Fotomontagens feitas por leitores, da imagem do menino sírio Aylan, morto por afogamento quando a sua família tentava chegar à Grécia desde a Turquia. |
Os milhares de imigrantes sírios e de outras
nacionalidades do Oriente Médio que cruzam a fronteira oriental com a União
Européia para chegarem à Alemanha, estão descobrindo o que significa
“solidariedade”. Depois de dias e noites enfrentando o perigoso mar e andando
de país em país em busca de refúgio, a Alemanha abriu-lhes as portas. A morte
do menino Aylan, nas costas da Turquia, foi o alerta que fez disparar o
sentimento de solidariedade cristã nos corações dos governantes e dos cidadãos.
Ângela Merkel, a chanceler alemã, tornou-se
porta-voz dos sentimentos da maioria dos seus compatriotas, quando falou que a
questão dos refugiados, antes de qualquer outra coisa, era um problema
moral. A Alemanha, que na Segunda Guerra Mundial se transformou em forno crematório
de judeus, nos dias atuais mostra o fundo humanitário e cristão que anima os
corações dos seus cidadãos. Digna lição de solidariedade de um país que, se bem
causou morte e destruição com o nazismo, nos dias atuais abre suas fronteiras,
como porto seguro, para os infelizes que querem uma só coisa: viver em paz.
Com Ângela Merkel, os alemães apresentam-se ao mundo
com a face da civilização cristã ocidental, pensada ao longo da história pelos
filósofos dos que Immanuel Kant, no século XVIII, virou o grande ícone, ao
traduzir para os conceitos frios da filosofia o calor do mandamento da
caridade. Afinal, foi o pensador de Königsberg quem formulou, na Fundamentação metafísica dos costumes,
a nova concepção da caridade cristã contida no mandamento evangélico de
“amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”, proferido por Cristo nas últimas
palavras pronunciadas antes da sua morte. Ora, esse mandamento central do
cristianismo foi vertido por Kant, em linguagem filosófica, no seu imperativo
categórico de: “Trata a pessoa do teu próximo sempre como fim e nunca como
meio”. O grande pensador completou a sua visão da moral que deveria inspirar a
política, com a formulação do segundo preceito que a tornaria uma prática a
serviço da comunidade: o imperativo da transparência, contido no seu opúsculo
intitulado: A paz perpétua.
A partir da posição firmada por Ângela Merkel, inspirada
no humanismo kantiano, os europeus passaram a considerar a questão dos
imigrantes vindos do Médio Oriente, não como ameaça, mas como algo que lhes diz
respeito. Não é a primeira vez que países de Ocidente abrem as suas portas para
refugiados perseguidos por guerras de religião ou conflitos internacionais. O
Brasil acolheu no seu seio, desde o século XIX, milhares deles. Os Estados
Unidos firmaram a sua presença como grande potência mundial, justamente ao
ensejo da abertura das suas fronteiras aos milhões de refugiados que ali
buscaram um canto pacífico onde morarem e construir as suas vidas. O nascimento
da grande nação americana foi fruto, aliás, dos imigrantes europeus que
buscavam liberdade, como testemunha a declaração dos “Pilgrim Brothers”. A Ilha
Ellis, na Bahia de Nova Iorque, perto da estátua da Liberdade, é ainda um
cenário que nos lembra essa multitudinária busca pela América.
Mais recentemente, e no contexto dos sangrentos
conflitos desatados pelos cartéis das drogas (dos quais as FARC, na Colômbia, é
um deles), o país vizinho teve de organizar, dentro das suas fronteiras, a
acolhida para mais de 2 milhões de refugiados internos, vítimas da última fase
da guerra que se estendeu de 1978 a 2002, tendo deixado um saldo trágico de
mais de 400 mil mortos. Ora, nem o Brasil do final do século XIX e primeiras
décadas do século seguinte, nem os Estados Unidos com os milhões de refugiados
europeus que receberam, nem a Colômbia com os seus milhares de refugiados
internos foram à falência por causa deles. Ao incorporá-los à sua vida diária,
esses países deram uma prova de grandeza e, ao mesmo tempo, dinamizaram as suas
economias. Algo semelhante ocorrerá com a Europa Ocidental, a partir da
abertura decretada por Ângela Merkel, que certamente se traduzirá numa nova
política de acolhimento de refugiados, pela Europa Ocidental, ao longo dos
próximos anos.
Uma consideração tocante sobre esses fatos: lembro a
figura do menino Aylan, o anjinho sírio morto por afogamento numa praia da
Turquia. A sua fotografia percorreu o mundo e abriu as portas dos corações e
das fronteiras numa Europa receosa com a onda migratória.
Na comovente reportagem feita por Paulo Moura do
jornal Público de Lisboa, em 13 de Setembro passado, o jornalista
entrevista Ahmad, um dos refugiados sírios que chegaram com a mulher e os
filhos à Alemanha. A respeito da perigosa aventura vivida por eles na longa
viagem desde o sul da Síria, frisa Ahman: “E a Hungria foi a grande surpresa.
Inicialmente, fomos bem recebidos, com umas senhoras a darem comida e roupa, as
televisões a fazerem entrevistas. Mas à noite, quando as câmaras se afastaram,
e ficámos sozinhos com a polícia, a atitude mudou completamente. Trouxeram
carros e levaram-nos para a prisão”.
Nessas circunstâncias, escreve Paulo Moura, foi
quando Ahmad leu a notícia sobre a morte de Aylan, o menino sírio de 3 anos
encontrado morto na praia, porque o barco onde viajava para a Grécia tinha
naufragado, exatamente como aconteceu com Ahmad e sua família. “Foi a primeira
vez que chorei – frisa Ahman -. Pensei em Yussef, que também tem 3 anos. (...)
Temos de agradecer a Aylan, porque foi a tragédia dele que mudou as atitudes na
Europa. Yussef agora odeia o mar, diz que não quer ir à praia nunca mais. Mas
Aylan morreu para que nós chegássemos aqui.”
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