A obra de Immanuel Kant marcou definitivamente os rumos da filosofia ocidental, desatrelando-a da metafísica e colocando-a, de maneira firme, no contexto da denominada perspectiva crítica ou transcendental. Não temos acesso à essência substancial das coisas, embora não possamos prescindir delas na elaboração do nosso conhecimento. Da realidade somente conhecemos o fenômeno, aquilo que se revela à nossa experiência. Não temos o condão mágico de enxergar a essência substancial das coisas. Elaboramos os nossos conhecimentos a partir do que dos objetos nos revelam as experiências sensoriais. Podemos nos elevar até as generalizações teóricas mediante juízos sintéticos a priori que, partindo da experiência, possibilitam-nos organizar os dados fenomênicos com a ajuda das idéias puras do entendimento. Não criamos, portanto, a realidade. O nosso entendimento é apenas faculdade ordenadora do real. Com esses seus princípios expostos na Crítica da Razão Pura, o filósofo de Königsberg dividiu, com Platão, o mérito de ter formulado uma das duas perspectivas filosóficas que balizam a filosofia ocidental: a crítica ou transcendental, sendo que o pensador grego sistematizou, notadamente no seu diálogo Fédon, a perspectiva denominada realista ou transcendente.
A partir da perspectiva transcendental, Kant deu embasamento epistemológico à nova física de Newton, mostrando como era possível uma ciência formulada em juízos sintéticos apriori, que levassem em conta os dados da experiência. Podemos dizer que Kant tirou a ciência moderna da enrascada em que tinha sido colocada pela tentativa de explicação substancialista. Se, segundo é pressuposto por esta, nós enxergamos a essência da realidade, não se explica como, no que tange às teorias cosmológicas, a Humanidade embarcou durante séculos a fio (desde os Gregos até 1543, quando Copérnico formulou a hipótese heliocêntrica) na canoa furada do Cosmo geocêntrico. No contexto da explicação kantiana, a mudança de paradigma cosmológico é de fácil explicação: passou-se, com Newton, de uma apreciação do fenômeno a uma outra, mais compatível com a experiência e os dados matemáticos. Nada de dogmatismo realista. Instalou-se, na filosofia da ciência, uma saudável relatividade quanto à necessidade de consultar os dados da experiência, sempre passível, aliás, de novas representações. À luz da perspectiva kantiana Karl Popper, no século XX, definiu a certeza científica como afirmação probabilística, capaz de ser refutada. Afirmações passíveis de serem discutidas pela comunidade científica e verificadas por ela, essas são as assertivas científicas. Longe ficou o neokantismo do dogmatismo positivista, que pretendia uma certeza dogmática para a ciência, a partir de fatos apreensíveis de uma vez para sempre.
Mas a herança kantiana foi definitiva, também, em dois outros terrenos: o da ética e o da política. No que tange ao primeiro campo, Kant formulou, pela primeira vez, uma moral racional, mediante a tradução, em rigorosos conceitos filosóficos, dos postulados religiosos em que até então se alicerçava a moral. Na sua Fundamentação da metafísica dos costumes, o mestre de Königsberg traduziu o cerne da moral judaico-cristã, o mandamento da caridade, neste imperativo categórico: “Age de tal forma que trates a pessoa humana sempre como fim e nunca como meio”. Tornou-se possível, assim, uma moral racional, que incorporou o rico legado da tradição judaico-cristã, compatibilizando-o com a tradição helenística que valoriza a razão. Já no que tange à política, o pensador alemão formulou, no seu opúsculo intitulado A paz perpétua, o que seria o princípio básico da moral pública, ou princípio da “transparência”, que reza assim: “Age sempre de tal forma que os motivos de tua ação possam ser divulgados aos quatro ventos”. Esse princípio tornou-se o centro irradiador de luz para a ação política, tanto no plano nacional quanto no terreno internacional. A melhor forma de manter a credibilidade de um governo é, à luz do princípio kantiano, mantendo a transparência perante a comunidade. E, no terreno internacional, a garantia da paz entre as nações consiste em não esconder cartas na manga, explicitando, perante a comunidade das Nações, os móveis da ação dos Estados. Utopia? Talvez. Mas a aproximação desse ideal é a que, certamente, tem garantido os clarões de paz na noite dos conflitos. Mais uma vez, o genial pensamento do filósofo de Königsberg tornou-se semente fecunda da civilização ocidental, neste conturbado início de milênio.
Fiquei duplamente feliz: entendi tudo por minha formação linguistica. Forma e substância e todas as suas decorrências na ciência moderna. E quanto à ética é fantástico. Não sei se o divulgador é tão bom que deu para sacar tudo. Mas, afinal, lendo teus textos, retomo conceitos que aprendi na linguística e que me ajudam mesmo a melhor entender o mundo.
ResponderExcluirÉ perceptível que o pensamento Kantiano é conhecido como idealismo transcendental próprio Kant descreveu sua filosofia crítica como uma “revolução copernicana”: Kant afirma que se a metafísica anterior admitia que o nosso conhecimento devia regular-se pelos objetos, agora admitimos que os objetos regulam-se pelo nosso conhecimento. Portanto, são os objetos que se adaptam ao conhecimento e não ao contrário.
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