O filósofo Immanuel Kant, autor da obra intitulada A Paz Perpétua (1795), em que o mestre alemão firmou os seus princípios políticos
O coronel Chávez, líder da "Revolução Bolivariana"
A onda de cinismo e corrupção a que temos assistido ao longo dos últimos anos deixa transparecer uma coisa: estamos longe do ideal republicano que, na tradição liberal, encontrou em Immanuel Kant (1724-1804) um dos seus mais importantes formuladores. Direi, na parte final deste comentário, em que pontos o Brasil em particular, e a América Latina, de um modo geral, se afastaram do ideal republicano apresentado pelo filósofo alemão. Primeiro, destacarei alguns dos seus conceitos básicos.
Immanuel Kant defendia a organização livre dos Estados como fundamento para a paz. Uma estrutura política, para ser sadia, pensava o mestre alemão, deveria se alicerçar no respeito à pessoa humana e ao seu mais prezado direito, a liberdade. Só a constituição do Estado como República garantiria essas duas exigências. Nem o despotismo de um, nem o de vários, poderiam ser aceitos, pois a vontade pública é, neles, utilizada como se fosse a vontade particular do governante. Nas formas despóticas de organização política, o governo trata o povo como se fosse a sua propriedade.
A Constituição Republicana, segundo Kant, é aquela que se encontra estabelecida de conformidade com os seguintes três princípios: 1- da liberdade dos membros de uma sociedade enquanto indivíduos; 2- da dependência de todos em relação a uma única legislação comum, enquanto súditos; 3- de conformidade com a lei da igualdade de todos os súditos, enquanto cidadãos. Essa forma de governo é a única que decorre da idéia do contrato imaginário e sobre a qual devem se fundar as normas jurídicas de um povo.
A Constituição Republicana, ainda segundo o mestre alemão, além de ter nascido na pura fonte do conceito do direito, tem a vista posta na paz perpétua. Se o consentimento dos cidadãos é necessário para decidir se deve haver guerra ou não, nada é mais natural que eles pensem muito, antes de começar um jogo tão maligno.
Para Kant, é essencial à forma republicana de governo a representação e a separação entre os poderes legislativo e executivo. Duas formas de governo tornam impossível a República: o despotismo de um (tirania) e o de todos (democracia da vontade geral). Nestas duas formas de governo é a mesma pessoa que legisla e que executa a lei. Quanto mais reduzido for o número de pessoas do poder estatal e quanto maior for a representação das mesmas, tanto mais aberta estará a constituição à possibilidade do republicanismo.
Ao longo da última década, a maior parte dos países latino-americanos enveredaram pelo duvidoso caminho dos “populismos constitucionais”, que visam a instaurar regimes que se auto-perpetúam com as bênçãos das suas respectivas sociedades, conduzidas ardilosamente pelos mandatários de plantão a fazer reformas plebiscitárias que garantam a hegemonia dos donos do poder, sem que haja a mínima possibilidade de alternância no mesmo e com a destruição das instituições republicanas, como o funcionamento da oposição, a preservação e o aperfeiçoamento do governo representativo e a liberdade de imprensa. As estruturas políticas surgidas dessas reformas partiram para a ignorância em relação à pessoa humana e ao seu direito mais prezado, a liberdade, como está acontecendo na Venezuela, na Bolívia e na Nicarágua.
O centro motor dessa maré montante é o regime venezuelano, que estendeu os seus tentáculos sobre os quatro cantos da América Latina, financiando com os abundantes petrodólares o maluco modelo da “revolução bolivariana” que tem servido de inspiração para as mudanças que se apresentam aqui e acolá. A Venezuela de Chávez transformou-se em foco irradiador da instabilidade regional, em decorrência da louca corrida armamentista desatada pelo truculento coronel. Ele é hoje, sem dúvida nenhuma, quem pauta a agenda política do nosso Continente. O Brasil terminou refém desse modelo, notadamente no que tange à escolha dos rumos da política externa, voltada para um populismo esdrúxulo que termina sacrificando os interesses do nosso país nas fantasias terceiro-mundistas que levaram Lula a prestigiar o presidente iraniano, num momento em que ele é seriamente questionado por ignorar as políticas antinucleares assinadas pelas Nações Unidas. De Lula, de Chávez e dos demais líderes populistas latino-americanos, poder-se-ia dizer o que Kant criticava como despotismo de um só ou de alguns, que utiliza a vontade pública como se fosse a vontade particular do governante e do seu séqüito de bajuladores. Os vários chefes populistas latino-americanos unificam-se nesta negativa caracterização: tratam o povo como se fosse a sua propriedade.
As Constituições Republicanas e as práticas políticas que começam a pipocar na América Latina como fruto das “revoluções bolivarianas” em andamento, estão sendo estabelecidas de acordo a três antiprincípios que reforçam a velha tradição patrimonialista de gerir o Estado como propriedade particular do governante e que se contrapõem diametralmente aos princípios republicanos apregoados por Kant. Chávez e companhia partiram, nas suas reformas constitucionais “bolivarianas”, 1- da negação da liberdade dos membros da sociedade enquanto indivíduos; 2 - da não dependência de todos em relação a uma única legislação comum, enquanto súditos (pois os governantes de plantão não estão submetidos, nem os seus colaboradores, à lei vigente para todos); 3- de conformidade com a lei da desigualdade de todos os súditos, enquanto cidadãos (temos cidadãos de primeira, de segunda ou de terceira, dependendo da sua proximidade da esfera dos donos do poder).
Ilustre Prof.Ricardo Vélez-Rodríguez,
ResponderExcluirApraz-me acompanhar seus abalizados comentários. Alguns políticos e catedráticos de mair consciência, no século passado, trataram de costurar as contituiçoes latino-americanas de modo a não permitir reeleições. Infelizmente tudo foi subvertido pela força corruptora do dinheiro oficial, de Fujimory e FHC. Os caudilhos perceberam a facilidade, e hoje temos o pior quadro que poderíamos esperar. A feliz exceção é o Chile, disparado o reduto mais civilizado do continente.
Estamos entregues à ditaduras de partidos coligados, porque o bolo arrecadado dá para todos, com estupenda folga.
Ainda assim, não perco a esperança. As vezes é necessário a mais completa escuridão, ao gáudio de um brilhante.
Abraço, e sucesso.