O Chefão: Sabia de Tudo |
Ações diversionistas da Petralhada para encobrir o Mensalão petista: acusar os outros do próprio crime |
Marcos Valério: pesadas penas. Botará, agora, a boca no trombone? |
Levei uma grata surpresa com o
julgamento do Mensalão pelo STF. A nossa vida democrática parece ter
reencontrado a vitalidade que parecia fenecida na crise em que o Executivo,
sobranceiro à lei, tentou comprar definitivamente o apoio do Legislativo,
mediante a prática da corrupção sistemática, ao ensejo do episódio que o
denunciante do esquema, Roberto Jefferson, denominou de “Mensalão”. O nome
pegou, para desespero de Lula, Dirceu et
caterva. Foram julgados e condenados, se não todos, pelo menos alguns dos
responsáveis mais representativos do sinistro esquema. A História se
encarregará de julgar os que escaparam, a começar pelo chefe que, pelo teor das
investigações e depoimentos, “tudo sabia”.
Era de Oliveira Vianna a previsão de que
a redenção das instituições republicanas viria, no Brasil, pela mão do
Judiciário. Vítimas da “política alimentar” (nome dado pelo sociólogo fluminense
ao esquema de clientelismo e corrupção que se apossou da vida pública desde
tempos que se remontam à derrubada do Império), as instituições democráticas acordariam
da catalepsia em que a privatização patrimonialista do poder pelas oligarquias
as fez mergulhar. A independência do Poder Judiciário, pensava Oliveira Vianna
em Instituições
Políticas Brasileiras (1949), garantiria no Brasil as liberdades civis
dos cidadãos; asseguradas estas, o país poderia pensar na conquista das
liberdades políticas.
Ora, os pareceres dos juízes do Supremo
Tribunal Federal colocaram na pauta da política nacional dois princípios
fundamentais: em primeiro lugar, todos devem respeitar, sem exceções, a lei e o
marco arquetípico dela, a Constituição. Em segundo lugar, os que governam não
podem agir utilizando a máquina do Estado em benefício próprio. Dois princípios
de ética pública que, meridianos, voltaram a presidir o espaço republicano, a
partir dos pareceres dos Magistrados da nossa Suprema Corte. Que a sociedade
respirou aliviada com a ação patriótica do STF, o deixam claro as opiniões dos
leitores na mídia eletrônica e impressa, bem como as espontâneas manifestações
de aplauso dos cidadãos quando encontram um dos nossos Magistrados, em que pese
a cerrada política armada pela petralhada, de denuncismo de “golpe da
magistratura e da imprensa”.
No esquema do Mensalão marcaram encontro
dois vícios da política brasileira: o tradicional “complexo de clã” e a
ausência de espírito público, bases do Patrimonialismo. Esses dois vícios,
entrelaçados como as caras da mesma moeda, fazem com que os atores políticos
ajam única e exclusivamente em benefício próprio, privatizando as instituições
em seu benefício e no das suas respectivas clientelas. Nisso, o PT e coligados
mostraram-se eficientes “como nunca antes na história deste país”. A esses dois
vícios vieram-se juntar duas tendências da cultura política moderna: o
jacobinismo (inspirado na filosofia política de Jean-Jacques Rousseau, no
século XVIII), segundo o qual a organização da política, nos Estados, deve-se
pautar pelo princípio da unanimidade dos cidadãos ao redor da “vontade geral”
(identificada com o Legislador e imposta pelos seus seguidores, os “puros”),
sendo excluída, a ferro e fogo, qualquer oposição ou dissidência. O segundo
princípio negativo diz relação ao “messianismo político” (pensado no início do
século XIX por Henri-Claude de Saint-Simon, e continuado pelo seu discípulo
Augusto Comte). Ora, na nossa organização republicana juntaram-se, com o correr
dos séculos, numa síntese perversa, esses dois princípios, bem como os vícios balizadores
do Patrimonialismo. O jacobinismo e o messianismo político reforçaram-se
dramaticamente, na contemporaneidade, com a tendência cientificista do marxismo
(inspiradora dos ideólogos petistas), que passou a pensar a política em termos
de hegemonia partidária, à maneira gramsciana.
Na história republicana terminou se consolidando,
à sombra da cultura política emergente das variáveis mencionadas, um modelo
identificado mais com a prática do despotismo do que com o moderno
republicanismo. Castilhismo, getulismo, tecnocratismo autoritário, lulopetismo,
eis os resultados desse amálgama nada republicano. Como dizia Tocqueville, se
referindo à França de 1848, a face da República viu-se desfigurada pelas
práticas despóticas das lideranças. No Brasil, a Res Publica, virou Coisa
nossa, num esquema verdadeiramente mafioso de minorias encarrapitadas no poder,
que fazem o que bem entendem, de costas para a Nação, fragilmente representada
num Legislativo que se contempla a si próprio e zela quase que exclusivamente
pela manutenção dos seus privilégios. Com um agravante, atualmente: se nos
momentos anteriores havia autoritarismo republicano, este se equilibrava com
uma proposta tecnocrática bem-sucedida (como nos momentos getuliano e do ciclo
militar ou com um respeito quase sagrado ao tesouro público, no castilhismo). Restou-nos o
assalto desavergonhado aos cofres da Nação, numa atabalhoada política
clientelista que jogou pela borda a necessária eficiência e que entregou as
agências reguladoras do Estado aos companheiros, em meio ao mais descarado
compadrio sindical.
Ecoam ainda nos ouvidos da Nação as graves
palavras com que um dos Ministros do STF caracterizava, dias atrás, o mal que tomou
conta do Brasil: "Formou-se na cúpula do poder, à
margem da lei e ao arrepio do direito, um estranho e pernicioso sodalício,
constituído por dirigentes unidos por um comum desígnio, um vínculo associativo
estável que buscava eficácia ao objetivo espúrio por eles estabelecido: cometer
crimes, qualquer tipo de crime, agindo nos subterrâneos do poder como
conspiradores, para, assim, vulnerar, transgredir e lesionar a paz
pública". Gravíssima situação que a nossa Suprema Corte encarou com
patriotismo e coragem. Esperamos que essa benfazeja reação dê início a um
saneamento generalizado das instituições republicanas.