Estive recentemente (20 de Novembro) na bela cidade de Fortaleza, proferindo a palestra intitulada: “Ética, idoneidade moral, credibilidade e auditoria”, no III Encontro Estadual de Controle Interno do Estado do Ceará, promovido pela Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado. O jornalista Marcelo Cabral, Assessor de Comunicação da Controladoria, fez a seguinte entrevista comigo:
- (Marcelo Cabral) O que o senhor achou do nível das palestras ministradas no III Encontro Estadual de Auditores?
Bom, avalio as palestras dos colegas que falaram no III Encontro. As intervenções dos professores Doutores Armando Catelli (“Controladoria, agregando valor para a sociedade”) e Francisco Ribeiro (“Controladoria como órgão de apoio à gestão”) foram de excelente nível, muito objetivas e com aplicação à realidade vivenciada pelos Auditores do Estado. Obviamente não falo da minha palestra, porque uma auto-avaliação é coisa bastante relativa. O público assistente é que deve fazer a avaliação da minha intervenção. Somente digo que gostei muito do clima de interesse dos participantes, todos engajados na temática desenvolvida no III Encontro.
A impressão que tive é que a CGE tem conseguido criar um ambiente de trabalho positivo, de alto nível técnico, de muita responsabilidade e colaboração entre todos os profissionais engajados nas funções de Auditoria, Controladoria e Ouvidoria. Confesso que, pelo que conheço de gestão pública no Brasil nestes últimos trinta anos (cheguei a este belo país em 1979, para cursar o meu Doutorado), jamais encontrei, nos vários Estados da Federação que tenho visitado, uma equipe tão bem organizada no terreno da Controladoria, Ouvidoria e Auditoria interna. Acho que o Estado do Ceará tem, nesse item, importante lição a oferecer aos governantes e gestores públicos do Brasil e de outros países. Está de parabéns a CGE, notadamente o Dr. Aloísio Carvalho, Controlador e Ouvidor Geral, e a Dra. Sílvia Helena Correia Vidal, Controladora e Ouvidora Geral Adjunta.
- Qual a sua impressão em relação aos servidores que trabalham nesta CGE?
Como frisei no item anterior, achei todos os profissionais que conheci muito interessados no tema central do Encontro (“Controle Interno para Excelência de Gestão”) e conhecedores do seu ramo de trabalho, além de bastante integrados entre si e com a direção da Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado.
- Como o senhor vê a função do auditor de controle interno?
Esta função é essencial para o adequado amadurecimento da gestão democrática do Estado e dos recursos públicos, no mundo atual. É um ponto importante no amadurecimento da democracia. Eu moro num Estado, Minas Gerais, em que, por força da tradição cartorial herdada dos portugueses, as funções de Controladoria, Ouvidoria e Auditoria ainda são vistas com desconfiança por parte dos cidadãos. É como se a função de Auditoria Interna fosse mais uma janela para o Estado tutorial e autoritário bisbilhotar a vida dos indivíduos, para ver em que detalhe burocrático os pega e os pune. Também pudera! Minas, notadamente, conheceu, ao longo da nossa história, nos séculos XVII e XVIII, a impiedosa Inquisição, bem como a férula de ferro do Intendente Câmara, criador do Distrito Diamantino, no final do século XVII. Os tempos são outros, mas os temores ancestrais persistem. Isso só pode ser mudado mediante a implantação transparente de novas rotinas de Auditoria e Controle Interno, de que todos participem, governantes e governados. O que está acontecendo no Ceará certamente pode estimular iniciativas benfazejas em Minas e pelo Brasil afora. Temos, infelizmente ainda, muita prática cartorial centralizadora e autoritária. O cidadão, em não poucos lugares, ainda é o “João Ninguém” que tem medo de tudo, porque não pode ostentar o costumeiro “Você sabe com quem está falando?”, ou seja, porque não tem costas largas. O antropólogo Roberto Damatta tem apontado essa terrível condição que humilha ao homem comum brasileiro. O que está se fazendo na CGE do Ceará é o Estado tomar a iniciativa para que a gestão da coisa pública leve em consideração esse “João Ninguém”, a fim de que se sinta participante e valorizado. Auditoria Interna é transparência e respeito pelo cidadão. E, quando isso acontece, o público, agradecido, participa.
- Sei que o senhor passou pouco tempo em Fortaleza, mas pelo que o senhor sentiu e conversou, o Ceará está no caminho certo no que diz respeito à CGE?
Sem dúvida nenhuma. O arrazoado anterior explica adequadamente o meu ponto de vista. Também gostei de outras iniciativas cívicas, como a famosa “Ronda de Quarteirão” que a Secretaria de Segurança Pública está implantando. É colocar a polícia e, em geral, os organismos de segurança do Estado, a serviço do cidadão. Ah, como seria bom se isso acontecesse em cidades como Rio de Janeiro, onde parcelas crescentes da população têm medo da polícia!
- Na sua opinião, qual a importância do trabalho desempenhado pelos auditores cearenses em um estado pobre como o nosso?
Corrigiria a expressão “Estado pobre”. Um Estado onde o povo comum aprecia a educação básica, não é pobre. Possui uma enorme riqueza, aquela que lhe abre as portas para o desenvolvimento humano. O motorista que me atendeu durante a minha estadia em Fortaleza, contou-me um episódio que gostaria de relatar. Ele ganhou um dinheiro “x”, por conceito de prestações e fundo de garantia, de uma firma na qual trabalhou durante vários anos. O que fez com o dinheiro? Poderia tê-lo gasto em passeios com a família ou comprando um táxi, para aumentar a renda familiar. Ele contou-me que o guardou na poupança, a fim de pagar os estudos de segundo grau dos seus dois filhos, em colégios particulares de reconhecida excelência acadêmica, a fim de que melhor pudessem competir na escolha do curso universitário que desejariam fazer. O menino já estuda engenharia. A menina está terminando os seus estudos de segundo grau e se prepara para a prova de seleção da Universidade. Bela lição! Investiu na educação básica dos filhos. Contou-me isso com tanta naturalidade, que acho que se trata de valor difundido entre os trabalhadores cearenses, esse apreço pela boa educação dos filhos. Isso é uma riqueza enorme! O Ceará certamente se destacará, cada dia mais, no panorama nacional. Porque os seus habitantes têm uma ordem de valores que os puxa para cima, com valorização da educação e do trabalho sério. Quem nos dera que todos os cidadãos deste país pensassem assim!
- Algumas considerações finais.
A Controladoria, a Ouvidoria Geral, a Auditoria e o Controle Interno, da forma em que estão sendo aplicados no Ceará, são aspectos essenciais da vida federativa. Porque há um sentimento de pertença a um Estado que é zelosamente administrado em benefício do bem público, a CGE ocupa um lugar de importância na gestão pública. Ora, o contrário dessa visão republicana, tremendamente democrática, é o centralismo cartorial, que pretende sobrepor instituições federais à participação dos cidadãos ao lado dos gestores públicos, nos Estados e nos Municípios. Vejo com preocupação, por isso, a proposta do Governo Federal de criação de uma Superagência, com a finalidade de supervisionar as atividades das agências reguladoras. Como frisava em recente artigo o advogado Pedro Dutra (conselheiro do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional – IBRAC), “há uma evidente contradição na fórmula enunciada, pois não há supervisão sem supervisionado, e essa instituição supõe, necessariamente, uma relação de subordinação, no caso entre o Organismo de Supervisão Regulatória e os outros órgãos postos sob sua jurisdição”. A CGE, certamente, deixaria de ser o órgão que hoje é, transparente, democrático, participativo, para se inserir num contexto mais amplo, de alcance nacional, como simples coadjuvante burocrático de uma Superagência controlada pela União. Esse excesso de centralismo não faz bem ao país. Já vimos esse vício em outras oportunidades, como quando todos os Estados tiveram de queimar, em fúnebre desfile encenado num estádio no Rio de Janeiro, as suas bandeiras na pira que ardia diante do Chefe do Estado Novo, em 1937!
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