Singelo registro da contribuição
de José Maurício de Carvalho
para a continuidade dos estudos
luso-brasileiros
Devemos a Eduardo Soveral
(1927/2003) o mérito de nos haver despertado para a importância de nos darmos
conta de que a adequada compreensão do processo de formação da cultura
brasileira somente poderá ocorrer se a aproximarmos da fonte originária: a
cultura portuguesa. É certo que estamos todos sob o manto protetor da cultura
ocidental e o seu conhecimento será sempre o ponto de partida. Mas aqui se
trata de especificidades.
Soveral concebeu um método para a
efetivarmos a pretendida aproximação. Resumidamente: tomar ciclos históricos
curtos; nomear e estudar os pensadores destacados em Portugal e no Brasil,
isoladamente. Somente depois disto confronta-los com vistas a identificar o que
haveria de comum e precisamente o que seria específico. Pacientemente, na
Universidade Gama Filho, desde fins dos anos setenta e ao longo da década
seguinte, instruiu-nos em tal procedimento. Os Colóquios surgiram (1991) como
forma de dar continuidade a esse trabalho, tendo em vista que, como fruto da
normalidade democrática introduzida na vida portuguesa nos anos subsequentes à
Revolução dos Cravos, os professores portugueses que aqui se haviam exilado regressaram
a Portugal, Soveral entre eles.
Soveral faleceu em 2003 e, cumpre
reconhece-lo, não tem sido fácil dar continuidade à investigação
luso-brasileira. Compreensivamente,
alguns professores portugueses, com destaque para Antonio Braz Teixeira,
têm preferido produzir novas interpretações do pensamento brasileiro. Se vivo
fosse, nosso saudoso mestre Miguel Reale certamente aplaudiria essa iniciativa,
em decorrência do seu entendimento de que a filosofia nutria-se da diversidade
de pontos de vista. Posso testemunhar o empenho e a solicitude com que estimulou
Aquiles Cortes Guimarães a produzir uma
interpretação do curso da filosofia brasileira do ângulo da fenomenologia.
Basicamente, consistiria em tomar a consciência como referência desde o ciclo
colonial e não intercala-la com a liberdade, segundo o ponto de vista
culturalista. Só que isto não tem muito a ver com a investigação
luso-brasileira.
Essa dificuldade patenteou-se
quando propusemos dar continuidade ao trabalho liderado por Soveral que, segundo
nosso entendimento, havia concluído o confronto em matéria de filosofia. Em
conformidade com o programa que estabelecera, deveríamos nos ocuparmos do
pensamento político, segundo o seu método No sétimo Colóquio (2006), o primeiro
a realizar-se em São João del Rei, sob a direção de José Maurício de Carvalho,
tivemos nós mesmos que nos ocuparmos do estudo dos autores portugueses, para
confronta-lo ao brasileiro, mais ou menos a mesma coisa ocorrendo com o
colóquio seguinte (oitavo; 2009). Entendo que terá sido muito produtivo o
trabalho então desenvolvido. Pudemos constatar que, nesse particular, a
experiência brasileira terá influído em Portugal, no caso do Regresso, entre
nós, e da Regeneração, em Portugal, o que somente vinha sendo reconhecido no
caso da República, quando essa influência tornar-se-ia notória. Se embargo da
prevalência da influência portuguesa sobre nós, no século passado, notadamente
nos casos do Estado Novo e da Constituição brasileira de 88, onde a presença da
Constituição saída da Revolução dos Cravos marcaria a sua presença.
A escolha do tema da ética para
os Colóquios seguintes não me parece que tenha sido uma escolha adequada.
Notadamente porque, em relação a esse tema, não houve o paciente trabalho de
estudo de ciclos curtos, agravada pelo fato de que, conforme Ubiratan Macedo e
Mário Vieira de Melo, que se detiveram no tema, o país tangenciou as questões
nucleares graças, de um lado à sobrevivência da moral contra reformista, sem
ser devidamente enfrentada, seguida da simbiose marxista positivista. Não tivemos
oportunidade de estudar, nesse plano, a presença marxista em Portugal.
Disciplinadamente, José Maurício de Carvalho organizou em São João del Rei o
Nono Colóquio (2013), dedicado ao tema.
Assinalo apenas que manifestei a minha opinião sobre essa opção no texto
incluído nos Anais do IX Colóquio (páginas 418-427). A meu ver, cumpria-nos
aventar hipóteses acerca das razões pelas quais a cultura luso-brasileira
recusou a moral e a ética modernas.
Os quatro volumes dos Anais dos mencionados
Colóquios ficam como testemunho do monumental trabalho desenvolvido por José
Maurício de Carvalho no cumprimento do programa herdado de Soveral para estudo
do pensamento luso-brasileiro. Ricardo Vélez costuma dizer que, no Brasil, a
organização de estudos sobre questões determinadas tem, geralmente, um ciclo
curto de existência. Andaria, quando muito, à volta de um decênio (2006/2015),
justamente o que ora se completa, com o décimo primeiro Colóquio, convocado
para maio deste ano (2015), em seguida ao qual terá lugar a aposentadoria de
José Maurício de Carvalho. Assim, não
seria exceção à regra se estivermos presenciando o término do período em que
São João del Rei os capitaneou.
São Paulo, abril, 2015.
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