As
perplexidades neste processo eleitoral são grandes, na medida em que as nossas
Instituições sofrem o desgaste ensejado pela insatisfação da sociedade. Há uma
crise de representação. Há crise, também, do ângulo dos demais poderes
públicos. Se a representação não nos satisfaz em decorrência da política
“alimentar” que tomou conta do Legislativo, a crise também está presente nas
demais áreas da política. O Executivo, após o fiasco dos governos petistas, se
desgastou. E o Judiciário, que se apresentava como a “tábua de salvação” da
República, tem-se engalfinhado numa disputa no seio do máximo tribunal, não em
prol da defesa da nossa Carta Constitucional, mas em função de vaidades
processuais que vão tomando conta do pedaço. Para não falar do gravíssimo
problema que afeta à nossa Suprema Corte e que diz relação à falta de espírito
público que se revela, infelizmente, no comportamento de vários membros do
Supremo. Vale mais a cota de dominação de um juiz sobre os outros, ao ensejo do
escoamento da pauta. Isso passa à sociedade uma mensagem de fraco republicanismo.
Se a ausência de espírito público é o mal do Brasil, a carência de patriotismo
no Supremo é doença grave, que ameaça a saúde da República.
Esse
clima da falta de patriotismo ficou bem ilustrado no enérgico editorial do
jornal O Estado de S. Paulo de 1º de janeiro. A respeito, frisa o
citado texto: “Previsto para ser o guardião da Constituição Federal e o cume
hierárquico do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de ser
uma casa onde se pratica o Direito, para se transformar numa casa de jogos,
onde o que importa é ganhar e não interpretar e aplicar corretamente as leis.
Sem o mínimo pudor, juízes da Suprema Corte operam os mais variados
estratagemas para conseguir que as causas sob a sua competência tenham o
resultado que almejam. Que fique bem claro o que se tem visto no STF: não são
as partes, compreensivelmente interessadas num determinado desfecho do caso,
que estão jogando. São os próprios ministros, cujo cargo exige isenção e
imparcialidade, os jogadores desse intricado tabuleiro”.
Trata-se,
a meu ver, de um nítido motim praticado por aqueles membros da Corte que sentem
diminuir o seu poder. Com o fim de obrigar a presidência do órgão a pautar
pontos que lhes interessam, tomam, na Segunda Casa da Corte, decisões
abertamente contra o bom senso jurídico, a fim de colocar a Presidência do STF
em maus lençóis perante a opinião pública e obriga-la a pautar o que lhes
interessa. Não tiveram outra justificativa decisões amplamente questionadas
pela opinião pública e que abertamente insuflaram os ares de insegurança
jurídica no país, como a liberação de réus condenados em segunda instância, no
caso um dos peixes gordos da corrupção lulopetista, José Dirceu e a exigência
do ministro Dias Toffoli de que lhe fosse retirada a tornozeleira eletrônica
(disposição que o juiz Sérgio Moro tinha mantido, para evitar a fuga do condenado).
Houve
no Brasil uma disfunção constitucional, que se sedimentou ao longo das últimas
décadas – notadamente durante os 14 anos de desgovernos petistas -. O
Judiciário começou a legislar, diante da lentidão do Legislativo e motivado
pelos episódios de corrupção que ali começaram a ficar evidentes ao ensejo do
Mensalão e das investigações deslanchadas pela Operação Lava-Jato. Essa mudança
foi se instalando primeiro com a atividade dos Ministros do Supremo mediante
liminares que pretendiam corrigir falhas do Legislativo e, logo, com uma ação
direta de normatividade por parte da Suprema Corte. O ciclo se fecha hoje com ações do Supremo
que, com o pretexto de corrigir distorções, terminam gerando a insegurança
jurídica, como as decisões questionáveis da alta corte no sentido de libertar réus
condenados pela Justiça de primeira instância, (condenações que contaram com
apoio, na segunda instância, dos respectivos tribunais superiores). A liberação
do réu José Dirceu foi a culminância desse tipo de “ativismo judicial”, que
traz certamente ares de insegurança jurídica ao país.
A
história das Nações modernas não foi alheia a esse fenômeno de invasão das
atribuições de um poder por outro. O filósofo Jeremy Bentham, no final do
século XVIII, tentava reagir contra a invasão, pelo Judiciário, das atividades
do Legislativo. Bentham considerava que o grosso das leis, na Inglaterra da sua
época, era feitura do Judiciário que, inserido na tradição consuetudinária do
direito anglo-saxão, pretendia refletir melhor essa tradição. Considerava
Bentham que essa praxe entrava em atrito com a Inglaterra moderna que, a partir
da Gloriosa Revolução de 1688 tinha acabado com o absolutismo e tinha entregue
a tarefa de governar ao Parlamento, de onde, segundo a teoria do articulador
dessa Revolução, John Locke, deveria emergir a legislação, em decorrência do
fato de que constituía o poder que representava os interesses dos cidadãos. A
crítica de Bentham teve sucesso: ao longo das primeiras décadas do século XIX o
Parlamento retomou o seu antigo poder de legislar, corrigindo assim a
deformidade introduzida pela ação legiferante dos juízes. No contexto de um Parlamento legiferante foram processadas as reformas que, na Inglaterra victoriana, deram ensejo, no final desse século, à democratização do sufrágio, sob a batuta lúcida do primeiro-ministro Gladstone.
Providência
semelhante deveria ser tomada hoje no Brasil, com o clima de insegurança jurídica
que se estabeleceu a partir do ativismo judicial no terreno legislativo. As
eleições de outubro deste ano, que renovarão a cara do Legislativo, deverão dar
ensejo a um reforço do Parlamento na vida política do país, restabelecendo no
Congresso a faculdade de legislar e retirando-a do Judiciário. Um Parlamento
renovado pelo voto popular será o melhor instrumento para essa reforma, que
deverá criar limites rigorosos para o Judiciário não invadir a esfera dos
demais poderes.
pode esperar sentado...MAM
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