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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

TOCQUEVILLE EM TEMPOS DE CORRUPÇÃO

Em boa hora a coleção Penguin Books presenteou ao público leitor com uma bela edição da obra de Alexis de Tocqueville (1805-1859), intitulada: Lembranças de 1848 - As jornadas revolucionárias em Paris (Introdução de Renato Janine Ribeiro, prefácio de Fernand Braudel, tradução de Modesto Florenzano, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, 386 pg).

A obra, escrita no castelo de Tocqueville, na Normandia, e em Sorrento, na Itália, entre 1849 e 1851, consta de três partes em que são relatados os fatos acontecidos ao ensejo da Revolução de 1848 (parte I), é explicitado o julgamento do autor sobre os mesmos (parte II) e é ilustrado o curto período em que Tocqueville integrou o gabinete ministerial da Segunda República, à frente da pasta dos Negócios Estrangeiros, no gabinete presidido por Odilon Barrot (1791-1873), entre 3 de Junho e 31 de Outubro de 1849 (parte III).

A edição apresenta, ainda, sete apêndices: 1 - Relato dos acontecimentos da Revolução de 24 de fevereiro de 1848, feito pelo amigo de Tocqueville e companheiro da viagem à América em 1831, Gustave de Beaumont (1802-1866). 2 - Exposição da conversa que Tocqueville teve com o ministro Odilon Barrot , em outubro de 1850, acerca da mencionada Revolução. 3 - Narrativa de Tocqueville acerca do papel desempenhado por duas personalidades da situação, envolvidas nos acontecimentos de 1848: Jules Armand Dufaure (1798-1881) e Louis Adolphe Thiers (1797-1877). 4 - Notas de Tocqueville acerca dos fatos do mês de junho de 1848. 5 - Notas acerca da viagem de Tocqueville à Alemanha em maio de 1849. 6 - Relato do encontro tido por Tocqueville com o presidente Luís Bonaparte (1808-1873) em 15 de maio de 1851. 7 - Memória da conversa tida por Tocqueville com Antoine Pierre Berryer (1790-1868), integrante, como ele, da Comissão de Revisão Constitucional em 1848.

É bem-vinda a publicação desta obra, porque ela constitui, em primeiro lugar, uma reação do escritor francês à corrupção que tomou conta do fim do reinado de Luís Filipe (que se estendeu de 1830 até 1848), bem como da Segunda República, proclamada em 1849 e que iria conduzir à proclamação do Segundo Império em dezembro de 1851 por Luis Napoleão, sobrinho de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Ao longo desse conturbado período, Tocqueville participou ativamente da política francesa, como Deputado liberal moderado na Assembléia Nacional (tendo formado parte da comissão que, em 1848, elaborou o projeto de República que substituiria à Monarquia de Julho). Como foi mencionado, Tocqueville participou brevemente do ministério, no governo republicano chefiado por Luís Napoleão.

Em segundo lugar, a publicação de Lembranças de 1848 é significativa pelo seu conteúdo conceitual. Mais do que um registro dos acontecimentos, trata-se de uma análise historiográfica e sociológica do maior valor, porquanto explicita os fundamentos epistemológicos do pensamento social tocquevilliano, bem como de sua historiografia, ao mesmo tempo em que nos brinda com um quadro bastante completo do que constitui a sociologia das revoluções, destacando, no interior destas, como elemento marcante, a desagregação do regime anterior, por força da corrupção identificada com a perda, por parte da elite dirigente, do senso do bem público. Essa perda era evidente, para Tocqueville, tanto na Monarquia de Julho quanto na Segunda República, proclamada em 1849. Em ambos os contextos, segundo o pensador, os parlamentares fecharam-se na defesa tacanha dos seus interesses particulares, estabelecendo lamentável confusão entre público e privado, tendo dado ensejo a uma onda incontrolável de corrupção.

Em relação aos parlamentares da Monarquia de Julho, frisa Tocqueville: “O acontecimento que derrubara o ministério comprometia toda a fortuna de tal deputado, o dote da filha daquele ou a carreira do filho do outro. Era por este meio que quase todos eram domados. A maior parte deles havia ascendido com a ajuda das complacências governamentais e, pode-se dizer, delas tinha vivido, delas ainda vivia e esperava continuar vivendo, porque, uma vez que o ministério durara oito anos, acostumara-se à idéia de que duraria para sempre (...). De meu banco, (...) comparava, com meus botões, todos esses legisladores a uma matilha de cães da qual se arranca a carne ainda não devorada” (pg. 68-70). A situação dos parlamentares da Segunda República era pior, pois à corrupção costumeira, somava-se o radicalismo dos socialistas, que pretendiam impor uma ditadura republicana messiânica chefiada pelos líderes operários. A respeito, escreve Tocqueville: “Dessa vez, não se tratava apenas do triunfo de um partido; aspirava-se a fundar uma ciência social, uma filosofia, quase me atrevo a dizer uma religião comum que se pudesse ensinar a todos os homens e que por todos fosse seguida. Aí está a parte realmente nova do antigo quadro”(pg. 114).

Lição de rara atualidade no nosso combalido Brasil do mensalão, do loteamento do Estado como se o país fosse, ainda, gerido como capitanias hereditárias entregues aos amigos do rei, do populismo desavergonhado que tomou conta da cena brasileira e da pretensão cientificista de inaugurar o paraíso sindical na República dos petralhas.

Destaquemos o valor doutrinário de Tocqueville. Ele tinha consciência de que devia se erguer, no meio à maré revolucionária, como rocha que defende a liberdade ameaçada, mediante a preservação das instituições do governo representativo. A propósito, frisava o nosso autor: “Depois de ter observado por um instante esta sessão extraordinária, apressei-me em ocupar o meu lugar costumeiro nos bancos altos do centro esquerdo; sempre tive a máxima que, em momentos de crise, não só é necessário estar presente na assembléia da qual se faz parte, como também é preciso manter-se no lugar onde habitualmente se é visto” (pg. 88).















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