A Dissertação em apreço, apresentada em 24 de Junho de 2009 para a obtenção do título de mestre, no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, está bem redigida e cumpre com as condições básicas, de cunho metodológico e de conteúdo, para ser aprovada. O tema é relevante e constitui ponto de grande importância para a reconstrução do pano de fundo cultural em que se deu a organização, no Brasil, das instituições republicanas. A divisão da Dissertação em três partes (Formação de Rui, Ação e Pensamento Político até a Campanha Civilista, Ação e Pensamento Político durante a Campanha Civilista) parece-me bem concebida. O desenvolvimento das duas últimas partes é, no meu entender, a melhor parte da Dissertação, sendo que as observações que a seguir expresso referem-se, preponderantemente, à Primeira Parte.
Farei quatro observações críticas:
I – Rui, herói. - Parece-me que a caracterização de Rui Barbosa como “herói fáustico” (na trilha do conceito de “Mitologias Políticas” sugerido por Girardet), não corresponde, propriamente, ao que representa a figura em apreço, referida ao seu contexto histórico. Ora, o mito fáustico é típico da segunda metade do século XVIII, em que se dá, com Goethe, a crítica ao enciclopedismo e aponta para o surgimento de novo parâmetro filosófico, com o Romantismo. O herói fáustico apela para uma interioridade nova que, a partir de sua autenticidade, espalha ampla ação moralizadora e libertadora no seu contexto histórico, relativizando o mundo social e as instituições. Tudo se esfumaça à sombra da ação criadora da poesia, que invade o mundo concreto, tornando-o secundário. Como frisava Madame de Staël em relação a Goethe, “ele dispõe do mundo poético como um conquistador do mundo real e se considera suficientemente forte como para introduzir, como a natureza, o gênio da destruição nas suas próprias obras”.
Já a figura de Rui se situa em contexto cultural diferente. Como acho sugestiva a idéia de Girardet, considero que se deveria procurar, alhures, o arquétipo mítico em que ancoraria a personalidade do grande advogado baiano. Ora, ele se situa no contexto do agir positivo que constrói as instituições que garantem a liberdade. Rui estaria mais para um herói-demiurgo da República. O arquétipo em que ancoraria essa mitologia ruiana foi pautado pelo tipo de personagem que “salva” a sociedade, numa ação positiva que garante o funcionamento do Estado a serviço de todos e com rigorosa obediência aos “rios profundos” que comandam a História. As origens desse modelo seriam, portanto, diferentes das do herói “fáustico”. Ancorariam no tipo de herói que se constrói na narrativa do novo romance histórico (à maneira dos heróis de Sir Walter Scott), que na França encontra manifestação adequada na obra de Honoré de Balzac e de Victor Hugo, sendo que o referencial primordial (para o caso que nos ocupa) seria a obra romanesca de Alexandre Dumas, pai, autor de O cavaleiro de Sainte-Hermine (o romance histórico que sintetiza a gesta do Consulado e do Primeiro Império).
Napoleão foi o herói que salvou a França do niilismo revolucionário, dotando-a das instituições de direito que a tornariam viável historicamente, mas obedecendo cegamente às leis da História que consolidavam, no início do século XIX, a ascensão das massas. Para Dumas, enquanto o Corso obedeceu a essa tendência profunda da História moderna, a sua estrela brilhou. Quando, no entanto, quis agir pensando unicamente na consolidação do seu poder pessoal, a sua sina foi trágica. “O que caracteriza os grandes acontecimentos dos tempos modernos – frisava o romancista -, sem nenhuma exceção, é a pouca influência que os indivíduos neles exercem. Aqueles homens considerados mais fortes e mais capazes não dominaram nada, não conduziram nada, foram arrastados pelos acontecimentos. Poderosos enquanto foram os apóstolos do movimento, nulos quando tentaram opor-se a ele; foi essa a verdadeira estrela de Bonaparte, que se manteve brilhante enquanto ele próprio representava os interesses populares (...)”.
Rui, por sua vez, é o herói que constrói as instituições (alicerçadas nas leis), que garantem o efetivo gozo das liberdades aos seus concidadãos, na maré montante dos ideais republicanos, que constituem o caminho que percorrem as massas, no século XIX, rumo ao poder. Algo assim como a figura de Tocqueville que foi caracterizado por importante estudiosa como um “São João Batista de democracia”. Tratava-se, no caso da França, de encontrar um herói concreto e pragmático, que buscasse com denodo a construção das instituições, que garantissem a todos os Franceses o exercício da liberdade plena no contexto da maré democrática, irresistível, que constituiu a nova tendência do mundo, pautada pela Providência. Liberdade que foi seqüestrada, após a Revolução e a Restauração, pela tacanha burguesia. Mas sem a qual, a conquista da democracia iminente seria obra do despotismo. Ora, sabemos de que forma Tocqueville se sentia identificado com essa missão histórica. Apregoar a democracia com liberdade aos seus concidadãos e lutar para constituir instituições que garantissem a efetiva realização desses dois ideais: essa foi a sua missão, que o pensador francês chegou a identificar, no final da sua vida política, logo após a Revolução de 1848, com o ideal republicano.
Ora, o advogado baiano enxerga a sua missão num contexto semelhante, no esforço em prol de corrigir os rumos da República, após o advento da mesma e do ciclo militarista que tomou conta das instituições, banindo a liberdade e os direitos civis. Trata-se, no caso de Rui, de garantir aos brasileiros as instituições republicanas, mas no contexto das liberdades liberais, com exercício da representação no Congresso, com a independência dos três poderes, com o respeito pelo instituto do hábeas corpus acintosamente desdenhado por Floriano Peixoto (quando da sua passagem pela Presidência) e com a instauração de um autêntico federalismo, (anacronicamente invalidado pela corrupta e centralizadora “política dos governadores” de Campos Sales). Esse é o tipo de heroísmo da Águia de Haia: o advogado, o político a serviço da democracia republicana. No plano internacional, Rui se insurge contra os impérios do momento e toma o partido daqueles países (como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos), onde se estabeleceram as instituições do governo representativo e o regime de liberdades cidadãs. A Inglaterra, embora não seja República, é valorizada pelo peso que nela tem a instituição parlamentar, menosprezada por todos os despotismos, a começar pelo apregoado pelos positivistas tupiniquins, defensores da ditadura republicana.
II – Conceito de Modernidade. – Faltou na Dissertação, a meu ver, uma mais exata definição do conceito de modernidade política. O autor cita fontes que tratam do tema de forma muito ampla. Sugeriria se concentrar na caracterização feita por Benjamin Constant de Rebecque, em torno ao conceito de modernidade democrática, no famoso texto intitulado Da liberdade dos Antigos comparada com aquela dos Modernos. Ora, no texto apontado, o pensador liberal destaca o que é essencial ao conceito de modernidade política: em primeiro lugar, o exercício, por parte do poder estabelecido, de uma soberania relativa, não absoluta. Em segundo lugar, a constituição de instituições de governo representativo, que garantam a representação de interesses dos cidadãos. Em terceiro lugar, a fixação dos aspectos fundamentais das instituições, bem como dos direitos e deveres dos cidadãos, numa Constituição.
III – Questões metodológicas no terreno da história do pensamento. – Acho de capital importância o fato de o programa de pós-graduação em História da UFJF ter se aberto ao campo da história do pensamento, aspecto outrora menosprezado nas pesquisas historiográficas brasileiras. A história das idéias era uma espécie de gata borralheira da historiografia, o que levava os pesquisadores a cometer grosseiras simplificações polarizadas pelas preferências ideológicas, quando se tratava de caracterizar tendências ou ciclos de pensamento, bem como autores.
Considero que na Dissertação faltou destacar a metodologia específica a ser utilizada na caracterização das idéias de Rui acerca do conceito de modernidade. Ora, essa metodologia já existe e constitui a grande contribuição brasileira no terreno da historiografia das idéias. Os fundamentos teóricos da mesma foram colocados pelo pensador marxista italiano Rodolfo Mondolfo e pelo filósofo alemão neokantiano Nicolai Hartmann. Alicerçado nesses dois pensadores e levando em consideração o conceito husserliano de epoché, Miguel Reale elaborou proposta metodológica a ser seguida nas pesquisas historiográficas, no terreno das idéias. Essa proposta consta dos seguintes passos, segundo a síntese feita por Antônio Paim: 1) averiguar qual era o problema, ou quais eram os problemas com os que se defrontava o pensador; 2) identificar a forma em que o mesmo respondeu à problemática que o preocupava; 3) passar ulteriormente a tecer uma rede comparativa de semelhanças e derivações, entre as respostas elaboradas pelo pensador estudado em face dos problemas por ele tratados e diante das respostas dadas por outros pensadores do período a problemas semelhantes.
IV – O modelo liberal de Rui. – Faltou caracterizar, de forma clara, na Dissertação, o modelo liberal de Rui. Ora, sabemos que na filosofia política ocidental consolidaram-se duas modalidades de liberalismo: o denominado de radical e o moderado. O liberalismo radical foi apregoado por Jean-Jacques Rousseau e os aspectos políticos de sua proposta encontram-se sintetizados na obra: O Contrato Social. Para o pensador genebrino, a felicidade geral da Nação é garantida pela unanimidade. Logo qualquer dissidência deve ser expurgada, pelos “puros” (aqueles que renunciaram aos seus interesses individuais e passaram a se identificar com os interesses da “vontade geral”). Aos “puros” corresponde a educação dos cidadãos, deformados pelo egoísmo da sociedade dividida em grupos de interesses que lutam entre si. Os “puros” darão ensejo ao “novo homem”, que se identificará com a “vontade geral”. Rousseau apregoava a concentração de poderes no representante da “vontade geral”, o denominado por ele de “Poder Moral” que empreenderia a regeneração da sociedade. A manifestação concreta mais imediata desse ideário deu-se a Revolução Francesa, com os jacobinos exercendo as funções de “educadores” da sociedade, no momento da Revolução e no período denominado de “O Terror”. Napoleão, primeiro Cônsul e depois Imperador, chamou a si essa função representativa da “vontade geral” e passou a exercer de forma concentrada o poder, se auxiliando do “Conseil d´État” (uma entidade integrada por técnicos e especialistas nas diversas matérias sobre as que seria necessário legislar) e mantendo, estreitamente atreladas a si, as instâncias colegiadas, que dele receberiam a sua legitimidade.
O liberalismo moderado foi apregoado por John Locke no seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil, que sintetizou os ideais da Revolução Gloriosa de 1688, que instaurou na Inglaterra a Monarquia Constitucional e a prática da representação de interesses dos cidadãos no Parlamento bicameral. O modelo lockeano – que seria inspirador das instituições republicanas nos Estados Unidos – partia do pressuposto de que o natural na sociedade é a diversidade e o conflito entre interesses divergentes, a partir dos quais deveria ser construída, por negociação, a maioria. Portanto, a questão central seria elaborar os mecanismos eleitorais que possibilitariam aos cidadãos a representação dos seus interesses. Essa doutrina estava acompanhada da que se referia à preexistência, em face da sociedade organizada, nos indivíduos, de direitos inalienáveis à vida, à liberdade e às posses, direitos de que as instituições de governo representativo deveriam cuidar, sendo o respeito aos mesmos, essencial ao pacto político. Ora, este foi o liberalismo em que ancorou Rui Barbosa, ampliado pelas considerações acerca da democracia, efetivadas pelos doutrinários franceses e por Tocqueville, levando em consideração o exemplo americano.
A luta travada por Rui, no seio do Parlamento imperial e no contexto dos governos republicanos foi no sentido de se contrapor à versão de liberalismo radical (denominado de democratismo pelo historiador português Joel Serrão), que inspirou a formatação da “política dos governadores” efetivada por Campos Sales. Para Rui, a mencionada política traía os ideais de liberdade e de democracia com os quais tinha sido deslanchado o movimento da propaganda republicana, nas últimas décadas do século XIX.
Arsênio Corrêa caracterizou a “política dos governadores” como um expediente pragmático do governo para garantir a unidade política e a estabilidade, sem intervir direto nos Estados, mas manipulando o mecanismo de legitimação das eleições, privilegiando os interesses do Executivo e do Partido Republicano, ao seu serviço. Eis a caracterização efetivada pelo autor: “A política dos governadores foi, portanto, a unidade política estabelecida por Campos Sales, que pressupunha a não intervenção nos Estados. Isso trouxe a perda de importância das eleições, consolidando as situações estaduais, cuja legitimidade era equivalente à da União. É forçoso reconhecer que assegurou estabilidade política. Naturalmente, às custas da legitimidade da representação, vale dizer, do abandono do espírito que presidiu à estruturação das instituições de tal governo, no Segundo Reinado. Ali, o foco estava na determinação dos interesses que deveriam ser representados. E, subseqüentemente, a avaliação sucessiva da capacidade respectiva de assegurar-lhe legitimidade. Agora o foco mudava completamente de direção: assegurar o livre exercício do poder, excluída a possibilidade de negociação fora dos círculos que tivessem comprovado sua fidelidade ao sistema republicano. Somente o Partido Republicano tinha autorização de funcionamento e, portanto, de participar dos pleitos em que era admitida a disputa”.
A verdade é que à luz do espírito de Rousseau foi aclimatada, pela elite bacharelesca, à cuja testa situou-se Campos Sales, a concepção que tinha vingado no século XIX, na França, nos ciclos do republicanismo bonapartista (1799-1804), do Primeiro Império (1804-1814), da Segunda República (1848-1851) e do Segundo Império (1852-1870). Efetivamente, os dois Napoleões (tio e sobrinho) forjaram nova teoria da representação, inspirada no ideal da “vontade geral” do filósofo de Genebra, nos seguintes termos: 1) O governante (presidente eleito, primeiro cônsul ou imperador) é o verdadeiro representante da “vontade geral” da Nação. 2) Os corpos colegiados são legitimados, como representantes secundários da “vontade geral”, pelo primeiro mandatário. 3) As eleições são apenas mecanismos secundários para provisão dos corpos colegiados, que passarão a desempenhar somente funções técnicas (elaborar o orçamento, por exemplo), sendo que toda a questão de legislar e governar cabe ao Executivo, ajudado pelo Conselho de Estado, que é integrado, basicamente, por técnicos escolhidos a dedo pelo primeiro mandatário. 4) Quando as eleições são praticadas para eleger os mandatários nos ciclos republicanos (como quando Luís Napoleão assumiu a Presidência da República, em 1848) legitimam um poder que não pode ter limites e que é republicano pelo fato de ter sido eleito, tendo, portanto, o poder de legitimar, via plebiscito, as reformas que considerar necessárias.
Um espaço para defesa da Liberdade, da forma incondicional em que Dom Quixote fazia nas suas heroicas empreitadas!
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sábado, 27 de junho de 2009
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Comentário de Ariovaldo Batista ao meu artigo "Cultura Francesa e Instituições Brasileiras"
2009/6/12 ARIOVALDO BATISTA
Bom dia caro Prof. Ricardo Vélez Rodríguez, muito bom seu artigo porque nos leva a várias conjecturas.
- O ranço universitário de se apoiar na história mais próxima e tomar efeitos por causas.
Desde que se tem registros de história, sempre a sociedade humana se pautou por algum "carro chefe". É como um comboio sempre puxado por alguma locomotiva. O problema é que a "locomotiva" se perde na manutenção imoral de suas elites, enferruja, quebra, e é substituída por quem "trabalha" melhor, no ciclo vicioso do "pai rico, filho músico e neto pobre". O seu saudosismo francês, que veio do iluminismo do final da Idade Média, que tinha vindo do Feudalismo Imperial Fundamentalista Católico, que veio do apogeu Carolíngio (C. Magno), que por sua vez veio do apogeu romano, que veio do Grego, Fenícios, Egípcio, etc. etc. Mais recentemente, a locomotiva francesa do iluminismo foi trocada pela inglesa do capitalismo, que por sua vez foi substituída pela americana do pragmatismo político e cultural. A França apenas retém o saudosismo do absolutismo imperial, claramente sustentado pelo Feudalismo religioso, ainda vigente numa elite aristocrática. Hoje, somos uma sociedade capitalista, mas ainda administrada por uma elite feudal, aristocrática e ditatorial, e as primeiras nações do mundo são aquelas que se balizam nas próprias leis, mais perenes, mas absolutas e respeitadas, etc., pouco importa as respectivas formas de governos, que decorrem das características dos respectivos povos!!
- A cultura política do absolutismo aristocrático.
As nações capitalistas e consolidadas em suas leis, produzem capitalisticamente, mas se regem pelo sistema feudal da Idade Média. Por isso mesmo, são mais pragmáticas, utilizam melhor a ferramenta do capitalismo, mas de forma imoral e feudal. O empresário se tornou o 'aristocrata capitalista', por herança divina, exatamente como nos tempos dos Faraós.
As nações comunistas, consolidadas nas mais diversas de ditaduras impostas pela força, se regem pelo sistema tribal, ainda pré-feudal, utilizam a ferramenta do capitalismo como se fossem carroceiros conduzindo um Fórmula 1.
As nações que sobram estão ainda imersas nos sistemas tribais, apenas confinadas sem poderem mais ser "nômades"!!
O que fica em comum para todas, é que as formas de administração e governos ainda são as mesmas dos tempos dos Faraós, uma aristocracia "por herança divina", para quem o povo apenas tem que se ajoelhar em homenagens!! Pouco importa o ornamento literário, essa é a expressão clara da sociedade humana de hoje e de sempre.
- O caso Brasil.
Duas heranças malditas: A da colonização do "fazer a América e retornar à terrinha", que justifica qualquer tipo de imoralidade, corrupção e roubo, e a da "raça" que aqui ficou muito bem evidenciada no "coronelismo do pudê" do vale tudo político. Somos a aristocracia feudal do que há de pior em tudo, e o sistema é de fato igual em toda a América Latina!! Enquanto nações evoluídas têm reis e presidentes, os latinos têm ditadorzinhos de todas as laias, desde os descobrimentos!! Nunca houve "leis" no Brasil, a não ser as dos interesses dos ditadores da vez. Na república, já tivemos 7 constituições em 120 anos, há comemorações quando uma constituição completa 20 anos, o absurdo da safadeza do "pudê"!
Concordo com tudo o que disse, como efeitos, mas não expôs de fato as causas, que entendo resumidas no que menciono acima. O professor, contudo, poderia dar um panorama muito melhor, se olhasse a história de forma mais ampla, e não parcialmente recente e literária. As nações pobres apenas querem sempre ser como as nações ricas, exatamente como qualquer indivíduo pobre que vê no indivíduo rico, seu ícone de felicidade, ainda que todos morrem, têm dores de barriga, trabalham e dormem, precisam comer etc. etc. A colméia de abelhas é a sociedade urbana tecnológica do futuro humano. É tudo que a "tecnologia do futuro" procura: auto-sustentabilidade, autodisciplina pelas leis, isenção de lutas sociais pela justiça, não há insalubridade e deficiência de saúde, os transportes são os melhores para suas necessidades, etc. etc. E os iluminados ambientalistas do mundo inteiro, patrocinados por uma ONU ongueira e ideologizada no imoralismo assistencialista, estão rodando como cachorros atrás do rabo, berrando o assistencialismo religioso do rico ajudar o pobre, com as esmolas da caridade, cujo efeito é garantir a riqueza de poucos no meio da pobreza dos muitos!! Acho que é esta, de fato, a herança que eu vejo do "iluminismo francês"!!
Abraços e bom fim de semana.
Ariovaldo Batista
av sen vergueiro 4050 r.ramos s.b.do campo sp
43653784 - arioba06@hotmail.com
RG 2644533
Bom dia caro Prof. Ricardo Vélez Rodríguez, muito bom seu artigo porque nos leva a várias conjecturas.
- O ranço universitário de se apoiar na história mais próxima e tomar efeitos por causas.
Desde que se tem registros de história, sempre a sociedade humana se pautou por algum "carro chefe". É como um comboio sempre puxado por alguma locomotiva. O problema é que a "locomotiva" se perde na manutenção imoral de suas elites, enferruja, quebra, e é substituída por quem "trabalha" melhor, no ciclo vicioso do "pai rico, filho músico e neto pobre". O seu saudosismo francês, que veio do iluminismo do final da Idade Média, que tinha vindo do Feudalismo Imperial Fundamentalista Católico, que veio do apogeu Carolíngio (C. Magno), que por sua vez veio do apogeu romano, que veio do Grego, Fenícios, Egípcio, etc. etc. Mais recentemente, a locomotiva francesa do iluminismo foi trocada pela inglesa do capitalismo, que por sua vez foi substituída pela americana do pragmatismo político e cultural. A França apenas retém o saudosismo do absolutismo imperial, claramente sustentado pelo Feudalismo religioso, ainda vigente numa elite aristocrática. Hoje, somos uma sociedade capitalista, mas ainda administrada por uma elite feudal, aristocrática e ditatorial, e as primeiras nações do mundo são aquelas que se balizam nas próprias leis, mais perenes, mas absolutas e respeitadas, etc., pouco importa as respectivas formas de governos, que decorrem das características dos respectivos povos!!
- A cultura política do absolutismo aristocrático.
As nações capitalistas e consolidadas em suas leis, produzem capitalisticamente, mas se regem pelo sistema feudal da Idade Média. Por isso mesmo, são mais pragmáticas, utilizam melhor a ferramenta do capitalismo, mas de forma imoral e feudal. O empresário se tornou o 'aristocrata capitalista', por herança divina, exatamente como nos tempos dos Faraós.
As nações comunistas, consolidadas nas mais diversas de ditaduras impostas pela força, se regem pelo sistema tribal, ainda pré-feudal, utilizam a ferramenta do capitalismo como se fossem carroceiros conduzindo um Fórmula 1.
As nações que sobram estão ainda imersas nos sistemas tribais, apenas confinadas sem poderem mais ser "nômades"!!
O que fica em comum para todas, é que as formas de administração e governos ainda são as mesmas dos tempos dos Faraós, uma aristocracia "por herança divina", para quem o povo apenas tem que se ajoelhar em homenagens!! Pouco importa o ornamento literário, essa é a expressão clara da sociedade humana de hoje e de sempre.
- O caso Brasil.
Duas heranças malditas: A da colonização do "fazer a América e retornar à terrinha", que justifica qualquer tipo de imoralidade, corrupção e roubo, e a da "raça" que aqui ficou muito bem evidenciada no "coronelismo do pudê" do vale tudo político. Somos a aristocracia feudal do que há de pior em tudo, e o sistema é de fato igual em toda a América Latina!! Enquanto nações evoluídas têm reis e presidentes, os latinos têm ditadorzinhos de todas as laias, desde os descobrimentos!! Nunca houve "leis" no Brasil, a não ser as dos interesses dos ditadores da vez. Na república, já tivemos 7 constituições em 120 anos, há comemorações quando uma constituição completa 20 anos, o absurdo da safadeza do "pudê"!
Concordo com tudo o que disse, como efeitos, mas não expôs de fato as causas, que entendo resumidas no que menciono acima. O professor, contudo, poderia dar um panorama muito melhor, se olhasse a história de forma mais ampla, e não parcialmente recente e literária. As nações pobres apenas querem sempre ser como as nações ricas, exatamente como qualquer indivíduo pobre que vê no indivíduo rico, seu ícone de felicidade, ainda que todos morrem, têm dores de barriga, trabalham e dormem, precisam comer etc. etc. A colméia de abelhas é a sociedade urbana tecnológica do futuro humano. É tudo que a "tecnologia do futuro" procura: auto-sustentabilidade, autodisciplina pelas leis, isenção de lutas sociais pela justiça, não há insalubridade e deficiência de saúde, os transportes são os melhores para suas necessidades, etc. etc. E os iluminados ambientalistas do mundo inteiro, patrocinados por uma ONU ongueira e ideologizada no imoralismo assistencialista, estão rodando como cachorros atrás do rabo, berrando o assistencialismo religioso do rico ajudar o pobre, com as esmolas da caridade, cujo efeito é garantir a riqueza de poucos no meio da pobreza dos muitos!! Acho que é esta, de fato, a herança que eu vejo do "iluminismo francês"!!
Abraços e bom fim de semana.
Ariovaldo Batista
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domingo, 14 de junho de 2009
O PENSAMENTO POLÍTICO DE CAMPOS SALES
Este é o título do mais recente livro do Dr. Arsênio Eduardo Corrêa, brilhante advogado paulista e membro do Instituto de Humanidades. A obra, publicada em Londrina por Edições Humanidades, em 2009, consta de 126 páginas. Constitui importante contribuição para o melhor conhecimento da forma em que se deu o início da denominada “política dos governadores” posta em execução por Campos Sales (1841-1913), quando da sua passagem pela Presidência da República (entre 1898 e 1902).
Arsênio Corrêa dividiu a sua obra em quatro partes: I – Campos Sales e a implantação do modelo político adotado na República Velha. II – Na vazante da “maré cheia liberal” emergem correntes autoritárias. III – O pensamento político de Campos Sales. IV – Epílogo.
O autor destaca que duas foram as marcas registradas dos três primeiros governos republicanos (presididos sucessivamente por Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Prudente de Morais): instabilidade crescente e autoritarismo. Tal circunstância decorreu da ruptura ensejada com a queda do Império e o abandono das instituições do governo representativo no novo ciclo histórico. “A opção por uma república federativa, nos moldes americanos, – frisa o autor – levou o governo a adotar a teoria da descentralização. Portanto de uma prática organizacional de mais de meio século (...), saltamos no escuro para uma nova organização política e administrativa” [pg. 16].
Como ministro da Justiça do Governo Provisório, Campos Sales tentou dar estabilidade à administração (presidida pelo velho Marechal Deodoro, bastante doente), mediante a tese da responsabilidade compartilhada do Chefe do Executivo e os seus ministros, nos atos de governo. No mandato de Prudente de Morais, que seguiu ao bonapartista governo de Floriano Peixoto, a instabilidade aumentou, na medida em que o Presidente da República ficou refém do Partido Republicano Federal, sendo que o chefe deste, nas palavras de José Maria Belo, tornou-se “uma espécie de condestável da República” [pg. 28].
As instituições republicanas, no Brasil, passaram a sofrer das mesmas contradições que enfrentou a Terceira República francesa: acirrada disputa entre o Executivo e o Parlamento, como destacava José Maria Belo: “O poder do Congresso e o poder do Presidente da República harmonizavam-se apenas nos artigos constitucionais; na realidade, não se entenderiam nunca” [História da República, 6ª edição, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, p. 151].
A “política dos governadores”, posta em execução por Campos Sales ao longo do seu mandato presidencial (1898-1902), foi a resposta dada pelo mandatário a essa crônica instabilidade. Antônio Paim sintetizou assim a essência daquela: “A peça-chave dessa política consistia em delegar à Mesa da Câmara, composta pela Chefia do Executivo, a atribuição de reconhecer os diplomas dos parlamentares. Às eleições concretas se substituía a ata da apuração, confeccionada na Capital da República a partir do único critério de assegurar maioria sólida ao governo, sem maiores compromissos com o evento real. Viu-se então representantes eleitos que perdiam seus votos na confecção da ata e toda sorte de chicana. Tudo isto mediante simples arranjo no Regimento da Câmara dos Deputados, intocada a Constituição” [A querela do estatismo, 1ª edição, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978, p. 62].
Arsênio Corrêa caracterizou a “política dos governadores” como um expediente pragmático do governo para garantir a unidade política e a estabilidade, sem intervir direto nos Estados, mas manipulando o mecanismo de legitimação das eleições, privilegiando os interesses do Executivo e do Partido Republicano, ao seu serviço. Eis a caracterização efetivada pelo autor: “A política dos governadores foi, portanto, a unidade política estabelecida por Campos Sales, que pressupunha a não intervenção nos Estados. Isso trouxe a perda de importância das eleições, consolidando as situações estaduais, cuja legitimidade era equivalente à da União. É forçoso reconhecer que assegurou estabilidade política. Naturalmente, às custas da legitimidade da representação, vale dizer, do abandono do espírito que presidiu à estruturação das instituições de tal governo, no Segundo Reinado. Ali, o foco estava na determinação dos interesses que deveriam ser representados. E, subseqüentemente, a avaliação sucessiva da capacidade respectiva de assegurar-lhe legitimidade. Agora o foco mudava completamente de direção: assegurar o livre exercício do poder, excluída a possibilidade de negociação fora dos círculos que tivessem comprovado sua fidelidade ao sistema republicano. Somente o Partido Republicano tinha autorização de funcionamento e, portanto, de participar dos pleitos em que era admitida a disputa” [pg. 61].
O efeito produzido pelo arranjo autoritário foi a desvalorização da representação e a instabilidade, que conduziriam diretamente à adoção, mais adiante, do modelo de ditadura republicana criado por Castilhos no Rio Grande do Sul. O autor ilustrou esses aspectos negativos da seguinte forma: “Os efeitos das novas regras estabelecidas no Regimento Interno da Câmara revelaram-se devastadores. A primeira vez em que se deu sua aplicação, em 1900, sob Campos Sales, (com a atuação da) Comissão instituída a partir da Mesa Cessante, deixaram de ser reconhecidos 74 mandatos, cerca de 35% do total (o Parlamento se compunha de 212 representantes). O caso extremo deu-se na Câmara eleita em 1912: 91 mandatos deixaram de ser reconhecidos, 43% do total. Criou-se, assim, uma falsa estabilidade, na medida em que exigia fosse desfigurada a representação. Ainda que a Constituição fosse mantida e submetidos ao Parlamento os freqüentes estados de sítio, a providência tornou-se a ante-sala do longo ciclo autoritário vivido pela República brasileira” [p. 61].
A formulação da “política dos governadores” por Campos Sales alicerçava-se no democratismo rousseauniano, de que o mencionado homem público era tributário, como, aliás, a geração de jovens bacharéis formados no Largo de São Francisco, na segunda metade do século XIX. Segundo Arsênio Corrêa, Campos Sales deixou-se seduzir pelo ideal do caudilhismo militar em que era muito rica a tradição política hispano-americana, claramente professado por Quintino Bocaiúva, um dos mais atuantes propagandistas das idéias republicanas e que integrou, junto com Campos Sales, o primeiro gabinete republicano. Com essa geração de bacharéis que chegavam à vida pública, salvo contadas exceções como o calejado liberal Rui Barbosa, passou a prevalecer, como marco teórico que daria vida às instituições republicanas, o democratismo rousseauniano, em substituição às idéias liberais de Locke, Constant de Rebecque, Guizot e Tocqueville, em que tinham se formatado as instituições imperiais. O abandono da questão da representação de interesses dos cidadãos era apenas o corolário dessa opção teórica.
À luz do espírito de Rousseau foi aclimatada, pela elite bacharelesca à cuja testa situou-se Campos Sales, a concepção que tinha vingado no século XIX, na França, nos ciclos do republicanismo bonapartista (1799-1804), do Primeiro Império (1804-1814), da Segunda República (1848-1851) e do Segundo Império (1852-1870). Efetivamente, os dois Napoleões (tio e sobrinho) forjaram nova teoria da representação, inspirada no ideal da “vontade geral” do filósofo de Genebra, nos seguintes termos: 1) O governante (presidente eleito, primeiro cônsul ou imperador) é o verdadeiro representante da “vontade geral” da Nação. 2) Os corpos colegiados são legitimados, como representantes secundários da “vontade geral”, pelo primeiro mandatário. 3) As eleições são apenas mecanismos secundários para provisão dos corpos colegiados, que passarão a desempenhar apenas funções técnicas (elaborar o orçamento, por exemplo), sendo que toda a questão de legislar e governar cabe ao Executivo, ajudado pelo Conselho de Estado, que é integrado, basicamente, por técnicos escolhidos a dedo pelo primeiro mandatário. 4) Quando as eleições são praticadas para eleger os mandatários nos ciclos republicanos (como quando Luís Napoleão assumiu a Presidência da República, em 1848) legitimam um poder que não pode ter limites e que é republicano pelo fato de ter sido eleito.
A fim de situar esse modelo no contexto em que foi gerado, vale a pena analisar os seus aspectos fundamentais. Jacques Necker (1732-1804), ministro das Finanças de Luís XVI e pai de Madame de Staël (1766-1817), analisou detalhadamente a Constituição de 22 Frimário, ano VIII (1800), que sagrou um modelo de República autoritária, presidida pelos três Cônsules, sendo Bonaparte o que de fato exercia o poder [cf. Chevallier, Histoire des Institutions et des Regimes Politiques de la France de 1789 à nos jours, 1977, p. 105-108]. O pai de Madame de Staël considerava que, não tendo sido estabelecida, nessa Constituição, uma verdadeira representação dos interesses populares no Parlamento, a eleição não tinha nenhum sentido e as instituições republicanas careciam de autenticidade. A propósito, escrevia Necker: "A primeira circunstância que chama a atenção ao examinar esta Constituição é que, num Governo denominado de Republicano, nenhuma porção dos poderes políticos, nenhuma, realmente, foi confiada à Nação. No entanto, não apenas nas Repúblicas mistas ou puramente democráticas, mas também nas Monarquias moderadas, o povo concorre à nomeação do Corpo Legislativo, à nomeação das autoridades que determinam os seus sacrifícios. Vemos na Inglaterra os Membros da Câmara dos Comuns eleitos pela Nação. Vemos na Suécia uma ordem de Burgueses, uma ordem dos Camponeses comporem o Poder Legislativo; e sob a Monarquia Francesa o Terceiro Estado nomeava Deputados às Assembléias Nacionais. Uma tal prerrogativa, a mais importante de todas, foi substituída por uma ficção no novo código político da França. Concede-se ao Povo um direito de indicação que não significa nada para ele e que aborrecerá ao Governo se esse direito for respeitado" [Necker, Dernières vues de politique et de finance, offertes à la Nation Française par M. Necker, Paris: Bibliothèque de France, 1802, vol. I, p. 1-2].
Ora, nenhuma estabilidade institucional poderia advir de um tal regime. Tratava-se de uma República de faz-de-conta, modelo da que, no final do século XIX, os Castilhistas instaurariam no Rio Grande do Sul. Tudo girava ao redor do único poder verdadeiramente forte: o general Bonaparte. A feição dessa pseudo República foi resumida perfeitamente por Jean-Jacques Chevallier, com as seguintes palavras: "Uma fachada de sufrágio universal (simples direito de apresentação). Uma fachada de assembléias: o Senado, o Tribunato, o Corpo Legislativo. No governo uma fachada de três cônsules, sendo que o poder repousava realmente no Primeiro Cônsul. Na tarde em que o texto constitucional foi solenemente promulgado nas ruas de Paris, as pessoas perguntavam: O que há na Constituição? E a resposta era a seguinte: Há Bonaparte. O referendum sobre um texto constitucional tinha fatalmente virado um plebiscito sobre um homem" [Chevallier, ob. cit., p. 107]. A propósito dessa enorme encenação, escreveu Necker: "Mostraremos agora que toda essa organização é ao mesmo tempo motivo de irritação para a massa geral dos Cidadãos, bem como um atentado aos seus direitos, um estorvo para o Governo e um constrangimento prejudicial para o bem do Estado" [Necker, ob. cit., p. 4-5].
O modelo de representação previsto pela Constituição bonapartista do ano VIII constituía uma caricatura da prática do verdadeiro parlamentarismo. Os cidadãos habilitados para votar segundo as normas oficiais (cinco milhões, calculava Necker, sobre uma população de mais de vinte milhões de Franceses), nos seus respectivos cantões indicariam as pessoas que, segundo o seu critério, pudessem desempenhar cargos públicos. Daí sairia uma massa de cinco mil homens aptos para receberem do Senado Conservador, formado à revelia da Nação, a responsabilidade de administrar a máquina do Estado. Seria uma representação às avessas, que personificaria os interesses de Bonaparte e da sua burocracia, deixando de lado os reais interesses dos cidadãos. "Essas listas de elegibilidade - frisava Necker [ob. cit., p. 10-11] - teriam pouca credibilidade, ao reduzir cinco milhões de homens a cinco mil, sem nenhuma das precauções que garantem ao menos um sentimento de interesse, um grau formal de atenção a essa grande ação política".
Este modelo de representação às avessas foi posto em prática, com grande sucesso, por Napoleão III, ao longo da Segunda República (1848-1851) e do Segundo Império (1852-1870), com uma inovação: a prática corriqueira do plebiscito, a fim de dar um verniz de legitimidade democrática às decisões tomadas pelo dono do poder. Sabemos de que forma Napoleão III abusou dessa modalidade de governo, tipicamente ditatorial, fato que levou Victor Hugo a escrever: “Não, esse homem não raciocina; tem necessidades, tem caprichos, tem de os satisfazer. São vontades de ditador” [Napoleão – O pequeno. Tradução de Márcia Aguiar, São Paulo: Ensaio, 1996, p. 108]. Quando a oposição questionava a legitimidade do Presidente-ditador e, após 1852, do Imperador, este lembrava que tinha sido eleito em 1848 como Presidente com 5,5 milhões de votos e que dois plebiscitos com mais de 95% dos votos legitimaram a sua auto-nomeação, primeiro como Cônsul (em dezembro de 1851) e logo como Imperador (em novembro de 1852).
Que o modelo de pseudo-representação rousseauniana posto em marcha por Napoleão Bonaparte e pelo seu sobrinho Luís Napoleão ainda está vigente, o provam as atuais circunstâncias dos populismos latino-americanos, que fazem uso e abuso do mecanismo da re-eleição e do plebiscito na Venezuela, na Bolívia, no Equador, na dança do tango-populista pelo casal Kirschner, na Argentina, e nas pretensões de terceiro mandato presidencial na Colômbia e no Brasil. Isso para não falar na arquiditadura cubana, velha de meio século. Vida longa para o despotismo republicano e para o modelo reacionário de legitimação que foi posto em prática por Campos Sales no Brasil, na virada do século XIX para o XX!
Arsênio Corrêa dividiu a sua obra em quatro partes: I – Campos Sales e a implantação do modelo político adotado na República Velha. II – Na vazante da “maré cheia liberal” emergem correntes autoritárias. III – O pensamento político de Campos Sales. IV – Epílogo.
O autor destaca que duas foram as marcas registradas dos três primeiros governos republicanos (presididos sucessivamente por Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Prudente de Morais): instabilidade crescente e autoritarismo. Tal circunstância decorreu da ruptura ensejada com a queda do Império e o abandono das instituições do governo representativo no novo ciclo histórico. “A opção por uma república federativa, nos moldes americanos, – frisa o autor – levou o governo a adotar a teoria da descentralização. Portanto de uma prática organizacional de mais de meio século (...), saltamos no escuro para uma nova organização política e administrativa” [pg. 16].
Como ministro da Justiça do Governo Provisório, Campos Sales tentou dar estabilidade à administração (presidida pelo velho Marechal Deodoro, bastante doente), mediante a tese da responsabilidade compartilhada do Chefe do Executivo e os seus ministros, nos atos de governo. No mandato de Prudente de Morais, que seguiu ao bonapartista governo de Floriano Peixoto, a instabilidade aumentou, na medida em que o Presidente da República ficou refém do Partido Republicano Federal, sendo que o chefe deste, nas palavras de José Maria Belo, tornou-se “uma espécie de condestável da República” [pg. 28].
As instituições republicanas, no Brasil, passaram a sofrer das mesmas contradições que enfrentou a Terceira República francesa: acirrada disputa entre o Executivo e o Parlamento, como destacava José Maria Belo: “O poder do Congresso e o poder do Presidente da República harmonizavam-se apenas nos artigos constitucionais; na realidade, não se entenderiam nunca” [História da República, 6ª edição, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, p. 151].
A “política dos governadores”, posta em execução por Campos Sales ao longo do seu mandato presidencial (1898-1902), foi a resposta dada pelo mandatário a essa crônica instabilidade. Antônio Paim sintetizou assim a essência daquela: “A peça-chave dessa política consistia em delegar à Mesa da Câmara, composta pela Chefia do Executivo, a atribuição de reconhecer os diplomas dos parlamentares. Às eleições concretas se substituía a ata da apuração, confeccionada na Capital da República a partir do único critério de assegurar maioria sólida ao governo, sem maiores compromissos com o evento real. Viu-se então representantes eleitos que perdiam seus votos na confecção da ata e toda sorte de chicana. Tudo isto mediante simples arranjo no Regimento da Câmara dos Deputados, intocada a Constituição” [A querela do estatismo, 1ª edição, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978, p. 62].
Arsênio Corrêa caracterizou a “política dos governadores” como um expediente pragmático do governo para garantir a unidade política e a estabilidade, sem intervir direto nos Estados, mas manipulando o mecanismo de legitimação das eleições, privilegiando os interesses do Executivo e do Partido Republicano, ao seu serviço. Eis a caracterização efetivada pelo autor: “A política dos governadores foi, portanto, a unidade política estabelecida por Campos Sales, que pressupunha a não intervenção nos Estados. Isso trouxe a perda de importância das eleições, consolidando as situações estaduais, cuja legitimidade era equivalente à da União. É forçoso reconhecer que assegurou estabilidade política. Naturalmente, às custas da legitimidade da representação, vale dizer, do abandono do espírito que presidiu à estruturação das instituições de tal governo, no Segundo Reinado. Ali, o foco estava na determinação dos interesses que deveriam ser representados. E, subseqüentemente, a avaliação sucessiva da capacidade respectiva de assegurar-lhe legitimidade. Agora o foco mudava completamente de direção: assegurar o livre exercício do poder, excluída a possibilidade de negociação fora dos círculos que tivessem comprovado sua fidelidade ao sistema republicano. Somente o Partido Republicano tinha autorização de funcionamento e, portanto, de participar dos pleitos em que era admitida a disputa” [pg. 61].
O efeito produzido pelo arranjo autoritário foi a desvalorização da representação e a instabilidade, que conduziriam diretamente à adoção, mais adiante, do modelo de ditadura republicana criado por Castilhos no Rio Grande do Sul. O autor ilustrou esses aspectos negativos da seguinte forma: “Os efeitos das novas regras estabelecidas no Regimento Interno da Câmara revelaram-se devastadores. A primeira vez em que se deu sua aplicação, em 1900, sob Campos Sales, (com a atuação da) Comissão instituída a partir da Mesa Cessante, deixaram de ser reconhecidos 74 mandatos, cerca de 35% do total (o Parlamento se compunha de 212 representantes). O caso extremo deu-se na Câmara eleita em 1912: 91 mandatos deixaram de ser reconhecidos, 43% do total. Criou-se, assim, uma falsa estabilidade, na medida em que exigia fosse desfigurada a representação. Ainda que a Constituição fosse mantida e submetidos ao Parlamento os freqüentes estados de sítio, a providência tornou-se a ante-sala do longo ciclo autoritário vivido pela República brasileira” [p. 61].
A formulação da “política dos governadores” por Campos Sales alicerçava-se no democratismo rousseauniano, de que o mencionado homem público era tributário, como, aliás, a geração de jovens bacharéis formados no Largo de São Francisco, na segunda metade do século XIX. Segundo Arsênio Corrêa, Campos Sales deixou-se seduzir pelo ideal do caudilhismo militar em que era muito rica a tradição política hispano-americana, claramente professado por Quintino Bocaiúva, um dos mais atuantes propagandistas das idéias republicanas e que integrou, junto com Campos Sales, o primeiro gabinete republicano. Com essa geração de bacharéis que chegavam à vida pública, salvo contadas exceções como o calejado liberal Rui Barbosa, passou a prevalecer, como marco teórico que daria vida às instituições republicanas, o democratismo rousseauniano, em substituição às idéias liberais de Locke, Constant de Rebecque, Guizot e Tocqueville, em que tinham se formatado as instituições imperiais. O abandono da questão da representação de interesses dos cidadãos era apenas o corolário dessa opção teórica.
À luz do espírito de Rousseau foi aclimatada, pela elite bacharelesca à cuja testa situou-se Campos Sales, a concepção que tinha vingado no século XIX, na França, nos ciclos do republicanismo bonapartista (1799-1804), do Primeiro Império (1804-1814), da Segunda República (1848-1851) e do Segundo Império (1852-1870). Efetivamente, os dois Napoleões (tio e sobrinho) forjaram nova teoria da representação, inspirada no ideal da “vontade geral” do filósofo de Genebra, nos seguintes termos: 1) O governante (presidente eleito, primeiro cônsul ou imperador) é o verdadeiro representante da “vontade geral” da Nação. 2) Os corpos colegiados são legitimados, como representantes secundários da “vontade geral”, pelo primeiro mandatário. 3) As eleições são apenas mecanismos secundários para provisão dos corpos colegiados, que passarão a desempenhar apenas funções técnicas (elaborar o orçamento, por exemplo), sendo que toda a questão de legislar e governar cabe ao Executivo, ajudado pelo Conselho de Estado, que é integrado, basicamente, por técnicos escolhidos a dedo pelo primeiro mandatário. 4) Quando as eleições são praticadas para eleger os mandatários nos ciclos republicanos (como quando Luís Napoleão assumiu a Presidência da República, em 1848) legitimam um poder que não pode ter limites e que é republicano pelo fato de ter sido eleito.
A fim de situar esse modelo no contexto em que foi gerado, vale a pena analisar os seus aspectos fundamentais. Jacques Necker (1732-1804), ministro das Finanças de Luís XVI e pai de Madame de Staël (1766-1817), analisou detalhadamente a Constituição de 22 Frimário, ano VIII (1800), que sagrou um modelo de República autoritária, presidida pelos três Cônsules, sendo Bonaparte o que de fato exercia o poder [cf. Chevallier, Histoire des Institutions et des Regimes Politiques de la France de 1789 à nos jours, 1977, p. 105-108]. O pai de Madame de Staël considerava que, não tendo sido estabelecida, nessa Constituição, uma verdadeira representação dos interesses populares no Parlamento, a eleição não tinha nenhum sentido e as instituições republicanas careciam de autenticidade. A propósito, escrevia Necker: "A primeira circunstância que chama a atenção ao examinar esta Constituição é que, num Governo denominado de Republicano, nenhuma porção dos poderes políticos, nenhuma, realmente, foi confiada à Nação. No entanto, não apenas nas Repúblicas mistas ou puramente democráticas, mas também nas Monarquias moderadas, o povo concorre à nomeação do Corpo Legislativo, à nomeação das autoridades que determinam os seus sacrifícios. Vemos na Inglaterra os Membros da Câmara dos Comuns eleitos pela Nação. Vemos na Suécia uma ordem de Burgueses, uma ordem dos Camponeses comporem o Poder Legislativo; e sob a Monarquia Francesa o Terceiro Estado nomeava Deputados às Assembléias Nacionais. Uma tal prerrogativa, a mais importante de todas, foi substituída por uma ficção no novo código político da França. Concede-se ao Povo um direito de indicação que não significa nada para ele e que aborrecerá ao Governo se esse direito for respeitado" [Necker, Dernières vues de politique et de finance, offertes à la Nation Française par M. Necker, Paris: Bibliothèque de France, 1802, vol. I, p. 1-2].
Ora, nenhuma estabilidade institucional poderia advir de um tal regime. Tratava-se de uma República de faz-de-conta, modelo da que, no final do século XIX, os Castilhistas instaurariam no Rio Grande do Sul. Tudo girava ao redor do único poder verdadeiramente forte: o general Bonaparte. A feição dessa pseudo República foi resumida perfeitamente por Jean-Jacques Chevallier, com as seguintes palavras: "Uma fachada de sufrágio universal (simples direito de apresentação). Uma fachada de assembléias: o Senado, o Tribunato, o Corpo Legislativo. No governo uma fachada de três cônsules, sendo que o poder repousava realmente no Primeiro Cônsul. Na tarde em que o texto constitucional foi solenemente promulgado nas ruas de Paris, as pessoas perguntavam: O que há na Constituição? E a resposta era a seguinte: Há Bonaparte. O referendum sobre um texto constitucional tinha fatalmente virado um plebiscito sobre um homem" [Chevallier, ob. cit., p. 107]. A propósito dessa enorme encenação, escreveu Necker: "Mostraremos agora que toda essa organização é ao mesmo tempo motivo de irritação para a massa geral dos Cidadãos, bem como um atentado aos seus direitos, um estorvo para o Governo e um constrangimento prejudicial para o bem do Estado" [Necker, ob. cit., p. 4-5].
O modelo de representação previsto pela Constituição bonapartista do ano VIII constituía uma caricatura da prática do verdadeiro parlamentarismo. Os cidadãos habilitados para votar segundo as normas oficiais (cinco milhões, calculava Necker, sobre uma população de mais de vinte milhões de Franceses), nos seus respectivos cantões indicariam as pessoas que, segundo o seu critério, pudessem desempenhar cargos públicos. Daí sairia uma massa de cinco mil homens aptos para receberem do Senado Conservador, formado à revelia da Nação, a responsabilidade de administrar a máquina do Estado. Seria uma representação às avessas, que personificaria os interesses de Bonaparte e da sua burocracia, deixando de lado os reais interesses dos cidadãos. "Essas listas de elegibilidade - frisava Necker [ob. cit., p. 10-11] - teriam pouca credibilidade, ao reduzir cinco milhões de homens a cinco mil, sem nenhuma das precauções que garantem ao menos um sentimento de interesse, um grau formal de atenção a essa grande ação política".
Este modelo de representação às avessas foi posto em prática, com grande sucesso, por Napoleão III, ao longo da Segunda República (1848-1851) e do Segundo Império (1852-1870), com uma inovação: a prática corriqueira do plebiscito, a fim de dar um verniz de legitimidade democrática às decisões tomadas pelo dono do poder. Sabemos de que forma Napoleão III abusou dessa modalidade de governo, tipicamente ditatorial, fato que levou Victor Hugo a escrever: “Não, esse homem não raciocina; tem necessidades, tem caprichos, tem de os satisfazer. São vontades de ditador” [Napoleão – O pequeno. Tradução de Márcia Aguiar, São Paulo: Ensaio, 1996, p. 108]. Quando a oposição questionava a legitimidade do Presidente-ditador e, após 1852, do Imperador, este lembrava que tinha sido eleito em 1848 como Presidente com 5,5 milhões de votos e que dois plebiscitos com mais de 95% dos votos legitimaram a sua auto-nomeação, primeiro como Cônsul (em dezembro de 1851) e logo como Imperador (em novembro de 1852).
Que o modelo de pseudo-representação rousseauniana posto em marcha por Napoleão Bonaparte e pelo seu sobrinho Luís Napoleão ainda está vigente, o provam as atuais circunstâncias dos populismos latino-americanos, que fazem uso e abuso do mecanismo da re-eleição e do plebiscito na Venezuela, na Bolívia, no Equador, na dança do tango-populista pelo casal Kirschner, na Argentina, e nas pretensões de terceiro mandato presidencial na Colômbia e no Brasil. Isso para não falar na arquiditadura cubana, velha de meio século. Vida longa para o despotismo republicano e para o modelo reacionário de legitimação que foi posto em prática por Campos Sales no Brasil, na virada do século XIX para o XX!
domingo, 7 de junho de 2009
CULTURA FRANCESA E INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
A França é, para nós, um primeiro mundo mais próximo do que os países anglo-saxões. As nossas instituições políticas, aliás, formataram-se à sombra das vigentes na França. Pela mediação francesa foi que Silvestre Pinheiro Ferreira imaginou as instituições de governo representativo, para um Brasil que, no início do século XIX, acordava ao mundo da monarquia, com Dom João VI no Rio de Janeiro. O modelo político que o fiel ministro apresentou ao Monarca, inspirava-se na obra do pensador suíço-francês Benjamin Constant de Rebecque, influenciado, por sua vez, pelas idéias de monarquia constitucional do ministro das finanças de Luís XVI, Jacques Necker e da sua filha, a polemica e genial escritora Germaine Necker de Staël-Holstein (conhecida como Madame de Staël). Ela manteve cálido romance, em Roma, com o jovem diplomata português dom Pedro de Souza-Holstein (futuro conde de Palmela), que seria ministro de Dom João VI no Rio de Janeiro.
Ora, tanto Silvestre Pinheiro Ferreira como o conde de Palmela defendiam, para o Brasil, um modelo parlamentar de monarquia constitucional, com representação bicameral (Câmara dos Deputados e Senado controlados pelo Poder Moderador, denominado por Constant de “poder neutro”). Não houve, entre nós, transposição direta do parlamentarismo britânico. A mediação do pensamento constitucional francês foi definitiva para garantir a estabilidade política que seria estabelecida, após o conturbado período da Regência, com o advento de Dom Pedro II ao Trono e o denominado “Regresso”, em 1841. À luz dos constitucionalistas franceses o Brasil experimentou, na segunda metade do século XIX, o maior período de estabilidade política já conhecida por um país latino-americano na época.
As instituições imperiais, aliás, estavam solidamente edificadas em firme cultura filosófica inspirada em Maine de Biran e Victor Cousin, na denominada corrente do “espiritualismo eclético”, que foi adotada por Domingos Gonçalves de Magalhães (visconde de Araguaia e filósofo oficial do Império). De outro lado, os mecanismos da representação foram aperfeiçoados, no período apontado, à sombra de dois pensadores franceses de grande valia no constitucionalismo liberal: François Guizot (que inspirou a obra de estadistas do Império como Paulino Soares de Sousa, visconde de Uruguai) e Alexis de Tocqueville (inspirador da tendência democrática que postulava o alargamento da representação, adotada por críticos moderados das instituições imperiais como Aureliano Cândido Tavares Bastos, o poeta José de Alencar, Rui Barbosa, Tobias Barreto e outros).
A propaganda republicana que, com o “surto de idéias novas”, passou a atacar radicalmente as instituições imperiais, a partir de 1870, estava calcada, também, em fontes francesas: os socialistas Gambetta e Louis Blanc, bem como, de forma mais forte, nas idéias regeneradoras de Saint-Simon e Augusto Comte. Foi o positivismo deste último que polarizou o debate que deu ensejo ao fim do Império, com a proclamação da República em 1889. Por outra parte, não deixaria de ter muito de espírito bonapartista o modelo de poder republicano-militar adotado por Floriano Peixoto. Como estava inspirado, também, no pensamento napoleônico a respeito da representação, o modelo da política dos governadores, ensejado pela mediação jurídica de Campos Salles, após o conturbado mandato civil de Prudente de Morais. Efetivamente, com Campos Salles tornou-se aceita a forma reacionária de representação, que consiste em identificar um núcleo que garanta a estabilidade republicana (o consenso entre o Executivo federal e os governadores dos Estados), manipulando os resultados das urnas para manter incólume essa falácia de estabilidade. Algo semelhante ao que Napoleão conseguiu, já a partir do Consulado, sendo ele, primeiro cônsul e, depois de 1804, imperador, quem legitimava os mandatos dos corpos colegiados. Perfeita encarnação, no líder absoluto, da “vontade geral” proposta por Rousseau. Falácia semelhante foi posta em prática, na segunda metade do século XIX, por Luís Napoleão, que encabeçou o Segundo Império. Este foi, aliás, mestre na arte de legitimação do poder pelo clamor das ruas, mediante plebiscito, de que fazem hoje uso os populistas latino-americanos como Hugo Chávez e com que somos assombrados pelo baixo clero que propõe consulta plebiscitária para legitimar um eventual terceiro mandato.
A tendência autoritária que mais sucesso teve na história republicana foi o Castilhismo, tributário do modelo de “ditadura científica” de Comte. Com Getúlio, o mencionado modelo passou a ser aplicado em nível nacional. O positivismo castilhista foi tornado maleável numa versão tecnocrática temperada no cientificismo organicista saint-simoniano, que o líder de São Borja assimilou através das obras de Émile Zola. O Executivo hipertrofiado, auxiliado pelos seus Conselhos Técnicos, essa foi a versão de cientificismo caboclo que terminou vingando no longo ciclo getuliano e se prolongando na “engenharia política” do ciclo militar. À sombra dessa fórmula tecnocrática foi posta de lado a questão da representação, sendo que, ainda hoje, sofremos com essa falha institucional, que se traduz no crescente desprestígio do Congresso e dos Partidos políticos na vida nacional. A influência francesa, como se pode observar, foi muito forte, para o bem ou para o mal, nas nossas instituições.
Ora, tanto Silvestre Pinheiro Ferreira como o conde de Palmela defendiam, para o Brasil, um modelo parlamentar de monarquia constitucional, com representação bicameral (Câmara dos Deputados e Senado controlados pelo Poder Moderador, denominado por Constant de “poder neutro”). Não houve, entre nós, transposição direta do parlamentarismo britânico. A mediação do pensamento constitucional francês foi definitiva para garantir a estabilidade política que seria estabelecida, após o conturbado período da Regência, com o advento de Dom Pedro II ao Trono e o denominado “Regresso”, em 1841. À luz dos constitucionalistas franceses o Brasil experimentou, na segunda metade do século XIX, o maior período de estabilidade política já conhecida por um país latino-americano na época.
As instituições imperiais, aliás, estavam solidamente edificadas em firme cultura filosófica inspirada em Maine de Biran e Victor Cousin, na denominada corrente do “espiritualismo eclético”, que foi adotada por Domingos Gonçalves de Magalhães (visconde de Araguaia e filósofo oficial do Império). De outro lado, os mecanismos da representação foram aperfeiçoados, no período apontado, à sombra de dois pensadores franceses de grande valia no constitucionalismo liberal: François Guizot (que inspirou a obra de estadistas do Império como Paulino Soares de Sousa, visconde de Uruguai) e Alexis de Tocqueville (inspirador da tendência democrática que postulava o alargamento da representação, adotada por críticos moderados das instituições imperiais como Aureliano Cândido Tavares Bastos, o poeta José de Alencar, Rui Barbosa, Tobias Barreto e outros).
A propaganda republicana que, com o “surto de idéias novas”, passou a atacar radicalmente as instituições imperiais, a partir de 1870, estava calcada, também, em fontes francesas: os socialistas Gambetta e Louis Blanc, bem como, de forma mais forte, nas idéias regeneradoras de Saint-Simon e Augusto Comte. Foi o positivismo deste último que polarizou o debate que deu ensejo ao fim do Império, com a proclamação da República em 1889. Por outra parte, não deixaria de ter muito de espírito bonapartista o modelo de poder republicano-militar adotado por Floriano Peixoto. Como estava inspirado, também, no pensamento napoleônico a respeito da representação, o modelo da política dos governadores, ensejado pela mediação jurídica de Campos Salles, após o conturbado mandato civil de Prudente de Morais. Efetivamente, com Campos Salles tornou-se aceita a forma reacionária de representação, que consiste em identificar um núcleo que garanta a estabilidade republicana (o consenso entre o Executivo federal e os governadores dos Estados), manipulando os resultados das urnas para manter incólume essa falácia de estabilidade. Algo semelhante ao que Napoleão conseguiu, já a partir do Consulado, sendo ele, primeiro cônsul e, depois de 1804, imperador, quem legitimava os mandatos dos corpos colegiados. Perfeita encarnação, no líder absoluto, da “vontade geral” proposta por Rousseau. Falácia semelhante foi posta em prática, na segunda metade do século XIX, por Luís Napoleão, que encabeçou o Segundo Império. Este foi, aliás, mestre na arte de legitimação do poder pelo clamor das ruas, mediante plebiscito, de que fazem hoje uso os populistas latino-americanos como Hugo Chávez e com que somos assombrados pelo baixo clero que propõe consulta plebiscitária para legitimar um eventual terceiro mandato.
A tendência autoritária que mais sucesso teve na história republicana foi o Castilhismo, tributário do modelo de “ditadura científica” de Comte. Com Getúlio, o mencionado modelo passou a ser aplicado em nível nacional. O positivismo castilhista foi tornado maleável numa versão tecnocrática temperada no cientificismo organicista saint-simoniano, que o líder de São Borja assimilou através das obras de Émile Zola. O Executivo hipertrofiado, auxiliado pelos seus Conselhos Técnicos, essa foi a versão de cientificismo caboclo que terminou vingando no longo ciclo getuliano e se prolongando na “engenharia política” do ciclo militar. À sombra dessa fórmula tecnocrática foi posta de lado a questão da representação, sendo que, ainda hoje, sofremos com essa falha institucional, que se traduz no crescente desprestígio do Congresso e dos Partidos políticos na vida nacional. A influência francesa, como se pode observar, foi muito forte, para o bem ou para o mal, nas nossas instituições.
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