comitês de Salvação Pública”, surgidos após a Revolução Francesa e que deram ensejo ao terror jacobino (entre 1789 e 1798), os “Comitês dos Sovietes” (na Revolução Comunista de 1917), os “Comitês para a Defesa da Revolução” (das revoluções castrista e chavista), a “Polícia para a Defesa do Islã” (da revolução iraniana de 1979), os “Comitês da Revolução Cultural” de Mao-Tse-Tung, na China, os “Conselhos Nacionais” do lulopetismo, etc.

8 – Há uma evidente contradição entre a filosofia política proposta por Rousseau no seu Contrato Social e as idéias educacionais presentes na Nova Heloísa e no Emílio ou da Educação. Ao passo que na parte pedagógica o filósofo de Genebra defendia a “educação para a liberdade”, superando a velha pedagogia de impor modelos comportamentais à criança e apregoando que a educação seria uma ação de estímulo às capacidades do educando, a fim de que estas desabrochassem nele, junto com o exercício da liberdade, considerada como o maior bem do homem, na parte política Rousseau defendia o contrário: a aniquilação da liberdade individual para se conseguir o maior bem almejado: a unanimidade do corpo social. O problema é de uma contradictio in terminis, como diziam os escolásticos. Problema de autêntica duplicação da personalidade, um caso mais de psiquiatria do que de filosofia. Afinal das contas, não é exagero se perguntar pela sanidade mental de alguém que escreve, na sua maturidade, uma obra com o seguinte título: Diálogos – Rousseau, juiz de Jean-Jacques.