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sábado, 19 de junho de 2010

A INTERIORIZAÇÃO DO NARCOTRÁFICO NO BRASIL

O jornal Tribuna de Minas realizou, entre os dias 17 e 19 de Junho de 2010, uma série de reportagens sobre a interiorização da criminalidade, decorrente do narcotráfico, em Juiz de Fora e outras cidades da Zona da Mata. Várias matérias foram preparadas pelos jornalistas Guilherme Arêas, Sandra Zanella e Renata Brum. Ao ensejo da pesquisa jornalística empreendida pelo jornal, respondi ao repórter Guilherme Arêas as perguntas que ora seguem:


- Como você já escreveu vários artigos sobre a criminalidade no Rio e mora em Juiz de Fora, você percebe alguma semelhança entre o perfil da criminalidade nas duas cidades?

Bom, há uma semelhança básica, embora os números da criminalidade em Juiz de Fora ainda não tenham, felizmente, chegado ao grau de violência em que mergulhou a capital carioca. A semelhança é, basicamente, a seguinte: o estouro da criminalidade acompanhou, em ambas as cidades, ao aumento no consumo de narcóticos. Segundo o “Balanço do Carnaval na Região” (Tribuna de Minas, 10-02-10), a apreensão de crack foi, em 2009, de 37 gramas, e em 2010, de 58 gramas. A criminalidade acompanhou esse aumento de circulação de crack na área estudada (86 cidades atendidas pela 4ª Região da Polícia Militar de Minas Gerais). Os índices foram, respectivamente, os seguintes, em 2009 e 2010: acidentes de trânsito urbano (126/138); acidentes com vítimas fatais na área urbana (0/3); homicídios consumados (3/7); tentativas de homicídio (3/5); lesões corporais (211/242); furtos qualificados em residências (40/44); furtos qualificados na zona rural (4/7); número de operações realizadas (523/600); número de armas de fogo apreendidas (13/21) fuga de presos (0/1) foragidos (0/2); autuações de trânsito municipal (223/287). Repete-se, aqui, constatação que já tinha sido feita nas cidades colombianas, bem como no Rio de Janeiro e em São Paulo e que está sendo registrada, hoje, com pavor, pelos mexicanos, por exemplo, em Ciudad Juarez (a nova capital mundial do narcotráfico), onde a criminalidade decorrente da ação dos cartéis da droga praticamente explodiu, se tornando questão de segurança nacional.

- De que forma o crime organizado no Rio pode interferir na criminalidade em Juiz de Fora? Os 184km que separam as duas cidades são uma distância curta quando o assunto é violência?

Como destacou o estudioso Julio Jacobo (autor do Mapa da Violência no Brasil), em entrevista concedida em 24 de maio passado à TV Estadão, de São Paulo, houve, nos últimos anos, um fenômeno de interiorização da violência decorrente do narcotráfico nas cidades brasileiras. Como nas grandes capitais (Rio de Janeiro e São Paulo, especialmente) as autoridades começaram a desenvolver políticas agressivas de combate ao narcotráfico, os criminosos interiorizaram os seus negócios, passando a estocar drogas e a organizar o comércio da morte a partir de cidades do interior. As autoridades dessas localidades ainda não estavam preparadas para fazer frente a essa nova realidade e, então, os índices de criminalidade dispararam. Esse é um fenômeno que o citado estudioso constata ao longo de todo o país. Juiz de Fora, assim, não foi exceção. A presença de narcotraficantes cariocas e paulistas certamente tem mudado, na nossa cidade, o perfil da criminalidade. E a sociedade civil ainda não acordou para essa nova realidade, ao contrário do que já está acontecendo nas grandes cidades litorâneas, onde os cidadãos ficaram muito mais espertos em face do narcotráfico, passando a colaborar estreitamente com os organismos policiais. O consumo de entorpecentes ainda não perdeu o seu charme para setores expressivos da nossa sociedade. É tolerado e até estimulado em festinhas e raves.

- A ocupação das favelas cariocas pela Polícia Militar (Unidade de Polícia Pacificadora - UPP) deixa claro que um dos objetivos é expulsar os traficantes dos morros. Mas nem por isso eles deixam de ser traficantes. Para onde vão esses criminosos? Para o asfalto carioca ou para cidades vizinhas? Há notícias de que traficantes tenham ido para outros municípios devido à ocupação pela PM? Eles poderiam ter ultrapassado os limites do estado do Rio e vindo para Minas, por exemplo?

Não há dúvida de que isso vem acontecendo. Tranqüilas cidades do interior brasileiro, como Atibaia, em São Paulo ou Mar de Espanha, na Zona da Mata mineira, por exemplo, passaram a receber “investimentos” de notórios traficantes, porque nestas localidades ficavam os testas-de-ferro muito mais tranqüilos em relação ao combate sem trégua que, nas capitais, estava sendo desfechado pelas autoridades policiais. Não que as polícias militar e civil tivessem menos empenho na luta contra os bandidos nas cidades do interior. Mas a presença mais agressiva dos traficantes, nestas localidades, não foi acompanhada de um reforço da segurança pública condizente com a nova realidade. E, o que é mais grave, os cidadãos ainda se sentem alheios ao problema.

- Informações apontam que traficantes cariocas já começam a deixar de lado a venda de crack, devido ao alto poder destrutivo da droga, e voltando o foco novamente para a maconha. Isso procede? É uma tendência natural? Será que Juiz de Fora, que vive uma verdadeira "epidemia" de crack, seguirá essa tendência daqui a alguns anos?

Bom, neste caso seria interessante consultar os números que a 4ª Região da Política Militar tem em relação às apreensões de narcóticos. Uma eventual substituição do comércio de crack pela maconha ainda deve, no entanto, preocupar. Porque, como está provado por especialistas e pela experiência de outros países, a maconha é a porta de entrada para drogas mais pesadas. É lamentável ver figuras públicas, como o ex-ministro do meio ambiente Carlos Minck, em passeatas em prol da liberação da maconha. Essa é uma canoa furada.  

- Aqui em Juiz de Fora os jovens envolvidos com a criminalidade se identificam muito com as facções criminosas do Rio. Nossa reportagem mapeou as gangues de Juiz de Fora e descobriu que elas necessariamente assumem uma posição entre Comando Vermelho (CV) ou Amigos dos Amigos (ADA), por mais que as facções originais não tenham ligação direta com os jovens daqui. A que você atribui toda essa idolatria às facções e de que forma esses grupos criminosos organizados influenciam em comunidades a quilômetros de distancia deles?
CV e ADA viraram verdadeiras logomarcas?

Infelizmente as siglas dos narcoterroristas viraram logomarcas. Nos morros Medellín, na Colômbia, o traficante era, há quinze anos atrás, o herói da parada, como acontece ainda hoje em áreas faveladas das nossas cidades. Diante de um quadro de desemprego grande para os jovens, os traficantes oferecem a miragem do enriquecimento rápido e do consumo suntuário daí decorrente. Os jovens sem perspectivas de trabalho ficam, evidentemente, impressionados. Andar na garupa de uma moto com tênis de grife e portando um AR-15, faz do adolescente que caiu na cantada do narcotráfico um herói momentâneo. Em Juiz de Fora não chegamos ainda a esse extremo. Mas os traficantes teimam em botar a sua logomarca em locais públicos. Moro na pracinha de São Mateus e é comum, nas imediações, ver pichações com as logomarcas CV e ADA. A Prefeitura, há algum tempo, tomou providências e na quadra de esportes (que constituía uma verdadeira feira livre de logomarcas criminosas) foram convidados artistas do grafite para que decorassem os muros da quadra, que fica a metros de distância do posto policial. Essa ação, de reforçar a presença do Estado, em lugares públicos que os marginais pretendem se apropriar, é fundamental. Não pode, no entanto, ser episódica. Tem de ser constante. A atual administração municipal (imagino que pela escassez de verbas decorrente da má administração anterior), praticamente abandonou a limpeza urbana. Isso é muito negativo. Porque dá, para os meliantes, a impressão de que o espaço público está aberto para colocarem a sua propaganda deletéria e instalarem, ali, os seus postos avançados de venda de entorpecentes. Gostaria de fechar esta entrevista lembrando o excelente exemplo que a Polícia Militar está dando na Vila Olavo Costa, onde, ademais da ação repressiva contra os bandidos, o Posto Policial está incrementando ações de cultura, mediante a criação de uma pequena biblioteca comunitária destinada aos jovens do bairro. Isso é importantíssimo. Em cidades como Medellín (que era, há quinze anos atrás a cidade mais violenta do mundo, com 350 assassinatos por 100 mil habitantes) a violência do narcotráfico caiu verticalmente graças ao binômio repressão policial contra os traficantes e ações massivas de cultura popular (implementadas pela prefeitura). Nessa cidade, em 2007, foram inauguradas cinco mega-bibliotecas populares nos bairros mais violentos. A fórmula deu certo e hoje Medellín é uma cidade procurada por investidores do mundo inteiro. Essa fórmula, não tenho dúvida, dará certo também em Juiz de Fora.

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