Caros amigos, na busca de uma saída possível para o desmonte do Estado Patrimonial no Brasil, o professor Antônio Paim fixa a sua atenção na recuperação da representação política. No texto que divulgo a seguir, o mestre aprofunda nos caminhos possíveis, por onde poderia ser encaminhada a reforma política. As instituições do governo representativo, para Antônio Paim, não caem do céu. Precisamos construí-las de baixo para cima, passo a passo. A reforma política está sendo discutida no Congresso brasileiro. Ora, esse é o Legislativo que temos. Quais as alternativas que, no seio dele, se apresentam para estruturar melhor a nossa representação política? A essa pergunta responde o presente artigo do professor Paim.
O professor Antônio Paim. (Foto: arquivo do autor). |
Na
votação da reforma política, ocorrida na Câmara dos Deputados em março de 2014,
foram objeto de deliberação três projetos, tendo sido apurados estes
resultados:
Lista fechada
A
favor 21
Contrários
402
Abstenção
2
Distrital misto
A
favor 99
Contrários
369
Abstenção 2
Distritão
A
favor 210
Contrários
267
Abstenção 5
Nos termos da Constituição, emenda
constitucional precisa obter três quintos dos votos da Câmara, número
equivalente a 308 deputados.
O projeto da lista fechada (pré-ordenada) resultou de Comissão Especial,
organizada na Câmara na Legislatura 2002/2005, sendo relator o então deputado
Ronaldo Caiado. Levando em conta as distorções constantes da maneira como se
apresentava a prática adotada na elaboração da lista, estabeleceu, de modo
minucioso, como proceder na convenção especialmente convocada para esse fim.
Referindo suas linhas gerais, os
convencionais teriam apenas um voto, não podendo figurar em mais de uma chapa.
A ordenação dos nomes resultaria dos percentuais obtidos por cada uma das chapas
concorrentes.
A ampla rejeição dessa modalidade
ratifica a convicção generalizada de que não tinha maiores chances essa
tentativa de adequar o sistema vigente ao modelo consagrado em democracias
consolidadas, sobretudo na Europa Ocidental. Levava-se em conta a secular
tradição de votação no nome do candidato, prerrogativa de que os eleitores
brasileiros não dão mostras de disposição para renunciar à sua prática.
O projeto apresentado como distrital misto corresponde à PEC/2007,
da autoria do senador Antonio Carlos Valadares, então líder do PSB no Senado.
Pretende ser uma alternativa à lista
fechada, que apresenta como anti-democrática mas indica que, a exemplo do
modelo originário (alemão, que se denomina de “sistema eleitoral misto”) o
eleitor terá dois votos, havendo além de candidato no distrito uma lista
partidária, cuja confecção não detalha. Cada modalidade responde pelo
preenchimento de 50% das cadeiras. A
nosso ver, esse detalhamento parece
imprescindível, na medida em que sistema com tal denominação (distrital misto), figurou na
emenda Figueiredo à Constituição de 1967, que se revelou impossível de
regulamentação na medida em que se entendeu haveria, além do candidato do
distrito, eleição do candidato à lista. Coeficiente universal para essa última
modalidade revelou-se de impossível obtenção.
O nível de rejeição dessa modalidade
parece-nos como indicador de seu arquivamento definitivo. A experiência sugere
que a divisão do pais em distritos, uniformemente padronizados, com coeficiente
de validade universal, será de muito difícil adoção. Implica, basicamente, em
que São Paulo terá mais 41 representantes, o que geraria perdas do número de
representantes dos demais estados. O PSDB que, formalmente é a favor de sua
adoção, nunca se dispôs a enfrentar esse problema, o que faculta a suposição de
que, no fundo, não estaria interessado em mudança num sistema que lhe tem
assegurado o governo do mais importante estado da federação.
Por fim, o projeto do distritão revelou-se a grande novidade.
Apesar de que não tenha sido amplamente discutido, tendo passado desapercebidas
sua relevantes vantagens --que apontaremos adiante--, carreou 52% dos votos da
Câmara. Trata-se de um feito notável, sugerindo que poderá voltar à
consideração da Casa, se persistir a revelada incapacidade do atual sistema de
atender ao objetivo precípuo de permitir a governabilidade, graças à
transformação da Câmara numa instituição que fielmente avaliza os propósitos do Executivo.
Vantagens (não apontadas)
do distritão
O atual sistema de votação repousa no
que poderíamos designar como dispersão dos candidatos. Os partidos têm,
simultânea ou alternativamente, um candidato capaz de obter votação suficiente
para eleger a si próprio e ainda outros candidatos ou então número de
candidatos superior ao das cadeiras a serem preenchidas.
No primeiro caso, muitas vezes sem
qualquer escrúpulo como o ocorrido em São Paulo, que teve ao canto e humorista
Tiririca como candidato sob o lema de que “pior não fica”. Com essa ridícula
plataforma, carreou mais de um milhão e meio de votos, elegendo a si próprio e
mais dois outros.
O típico, contudo, é valer-se da
prerrogativa de indicar número de candidatos superior ao total das cadeiras em
disputa. Dessa circunstância resulta que, na maioria dos casos, o eleito não
freqüenta suas bases.
Passando a eleição a incidir sobre
aqueles que tenham obtido maior votação, o partido ver-se-á na contingência de
concentrar a propaganda dos candidatos
numa área limitada. Desaparecerão os candidatos com potencial para obter
votação no conjunto do estado.
Dessa alteração resultará,
obrigatoriamente, a aproximação entre
representante e representados.
A introdução de novo sistema
eleitoral determinando que a distribuição das cadeiras na Câmara dos Deputados
e demais órgãos legislativos elegíveis passaria a obedecer à ordem de votação
obtida introduziria alterações substanciais nas respectivas campanhas
eleitorais.
Para exemplificar --e dar, ao mesmo
tempo, uma idéia da magnitude do problema-- vamos supor que, no novo sistema,
os candidatos terão que obter votação que deverá oscilar em torno do
coeficiente eleitoral. Adotando valores arredondados, da divisão resultante do número de eleitores
pelo de deputados que cabe a cada estado, na eleição federal, confrontando-os
com os mais votados na última eleição (2014), teríamos:
mais votados coeficiente
São
Paulo (1) 460 mil
Marco Feliciano 398.087
Bruno Covas 352.708
Rodrigo Garcia 336.151
Carlos Sampaio 295.623
Rio de Janeiro 240 mil
Jair Bolsonaro 464.572
Clarissa Garotinho 335.061
Eduardo Cunha 232.709
Minas Gerais 250 mil
Reginaldo Lopes 310.226
Rodrigo de Castro 292.848
M. Varela 258.363
Bahia
200 mil
Lúcio Vieira Lima 222.164
Ceará 240 mil
Moroni Torgan 277.774
Genecias Noronha 221.567
Pará
240 mil
Eder Mauro 265.983
Pernambuco 230
mil
Pastor Eurico 233.762
Jarbas Vasconcelos 227.470
Santa Catarina
230mil
José Guimarães 209.032
(1) Excluídas as circunstâncias que não mais se repetiriam
(Celso
Russomano, 1.524.361; e Tiririca 1.524 mil).
Muito provavelmente, tendo em vista que
a campanha eleitoral passaria a ser efetivada em pequenos comícios numa cidade
ou área limitada das grandes aglomerações urbanas; em clubes ou organizações
similares, seus custos desabariam. O horário gratuito na televisão passaria a
ser utilizado apenas para as candidaturas a governador, senador ou presidente.
Concentradas as campanhas (e
candidaturas) em localidades ou áreas limitadas dos maiores centros, seria
previsível que as lideranças locais passassem a dispor de protagonismo que
presentemente só deve ocorrer de modo esporádico. Estariam também diante de um
grande desafio: encontrar uma pauta de temas a serem privilegiados na campanha
que sejam factíveis e, de fato, digam respeito ao nível do órgão legislativo
correspondente (federal ou estadual). Temos em vista que emergirá outra novidade: a periódica
prestação de contas do eleito perante o seu eleitorado.
Há tempo que sugerimos o voto distrital. Mas, pelo resultado da votação, e as implicações práticas, penso que dificilmente será aprovado.
ResponderExcluirA proposta que mais mereceu acolhida foi o Distritão, ainda assim a votação favorável foi baixa. Revejamos:
Distritão
A favor 210
Contrários 267
Abstenção 5