Passada mais de uma década de exercício do poder por parte do lulopetismo convém fazer um balanço desse período, a fim de tirar algumas conclusões à luz do que os anglo-americanos denominam de “a prova da história”.
O Partido dos Trabalhadores chegou ao poder com duas cartas de navegação. Uma, simulada e provisória, elaborada rapidamente por recomendação dos marqueteiros políticos de Lula e que foi publicada com o título: “Carta ao povo brasileiro”, ou simplesmente: “Carta do Recife”, datada no final de 2002. Outra, datada do primeiro semestre desse mesmo ano e denominada: “Carta de Olinda” e elaborada nos laboratórios da direção do Partido dos Trabalhadores sob a orientação de José Dirceu, que se converteria pouco depois no todo-poderoso ministro “Da Casa Civil” do governo Lula. Nela, os petistas deixavam claro o tipo de gestão pública que pretendiam pôr em prática.
Na “Carta ao povo brasileiro”, elaborada pelos assessores de marqueting eleitoral de Lula, destacava-se que o candidato petista, caso fosse eleito presidente da República, honraria os contratos internacionais assinados pelo Brasil, manteria o regime democrático de liberdades e tripartição de poderes, respeitando a Constituição vigente, a rotatividade do poder entre os partidos, bem como a economia de mercado, junto com os marcos da política macroeconômica fixados no “Plano Real” e implementados nos dois governos socialdemocratas de Fernando Henrique Cardoso. Seriam respeitados os tratados internacionais e a gestão democrática da política externa administrada pelo Itamaraty, seguindo a tradição de convívio pacífico do Brasil com as outras nações. A classe média foi conquistada pela “Carta ao Povo brasileiro”. Contrariamente ao acontecido em eleições anteriores, aquela deu decisivo apoio ao candidato Lula. Sempre o considerei um populista por natureza, disposto a fazer o que fosse necessário para conquistar o poder. Lula, antes de chegar à presidência da República, sempre deu claras provas de desprezo pelas instituições republicanas. Chamou o Congresso com o apelativo de “300 picaretas” (apesar de que ele próprio formava parte desse poder, como deputado federal pelo PT). Não quis assinar a Constituição de 1988 que sacramentou o regresso da democracia e abriu as portas das eleições aos exilados do regime militar. Negou-se, também, a apoiar o “Plano Real” elaborado por Fernando Henrique Cardoso, ministro de Economia do governo de Itamar Franco, que pôs fim às inflação desenfreada. Mas as eleições, no mundo de hoje, conquistam-se graças ao trabalho dos marqueteiros, especialmente nos países emergentes que carecem de uma continuada tradição liberal, como é o caso do Brasil.
Já na carta de navegação elaborada nos laboratórios petistas sob a orientação de “Zé” Dirceu, a realidade tinha outras cores. O que os petistas buscavam, em primeiro lugar, era, no plano econômico, instaurar um sistema produtivo centrado na intervenção direta do Estado como empresário, que escolheria, por cooptação, os industriais e empreendedores que deveriam ser os “campeões de bilheteria”, ou seja, os bem-sucedidos. Este modelo cooptativo, que já tinha sido posto em prática em outros ciclos do patrimonialismo modernizador brasileiro (durante o Império, no século XIX e ao longo dos momentos modernizadores da história republicana do século XX, por Getúlio Vargas e os militares), foi adotado pelos petistas. O mecanismo institucional que tornaria possível financiar os empresários cooptados seria (como durante o ciclo getuliano, os governos de Juscelino Kubitschek e o período militar), o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. As empresas estatais, controladas pelos executivos petistas, permitiriam ao Partido dos Trabalhadores irrigar o seu caixa com generosos dinheiros desviados dos lucros destas.
Voltar-se-ia à estatização de empresas lucrativas como a Vale do Rio Doce (que tinha sido privatizada por Fernando Henrique Cardoso) e de outras empresas da área de mineração. Dar-se-ia um tinte mais político que técnico a uma próspera estatal como a Petrobrás, que sob a gestão dos governos de Fernando Henrique Cardoso tinha sido aberta aos capitais privados, conseguindo se fortalecer para acelerar a exploração de hidrocarbonetos, buscando a autossuficiência brasileira nesse setor. O que, no fundo, inspirava a esse movimento dos petistas, era o denominado eufemisticamente de “capitalismo de Estado”, que na realidade não é mais do que o desavergonhado Patrimonialismo . Os petistas diziam se inspirarem nas práticas econômicas da China, cujos índices de crescimento tinham-se acelerado significativamente nas últimas décadas. No contexto desse esquema, o PT estava chamado a se tornar um Partido hegemônico, se constituindo, sob a inspiração da filosofia gramsciana, no “novo príncipe” da política brasileira.
Já a partir do primeiro governo de Lula (e à sombra da “Carta de Olinda”) os chamados “Movimentos Sociais”, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), por exemplo, foram contemplados com generosas dádivas orçamentárias, para que ajudassem a efetivar os câmbios pretendidos. A Igreja Católica Progressista recebeu significativa cota política, permitindo que a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através da “Pastoral da Terra” e do “Conselho Indigenista Missionário” (CIMI) indicasse ministros e funcionários para as áreas sensíveis da Reforma Agrária e das Políticas Sociais. Foi desenvolvida agressiva política de demarcação de terras indígenas (como aconteceu em Roraima com a área denominada de “Raposa Serra do Sol”), a fim de extinguir as agroindústrias mantidas pela iniciativa privada. Foram atacadas, mediante invasões do MST apoiadas pelo seu homólogo internacional “Via Campesina”, as áreas de florescentes agroindústrias ao longo do país. Foi gerado um clima de “insegurança jurídica” para empresas capitalistas ícones do consumismo burguês como DASLU, em São Paulo (mediante estrondosas ações da Polícia Federal contra os proprietários das mesmas), com o apoio do Ministério Público, da Receita Federal e de juízes simpáticos às causas sociais. Foi incrementada significativamente a propaganda oficial em nível federal e de Estados em poder do PT e de partidos da base aliada. E acelerou-se, de forma descontrolada, o crescimento da máquina burocrática, passando de 23 para 43 ministérios, fazendo saltar o gasto público até níveis jamais vistos na história republicana brasileira.
Em conclusão: o Brasil passou a viver, na última década, uma espécie de “esquizofrenia política” proveniente da duplicidade de programas em conflito, adotados à luz das duas cartas de navegação às que foi feita alusão anteriormente. Um programa que parecia conduzir ao reforço do modelo socialdemocrata (posto em marcha por Fernando Henrique Cardoso) é derrubado por outro, de índole declaradamente patrimonialista e alinhado com o que de mais atrasado há na política mundial contemporânea.
Indiquemos as principais consequências desse estado de coisas, que podem ser encaradas como os sete pecados capitais do lulopetismo nestes doze anos de exercício do poder: 1 – Reforço definitivo ao Patrimonialismo na gestão do Estado. 2 – Entropia administrativa. 3 – Corrupção desenfreada. 4 – Enfraquecimento das instâncias institucionais que exercem controle sobre o gasto público. 5 – Supremacia progressiva do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário. 6 – Formulação da política externa brasileira contra os interesses da Nação e de acordo aos interesses ideológicos do Partido dos Trabalhadores. 7 – Empobrecimento dos brasileiros, regresso da inflação e aumento descontrolado da violência.
1 – Reforço definitivo ao Patrimonialismo na gestão do Estado.
Escrevia sir Francis Bacon (1651-1626), um dos ícones do empirismo inglês, na sua obra intitulada: Novum Scientiarum Organon (1620), que a experiência humana possui momentos privilegiados, aqueles em que os segredos da natureza revelam-se, por instantes, perante a lente dos cientistas. O filósofo e chanceler do Reino da Inglaterra considerava que alguns fatos constituíam instantiae ostensivae (instâncias reveladoras, ou casos em que as estruturas da natureza estariam no seu máximo de manifestação). Esses seriam os momentos de insight das leis que comandam o cosmo.
Os brasileiros assistem, nos eventos do Petrolão, a uma dessas raras circunstâncias na evolução do nosso secular Estado Patrimonial, que o público em geral não vê, mas que é observável por mentes preparadas. A opinião pública não apreende essas instâncias na sua estrutura profunda, mas percebe que algo está errado na condução do país. E paga a conta. O contribuinte que o diga. Sente já no seu bolso os desmandos da empresa patrimonialista, montada passo a passo, com paciência de sindicalista que assiste à assembleia para, esvaziada pelo cansaço, aprovar a greve almejada. No caso do Petrolão, esta seria a última etapa, a mais visível, de aparelhamento do sistema produtivo por uma ávida elite preparada para a função de privatiza-lo tudo em benefício da burocracia estatal presidida pelo Partido.
Não é de hoje o projeto dessa empresa patrimonialista, que teve etapas memoráveis. Em todas elas, a ciência aplicada foi posta serviço da burocracia estatal, a fim de garantir a eficiência na racionalização da empresa do rei ou do primeiro mandatário. Foi assim nas reformas pombalinas, na segunda metade do século XVIII, quando o marquês de Pombal amarrou o sistema produtivo ao redor dos Monopólios Reais, fora dos quais ninguém conseguiria sobreviver. Assim aconteceu nas reformas modernizadoras do Império, com o Monarca como centro da atividade econômica, colocando sob o seu tacape aqueles que quisessem se apresentar como empresários independentes do Trono. As agruras sofridas pelo visconde de Mauá, um dos nossos próceres do livre empreendedorismo, estão aí para provar a eficiência do projeto patrimonialista. Assim aconteceu no ciclo modernizador do getulismo, com as reformas ensejadas pela elite gaúcha comandada com mão de ferro pelo próprio Getúlio Vargas, com o auxílio dos jovens intelectuais que integravam a Segunda Geração Castilhista, com Lindolfo Boeckel Collor à frente, tendo previamente sido cooptada a jovem elite tenentista no Clube 3 de Outubro. Assim ocorreu no ciclo militar ao redor da proposta modernizadora em andamento nos terrenos econômico e social, pensada no petit comité que reunia, ao redor do General Presidente, a elite tecnocrática e militar, responsável por traçar o andamento da máquina pública rumo ao Brasil Grande.
O lulopetismo tentou copiar esse esquema de modernidade ao redor do Estado empresário, racionalizando ao máximo a máquina tributária, centralizando as receitas em favor da União (com detrimento de Estados e Municípios), utilizando como mão distribuidora de recursos entre os empresários cooptados o BNDES que partiu, também, para aliciar fidelidades internacionais no Hemisfério Sul, na tentativa de dar vida a essa nova diplomacia que está acabando de desmontar a primorosa máquina construída, na aurora da República, pelo Barrão do Rio Branco no Itamaraty.
O mecanismo foi o mesmo do ângulo econômico: tudo centralizado ao redor dos Monopólios oficiais, dentre os que se destacam a Petrobrás e a Eletrobrás. Ao colocar as empresas públicas produtoras de energia como ponta de lança da dominação estatal sobre a economia, o modelo modernizador lulopetista assemelha-se, assim, ao posto em prática por Vladimir Putin, no seio do secular patrimonialismo russo, com a hegemonia das empresas produtoras de gás e petróleo.
Proveniente do meio sindical, Lula caprichou no sentido de dominar completamente os fundos de pensão das estatais, dos bancos oficiais e dos sindicatos controlados pela CUT, libertando-os de prestar contas dos seus gastos e de serem fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União. As duas entidades bancárias controladas pelo governo, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, foram postas a serviço do financiamento dos projetos sociais do governo, deixando em segundo plano a transparência dos procedimentos seguidos. A Caixa Econômica Federal amarga hoje dificuldades ensejadas pelas políticas populistas da presidente Dilma, notadamente o programa “Minha casa minha vida”.
De outro lado, os institutos de pesquisa que prestavam serviços ao Estado para identificar a conjuntura econômica e social do país, foram aparelhados pelo partido do governo, dando ênfase à divulgação de dados convenientes para manter a popularidade deste e ocultando estatísticas incômodas. Foram, assim, desmoralizados na seriedade que tinham conquistado em décadas anteriores o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). Neste último, os pesquisadores mais renomados foram obrigados a sair da entidade.
Fazem-se sentir hoje os efeitos práticos dessa política patrimonialista: enriquecimento rápido dos agentes públicos (garantida a sua segurança nas sombras da nossa complexa legislação, que coloca sobre todos a espada de Democles da insegurança jurídica, mas que para os amigos do rei constitui garantia de que nada acontecerá com eles). Vide as penalidades muito diferentes impostas no julgamento do Mensalão: pesadíssimas para os que foram cooptados no setor privado pelo turbilhão de dólares na cueca e nas malas gordas de notas, levíssimas para os arquitetos dos malfeitos (para utilizar a terminologia do agrado da presidente Dilma). O empresário que serviu de cabeça de ponte para os desvios, Marcos Valério de Souza, amarga hoje condena a mais de 40 anos de prisão, enquanto os mandantes do esquema petista de corrupção, que cooptaram Valério e os demais empresários involucrados no Mensalão, sofreram punições bem leves, ridículas poder-se-ia dizer, em face da gravidade das penas impostas aos agentes privados.
A maciça divulgação dos feitos da ladroagem, notadamente no caso do Petrolão, estão sensibilizando a opinião pública de que há algo de errado na estrutura do nosso Leviatã. Foi de tal grau a tsunami da corrupção que inundou o quintal do dia a dia do cidadão comum. Enquanto itens básicos da saúde pública faltam nas Unidades de Pronto Atendimento, a elite larápia tem pronto atendimento de primeiro mundo no Hospital Albert Einstein, o mais caro do país. Enquanto já começa a sobrar calendário e a faltar dinheiro na metade do mês no bolso dos contribuintes, os dólares desviados sobram nas contas milionárias da petralhada e dos empresários corruptos. Enquanto a sociedade almeja por transparência na prestação de contas, a presidência da República é pródiga em enrolação e em contradições veiculadas pelos porta-vozes oficiais. Enquanto se esperava que o Ministério da Justiça cumprisse com o seu papel de facilitador para que a Justiça operasse livre e célere, converteu-se em guiché de reclamos dos larápios e em janela por onde assomam os feitores dos desmandos, que buscam pressionar politicamente os magistrados honestos.
Com o lulopetismo, a tendência patrimonialista herdada da cultura ibérica, passou a ser prevalecente na realidade brasileira. Antônio Paim já tinha afirmado isso em esclarecida análise, feita em 2002, acerca da mentalidade petista. O PT encara o Estado como negócio particular de caráter familiar. Administra-o como família sindical, de modo semelhante a como os militares entendiam o país como uma grande família militar. Não é o Partido dos Trabalhadores quem deve se acomodar à realidade brasileira. É o país que deve ser posto a serviço dos interesses do Partido. Tudo é pensado em função de perpetuar a hegemonia petista. O público é tratado como privado, como assunto de família. A amante oficial de Lula, Rosemary Noronha, transitava tranquilamente da alcova presidencial instalada no “Aerolula”, nas viagens internacionais do presidente, como pessoa que prestava serviços particulares ao chefe e como assessora que cuidava das milionárias transações financeiras do mandatário, além de alguns trabalhos de intermediação clientelista para nomear funcionários do segundo escalão. Estes são dados de domínio público, divulgados amplamente pela imprensa.
Ainda no seio dessa tendência patrimonialista, o governo, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a favorecer, com generosos créditos, empresários escolhidos pela Presidência da República para serem guindados às alturas de mega-empreendedores, entregando-lhes, entre outras coisas as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), assim como outras grandes iniciativas (transposição das águas do Rio São Francisco, ampliação da rede ferroviária do Nordeste, etc.). Esses procedimentos caracterizam-se pela falta de transparência que facilita o desvio do dinheiro público.
O Executivo favoreceu, também, com empréstimos brandos a governos estrangeiros, com a finalidade de desenvolver projetos de engenharia e prospecção petroleira que contratem empresas brasileiras indicadas pelo governo. Foram feitas, assim pesadas inversões em Cuba, na Venezuela, em Angola, no Equador, na Bolívia, em países centro americanos, etc., sem que se explicasse claramente à opinião pública e ao Congresso os benefícios que daí derivariam para a economia brasileira. Foram desenvolvidos caros projetos energéticos no Brasil, em colaboração com a Venezuela, como é o caso da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Como em toda transação entre amigos, o “do ut des” tem sido a regra seguida fervorosamente por aqueles que se beneficiaram com a generosidade oficial: conhecida empresa de engenharia, favorecida pelo governo petista, paga as viagens de Lula aos países africanos, remunerando-o regiamente pelas suas conferências.
A lei é entendida pelos governantes patrimonialistas como pura formalidade a ser posta a serviço dos donos do poder. Valha aqui uma comparação entre a legislação imperante em dois contextos: o representado pelos Estados contratualistas e o concretizado nos Estados patrimoniais. Os contratualistas, herdeiros da tradição feudal que opunha nobres e burgueses no início da era moderna, se consolidaram a partir da luta de classes pela posse do poder e de uma diferenciação clara de interesses por parte destas, que deram ensejo ao surgimento de regimes contratualistas. Na Europa Ocidental, onde se deu tal forma de Estado, surgiram as teorias do “contrato social”. Já os Estados patrimoniais se sedimentaram ao ensejo da hipertrofia de um poder patriarcal original, que alargou a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extrapatrimoniais, tratando tudo como posse de família e impedindo a diferenciação da sociedade em classes com interesses materiais diferentes.
Enquanto nos Estados contratualistas o poder estava a serviço da sociedade, havia clara diferenciação entre a esfera pública e a privada, a lei, claramente formulada, possuía uma dimensão impessoal e era aplicada universalmente com a ajuda de uma burocracia racional treinada no valor da eficiência, nos Estados patrimoniais a sociedade estava a serviço do poder, a esfera pública confundia-se com a privada, a lei – essencialmente vaga - possuía uma dimensão pessoal e casuísta em função da vontade do governante e surgia um estamento pré-burocrático que oferecia dificuldades para vender facilidades.
Ora, o Estado patrimonial luso-brasileiro sempre foi useiro e vezeiro em formular leis que se acomodassem às necessidades dos donos do poder. Foi assim no ciclo pombalino, com as leis feitas na medida certa pelos juristas do Rei para proteger os monopólios da Coroa e esvaziar as tentativas das classes poderosas: a aristocracia e a burguesia, no sentido de ganhar poder perante o Estado patrimonial. Foi assim ao longo do Império, com os burocratas do Rei comodamente instalados no Banco do Brasil e no Ministério da Fazenda e prontos para fazer afundar as iniciativas de empresários quixotescos como Mauá, que aspiravam a se vincular aos grandes centros da economia mundial, a fim de não dependerem do Estado: o fracasso do visconde veio por este caminho. Foi assim no longo ciclo getuliano, com a burguesia paulista sendo derrotada pelos donos do poder na Revolução Constitucionalista de 32, tendo sido alijada do mesmo durante longo tempo. Não foi diferente no ciclo militar, com os generais formulando verticalmente os projetos estratégicos que garantiriam o equacionamento da questão da “circulação” (integração nacional), apontada por Oliveira Vianna, e privilegiando as empresas estatais que, sob seu comando, passaram de 92 para mais de 400.
Não ocorreu de outra forma na retomada da vida democrática na República Nova, com agressiva política tributária montada em cima da iniciativa privada. As privatizações dos governos de Fernando Henrique, bem como o Plano Real (iniciativas fortemente combatidas pelos expoentes mais radicais do patrimonialismo como Lula e os seus seguidores), se bem conseguiram arejar a atmosfera antes irrespirável pelos ácaros do nepotismo e da reserva de mercado que emanavam das estatais, terminaram sendo minimizadas pela maré montante do estatismo orçamentívoro do lulismo nos treze anos que leva no poder.
Uma iniciativa tomou corpo de destaque ao longo do ciclo lulopetista: o Executivo muniu-se de poderosa máquina propagandística que, aliada aos marqueteiros de plantão, conseguiu traduzir para o povo ignaro, em linguagem simples e coloquial, as teses da proposta lulopetista, a da Carta de Olinda, que passou a comandar como espírito das trevas as políticas sociais. O orçamento do Executivo destinado à propaganda, no ciclo lulopetista, simplesmente disparou. Segundo pesquisa realizada pelo jornal O Estado de São Paulo, em 10 anos de governo petista (2003-2013) foram desembolsados 16 bilhões de reais nesse item. Nisso os petistas foram eficientes, como na consolidação do nacional-socialismo na Alemanha dos anos trinta foi essencial, para o triunfo de Hitler, o magno empreendimento de propaganda montado por Goebbels. Os méritos no caso brasileiro certamente podem ser colocados no altar de José Dirceu e da nomenclatura estatizante do Partido dos Trabalhadores.
Uma última observação sobre o reforço ao patrimonialismo na gestão do Estado por parte do PT. Ação típica de lideranças patrimonialistas consiste na cooptação de todas as forças que possam competir com os donos do poder, especialmente se estiverem vinculadas às massas populares. No caso do lulopetismo, as ligações entre o Executivo e os chamados “movimentos sociais” ficaram claras desde o início do primeiro governo Lula e continuaram ao longo do seu segundo mandato, bem como nos mandatos de Dilma. Lula, do alto do palanque perpétuo em que se instalou, tem ameaçado com “colocar na rua o exército de Stédile”, no sentido de que o MST e assemelhados ocuparão as cidades na eventualidade de alguma ameaça significativa em face do poder hegemônico petista. Diante das contradições que se tornaram evidentes dentro do próprio governo de Dilma no segundo mandato, o recado de Lula foi claro: pedir o impeachment da chefe do Executivo no caso do Petrolão equivale a chamar à guerra os tais “movimentos sociais”. Evidente saída de constrangimento ilegal que tenta desmoralizar qualquer oposição feita pela sociedade ao governo. Algo semelhante ao que acontece na Argentina, onde os militantes do peronismo constituem peça chave na desmoralização dos oposicionistas, chegando até ao assassinato de algum fiscal bisbilhoteiro, como ocorreu recentemente com o promotor Alberto Nisman. Voltando às tramoias lulopetistas para desestabilizar oposicionistas, lembremos as denúncias que o delegado Tuma Júnior divulgou na sua obra intitulada: Assassinato de reputações, um crime de Estado. Afinal de contas, os lulopetistas estão movidos pelo modelo de ética totalitária, segundo o qual “os fins justificam os meios”.
A utilização da força bruta como instrumento de poder está no cardápio lulopetista e não foi servida ao acaso. Ora, como o PT se fortaleceu na terceira etapa de sua caminhada (correspondente ao exercício do poder), sob a inspiração de duas cartas de navegação (mencionadas no início deste trabalho), é possível, em momentos de crise, tomar elementos da primeira dessas cartas para inspirar respostas adequadas, quando as atividades partidárias formais encontrarem obstáculos por parte dos oposicionistas. Como a “Carta ao Povo Brasileiro”, que constitui a face “legal” do Partido e à luz dela Lula conquistou o poder em 2002, em face de um questionamento da legitimidade por motivo da corrupção nos momentos atuais, é bem possível tirar do saco de maldades ações inspiradas na primeira carta de navegação (Documento de Olinda), afinadas com procedimentos totalitários.
É o que Lula tentou ao ameaçar com pôr na rua o “exército de Stédile”. Essa dinâmica foi posta em prática ao longo do primeiro governo Dilma, por intermédio do representante de Lula no gabinete ministerial, Gilberto Carvalho, chefe da pasta do Gabinete Civil da Presidência da República, que ameaçou “fazer o diabo” para que a candidata petista ganhasse as eleições de outubro de 2014. Nestes últimos tempos, Lula deixou de agir por intermédio do seu instrumento no antigo ministério da Dilma e passou a falar diretamente (como no discurso recente na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, em 23/02/2015).
Um último aspecto da cooptação dos violentos para intimidar oposicionistas. Foram preocupantes e muito graves os indícios de colaboração entre militantes petistas de São Paulo e membros do Primeiro Comando da Capital que, como todo mundo sabe, constitui a maior organização criminosa do Brasil que busca controlar os presídios em várias regiões do país. Fica uma pergunta no ar: a quem beneficiam ações criminosas de guerrilha urbana em cidades situadas em Estados governados pela oposição? Ora, as ações criminosas do PCC têm ocorrido, com regularidade periclitante, em períodos pré-eleitorais, ao longo da última década.
2 – Entropia administrativa.
Esta é a principal responsável pelas dificuldades econômicas que o país vive atualmente, com a volta da inflação, à qual tinha sido colocado limite com o “Plano Real” adotado por Fernando Henrique Cardoso. Decisões contraditórias são tomadas pelo governo nos mais variados campos: educacional, de saúde pública, segurança cidadã, logística de portos, estradas e aeroportos, etc., em virtude da duplicidade de princípios inspiradores das políticas públicas, correspondentes às duas cartas de navegação que foram mencionadas. Poderia se dizer que foi rendido um tributo ao marxismo vulgar ao se afirmar praticamente, na gestão governamental ininteligível, que “as contradições são o motor da história”.
Um dos principais aspectos contraditórios foi a pretensa redenção dos pobres mediante políticas de distribuição de renda (sugeridas pelo Banco Mundial e adotadas pelos governos socialdemocratas e petistas). A ideia de fazer justiça social distribuindo renda é sedutora. Mas deve ser concretizada de forma responsável. Não foi isto que aconteceu com as políticas petistas nesse campo que, segundo o governo, beneficiaram 50 milhões de brasileiros. Ao ser coberta boa parte da população carente com o benefício da “Bolsa Família”, distribuída diretamente pelo governo sem ter sido posto em marcha, previamente, um mecanismo que permitisse o controle sobre os beneficiários, foi aberta a porta à corrupção nesse setor. Foram detectados inúmeros casos de beneficiários fantasmas ou com duplicidade de benefícios. A “Bolsa Família” converteu-se num benefício “escatológico” ao não ser sinalizado claramente qual é o critério que indica o termo do mesmo. Em várias regiões foi observado o fenômeno do abandono do emprego por parte dos cidadãos mais pobres, com a finalidade de receber o benefício oficial. O senador Jarbas Vasconcellos denunciou que o lulopetismo organizou, assim, “o maior programa de compra de votos do hemisfério ocidental”.
3 – Corrupção desenfreada.
Este vício foi estimulado pelo Executivo mediante a estratégia de cooptação dos partidos políticos, no seio de um esquema de distribuição sistemática de dinheiros públicos para comprar apoio no Congresso. Esse esquema, denominado de “Mensalão” (em referência ao pagamento mensal de propinas aos parlamentares fiéis ao governo), foi investigado pelo Ministério Público e deu ensejo a importante processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal, entre 2012 e 2014. Essas duas instâncias da magistratura, consequentemente, foram objeto de feroz campanha de difamação, posta em marcha por Lula e o seu partido, com apoio da “Base Aliada”.
Foram encaminhadas pelo Partido dos Trabalhadores ao Congresso, em 2013, duas propostas de emenda constitucional (PEC) elaboradas pelo governo Lula, com a única finalidade de diminuir poderes ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público, numa clara invasão de competências do Executivo sobre o Poder Judiciário. Isso equivaleu a uma tentativa de golpe de Estado perpetrado desde a Presidência da República. Isso feria a independência dos Poderes Constitucionais. De forma semelhante, a imprensa livre tem sido combatida pelos militantes petistas, que fizeram chegar ao Congresso, através de parlamentares governistas, vários projetos de lei para limitar as funções das empresas de comunicação e submetê-las, como acontece na Argentina, aos caprichos dos governantes de plantão.
Em face do segundo affaire de corrupção dos governos petistas, o denominado Petrolão, a corrupção atingiu níveis nunca vistos e chegou a colocar em risco a sobrevivência da principal estatal brasileira, a Petrobrás. O esquema de corrupção aponta para uma sofisticada empresa de desvio de recursos públicos com finalidade político partidária de irrigar o caixa do PT. Ao que tudo indica, não se tratou simplesmente de uma iniciativa de achaque praticada por empresários corruptos. Foi uma ação friamente planejada dentro do próprio governo, cooptando empresários que aceitaram formar parte de um clube de privilegiados com as obras de infraestrutura da Petrobrás. Como frisou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na dura resposta que deu ao governo, diante da infundada denúncia de Dilma de que os sistemáticos desvios de recursos da Petrobrás tinham começado no governo tucano, “(...) no caso do ‘Petrolão’, não se trata de desvios de conduta individuais de funcionários da Petrobras, nem são eles, empregados, em sua maioria, os responsáveis. Trata-se de um processo sistemático que envolve os governos da Presidente Dilma (que ademais foi presidente do Conselho de Administração da empresa e Ministra de Minas e Energia) e do ex-presidente Lula. Foram eles ou seus representantes na Petrobras que nomearam os diretores da empresa ora acusados de, em conluio com empreiteiras e, no caso do PT, com o tesoureiro do partido, de desviar recursos em benefício próprio ou para cofres partidários”. O tamanho do montante desviado no caso do Petrolão, segundo cálculos de especialistas, equivaleria a “33 Mensalões”.
4 – Enfraquecimento das instâncias institucionais que exercem controle sobre o gasto público.
Os institutos que, no Brasil, exercem controle sobre o gasto público são o Tribunal de Contas da União (órgão vinculado ao Poder Legislativo), o Ministério Público e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que põe um limite aos gastos de municípios, Estados e União, para que os gestores não gastem mais do que é arrecadado. Segundo decisão tomada por Lula, o tribunal mencionado não poderia mais exercer controle sobre os gastos dos sindicatos, sem que importasse o montante de dinheiro público recebido do governo. Tal medida deu às organizações sindicais um poder extraordinário à margem da lei, de forma a convertê-los em Estados dentro do Estado, configurando aquilo que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso denominou, com propriedade, de “peronismo à brasileira”. De outro lado, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi derrogada na prática por Lula, quando passou a ignorar a sua aplicação naqueles municípios administrados por prefeitos do PT.
5 – Supremacia progressiva do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário.
O Executivo, na tradição política republicana, tornou-se, como dizem os franceses, um “presidencialismo imperial”. Jean-François Revel (1924-2006) caracterizou em livro memorável essa tendência que afeta também a vida política dos Franceses. Referindo-se a esse mal na época de François Miterrand (1916-1996), o presidente socialista que ficou 14 anos no poder entre 1981 e 1995, escrevia: “A Constituição (...) queria garantir ao Estado um executivo estável, forte e eficiente, respeitando, ao mesmo tempo, os princípios da democracia. Mas, com o correr dos anos, a instituição presidencial virou onipotente, irresponsável e – paradoxalmente – incompetente. Querendo abarcar a totalidade da vida pública, o poder presidencial invade todos os domínios, paralisa a ação e não dá a mínima para a sociedade que não consegue reforma-lo, enquanto que os poderes legislativo e judiciário perdem a sua autoridade, os costumes políticos se corrompem e instâncias desprovidas de legitimidade democrática ditam a sua lei. (...)”.
Como se pode observar, a semelhança com o Brasil de hoje é bem grande. Porque a história francesa se assemelha muito à brasileira, no que tange à forma como se consolidou o Estado, com um Executivo hipertrofiado. Lá como cá, o Executivo hipertrofiado instalou no Estado a irracionalidade e a improvisação. Lá como cá, essa pesada herança finca profundas raízes na história. Na França, o imperialismo presidencial é herdeiro direto do espírito absolutista de Luis XIV (1638-1715), que cunhou a famosa frase: “L´État c´est moi” (“O Estado sou eu”), que passou para os jacobinos, no final do século XVIII, que protagonizaram as desgraças da Revolução Francesa, ao colocar por cima de tudo e de todos o poder total do Diretório, que terminou sendo canalizado pelo genial Napoleão Bonaparte (1769-1821) no seu projeto de imperialismo unipessoal, que modificou as fronteiras da Europa, entre 1804 e 1814, com um saldo trágico de 3 milhões de vítimas.
No Brasil, o “presidencialismo imperial” é filho do Castilhismo, que constituiu a primeira tentativa bem sucedida de ditadura republicana ao redor de um Executivo-legiferante. Por sua vez, o Castilhismo inspirou-se no despotismo esclarecido do Marquês de Pombal, com a tendência estatizante na política, na economia (com os monopólios estatais) e na cultura (com a nova forma de saber pseudocientífico garantido pelo Estado onipotente e legitimador das suas aventuras). Getulismo, regime militar e, hoje, lulopetismo, seriam frutos dessa árvore do absolutismo caboclo.
Convenhamos que com o Getulismo e com o regime de 64 houve centralização do poder no Executivo, mas com o cuidado de dar satisfação à sociedade por razões tecnocráticas, mantendo um mínimo de eficiência e de decência no trato da coisa pública. No entanto, infelizmente, com o correr das décadas, o Executivo imperial perdeu toda a vergonha na cara e é exercido, hoje, como mandato unipessoal pela presidente, que manda e desmanda na economia, na política e na cultura, sem dar a mínima importância para os anseios e os reclamos da sociedade. O país é gerido como apêndice familístico do PT e dos seus obscuros interesses sindicais, que enxergam tudo como passível de privatização em benefício da nova oligarquia, que aspira a se perpetuar no poder.
Em relação à desagregação social e à sem-vergonhice de que se revestiu, na França, o “absolutismo ineficaz” do Presidente da República, Jean-François Revel escreveu: “(...) É o presidente que está a serviço do Estado, ou o Estado que está a serviço do presidente? Aí está toda a questão da Vª República. Essa questão não consiste, pois, em saber quais são as falhas de caráter de François Miterrand ou de não importa qual outro presidente francês. A questão que se levanta é a de saber que a pendente das instituições as conduz a ampliar os seus defeitos em detrimento de suas qualidades, que acabam por desaparecer. De qualquer ângulo que se observe, o sistema presidencial francês parece conter um vírus fatal, pois ele conduz, sem que freio nenhum possa impedir, a este resultado: existe na França um único poder, o do presidente e, ainda mais, um poder que se converte muito rapidamente em instância pessoal, arbitrária e mesmo caprichosa, sem limite, sem decência, sem a menor sanção, senão a sanção final pela demissão graças ao sufrágio universal, cuja intervenção é infelizmente muito rara para dissuadir o soberano de confundir, ao longo de sete anos, a sua subjetividade com as leis da República”.
Esta tendência, que já estava presente na história republicana brasileira (como, por exemplo, no longo ciclo getuliano, que se estendeu de 1930 até 1945 e de 1951 até 1954), reforçou-se nos últimos treze anos, com o abuso da prática autoritária das “medidas provisórias” (ou legislação por decreto presidencial), com as que Lula e Dilma praticamente paralisaram os trabalhos do Legislativo, gerando, de outro lado, constantes atritos com o Poder Judiciário, mediante iniciativas destinadas a diminuir o poder deste.
Os regimes populistas latino-americanos concordaram no esforço em prol de conferir primazia ao Executivo. Isso também acontece na Argentina, na Venezuela, no Equador, no México, na Nicarágua, etc. Do ponto de vista da filosofia política, esse fenômeno se explica, em boa medida, pela presença daninha de dois princípios negativos: a filosofia rousseauniana, de um lado, com o conceito de “soberania popular ilimitada” e, de outro lado, a ideia positivista de que, para manter o progresso, é necessário atacar a liberdade, mediante a implantação de uma ordem republicana autoritária. Esse é o drama latino-americano, assim como, na França de Tocqueville, o absolutismo foi potencializado pela adoção de uma ideia despótica de República, deformada pelo pensamento de Rousseau e dos Jacobinos.
6 – Formulação da política externa brasileira contra os interesses da Nação e de acordo aos interesses ideológicos do Partido dos Trabalhadores.
A partir dos governos de Lula e continuando nas gestões de Dilma Roussef, a política exterior do Brasil passou a seguir os ditames do Foro de São Paulo. O Brasil converteu-se, assim, em repetidor das consignas socialistas do chavismo e do castrismo. No seio dessa política externa alinhada com o Foro de São Paulo, o Brasil mostrou-se favorável às FARC, atacando as políticas antiterroristas do governo colombiano e se revelando seguidor incondicional da revolução chavista, nas decisões tomadas no seio da UNASUR, inclusive legitimando, de forma atabalhoada, a discutível vitória eleitoral de Nicolás Maduro na sucessão de Chávez, na Venezuela, no início de 2013.
Essas decisões foram em geral contrárias de forma sistemática aos Estados Unidos e favoráveis, em geral, a governos de duvidosa índole como o Irã e a Coréia do Norte, dando continuidade à diplomacia terceiro-mundista que os “barbudinhos” do Itamaraty tentaram impor em décadas anteriores. A resultante disso foi a criação do clima de insegurança jurídica que prejudicou a entrada de investidores no Brasil. O MERCOSUL terminou engessando a possibilidade de o Brasil fazer pactos comerciais bilaterais, ao ser imposta a regra de que estes somente poderiam ser aprovados mediante aprovação das Nações membros do mencionado organismo. Em face da dinâmica do Pacto do Pacífico que foi posto em marcha pelo México, o Chile, o Perú e a Colômbia, o MERCOSUL se apresenta hoje como uma organização que perdeu o seu sentido original de pacto comercial, para virar aliança política a favor dos populismos latino-americanos.
De outro lado, o Brasil relegou a segundo plano os interesses da indústria e do comércio, ao se alinhar, por motivos ideológicos, com países que atacam aos produtores brasileiros. Isso aconteceu, por exemplo, com a política de estatizações de empresas produtoras de petróleo e gás na Bolívia e com as alianças com Chávez. Os venezuelanos simplesmente ignoraram a contribuição a que Chávez tinha se comprometido na construção da refinaria Abreu e Lima em Pernambuco. Nem um só tostão foi pago pelos “amigos chavistas”. Essa política internacional, mais ideológica do que fundada em princípios, derrubou, de forma definitiva, a tradição de seriedade que tinha sido conquistada pela diplomacia brasileira, ao longo dos últimos dois séculos.
7 – Empobrecimento dos brasileiros, regresso da inflação e aumento descontrolado da violência.
O sonho populista dos povos tem um alto custo. O líder messiânico é parecido com aqueles aracnídeos que paralisam as suas vítimas para lhes sugar a vida. Os países latino-americanos pagam o seu preço hoje ao messianismo populista. Os argentinos pagam-no ao peronismo. Os brasileiros ao lulopetismo.
O populismo de Lula levou-o a subir no palanque eleitoreiro do presidente boliviano Evo Morales; com ele apareceu ostentando vistoso colar de folhas de coca. O sinal tinha sido dado: Evo simplesmente duplicou a área de cultivo de coca para o refinamento da cocaína que é distribuída nas cidades brasileiras. O crack as invadiu, ao longo da última década. Hoje o Brasil possui um perverso índice de narcodependência: o crack é consumido em 97 por cento dos municípios do país. São aproximadamente um milhão e meio de viciados que perambulam pelas cidades cometendo assaltos e assassinatos. Os índices de violência fugiram ao controle.
O país, empobrecido, vê regressar a inflação e cair os índices de crescimento. O desemprego aumenta e já, numa perspectiva estatisticamente válida e não maquiada pela propaganda oficial, chega aos índices ibéricos. Não foram feitas todas as obras de infraestrutura de que o país precisava para os a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e estão muito atrasadas as correspondentes às Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, As exportações de produtos agrícolas sofrem com essa falta de infraestrutura. O Brasil perde compradores importantes da soja, por exemplo, devido ao não cumprimento de prazos. Países vizinhos que cuidaram da infraestrutura, como o Paraguai com as suas hidrovias, vão avançando sobre esses mercados.
O Brasil reduziu a sua margem de segurança em matéria monetária e de comércio exterior. Em 2013 havia um buraco de 67 bilhões de dólares nas contas externas. As inversões do governo e do setor privado caíram de 19,5% (em relação ao PIB de 2010) para 18,1% (em 2012). A propaganda oficial não consegue esconder a perda da capacidade de compra do cidadão médio, atribulado pela carga tributária mais pesada do Planeta, que o leva a trabalhar uma média de cinco meses ao ano para pagar os impostos cobrados pelo fisco nas instâncias municipal, estadual e federal.
Conclusão.
Está a sociedade brasileira paralisada? Certamente não. Aqui e ali aparecem manifestações de descontentamento diante da crise republicana em que o PT mergulhou o Brasil. As críticas se multiplicam em todos os quadrantes sociais, desde os intelectuais, passando por políticos da oposição, os militares, os magistrados e as pessoas da classe média e de estratos populares. As manifestações de inconformidade apareciam na imprensa, nas redes sociais e ganharam as ruas. Manifestações de protesto e repúdio contra os abusos do PT e aliados aconteceram em Junho de 2013, tendo-se repetido em 2014, antes da Copa Mundial de Futebol. Na primeira série de manifestações, em 2013, milhares de jovens tomaram as ruas de cidades grandes, médias e pequenas do norte ao sul do Brasil, tendo deixado perplexos os petralhas e os Partidos aliados. Era só a presidente Dilma aparecer em público, que manifestantes irados contra os abusos do governo apareciam para protestar. A eleição presidencial não garantiu a ela o desempenho tranquilo do poder. Foi ganha no tapetão das bolsas e das benesses distribuídas a torto e à direito. A contagem dos votos, de outro lado, foi suspeita.
Importante no Brasil tem sido a reação da magistratura contra os abusos do partido do governo, que passa por cima da legislação e demais instituições republicanas. Ao ensejo do julgamento do Mensalão foram bem claras as palavras dos juízes que condenaram os larápios e os políticos corruptos. Críticas semelhantes estão sendo feitas pelo corajoso juiz Sérgio Moro, diante das tentativas do partido do governo para esvaziar as investigações por ele comandadas no caso do Petrolão. O juiz Sérgio Moro se pronunciou a respeito dos encontros que o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo teve com os advogados dos réus da Operação Lava-Jato deflagrada pela Justiça Federal do Paraná. O magistrado escreveu: “Existe o campo próprio da Justiça e o campo próprio da política. Devem ser como óleo e água e jamais se misturarem. A prisão cautelar dos dirigentes das empreiteiras deve ser discutida, nos autos, perante as Cortes de Justiça. Intolerável, porém, que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas, em total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal”.
Mas a propaganda oficial é intensa e intensas são, também, as tentativas de calar a oposição e a imprensa livre. Conseguirá a sociedade brasileira fazer frente ao fantasma da ditadura civil, como a que terminou por prevalecer na Venezuela e a que está a caminho na Argentina?
A respeito dos altíssimos valores desviados no caso do Petrolão, a jornalista Rosane de Oliveira (“Mensalão é troco perto da Petrobrás, Zero Hora, Porto Alegre, 18/11/2014) escreveu: “Por alto, a Polícia Federal calcula que os desvios passam de R$ 10 bilhões. Para se ter uma ideia do que significa essa montanha de dinheiro, basta compará-la com o orçamento do Rio Grande do Sul: toda a receita prevista para este ano é de R$ 51 bilhões. Primeiro a fazer o acordo de delação premiada Paulo Roberto Costa se comprometeu a devolver R$ 70 milhões. E o resto? Como será devolvido o dinheiro que não está bloqueado na Suíça? Como se cobrará o que foi usado pelos partidos que estão no governo para financiar campanhas? O presidente do Tribunal de Contas da União, João Augusto Nardes, sugere que as empreiteiras envolvidas em falcatruas não sejam declaradas inidôneas, para não parar o país, mas que se renegociem os contratos. A pergunta é: como fazer essa lipoaspiração nos negócios superfaturados?
“O TCU e as centrais sindicais” – Editorial. O Estado de São Paulo, 05/04/2008, p. A3. O texto do mencionado editorial frisava: “No mesmo dia e na mesma hora em que mais de 50 sindicalistas comemoravam no Palácio do Planalto o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à decisão do Congresso de obrigar entidades sindicais a prestar contas da utilização do imposto sindical ao Tribunal de Contas da União (TCU), ministros da corte informavam à imprensa que o veto carece de fundamento legal, por ferir a Constituição, e que continuarão fiscalizando o destino dado, anualmente, a cerca de R$ 1,2 bilhão vindo da contribuição sindical paga pelos trabalhadores. No festivo encontro entre os representantes de seis centrais sindicais e o chefe do governo, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), que foi um dos principais defensores do veto, classificou como ato de coragem a iniciativa de Lula. Não podemos aceitar a interferência de um órgão público dentro do movimento sindical, disse o parlamentar, que também é dirigente da Força Sindical. Em discurso que pronunciou na ocasião, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, disse que o governo está incomodando segmentos da elite, e completou, dirigindo-se a Lula: Plagiando Zagallo, presidente, eles vão ter de nos aturar por longo tempo. Ao agradecer a bajulação, o presidente da República discursou no mesmo tom, justificando o veto sob a alegação de que os recursos da contribuição não são públicos e que a obrigatoriedade de prestar contas ao TCU colide com o princípio da autonomia sindical. Esses argumentos, no entanto, deixam de lado dois aspectos técnico-jurídicos fundamentais, como lembra o ministro do TCU Humberto Souto (...)”.
REVEL, Jean-François. L' Absolutisme inefficace, ou Contre le présidentialisme à la française. Paris: Plon, 1992.
REVEL, Jean-François. L' Absolutisme inefficace, ou Contre le présidentialisme à la française. Ob. cit., p. 13.
En editorial intitulado: “A vez dos bombeiros”, o jornal O Estado de São Paulo (edição de 27 de Abril de 2013) afirmava, destacando a gravidade do conflito atual entre o Legislativo y a Magistratura, para obedecer aos interesses eleitorais do Executivo: “O ministro Dias Toffoli, por exemplo, numa ida à Câmara dos Deputados para participar de um grupo de trabalho, disse que quem quiser ver crise quer criar, porque crise não há. O que há, segundo as suas palavras emolientes, são os Poderes funcionando, a normalidade democrática e a democracia efervescente. Ele há de saber que os Poderes não estão imunes a praticar atos disfuncionais e que a efervescência democrática corre o risco de transbordar dos padrões da normalidade. Foi o que ocorreu, para dizer o mínimo, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, numa sessão de que participaram apenas 21 dos seus 68 membros, acolheu, em votação simbólica, um retaliatório projeto de emenda constitucional, de autoria petista, destinado a subordinar as decisões mais importantes do STF à aprovação do Congresso (...)”.