Vicente Ferreira da Silva, "a maior vocação metafísica do Brasil", segundo Miguel Reale (1910-2006)
Mito e Cultura constituem, sem dúvida, duas categorias chaves da meditação de Vicente Ferreira da Silva, porque à luz delas se desenvolve a concepção ferreiriana sobre a ética e a antropologia. É o meu propósito, nesta exposição, refletir sobre elas, destacando a forte originalidade que as permeia. Desenvolverei três pontos: 1) O homem, irredutível ao geograficamente dado, graças à vivência do mundo eidético; 2) O homem, irredutível às utopias, graças à fundação poética da sua essência; 3) A moral lúdica, na superação do mito do progresso indefinido.
1) O homem, irredutível ao geograficamente dado, graças à vivência do mundo eidético
No seu breve ensaio "O Andróptero", Vicente Ferreira da Silva salienta uma visão não determinística do homem, a partir da dimensão de abertura ao ser, típica da sua humanitas. Os homens somos vítimas, frisa Ferreira da Silva, do "provincianismo geográfico" que tinha tipificado Platão no seu diálogo Fédon. Nesse diálogo, "depois de afirmar que esta terra não corresponde à imagem que dela fazem os que costumam redatar descrições de sua superfície, Platão nos diz ser a terra incomensuravelmente grande, possuindo uma infinidade de lugares maravilhosos que desconhecemos por habitarmos entre Farsis e as Colunas de Hércules. Fechados nesse exíguo círculo, entre vales e escarpas confinantes, não temos muitas vezes sequer o pressentimento das paragens divinas que nos envolvem, dessa terra pura que domina a nossa terra. Tendo fixado nossa residência neste solo pedregoso e estéril, aqui vivemos disseminados pelas praias e costas, como formigas e rãs em redor de um pântano. Este provincianismo geográfico desastroso e fatal, que se nos adere, termina por nos cegar, e deixamos então de perceber que a terra que pisamos, estas pedras e todos os lugares que habitamos, estão inteiramente corrompidos e arruinados como aquilo que jaze no mar o está, pela acritude dos sais (...)"[1].
A ilusão, frisa o pensador paulista, é a arma que empregamos para sentir-nos "senhores das alturas" e apagar, no seio da nossa consciência, todos os sintomas de sujeição e abatimento que produz o provincianismo geográfico. Assim, frisa Ferreira da Silva, "(...) escapamos ao nosso cativeiro pelo expediente da má fé e da falsificação (...)"[2]. Platão, num outro diálogo, o Fedro, caracterizou muito bem a situação da alma falsamente liberada pela ilusão: "(...) Quando a alma perde suas asas, roda pelos espaços infinitos até aderir a alguma coisa sólida, fixando aí sua morada. Essa coisa sólida -- considera Ferreira da Silva -- é constituída pelo sistema de nossos limites, de tudo quanto é externo, de todo o domínio da materialidade (...)[3].
A doutrina platônica das idéias aparece, nesse contexto de determinismo e opressão, como uma filosofia salvadora. "A virtude das asas -- afirma Platão -- consiste em levar o que é pesado para as regiões superiores"[4]. Porém, frisa Ferreira da Silva, é preciso interpretar corretamente as idéias, não como uma cópia exaurida da realidade sensível, pois perderiam assim toda a sua originalidade, e já não seriam Ser original ou matrizes absolutas. E caracteriza assim a sua verdadeira essência: "(...) A Idéia é justamente o contrário de um conceito, que está sempre aquém do sensível, tendo virtudes e propriedades completamente distintas. Enquanto os conceitos nos encerram no determinado e no finito, pondo-nos em relação com um dado insuperável, as Idéias nos lançam num processo infinito de perfeição e de plenitude, fazendo-nos ultrapassar todo o imediato (...)"[5]. Assim, o mundo eidético, "esse Eros cosmogônico que mantém o Universo em existência" exerce um papel distensivo e libertador ao permitir-nos a evasão do puramente fáctico, bem como do confinamento a que nos reduzem os sentidos e os conceitos. Em que pese o fato de serem "realizadas, imóveis e estáticas", as Idéias são "o princípio de todo o movimento no mundo sensível, estando este em constante radiação para esses paradigmas insuperáveis do Ser"[6].
Só existe um caminho para a verdadeira libertação: a abertura ao pensamento eidético, que é a abertura ao Ser e que exige de nós um duro sacrifício: "(...) o da entrega a uma perfeição que não solicita o nosso consentimento para a sua constituição, exigindo a genuflexão de nossa vontade (...). Quando entramos em cena o drama do ser já se cumpriu, pois está realizado desde todo o sempre e o nosso único papel seria o de reconhecer, ou não, a legitimidade de sua soberania (...)[7].
Fora dessa perspectiva de abertura ao plano eidético, todo é "mímesis, cópia, mera reprodução". Nesse contexto de inautenticidade, o real se nos apresenta "como pensamento pensado e não como pensamento pensante". Caímos então numa posição metafísica de cujas dificuldades não conseguiu escapar o próprio Platão, "quando este se defronta na República com o problema de explicar porque devem voltar a este mundo, para desempenhar o seu papel de mentores e governantes, aqueles que fixaram sua morada no templo das Idéias. Compreende-se, pois, perfeitamente a pergunta de Glaucon a Sócrates: Por que condená-los a uma vida miserável, se eles podem desfrutar de uma vida mais feliz? (...)". Ferreira da Silva formula esta pergunta, que traz até nós a preocupação do interlocutor de Sócrates no diálogo platônico: "(...) Se a felicidade e o objetivo da vida estão além da história, se o tempo e o curso das coisas humanas não constituem um fator substancial da realidade, por que exigir de quem se elevou a uma ordem superior de existência que se ocupe e se responsabilize pela gestão das sombras?"[8]
2) O homem, irredutível às utopias, graças à fundação poética da sua essência
Ferreira da Silva reconhece duas formas de utopismo que afetam ao homem: a normal, que faz ênfase no fato de ter uma norma canônica do existir humano, "um regime definitivo em que o homem entraria em plena congruência com o seu desenho essencial"[9]. Nesse utopismo deitam raízes as idéias de uma idade de ouro ou de uma nova Atlântida.
A segunda forma de utopismo baseia-se no reconhecimento de que "o homem em sua natureza é um ser construtível, tanto do ponto de vista interior, como do ponto de vista exterior, e que portanto pode ser conduzido ou reconduzido à sua forma nomal"[10].
O filósofo paulista salienta que o homem, nas Utopias, é tomado como um objeto destituído de qualquer dialética interna. Trata-se, sem dúvida, de um vulgar determinismo, cuja essência é assim explicada pelo nosso autor: "(...) Se considerássemos o homem como um simples sistema de necessidade, ou como uma ordem de apetites psico-somáticos, seríamos forçados a admitir sempre uma proporção direta entre o sentimento de poder interno, de plenitude e satisfação humana e o aumento das condições e dos meios externos de satisfação desses apetites (...)"[11].
Ferreira da Silva frisa, contudo, que a reflexão patenteia que o homem é um puro imprevisível, que não pode ser construído ou programado mediante um conjunto de técnicas sofisticadas controladas pelo Estado: "(...) A mais sumária reflexão nos demonstra, entretanto, quão negligente à realidade é essa pretensa proporção que comanda esta forma de pensamento: num certo aspecto, o homem é um puro imprevisível, sendo a sua coerência de ordem mais profunda do que entende o utopismo. A utopia social implica, evidentemente, uma certa ordem no suceder das coisas, exige que a um mais corresponda sempre um mais e a um menos sempre um menos, pois não teria sentido trabalhar numa certa direção se não estivesse garantido o resultado. A própria idéia de construtibilidade no sentido utópico, que envolve todo um conjunto de técnicas que facultaria a um poder estatal a construção de um determinado tipo de sociedade e ipso facto de uma certa figura antropológica, viria a perder seu sentido se puséssemos em relevo esta rebeldia metafísica da consciência humana (...)"[12].
O utopismo peca justamente por desconhecer esta "rebeldia metafísica" essencial ao homem, ao tentar quantificá-lo em resultados mensuráveis. Ferreira da Silva refere-se a esse aspecto nestes termos"(...) O utopismo está baseado numa versão muito superficial do que poderíamos denominar a lógica existencial do homem, a sua coerência interna e não podemos fugir à impressão de que lida com o homem, como se este fosse uma quantidade fixa, um termo que se manteria constante em todas as suas operações. Sob um outro ângulo, o utopismo não considera a variação histórica dos desiderata, impulsos e idéias humanas e toda a fluente e incoercível realidade da história (...)[13].
Ferreira da Silva assinala um aspecto muito importante dessa "rebeldia metafísica" do homem: a liberdade. Aí deita raízes a distinção profunda entre o homem e as coisas que podem ser programadas: "(...) A escolha, no homem, é sempre seleção, alternativa, privação, o que o distingue essencialmente de todas as coisas que podem passar por diversas fases de elaboração, permanecendo sempre aptas a serem conduzidas à perfeição previamente estabelecida. Ao optar, o homem cria condições novas e particulares, novas determinações do seu ser, que passam a limitar e cercear as novas opções, apresentado à sua vida um conjunto circunstancial sempre diferente (...)"[14]. O filósofo paulista exprime a absoluta originalidade humana, em palavras que lembram o pensamento de Heidegger: "(...) O homem assemelha-se a um viandante que, ao se perder numa floresta, fosse destruindo todas as pontes e passagens que o ligavam ao ponto de partida, não lhe restando, portanto, outro recurso senão marchar para a frente (...)"[15].
O utopismo, pelo contrário, frisa Ferreira da Silva, pressupõe que o projeto humano pode ser decomposto em etapas quantificáveis, numa alusão às teorias desenvolvimentistas que apregoam um planejamento da sociedade, do estritamente econômico e material e até do propriamente humano: "O pensamento utópico, entretanto, (...) julga que o problema humano pode ser decomposto em fatores particulares, podendo uma parte esperar a solução da outra e afirmando ipso facto que a sociedade se pode dedicar primeiro a salvar os seus problemas materiais mais urgentes para depois enfrentar tarefas de mais alto significado. Esta crença vêmo-la despontar quando ouvimos dizer que tal ou qual país está sacrificando uma ou duas gerações na construção de uma infra-estrutura incomovível que lhe possibilite depois um apogeu espiritual (...)"[16].
Essa falsa pressuposição do utopismo inspira-se numa visão simplista do homem, que pretende manter a sua identidade espiritual mediante processos de manipulação extrínseca. O filósofo levanta duas objeções contra essa pretensão que, mesmo que não tenha identificado explícitamente, materializou-se, no Brasil, nas várias tendências determinísticas que, como o positivismo, inspiraram em boa medida as idéias desenvolvimentistas postas em marcha nas últimas décadas: "(...) Porém, uma vez criada essa ordem econômica perfeita, estaria ainda o homem na mesma disposição em relação aos seus antigos ideais? Permaneceria intacta a sua fé através desse período de transformações unilaterais? Estas são duas das objeções possíveis ao dogma da construtibilidade parcelada do homem, que se inspira evidentemente numa apreensão objetivante e desmerecedora do homem. Um pequeno número de idéias simplistas e ingênuas orientam este modo de pensamento. Conhecidas as cadeias causais próprias dessa coisa que é o homem, poderíamos então submetê-lo a uma manipulação racional e científica (métodos pedagógicos, higiênicos, eugênicos, reflexológicos, etc.) em analogia com os processos usados na criação de animais domésticos"[17].
Ferreira da Silva salienta que a afirmação da homogeneidade absoluta do real é a premissa básica da construtibilidade utópica: "Uma premissa se esconde sob a crença da construtibilidade utópica do homem: é a afirmação da homogeneidade absoluta do real. O real se poria como uma extensão homogênea de entidades físicas e naturais que absorveriam em si a totalidade do conhecido. Nenhuma negatividade interna conturbaria a organização dessa massa inerte. Uma vez conhecido o determinismo intrínseco do real, poderíamos afeiçoá-lo ao nosso gosto, dando-lhe a forma mais conveniente ao seu funcionamento natural, aos objetivos postos (...)"[18].
A visão utópica da realidade teve uma origem filosófica: a República platônica. A respeito, afirma Ferreira da Silva: "(...) Platão consagrou definitivamente a crença de que o homem tem uma medida a cumprir em todos os seus atos e de que o ideal de uma vida justa consiste na participação de um modelo essencial. Esta República ideal de Platão não seria uma invenção arbitrária dos legisladores, nem uma imposição de uma elite de força, mas sim um teorema da razão, uma exigência da natureza inteligível do homem"[19].
Contudo, apesar desse caráter puramente teorético, que tipifica a República platônica, o seu utopismo não se pode afiançar sem a sua materialização num regime universalmente válido "que polarize todos os espíritos numa mesma conexão racional e que imponha uma mesma meta a todos os esforços (...)". A utopia pode-se colocar no passado, como um paraíso perdido, ou no futuro longínquo, como um regime ideal a ser alcançado; porém, frisa o filósofo paulista, "(...) é a utopia sempre a mesma representação de um regime idealmente necessário dos homens e das coisas, a equação da vida com um código eterno da natureza. Um tal sistema, pelo seu próprio caráter, faz tabula rasa do tempo, pois é a fórmula política de todos os tempos. É o próprio testemunho da História que demonstra o caráter sofístico desta carta política ideal e utópica, dessa legislação universal superior aos tempos e aos lugares (...)"[20].
O autor sintetiza assim a problemática debatida por ele nas páginas do seu artigo "Utopia e liberdade": "(...) O que está em jogo aqui é, evidentemente, uma questão de ordem metafísica, a saber: se o homem tem uma medida invariável através dos tempos, um modelo essencial, ou se pelo contrário o homem é o fruto de seu fazer histórico, de sua liberdade e inventividade fundamentais (...)"[21].
Ferreira da Silva enfatiza a sua concepção de inspiração heideggeriana acerca da essência do homem: "(...) Parece-nos que o mais íntimo do homem consiste justamente nessa fundamentação poética de sua essência, nessa autoprojeção de sua fisionomia humana; e assim não se pode reger por sistema de fins dados de uma vez para sempre. Este regime definitivo da utopia nada mais é do que uma ilusão constante do espírito, propenso a dar valor permanente aos tipos de conduta, e aos valores históricos sempre contingentes e gratuitos"[22].
3) A moral lúdica, na superação do mito do progresso indefinido
A crise do homem contemporâneo é caracterizada por Ferreira da Silva assim: "um veneno insidioso foi se infiltrando lentamente no corpo da sociedade atual, um veneno estranho e invisível, cujos sintomas, tornando-se cada vez mais nítidos, incapacitaram o homem para as suas mais autênticas realizações. Uma atmosfera de constrangimento e de frustração circunscreve o campo da consciência e por todos os lados a expectativa do que está por vir tinge de cores carregadas as perspectivas vitais (...)"[23].
Esse veneno e essa atmosfera de constrangimento estão identificados, a partir do século XIX, com o mito do progresso indefinido, que mudou a transcendência numa transdescendência, ofuscando o propriamente humano. A propósito, frisa Ferreira da Silva: "(instaurou-se) o mito do progresso contínuo, invertendo a ordem dos meios e dos fins, numa caça exaustiva de recursos que nunca desembocavam numa promoção da vida por si mesma. A transcendência original do viver transmutou-se numa transdescendência, isto é, num aprofundamento material cada vez mais acentuado, toda ação passando a ser interpretada unicamente como ação transitiva, utilitária ou econômica, como transformação das coisas e do mundo, mas perdendo-se em vista o escopo de todo o movimento. A ordem sem fim dos meios, o mal infinito dos instrumentos ofuscou a alma e o (seu) ato fundamental, o exercício ético das virtudes propriamente humanas (...)"[24].
O conhecimento operacional, frisa o nosso autor, é uma "visão subsidiária e não teoria filosófica total". Por pretender sê-lo, tornou-se "conhecer monstruoso", na expressão de Kierkegaard. "(...) O que negamos é que esse conhecimento operacional -- escreve Ferreira da Silva --, visão subsidiária e não teoria filosófica total, possa nos instruir no tocante à forma última de nossa vida (...)"[25]. Na hipertrofia da atividade produtiva do homem atual, a sociedade perdeu o controle dos mecanismos que pôs em movimento.
O efeito mais grave dessa hipertrofia consiste no fato de que os colossos nacionais da técnica encheram o coração do homem de mais apreensões e temores. A solução adequada para esse conflito consiste na modificação simultânea do homem e de suas condições materiais de vida, com ênfase numa inflexão do comportamento moral. Essa será a única forma de superar o caráter para, absolutamente utilitário, da ação moderna, que leva a uma transitividade insubstancial.
Nesse esforço de reivindicação do autenticamente humano, colabora conosco a noção de espírito do cristianismo, que nos capacita para valorizar as coisas em si mesmas. "(...) Para Aristóteles -- frisa Ferreira da Silva --, que vivia no âmbito do intelectualismo grego, somente a contemplação e a filosofia respondiam a tais exigências. Nós, entretanto, educados numa tradição cristã, não necessitamos limitar às virtudes dianoiéticas este poder de salvação, pois a nossa noção de espírito é muito mais ampla. O amor, as livres atividades criadoras, são também coisas que se buscam por si mesmas"[26]. Encontramos neste aspecto da meditação ferreiriana uma inovação com relação à perspectiva heideggeriana, que ao menos na Carta sobre o Humanismo, enxerga o fenômeno cristão simplesmente como mais um humanismo que limita as livres atividades criadoras do homem.
Ferreira da Silva salienta o valor do jogo, como símbolo da conduta ética que dá valor as coisas em si mesmas. "(...) O objetivo do jogo é o jogo, é a ação da ação, o ato do ato. Como símbolo de uma conduta que encontra o deleite no completo, a atividade lúdica é o mais próximo paradigma de um sentido de felicidade que o homem moderno perdeu quase inteiramente (...)"[27].
Ferreira da Silva lembra que há somente uma coisa importante, uma única seriedade séria, a saber: "Varrer da nossa consciência o inessencial, o que não se relaciona com a ação que se busca por si mesma, votando à sátira, à ironia e ao escárnio todos os falsos ídolos. Só há uma seriedade séria: mas esta não é lúgubre ou taciturna, crispada e sofredora, mas sim vivificante, generosa e criadora"[28]
Conclusão
Ferreira da Silva inspira-se no modelo arquetipal platônico, para definir a dinâmica da cultura. Esta decorre de um arquétipo que lhe é anterior. Por isso, a crítica culturológica pressupõe, no seu pensamento, uma reflexão sobre os fundamentos primordiais do mundo humano. O pensador paulista critica, como insuficiente, a concepção cultural decorrente do arquétipo do mito do progresso indefinido, que coisificou uma realidade irredutível ao mundo dos fenômenos: o espírito humano. O caminho para encontrar o domínio do verdadeiramente humano é, para Ferreira da Silva, o da abertura ao Ser, que constitui o único arquétipo filosoficamente aceitável. Esse é também o caminho do reconhecimento da essência do homem como ek-sistência. O homem é, como diz o pensador paulista, repetindo Heidegger, o vizinho do Ser. Ferreira da Silva deixa claro que "o homem é sujeito de um destino instituidor de sua própria realidade histórica, em relação ao qual pode se intimisar. O homem habita um domínio onde, o que está em jogo, é algo que supera o homem, mas que o superando, lança-o em sua situação própria"[29]. A idéia de ek-sistência é a peça chave da filosofia ferreiriana da cultura. Porque é ek-sistente, o homem está aberto à vivência do mundo eidético e é irredutível ao geograficamente dado. Porque é ek-sistente, o homem é irredutível às utopias, graças à fundação poética de sua essência. Porque é ek-sistente, é possível para o homem viver uma moral lúdica, na qual supere o mito do progresso indefinido.
[1] Ferreira da Silva, "O Andróptero", in: Obras Completas, Volume I, ( Introdução de Miguel Reale), São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, 1964, pg. 17.
[2] "O Andróptero", op.cit., pg. 18.
[3] "O Andróptero", op. cit., pgs. 17-18.
[4] Citado por Ferreira da Silva, in: "O Andróptero", op. cit., pg. 19.
[5] "O Andróptero", op. cit., ibid.
[6] "O Andróptero", op. cit., pg. 20.
[7] " O Andróptero", ibid.
[8] "O Andróptero", op. cit., pg. 21.
[9] Ferreira da Silva, "Utopia e liberdade", op. cit., vol. I, pg. 61.
[10] "Utopia e liberdade", op. cit., ibid.
[11] "Utopia e liberdade", ob. cit., ibid.
[12] "Utopia e liberdade", op. cit., pg. 62.
[13] "Utopia e liberdade", ob. cit., ibid.
[14] "Utopia e liberdade", ob. cit., pg. 63.
[15] "Utopia e liberdade", op. cit., ibid.
[16] "Utopia e liberdade", op. cit., pg. 64.
[17] "Utopia e liberdade", op. cit., ibid.
[18] "Utopia e liberdade", ob. cit., ibid.
[19] "Utopia e liberdade", op. cit., pg. 64-65.
[20] "Utopia e liberdade", op. cit., pg. 65.
[21] "Utopia e liberdade", op. cit., ibid.
[22] "Utopia e liberdade", op. cit., ibid.
[23] "Para uma moral lúdica", Obras completas, vol. I, op. cit., pg. 137.
[24] "Para uma moral lúdica", op. cit., pg. 137-138.
[25] "Para uma moral lúdica", op. cit., pg. 138-139.
[26] "Para uma moral lúdica", op. cit., pg. 141.
[27] "Para uma moral lúdica", op. cit., ibid.
[28] "Para uma moral lúdica", op. cit., ibid.
[29] Ferreira da Silva, "A concepção do homem segundo Heidegger", in: Obras Completas, op. cit., vol. I, pg. 259.
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