Biblioteca Municipal da cidade de Pelotas, situada ao lado da Prefeitura, no belo parque Coronel Pedro Osório. |
Como frisava o mestre e amigo
Antônio Paim no seu livrinho Para entender o PT (Londrina:
Editora Humanidades, 2001), o Partido dos Trabalhadores é a maior manifestação
do espírito patrimonialista na cultura brasileira. Nos seus dez anos de
mandato, o Partido tratou o Brasil como propriedade privada dos donos da
legenda, Lula e amigos. Eles simplesmente cuidaram para que o Estado fosse o
seu instrumento de privatização do espaço público em benefício da sigla
partidária, com exclusão dos que se opusessem. Foi uma ação sistemática de
ocupação e de aparelhamento, tendo utilizado a filosofia gramsciana como
alicerce doutrinário para a empreitada. O PT não teve dúvidas em utilizar todas
as táticas de intimidação, desde o patrulhamento e a calúnia até a eliminação
dos militantes que ousassem se desviar dos interesses dos chefões. Os
assassinatos de Celso Daniel e de Toninho do PT são prova disso. Esses atos de
terrorismo lembram as conhecidas “purgas” com que os comunistas castigavam
dissidentes, no reinado de Lenine e Stalin, na Rússia bolchevique.
Paralelamente a essa maré
montante da ocupação do Estado pela petralhada surgiu, no seio da sociedade
brasileira, ao longo dos últimos vinte anos, uma sadia reação das novas
gerações que não se conformavam com a retórica da “vulgata marxista”,
habilmente alçada à categoria de filosofia educacional oficial. Nesse trabalho
de doutrinação e de marxistização do ensino primário e secundário, foi de
grande valia a ajuda de pedagogos socialistas como Paulo Freire. Ele, de fato,
embora tivesse recebido a influência dos doutrinários da Escola Nova e da
filosofia personalista de Emmanuel Mounier, terminou se afinando com o ideal de
um marxismo revolucionário na América Latina e com a tentativa de implantar
esse modelo no Brasil, com a ajuda da doutrinação de pedagogos e alunos. Nos
anos setentas, em Paris, Paulo Freire dirigia o Instituto Ecuménico para o
Desenvolvimento dos Povos (Institut Oecumenique
pour le developement des peuples – INODEP), uma fundação que acolhia
militantes de organizações guerrilheiras latino-americanas, com a finalidade de
intercambiar experiências no combate ao capitalismo mediante a luta armada.
Contra a tentativa hegemônica
petista e reagindo, também, contra a farta divulgação do pensamento marxista no
sistema de ensino, incluindo aí as Universidades, começaram a aparecer, ao
longo dos últimos dez anos, organizações de jovens que buscavam ares menos
contaminados. É particularmente visível, no meio universitário, essa reação.
Embora o grosso do professorado esteja constituído por docentes afinados com o
pensamento de esquerda, os jovens buscam outras alternativas ideológicas, se
destacando, entre elas, o pensamento liberal. Na Universidade Federal de Juiz
de Fora, onde lecionei até maio deste ano, notei isso. Para responder a essa
preocupação da nova geração, criei ali vários espaços em que o pensamento
liberal tinha lugar importante. Menciono-os: o Centro de Pesquisas Estratégicas
“Paulino Soares de Sousa”, que ainda coordeno; o Núcleo de Estudos Ibéricos e
Ibero-americanos; o Núcleo de Estudos sobre o pensamento de Madame de Staël e o
Liberalismo Doutrinário; o Núcleo Tocqueville-Aron para o estudo das
Democracias Contemporâneas. Ao redor de todos esses pequenos centros de
pensamento e pesquisa reuniram-se alunos da UFJF e de outras Universidades e
centros de estudo do Brasil.
Dessas iniciativas surgiu o Portal
Defesa (www.ecsbdefesa.com.br
sob a direção do professor Expedito Bastos e que divulga as pesquisas
desenvolvidas pelos membros do Centro de Pesquisas Estratégicas), a revista
eletrônica Ibérica (www.estudosibericos.com)
e a revista eletrônica Cogitationes (www.cogitationes.org) ambas coordenadas
por Alexandre Ferreira de Souza e Marco Antônio Barroso. Essas publicações
arejam o ambiente rarefeito da cultura universitária discutindo propostas
liberais e liberais-conservadoras, bem como analisando questões relativas à
história da cultura ocidental.
Belo casarão no Parque Coronel Pedro Osório, no centro histórico de Pelotas. |
Fonte das Nereidas (1873), no Parque Coronel Pedro Osório, Pelotas. |
Catedral de São Francisco de Paula, na Praça José Bonifácio, em Pelotas. |
Particular interesse têm-me
causado os Encontros de Estudantes de Relações Internacionais. Participei de
dois desses encontros, o realizado em Ribeirão Preto, São Paulo, em 2009
(quando apresentei uma análise do fenômeno do neopopulismo na América Latina) e
o promovido pelo Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de
Pelotas, Rio Grande do Sul, e que teve lugar de 19 a 22 de Setembro deste ano,
quando proferi palestra com o título: “Tocqueville e a agitação das ruas”. Em
ambos os eventos, o primeiro de caráter nacional (com mais de dois mil
participantes) e o segundo de alcance regional (com 400 participantes), fiquei
impressionado com o interesse dos alunos pelos temas relacionados com a
filosofia liberal. Imagino que os estudantes dos cursos de Relações
Internacionais (que já passam da centena, cobrindo o Brasil de sul a norte) são
especialmente sensíveis ao atraso representado pelo nosso Estado patrimonial,
tacanhamente confinado nos limites ideológicos do Mercosul, afinado, na era
lulopetista, com o chavismo bolivariano.
Duas tarefas inadiáveis vejo como
necessárias para que frutifique o trabalho destes grupos de jovens liberais: em
primeiro lugar, aprofundar no conhecimento sistemático dos clássicos do
liberalismo, tanto dos iniciadores dessa corrente na Europa (Locke,
Montesquieu, Kant, Tocqueville, Benjamin Constant, Madame de Staël e os Doutrinários
franceses, etc.), quanto dos liberais americanos, os chamados Patriarcas
fundadores das instituições republicanas nos Estados Unidos. O estudo dos
clássicos deve, evidentemente, abranger também os pensadores da Escola
Austríaca e as suas fontes ibéricas que se remontam às teses da soberania
popular, especialmente no pensamento do maior filósofo espanhol do século XVII,
o padre Francisco Suárez, cuja obra: De legibus ac de Deo legislatore
(1613) deveria ser traduzida e publicada no Brasil.
Esse esforço teórico teria de se
alargar, no âmbito ibérico e iberoamericano, ao estudo dos pensadores que se
debruçaram sobre as fontes liberais, projetando-as sobre a nossa realidade.
Ressalta, aqui, a figura de José Ortega y Gasset, na Espanha e de Fidelino de
Figueiredo, em Portugal. No caso latino-americano sobressaem nomes como os de
Antonio Caso e Daniel Cosío Villegas, no México, Domingo Faustino Sarmiento, na
Argentina, Daniel Samper, Rafael Núñez e Carlos Lleras Restrepo, na Colômbia e, no Peru, o
prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. No caso brasileiro, deveriam ser
estudados Silvestre Pinheiro Ferreira, Paulino Soares de Sousa, Tavares Bastos,
Rui Barbosa, Tobias Barreto, Assis Brasil e Silveira Martins (no século XIX)
e, na realidade atual, Miguel Reale, Antônio Paim, Roque Spencer Maciel de
Barros, José Osvaldo de Meira Penna, José Guilherme Merquior e Ubiratan Macedo (para citar apenas
autores de grande porte).
Uma segunda linha de trabalho
deveria ser abarcada pelos jovens liberais: projetar sobre a realidade
brasileira contemporânea as luzes da luta em prol da liberdade, defendida com
denodo pelos clássicos do pensamento filosófico e político que acabo de
mencionar, a fim de enxergar soluções para os grandes problemas que afetam às
nossas instituições republicanas. Sílvio Romero, o fundador da sociologia
brasileira, afirmava que, em matéria de pensamento social e político, não há monocausalismos.
A reflexão que proponho sobre a realidade brasileira deveria ser efetivada, portanto,
de maneira monográfica, abarcando os três grandes aspectos que se entrecruzam
na sociedade brasileira: o cultural, o político e o econômico. Cada um desses
aspectos é essencial e não pode se sobrepor aos outros. Surgirá dessa reflexão,
com certeza, uma agenda liberal para ser implementada na luta político-partidária,
sem a qual não se consegue pôr em prática os nossos ideais para uma sociedade com
instituições que defendam a liberdade e não a ameacem, como acontece
atualmente.
Quanto aos acervos onde se podem
encontrar as obras dos clássicos brasileiros, recomendo aos jovens estudiosos o
Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (www.cdpb.org.br), organizado em Salvador, na
Bahia, pelo professor Antônio Paim. Esse acervo encontra-se na Universidade
Católica de Salvador sob os cuidados da presidente do Centro, a professora Dinorah
de Araújo Berbert de Castro. Recomendo igualmente o acervo digital do Instituto
de Humanidades, para aqueles que buscam se familiarizar com as fontes do
liberalismo clássico (www.institutodehumanidades.com.br).
Mercado Central de Pelotas, reconstruído (2013). |
"A Pelota", rudimentar embarcação que terminou dando nome à cidade de Pelotas (exposição no Mercado Central). |
Além dessas importantes iniciativas mencionadas pelo Professor Ricardo Vélez Rodriguez, é bom lembrar também os Colóquios Brasil-Portugal que privilegia um dos aspectos levantados por Vélez para o aprofundamento da reflexão liberal. Trata-se do corte cultural que certamente perpassa o político e o econômico. Neste ano o Colóquio privilegiou o ético, fazendo-se um levantamento deste pensamento no Brasil e em Portugal. Foram 7 dias de estudos com exposições intercaladas de professores universitários luso-brasileiros.
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