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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

LIBERDADE, TRADIÇÃO, FELICIDADE - ASPECTOS EXISTENCIAIS DO LIBERALISMO CONSERVADOR


Ao longo da minha vida dei uma guinada da esquerda para a direita. Qual a razão que me levou a isso? O que significa, nesse processo de mudança de rumo, a opção liberal-conservadora?

Sem liberdade, como ensina John Locke, a vida corre perigo. Se eu não tiver a possibilidade, enquanto indivíduo, de defender a minha própria vida, corro risco para a sobrevivência. Afinal de contas, só quem luta por sobreviver sabe o que é essencial à existência. E a liberdade aparece como a condição fundamental.

A defesa da vida é algo que aprendemos desde crianças. A nossa inteligência foi se desenvolvendo no meio dessa luta. Justamente a passagem da infância à juventude e à idade adulta, corresponde à evolução da pessoa, enquanto ser dependente dos pais, para um estágio em que o indivíduo se firma como alguém que é capaz de zelar pela própria vida. Isso vale para o indivíduo e para a sociedade. Qual é a sociedade mais feliz? Certamente é aquela na qual os indivíduos podem lutar livremente pela sua sobrevivência. Poderíamos afirmar que o estado mais adequado à natureza humana é o de liberdade e que a ausência dela corresponde a momentos de não plenitude.

Ao longo da minha vida percorri esses estágios de busca da liberdade para sobreviver. A opção que fiz, pela esquerda, ao longo da minha juventude, decorreu de um erro de apreciação daquilo que seria a liberdade. Imaginava que ser livre era descartar as tradições religiosas e os valores familiares que me tinham sido incutidos ao longo da infância, a fim de substituí-los pela ideologia da luta de classes que o marxismo me apresentava. Abandonei a vivência religiosa da infância e tentei trocá-la pela crença, presente na Teologia da Libertação, num ideal de salvação à sombra do pensamento de Marx, que apregoava a necessidade de consolidar, primeiro que tudo, a libertação econômica da classe dos explorados com sacrifício dos próprios interesses, a fim de aniquilar a classe burguesa e conseguir a materialização de uma sociedade totalmente igualitária.

Duas vivências foram importantes na minha mudança do marxismo para uma concepção liberal-conservadora do mundo: em primeiro lugar, a observação que fiz, como militante da Teologia da Libertação, do caminho percorrido, na Colômbia, pelo principal divulgador dessa ideologia no seio do clero e da universidade: o padre Camilo Torres, que tinha formulado os conceitos básicos da Teologia da Libertação. Camilo terminou sendo manipulado pelos grupos guerrilheiros na luta armada. Foi essa, exatamente, a saga percorrida pelo intelectual guerrilheiro: entrou na luta armada, passou a obedecer cegamente às ordens dos chefes e foi por estes colocado em situação de enorme risco, tendo virado alvo fácil da contraofensiva do exército colombiano. Virou, à semelhança do Che Guevara na Bolívia, o mártir revolucionário almejado pela esquerda radical.

Algo semelhante aconteceu com os jovens que o Partido Comunista manipulou para que, no Brasil, participassem da guerrilha do Araguaia. Foram abandonados pelos seus chefes e morreram no confronto que o Exército desfraldou para impedir a organização, no nosso país, de uma “República Socialista.

Ao redor de todos esses casos, fui percebendo que a opção pela luta armada era uma opção que colidia existencialmente com a vida intelectual e com a tendência da própria razão em prol do conhecimento do mundo, sem apagar perguntas incômodas, mas lhes dando sequência na livre indagação. Camilo Torres teve de silenciar a razão que pulsava forte, nele, a fim de se submeter à tática explicitada pelos chefes armados, que eram ativistas grosseiros. Algo semelhante ao que, posteriormente, vivenciei no meu contato com a esquerda universitária no Brasil, iludida com o ideal de formar “intelectuais orgânicos” que nada indaguem nem questionem. A “pedagogia libertadora” de Paulo Freire é um treinamento para a servidão!

A segunda vivência que motivou a minha mudança, foi a que se deu ao ensejo do Curso de Mestrado em Pensamento Brasileiro que fiz na PUC do Rio, entre 1973 e 1974. O meu orientador, Antônio Paim, que estudou os clássicos do Marxismo-Leninismo na Universidade Lomonosov de Moscou e conhece os meandros da manipulação ideológica, me colocou na trilha iluminista da mudança pelo conhecimento. Obrigou-me a ler os clássicos do liberalismo conservador: Locke, Tocqueville, Kant, Silvestre Pinheiro Ferreira, os Federalistas americanos. Tive de estudar também, sob a sua batuta, os clássicos liberais brasileiros de início do ciclo republicano: Rui Barbosa, Joaquim Francisco de Assis Brasil, Gaspar da Silveira Martins, o Visconde de Uruguai, etc. Com a sua orientação li, também, os liberais da década de 60 e 70 do século passado, como Miguel Reale, Merquior, Roque Spencer Maciel de Barros, Ubiratan Macedo, Milton Campos, Carlos Lacerda, etc. Modestamente, o meu orientador não me indicou os seus livros. Descobri que ele era, também, um dos grandes do pensamento liberal-conservador.

Essas leituras e a experiência de pesquisa realizada na PUC do Rio, permitiram-me aprofundar nas fontes do autoritarismo brasileiro, o tema por mim escolhido para a dissertação, num clima de seriedade acadêmica e tolerância. Essas circunstâncias fizeram com que eu passasse a valorizar a atitude liberal-conservadora, de defesa da liberdade preservando as tradições. Essa benfazeja influência completou-se, na Colômbia, com a orientação que recebi de dois pensadores liberais: o ex-presidente Carlos Lleras Restrepo (em cujo Partido “Novo Liberalismo” passei a militar) e o historiador e amigo Otto Morales Benítez. Convidado por eles, colaborei durante duas décadas com artigos para a Revista Nueva Frontera, publicada em Bogotá.

Do ângulo vivencial, a minha passagem do marxismo para o liberalismo conservador foi como uma libertação das cadeias do dogmatismo e de rejeição à vida, para uma aventura que me abria novos horizontes, ligados à defesa dos interesses individuais e à tentativa de construir, a partir deles, o pacto político. Passei a tratar com os meus alunos individualmente, indagando, como ponto de partida, o que cada um deles sentia ao ler um determinado texto nas disciplinas que eu oferecia, ou o que cada um desejava da disciplina que estava cursando. Passei a respeitar mais a individualidade daqueles que eram os meus orientandos. E descobri que, sem falar com as pessoas daquilo que lhes interessa, é vã a aventura intelectual.

Passei a valorizar sobremaneira a atitude dos liberais doutrinários na França, interessados em corrigir os desvios da Revolução Francesa, que fez mudanças radicais negando a história. Com a consequência trágica, como aponta Tocqueville, de que fizeram reviver os fantasmas do passado, ligados ao absolutismo e à servidão feudal. Essa correção de rumos, redescobrindo o indivíduo e as suas tradições, possibilitou que os liberais doutrinários pensassem a democracia fora do despotismo iluminista (como fez Tocqueville), se abrindo ao mundo da literatura e valorizando a experiência religiosa (como fizeram Benjamin Constant de Rebecque e Madame de Staël), ou definindo pacientemente as instituições que garantiriam o exercício da liberdade (como fizeram Guizot, Tocqueville e Constant). De grande valor foi, para mim, a possibilidade que a minha orientadora, Françoise Mélonio, me abriu para entrar em diálogo com pesquisadores interessados nos pontos que me atraíam, no Japão, nos Estados Unidos e na Argentina.

Voltei paulatinamente à valorização da fé na vida cotidiana, na aventura intelectual e na reunião com os meus semelhantes que querem comungar, na comunidade eclesial, nessa vivência do Transcendente. Fiquei sensível à análise e aprofundamento daqueles aspectos que foram relegados ao esquecimento pela pregação ideológica, ao longo do século XX. Essa época foi batizada, corretamente, como a “idade da ideologia”, que conduziu a um resultado trágico: a morte de Deus e o menosprezo pela existência humana.  Não é à toa que muitos intelectuais identificam o “curto século XX” como aquele em que a existência humana perdeu o sentido da sua caminhada pelo mundo.

Resumindo: ao abandonar o marxismo e me abrir às ideias do liberalismo conservador, descobri novamente a luz e a alegria de viver, de mãos dadas com a valorização do estudo das ideias e das sociedades, para servir à Humanidade que indaga pelo sentido da existência, tendo como pano de fundo, sempre, o ideal de pessoa humana, “feita à imagem e semelhança de Deus”. Descobri que, no amor que sedimenta a família, ao redor da fé, é onde podemos vivenciar, primeiro, todas essas coisas e transmiti-las às novas gerações, na pessoa dos nossos filhos.

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