Ao longo da minha vida dei
uma guinada da esquerda para a direita. Qual a razão que me levou a isso? O que
significa, nesse processo de mudança de rumo, a opção liberal-conservadora?
Sem liberdade, como ensina
John Locke, a vida corre perigo. Se eu não tiver a possibilidade, enquanto
indivíduo, de defender a minha própria vida, corro risco para a sobrevivência.
Afinal de contas, só quem luta por sobreviver sabe o que é essencial à
existência. E a liberdade aparece como a condição fundamental.
A defesa da vida é algo que
aprendemos desde crianças. A nossa inteligência foi se desenvolvendo no meio
dessa luta. Justamente a passagem da infância à juventude e à idade adulta,
corresponde à evolução da pessoa, enquanto ser dependente dos pais, para um
estágio em que o indivíduo se firma como alguém que é capaz de zelar pela
própria vida. Isso vale para o indivíduo e para a sociedade. Qual é a sociedade
mais feliz? Certamente é aquela na qual os indivíduos podem lutar livremente
pela sua sobrevivência. Poderíamos afirmar que o estado mais adequado à
natureza humana é o de liberdade e que a ausência dela corresponde a momentos
de não plenitude.
Ao longo da minha vida
percorri esses estágios de busca da liberdade para sobreviver. A opção que fiz,
pela esquerda, ao longo da minha juventude, decorreu de um erro de apreciação
daquilo que seria a liberdade. Imaginava que ser livre era descartar as
tradições religiosas e os valores familiares que me tinham sido incutidos ao
longo da infância, a fim de substituí-los pela ideologia da luta de classes que
o marxismo me apresentava. Abandonei a vivência religiosa da infância e tentei
trocá-la pela crença, presente na Teologia da Libertação, num ideal de salvação
à sombra do pensamento de Marx, que apregoava a necessidade de consolidar, primeiro
que tudo, a libertação econômica da classe dos explorados com sacrifício dos
próprios interesses, a fim de aniquilar a classe burguesa e conseguir a
materialização de uma sociedade totalmente igualitária.
Duas vivências foram
importantes na minha mudança do marxismo para uma concepção
liberal-conservadora do mundo: em primeiro lugar, a observação que fiz, como
militante da Teologia da Libertação, do caminho percorrido, na Colômbia, pelo
principal divulgador dessa ideologia no seio do clero e da universidade: o
padre Camilo Torres, que tinha formulado os conceitos básicos da Teologia da
Libertação. Camilo terminou sendo manipulado pelos grupos guerrilheiros na luta
armada. Foi essa, exatamente, a saga percorrida pelo intelectual guerrilheiro:
entrou na luta armada, passou a obedecer cegamente às ordens dos chefes e foi por
estes colocado em situação de enorme risco, tendo virado alvo fácil da
contraofensiva do exército colombiano. Virou, à semelhança do Che Guevara na
Bolívia, o mártir revolucionário almejado pela esquerda radical.
Algo semelhante aconteceu
com os jovens que o Partido Comunista manipulou para que, no Brasil, participassem
da guerrilha do Araguaia. Foram abandonados pelos seus chefes e morreram no
confronto que o Exército desfraldou para impedir a organização, no nosso país,
de uma “República Socialista.
Ao redor de todos esses
casos, fui percebendo que a opção pela luta armada era uma opção que colidia existencialmente
com a vida intelectual e com a tendência da própria razão em prol do
conhecimento do mundo, sem apagar perguntas incômodas, mas lhes dando sequência
na livre indagação. Camilo Torres teve de silenciar a razão que pulsava forte,
nele, a fim de se submeter à tática explicitada pelos chefes armados, que eram ativistas
grosseiros. Algo semelhante ao que, posteriormente, vivenciei no meu contato
com a esquerda universitária no Brasil, iludida com o ideal de formar “intelectuais
orgânicos” que nada indaguem nem questionem. A “pedagogia libertadora” de Paulo
Freire é um treinamento para a servidão!
A segunda vivência que
motivou a minha mudança, foi a que se deu ao ensejo do Curso de Mestrado em
Pensamento Brasileiro que fiz na PUC do Rio, entre 1973 e 1974. O meu
orientador, Antônio Paim, que estudou os clássicos do Marxismo-Leninismo na
Universidade Lomonosov de Moscou e conhece os meandros da manipulação
ideológica, me colocou na trilha iluminista da mudança pelo conhecimento. Obrigou-me
a ler os clássicos do liberalismo conservador: Locke, Tocqueville, Kant, Silvestre
Pinheiro Ferreira, os Federalistas americanos. Tive de estudar também, sob a
sua batuta, os clássicos liberais brasileiros de início do ciclo republicano:
Rui Barbosa, Joaquim Francisco de Assis Brasil, Gaspar da Silveira Martins, o
Visconde de Uruguai, etc. Com a sua orientação li, também, os liberais da
década de 60 e 70 do século passado, como Miguel Reale, Merquior, Roque Spencer
Maciel de Barros, Ubiratan Macedo, Milton Campos, Carlos Lacerda, etc.
Modestamente, o meu orientador não me indicou os seus livros. Descobri que ele
era, também, um dos grandes do pensamento liberal-conservador.
Essas leituras e a
experiência de pesquisa realizada na PUC do Rio, permitiram-me aprofundar nas
fontes do autoritarismo brasileiro, o tema por mim escolhido para a
dissertação, num clima de seriedade acadêmica e tolerância. Essas
circunstâncias fizeram com que eu passasse a valorizar a atitude liberal-conservadora,
de defesa da liberdade preservando as tradições. Essa benfazeja influência
completou-se, na Colômbia, com a orientação que recebi de dois pensadores
liberais: o ex-presidente Carlos Lleras Restrepo (em cujo Partido “Novo
Liberalismo” passei a militar) e o historiador e amigo Otto Morales Benítez. Convidado
por eles, colaborei durante duas décadas com artigos para a Revista Nueva
Frontera, publicada em Bogotá.
Do ângulo vivencial, a minha
passagem do marxismo para o liberalismo conservador foi como uma libertação das
cadeias do dogmatismo e de rejeição à vida, para uma aventura que me abria
novos horizontes, ligados à defesa dos interesses individuais e à tentativa de
construir, a partir deles, o pacto político. Passei a tratar com os meus alunos
individualmente, indagando, como ponto de partida, o que cada um deles sentia
ao ler um determinado texto nas disciplinas que eu oferecia, ou o que cada um
desejava da disciplina que estava cursando. Passei a respeitar mais a
individualidade daqueles que eram os meus orientandos. E descobri que, sem
falar com as pessoas daquilo que lhes interessa, é vã a aventura intelectual.
Passei a valorizar
sobremaneira a atitude dos liberais doutrinários na França, interessados em
corrigir os desvios da Revolução Francesa, que fez mudanças radicais negando a
história. Com a consequência trágica, como aponta Tocqueville, de que fizeram
reviver os fantasmas do passado, ligados ao absolutismo e à servidão feudal. Essa
correção de rumos, redescobrindo o indivíduo e as suas tradições, possibilitou
que os liberais doutrinários pensassem a democracia fora do despotismo
iluminista (como fez Tocqueville), se abrindo ao mundo da literatura e
valorizando a experiência religiosa (como fizeram Benjamin Constant de Rebecque
e Madame de Staël), ou definindo pacientemente as instituições que garantiriam
o exercício da liberdade (como fizeram Guizot, Tocqueville e Constant). De
grande valor foi, para mim, a possibilidade que a minha orientadora, Françoise
Mélonio, me abriu para entrar em diálogo com pesquisadores interessados nos
pontos que me atraíam, no Japão, nos Estados Unidos e na Argentina.
Voltei paulatinamente à
valorização da fé na vida cotidiana, na aventura intelectual e na reunião com
os meus semelhantes que querem comungar, na comunidade eclesial, nessa vivência
do Transcendente. Fiquei sensível à análise e aprofundamento daqueles aspectos
que foram relegados ao esquecimento pela pregação ideológica, ao longo do
século XX. Essa época foi batizada, corretamente, como a “idade da ideologia”,
que conduziu a um resultado trágico: a morte de Deus e o menosprezo pela
existência humana. Não é à toa que
muitos intelectuais identificam o “curto século XX” como aquele em que a
existência humana perdeu o sentido da sua caminhada pelo mundo.
Resumindo: ao abandonar o
marxismo e me abrir às ideias do liberalismo conservador, descobri novamente a
luz e a alegria de viver, de mãos dadas com a valorização do estudo das ideias
e das sociedades, para servir à Humanidade que indaga pelo sentido da
existência, tendo como pano de fundo, sempre, o ideal de pessoa humana, “feita
à imagem e semelhança de Deus”. Descobri que, no amor que sedimenta a família, ao
redor da fé, é onde podemos vivenciar, primeiro, todas essas coisas e transmiti-las
às novas gerações, na pessoa dos nossos filhos.
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