“Viver para outro! O indivíduo não é quase nada, a sociedade é quase tudo. A vida social reduz-se a uma cooperação; o único fim do poder central é comandar e ajudar todos os homens a pensar em todos os homens, mesmo apesar deles. O homem não é homem senão na medida em que participa da comunidade. Mas esse panteísmo social não implica somente premissas indemonstradas e indemonstráveis; termina por se opor à sua finalidade suprema, por se opor ao bem dos homens” (Giovanni Papini, 1881-1956)
As palavras do grande Giovanni Papini, que o escritor italiano escreveu se referindo a Augusto Comte (1798-1857), projetam muita luz sobre o descalabro que é, nos dias que correm, o fenômeno do Messianismo Político. "Salvemos o Planeta, mesmo que à custa da liberdade dos indivíduos e da diversidade das instituições! Mesmo que à custa da pluralidade das Nações". Essa parece ser a palavra de ordem que pretende acabar com os incêndios florestais. Como o tema tem muito a render nos próximos dias ao ensejo da Assembléia Geral da ONU, quero lembrar, aqui, algumas coisas fundamentais sobre essa invenção francesa que é o Messianismo Político de Henri-Claude de Saint-Simon (1760-1825), mestre de Augusto Comte
J. L. Talmon
fez uma completa caracterização do messianismo político na sua clássica obra
intitulada Messianismo Político[1] . A
influência do saint-simonismo, do ponto de vista político, teve ampla
repercussão em autores tão variados quanto Augusto Comte, Michelet, Mazzini e o
próprio Marx.
Um profundo
sentimento apocalíptico empolgava ao conde Saint-Simon (1760-1825), que entrevia
o nascimento de uma religião universal que impusesse a organização pacífica da
sociedade. Este é um trecho que revela claramente tal sentimento: "Isto é
o que dizemos sem dilação: os dias das soluções incompletas chegaram ao fim. É
necessário dirigir-se resolutamente em direção do bem geral. É a verdade na sua
totalidade o que deve ser salientado perante as circunstâncias atuais: é
chegado o momento da crise. Essa crise profetizada por muitos dos textos do
Antigo Testamento e para a qual, durante muitos anos, têm-se preparado as
sociedades bíblicas, é a crise cuja existência acaba de demonstrar a
instituição da Santa Aliança, união fundada nos mais generosos princípios de
moralidade e religião. Esta é a crise que os judeus esperaram desde quando,
expulsos do seu país, têm andado errantes, vítimas de perseguições, sem jamais
renunciar à esperança de ver o dia em que os homens conviveriam como irmãos.
Finalmente, essa crise tende diretamente ao estabelecimento de uma religião
autenticamente universal e a impor a todos uma organização pacífica da
sociedade".[2]
Saint-Simon
encarava, dessa forma autenticamente messiânica, a crise sofrida pela sociedade
francesa após a Revolução de 1789. Diante da desagregação ensejada pelo
Jacobinismo e o Terror, o filósofo apresentava-se como peça-chave para a
redenção, não somente da França, como de toda a Humanidade. A respeito, escreve
Talmon[3]:
"Estava convencido de ser um Napoleão da ciência e da indústria, pela
promessa que lhe fez Carlos Magno, durante um sonho que teve quando esteve
preso na cadeia de Luxemburgo em 1774, de que conseguiria tanta glória como
filósofo, quanto o seu famoso antecessor tinha alcançado nas artes da guerra e
do governo (...)".
O conde
Saint-Simon assistiu passivamente à Revolução Francesa como observador arguto,
em que pese o fato de ter sido eleito, em 1790, como presidente da Assembleia
Eleitoral da sua comuna, o que motivou a renúncia ao título de nobreza. Anos
atrás, o jovem nobre tinha participado como voluntário do exército que, sob o
comando do general Lafayette, tinha ajudado os revolucionários americanos a
proclamar a Independência das treze colônias, em 1776.
A Revolução
Francesa não foi, no sentir do filósofo, uma révolution régéneratrice,
mas um espetáculo de destruição, de inútil debate e de desordem social. Frisava
a respeito dessa situação crítica: "É a falta de idéias gerais o que nos
tem levado à ruína; não poderemos renascer autenticamente senão com a ajuda de
idéias gerais; as velhas idéias caíram (...) e já não é possível rejuvenescê-las.
Precisamos de idéias novas (...), um sistema, quer dizer, uma forma de opinião
que seja, por natureza, cortante, absoluta e exclusiva."[4]
Ao passo que
Saint-Simon desconhecia o valor de heróis aos protagonistas da Revolução
Francesa, considerava, pelo contrário, que Napoleão Bonaparte encarnava esse
valor, não pelo fato de ter sido militar ou conquistador, mas por ter se
firmado como "o chefe científico da Humanidade (...) e a sua cabeça
política,"[5] tendo legislado alicerçado
em princípios racionais. Saint-Simon preocupou-se por achar um princípio total
que permitisse a explicação racional do universo. Nessa busca, terminou
professando uma visão determinística do homem, que Talmon[6] tipificou
assim: "O homem é como um pequeno relógio dentro de outro maior, o
universo, do qual recebe a energia para movimentar-se. Saint-Simon sonhava com
deduzir, passo a passo, as leis determinantes do universo em ordem de sucessão
(...) para, no final, chegar às leis da organização social mediante a reconstrução
prévia da interdependência do orgânico e do inorgânico, dos corpos fixos e dos
fluidos, da matéria e do movimento". Nesse contexto, a sociedade é
concebida como "verdadeira máquina organizada" ou como um
"organismo" que, ao longo dos tempos, criou os seus próprios órgãos
para se adaptar às diferentes situações. A unidade inteligível da História não
é nem o Estado, nem a Nação, mas a Sociedade organicamente considerada. As suas
forças e processos não são criação deliberada de ninguém, mas frutos do
organismo social.
O essencial
dos processos sociais é representado, no entanto, pelos sistemas filosóficos
que seriam, assim, o principal mecanismo de adaptação do organismo social às
diferentes épocas. Como frisa Talmon,[7]
todo sistema social é, assim, "a aplicação de um sistema filosófico. A
religião, a política, a moral, a instrução pública, não são mais do que reflexo
e aplicação de um sistema de idéias, uma Weltanschauung (...)".
Dado o caráter orgânico da sociedade, a expressão dos sistemas de idéias
corresponde, nas diferentes épocas históricas, a uma cabeça que pensa pelo todo
social. Como frisa Bréhier,[8]
Saint Simon "é aristocrata demais para poder acreditar que o povo, em cujo
favor trabalha, seja capaz de fazer alguma coisa em prol de sua renovação".
Assim, é importante identificar aquele ator social a quem corresponderia a
tarefa de explicitar o novo sistema de idéias, que regeneraria a sociedade após
a Revolução Francesa.
Na
formulação do plano salvífico da sociedade por parte de uma elite, o pensamento
saint-simoniano percorreu duas etapas: uma cientificista e outra religiosa.
Essa dupla feição é típica, aliás, de um discípulo de Saint-Simon: Augusto
Comte (1798-1857), cuja obra oferece essa dupla vertente, de cunho
cientificista e religioso/dogmático.
Na primeira
fase da sua obra, Saint-Simon considerava que a elite pensante que presidiria,
como cabeça, o corpo social, devia ser integrada pelos industriais, que
figuravam à frente do sistema produtivo. A sua gestão na sociedade não se
revestiria do caráter coercitivo das épocas anteriores, pois prevaleceria não a
força, mas a razão das coisas. Todo o trabalho a ser feito consistiria,
portanto, em explicar a cada um o lugar que devia ocupar no corpo da sociedade
industrial. Saint-Simon salientava que, no sistema industrial, "os homens
desfrutariam, com essa ordem de coisas, do mais alto grau de liberdade
compatível com o estado de sociedade".[9]
Em que pese
o fato do caráter irreversível da sociedade industrial, Saint-Simon considerava
que o seu advento deveria ser induzido por outra elite esclarecida: os savants
positifs, a cuja frente ele próprio se colocava. O papel deles consistiria
em preparar a grande revolução que seria a passagem da sociedade tradicional
para a industrial. Saint-Simon previa "uma ação que, por sua natureza, é
brusca e cortante, pois esta transformação tende a modificar subitamente os
hábitos intelectuais assumidos pelo espírito público".[10] Contudo, não fica confirmado esse caráter
aparentemente violento da revolução, quando Saint-Simon entra a explicitar a
forma em que deverão proceder os savants positifs na
efetivação da mesma. O papel deles é eminentemente persuasivo, não violento,
devendo limitar-se a mostrar aos reis, povos, aristocracias e governos a
inevitabilidade do advento do sistema industrial, cujo caráter construtivo será
também explicado. Assim advirá a sociedade industrial.
Apesar do
papel de liderança atribuído por Saint-Simon aos savants positifs,
aos poucos foi reconhecendo, na segunda fase da sua obra, a necessidade de
alicerçar o comportamento coletivo harmônico numa base mais ampla do que a pura
ciência, a fim de abranger os sentimentos humanos, que jogam um papel tão
importante na conduta dos homens. Saint-Simon procurou, assim, forças mais
profundas numa religião vital. Achou que o fator religioso
desempenhava um papel de primeira ordem na organização social. A propósito,
escrevia o filósofo: "A religião tem servido e servirá sempre como base da
organização social (...). A humanidade tem atravessado crises científicas,
morais e políticas, sempre que a ideologia religiosa tem experimentado algum
câmbio".[11] E dedicou a última parte
da sua vida à procura desse embasamento religioso para a sociedade industrial.
Cinco
características básicas podemos assinalar para a religião saint-simoniana, que
o filósofo denominou de “cristianismo geral e definitivo”:
A
– Ela deve dar aos homens a Weltanschauung
estreitamente tecida, “que ofereça, ao mesmo tempo, um quadro do universo e
um código de vida criado para pôr o crente no lugar que lhe corresponde no seio
da ordem universal”.[12]
B
– Essa religião é indissociável do fator político e social, porquanto é o
alicerce dele. Portanto, não cabe divisão alguma entre poder espiritual e
temporal, entre Igreja e Estado.
C
– A vivência religiosa, ao fazer-nos sentir dependentes de alguma realidade
objetiva, exterior a nós mesmos, impede a dominação egoísta de uns pelos
outros, bem como os conflitos de interesses.
D
– Essa religião vital será o cristianismo revitalizado, mediante a incorporação
de todos os avanços científicos e a sua identificação total com o impulso
construtivo da classe produtora, substituindo as ideias metafísicas e as
esperanças transcendentes por ideias sociais e assumindo o encargo de “melhorar
prontamente a situação moral e física da classe mais numerosa (...) e evitar
que os ricos e poderosos continuem tiranizando os pobres”.[13]
E
– O novo cristianismo será vivido por uma nova Igreja, que deve tomar a iniciativa
a fim de que o sistema industrial dê seus frutos, mediante a mobilização dos
cientistas, dos artistas e dos industriais, para que elaborem planos que
desenvolvam ao máximo a inteligência e a produtividade. Cabe, portanto, à
Igreja realizar pacificamente a transição ao regime industrial, dissuadindo os
pobres do emprego da violência contra os ricos ou o governo e, paralelamente,
mediante a persuasão aos ricos, aos artistas, aos sábios e aos industriais de
que “os seus interesses são, em essência, os mesmos que os da massa do povo; de
que pertencem à classe dos trabalhadores, ao mesmo tempo que são os seus chefes
naturais”.[14]
Saint-Simon
profetizava, assim, sobre o advento do “cristianismo geral e definitivo”: “O
povo de Deus, o povo que recebeu revelações anteriores à vinda de Cristo; o
povo mais universalmente estendido sobre a superfície da terra, soube sempre
que a doutrina cristã fundada pelos padres da Igreja era incompleta. Tem
profetizado, sempre, o advento de uma grande época, a que tem dado o nome de
Reino do Messias; uma época em que a doutrina religiosa aparecerá em toda a
generalidade de que é suscetível e regulará igualmente as ações do poder
temporal e do poder espiritual; então toda a humanidade terá uma só religião e
uma só organização (...). A imaginação dos poetas situou a idade de ouro no
berço da espécie humana, entre a ignorância e a rusticidade dos primeiros
tempos; é a idade de ferro, melhor, que deve relegar-se a esses dias. A idade
de ouro da humanidade não está atrás de nós, mas diante, na perfeição da ordem
social; nossos pais não a conheceram, mas os nossos filhos chegarão a ela algum
dia; compete a nós abrirmos o caminho”.[15]
Depois
da morte de Saint-Simon, em 1825, os seus discípulos prosseguiram na
instauração do “nouveau christianisme”.
Talmon frisa que os integrantes da Igreja saint-simoniana “consideravam-se uma
comunidade de apóstolos, uma reprodução daquela reduzida confraternidade que,
uns mil e oitocentos anos antes, formou-se em Jerusalém, com uma missão análoga
e um futuro semelhante ante eles (...)”.[16]
Os discípulos estavam plenamente convencidos do caráter messiânico de
Saint-Simon. Eis as palavras que pronunciou o principal deles, o matemático e
banqueiro francês Olinde Rodrigues (1795-1851), logo após o enterro do mestre:
“(...) O mundo tem esperado um salvador (...):Saint-Simon apareceu. Orfeu e
Numa organizaram os trabalhos materiais e Jesus Cristo o esforço espiritual.
Saint-Simon organizou a empresa religiosa e, portanto, tem dado forma a uma
síntese de Jesus e Moisés. No futuro, Moisés será a cabeça do culto, Jesus
Cristo a do dogma e Saint-Simon a da religião, quer dizer, o Papa”.[17]
O
“Nouveau Christianisme” apregoado por
Saint-Simon deita raízes na “Religião
Civil”, que o filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) propôs
na última parte da sua obra Do contrato social (1762).[18]
Partindo do fato da desigualdade humana criada pela sociedade, que Rousseau
explica no seu livro A origem da desigualdade entre os homens (1753),[19]
o filósofo destaca que só no surgimento de uma Religião Civil que unifique as mentes e as vontades ao redor do
Estado, poderá ser conseguida a ordem social e política. Como o próprio
Rousseau reconhece, ele é inspirado, em parte, pela proposta do poder único e
indivisível em mãos do Estado, que Thomas Hobbes (1588-1679) tinha formulado um
século atrás no Leviatã (1651),[20]
para superar o estado de “guerra permanente” ou de insegurança coletiva.
Rousseau
explica assim a natureza da “Religião Civil” proposta: “Existe, pois, uma
profissão de fé puramente civil, cujos artigos o soberano está incumbido de
fixar, não precisamente como dogmas de religião, mas como sentimentos de
sociabilidade, sem os quais seria impossível (alguém) se tornar bom cidadão o
sujeito fiel (...)”. E, um pouco mais adiante, o filósofo caracteriza assim o
cerne dogmático da nova religião: “Os dogmas da religião civil devem ser
simples, em pequeno número, enunciados com precisão sem explicações nem
comentários: a existência da divindade poderosa, inteligente, benfeitora,
previdente e providente; a vida futura; a felicidade dos justos; a punição dos
malvados; a santidade do contrato social e das leis; eis os dogmas positivos.
Quanto aos dogmas negativos, eu os reduzo a um só, a intolerância: ela pertence
aos cultos que temos excluído”.[21]
A
utilidade da “Religião Civil”, assim entendida, é muito grande, segundo
Rousseau. Eis as suas principais aplicações, visando à estabilidade do poder e
à unidade social: sem que o soberano possa obrigar ninguém a crer nos
sentimentos de sociabilidade apregoados pela nova religião, pode, contudo,
“(...) banir do Estado quem não
acreditar neles; pode bani-lo, não como ímpio, mas como antissocial, como
incapaz de amar sinceramente as leis e a justiça, e de sacrificar a sua vida à
necessidade, na prossecução do seu dever. Se alguém, depois de ter reconhecido
publicamente esses mesmos dogmas, se conduz como se não acreditasse neles, seja
punido com a morte; ele terá cometido o maior dos crimes, terá mentido perante
as leis”.[22] [Rousseau, 1966: 179].
A
pretensão rousseauniana e saint-simoniana de buscar a unidade da sociedade sob
a direção de um poder total, espiritual e temporal, é o nascedouro do totalitarismo
hodierno. Por paradoxal que possa parecer – como frisou Talmon na sua obra As
origens da democracia totalitária,[23]
o totalitarismo ínsito no messianismo político surgiu, não porque a filosofia
da Religião Civil “(...) rejeitasse
os valores do século XVIII do individualismo liberal, mas porque, desde o
começo, mantinha perante eles uma atitude perfeccionista demais. Fez do homem
um ponto absoluto de referência. O homem tinha de ser libertado, mas não só das
suas limitações históricas. Todas as tradições existentes, as instituições
estabelecidas e as ordenações sociais, tinham de ser derrubadas e refeitas, com
o único propósito de garantir ao homem a totalidade dos seus direitos e
liberdades. Era necessário libertá-lo da sua dependência (...)”. Esse esforço
de libertação à la Rousseau implicou historicamente duas coisas: em primeiro
lugar, a declaração de um estado de guerra provisório contra tudo aquilo que
impedisse a libertação humana, e em segundo lugar, “(...) um esforço por
reeducar as massas, até que houvesse homens capazes de querer livremente e com
plena vontade o seu verdadeiro querer”.[24]
Esse
estado de guerra e esse esforço educador (cuja parte essencial seria a difusão
da nova religião) justificariam a utilização da compulsão por parte de uma
elite, que suspenderia a liberdade e manteria o estado de guerra, enquanto
houvesse alguma oposição e a sociedade não fosse plenamente unificada. O
Jacobinismo foi, na França, a primeira manifestação dessa violência solapada no
projeto libertador do filósofo de Genebra. A evolução desse projeto de
dominação total é o totalitarismo do século XX, cuja única meta consiste, como
frisa Hannah Arendt, na “total dominação do homem” e cujos pressupostos são a
existência de uma única autoridade, um único estilo de vida, uma ideologia em
todos os países e em todos os povos do mundo. Assim, o expansionismo totalitário
é a consequência imediata da dimensão universalista e avassaladora da religião
salvadora, que leva a elaborar uma “ideologia total” incompatível com uma
concepção matizada e não dogmática da sociedade, segundo anota Martin Seliger.[25]
No fundo de todo esse processo “libertador” subsiste uma concepção filosófica
determinística e materialista do homem. Claude Polin escreve a respeito que
“(...) a questão última que suscita o fato totalitário é a das causas dessa
alienação, a incapacidade do homem para discernir mesmo em si próprio as provas
de sua espiritualidade”. [26]
O
mundo português não permaneceu alheio ao influxo do messianismo político de
cunho rousseauniano e saint-simoniano. A geração intelectual de Teófilo Braga
(1843-1924), Oliveira Martins (1854-1894), Antero de Quental (184201891), Eça
de Queirós (1845-1900), etc., foi fortemente influenciada por essa tendência.
Baste-nos mencionar, por exemplo, o ensaio de Antero intitulado: Tendências
gerais da filosofia na segunda metade do século XIX.[27]
Esse
influxo da Religião Civil como meio
para garantir a estabilidade política, vingou ao longo da América Latina no
decorrer do século XIX, deitando os alicerces culturais para a adoção, no
século XX, de novas formas de messianismo identificadas com as ideologias
totalitárias, ou próximas delas. Nos países em que se desenvolveu a tradição
positivista, como no México, no Brasil e no Chile, o messianismo político
percorreu o caminho das “ditaduras científicas”, com todo um embasamento
religioso-dogmático; tal é o caso, por exemplo, do Castilhismo gaúcho ou do
Porfiriato mexicano. Nos restantes países hispano-americanos vingou uma mistura
entre a tendência rousseauniana à religião civil e a secular tendência do
Estado patrimonial espanhol a se alicerçar na tradição religiosa católica. Só
assim podemos explicar o fato de um liberal de orientação rousseauniana como o
Libertador Simón Bolívar (1783-1830) ter preferido substituir o utilitarismo de
Jeremy Bentham (1748-1832) pelo apoio do clero e das tradições religiosas, como
fundamento da estabilidade política.[28]
A
rápida difusão, ao longo das últimas décadas, da teologia da libertação, que é
uma ideologia totalizante visando à redenção do homem latino-americano das
cadeias da dependência, mediante a implantação da ditadura do proletariado, é
uma prova da tremenda força que ainda tem entre nós o messianismo político. Não
é difícil explicar a dimensão messiânica dessa tendência libertadora que conta,
aliás, com os seus apóstolos e os seus santos. O seguinte trecho do escritor
colombiano Plinio Apuleyo Mendoza é bem expressivo a respeito: “(...). Mais do
que na Europa, talvez, as Universidades são fábricas de sonhos, ghettos da inconformidade, na América
Latina. Quando saímos daí, acordamos para a realidade de um mundo que concede
poucas opções. Alguns conservam essa intransigência e essa ingenuidade vertical
da adolescência, esse rigor, esse fervor: Camilo (Torres), o Che Guevara, por
exemplo. Incapazes de ceder no plano dos princípios, transladam à política o
seu sentido ético, sublimam-no na vocação revolucionária e morrem quase sempre,
são sem remédio aniquilados. Representam a nova versão de Cristo e seus
apóstolos (...)”.[29]
Do
messianismo saint-simoniano poder-se-ia afirmar o que Giovanni Papini
(1881-1956) escreveu acerca da doutrina regeneradora de Augusto Comte,
inspirada, aliás, nas ideias de seu mestre Saint Simon: “Viver para outro! O indivíduo não é quase nada, a sociedade é quase
tudo. A vida social reduz-se a uma cooperação; o único fim do poder central é
comandar e ajudar todos os homens a pensar em todos os homens, mesmo apesar
deles. O homem não é homem senão na medida em que participa da comunidade. Mas
esse panteísmo social não implica somente premissas indemonstradas e
indemonstráveis; termina por se opor à sua finalidade suprema, por se opor ao
bem dos homens”.[30]
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Gobernado). México: Aguilar, 1969.
[1]
TALMON, J. L. Mesianismo político, la etapa romántica. (Tradução ao espanhol
de Antonio Gobernado). México: Aguilar, 1969.
[2]
Apud TALMON, J. L. Mesianismo político, la etapa romántica. Ob. Cit., pg. 21.
[3]
TALMON, J. L. Mesianismo político, la etapa romántica. Ob. Cit., p. 22-23.
[4]
Apud TALMON, J. L. Mesianismo político, la etapa romántica. Ob. Cit., p. 26.
[5]
Apud TALMON, J. L. Mesianismo político. Ob. Cit., p. 26.
[6]
TALMON, J. L. Mesianismo político. Ob. Cit., p. 27.
[7]
TALMON, J. L. Mesianismo político. Ob. Cit., p. 30.
[8] BRÉHIER,
Émile. Historia de la filosofía. (Tradução ao espanhol de D. Náñez).
3ª edição. Buenos Aires: Sudamericana, 1948, 2º volume, p. 712.
[9]
Apud TALMON, J. L. Mesianismo político, ob. Cit., p. 41.
[10]
Apud TALMON, J. L. Mesianismo político. Ob. Cit., p. 43.
[11]
Cit. Por TALMON, J. L. Mesianismo político. Ob. cit., p.
50.
[12]
TALMON, Mesianismo político. Ob. Cit., p. 53.
[13]
Cit. Por TALMON, J. L. Mesianismo político. Ob. Cit., ibid.
[14]
Cit. Por TALMON, J. L. Mesianismo político, Ob. Cit., ibid.
[15]
Cit. Por TALMON, J. L. Mesianismo político. Ob. Cit., p.
53-54.
[16]
Cit. Por TALMON, J. L. Mesianismo político. Ob. Cit. P. 55
[17]
Cit. Por TALMON, J. L. Mesianismo político. Ob. Cit., ibid.
[18]
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social. (Chronologie et
Introduction par Pierre Burgelin). Paris: Garnier Flammarion, 1966, cf. ch.
VIII “De la religion civile”, p. 170-180.
[19]
ROUSSEAU, Jean-Jacques. El origen de la desigualdad entre los
hombres. (Tradução espanhola de Coloma Lleal), México: Grijalbo, 1972.
[20]
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil.
(Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva). São Paulo:
Abril Cultural, 1973, 1ª edição, coleção Os Pensadores, vol. XIV.
[21]
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social. Ob. Cit., p. 179.
[22]
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social. Ob. Cit., p. 179.
[23]
TALMON, J. L. Los Orígenes de la democracia totalitária. (Tradução espanhola
de Manuel Cardenal Iracheta). México: Aguilar, 1956, p. 272.
[24]
Cit. Por TALMON, J. L. Los Orígenes de la democracia totalitaria.
Ob. Cit., p. 173.
[26]
POLIN, Claude. L´Esprit totalitaire. Paris: Sirey, 1977, p. 361.
[27]
QUENTAL, Antero de. Prosas. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1923-1931, vol. III.
[28]
Cf. ARCINIEGAS, Germán. Latin America, a Cultural History.
(Translated from Spanish by Joseph Mac Lean). New York: Alfred A. Knopf, 1968,
p. 381 seg. Cfr. Também: MORALES Benítez, Otto.
Muchedumbres y banderas. 2ª ed. Bogotá: Plaza y Janés, 1980, p.
84 segs. SÁNCHEZ Vásquez, Adolfo. Rousseau em México. México:
Grijalbo, 1969.
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