Lula discursando em Paris, ao receber o título de Doutor Honoris Causa de Sciences Po, em 27 de Setembro deste ano |
Lula, como Brizola, é um grande comunicador. Mas, como Brizola também, é um grande populista. A característica fundamental desse tipo de líder é, como escreve o professor Taguieff (um dos grandes estudiosos do tema) que se trata de um demagogo cínico. Demagogo (no sentido aristotélico do termo), porque chefia uma versão de democracia deformada, aquela em que as massas seguem o líder, em virtude do carisma do mesmo, em que pese o fato dessa liderança conduzir o povo à sua destruição. O cinismo do líder populista já fica por conta da duplicidade que ele vive, entre uma promessa de esperança (e como Lula sabe fazer isso: “os jovens devem ter esperança porque são o futuro da Nação”, “o pré-sal é a salvação do brasileiro” e por aí vai), de um lado, e, de outro, a nua e crua realidade que ele ajudou a construir, ou melhor, a desconstruir, com a falência das instituições que garantiriam a esse povo chegar lá, à utopia prometida...
Lula acelerou o processo de desconstrução das instituições que balizam o Estado brasileiro. Desconstruiu acintosamente a representação, mediante a deslavada compra sistemática de votos, alegando ulteriormente que se tratava de mais uma prática de “caixa 2” praticada por todos os Partidos (seguindo, nessa alegação, “parecer” do jurista Márcio Thomas Bastos), e proclamando, em alto e bom som, que “mensalão nunca existiu” . Sob a sua influência, acelerou-se o processo de subserviência do Judiciário aos ditames do Executivo (fator que nos ciclos autoritários da história republicana se acirrou, mas que, sob o PT, voltou a ter uma periclitante revivescência, haja vista a dificuldade que a suprema corte brasileira tem para julgar os responsáveis pelo “mensalão”, ou a censura odiosa que pesa sobre importante jornal há mais de um ano, para salvar um membro de conhecido clã favorável ao ex-mandatário petista). Lula desconstruiu, de forma sistemática, a tradição de seriedade da diplomacia brasileira, se aliando a tudo quanto é ditador e patife pelo mundo afora, com a finalidade de mostrar novidades nessa empreitada, brandindo a consigna de um “Brasil grande” que é independente dos odiados norte-americanos, mas que, certamente, está a nos causar mais prejuízos do que benefícios no complicado xadrez global: o Brasil não conseguiu emplacar, com essa maluca diplomacia de palanque, nem a direção da Unesco, nem a presidência da Organização Mundial do Comércio, nem a entrada permanente do Brasil para o Conselho de Segurança da ONU. Lula, com a desfaçatez em que é mestre, conseguiu derrubar a lei de responsabilidade fiscal, abrindo as torneiras do orçamento da União para municípios governados por aliados que não fizeram o dever de casa, fenômeno que se repete no governo Dilma. De outro lado, isentou da vigilância dos órgãos competentes (TCU, notadamente) as organizações sindicais, que passaram a chafurdar nas águas do orçamento sem fiscalização de ninguém. Esse mesmo “liberou-geral” valeu também para os ditos “movimentos sociais” (MST e quejandos), que receberam luz verde para continuar pleiteando de forma truculenta mais recursos da Nação para as suas finalidades políticas de clã. Os desmandos do seu governo foram, para o ex-líder sindical, invenções da imprensa marrom a serviço dos poderosos. A política social do programa “bolsa família” converteu-se numa faca de dois gumes, que, se bem distribuiu renda entre os mais pobres, levou à dependência do favor estatal a milhões de brasileiros, que largaram os seus empregos para ganhar os benefícios concedidos sem contrapartida nem fiscalização. Enquanto acontecia isso, o fisco, sob o consulado lulista, tornou-se mais rigoroso com os produtores de riqueza, os empresários. “Nunca na história deste país” tributou-se tanto como sob os mandatos petistas, impedindo, assim, que a livre iniciativa fizesse crescer o mercado de trabalho em bases firmes, não inflacionárias. E nem falar das trapalhadas educacionais, com Universidades abertas do norte ao sul do país, sem provisão de mestres e sem contar com os recursos suficientes para funcionar. Nem lembremos as inépcias do Inep, que frustraram milhões de jovens em concursos vestibulares que não funcionaram a contento. Nem trazer à tona as desgraças da saúde, com uma administração estupidamente centralizada em Brasília, que ignora o que se passa nos municípios onde os cidadãos morrem na fila do SUS.
Diante de tudo isso e levando em consideração que o Brasil cresceu, na última década, menos do que seus vizinhos latino-americanos, o título de doutor honoris causa concedido a Lula, recentemente, pela prestigiosa casa de estudos francesa Sciences Po, em Paris, é ou uma boa piada, ou fruto de tremenda ignorância do que se passa no nosso país. Os doutores franceses deveriam olhar para a nossa inflação crescente, para a corrupção desenfreada fruto da era lulista, para o desmonte das instituições republicanas praticado pelo líder carismático e para as nuvens que, ameaçadoras, se desenham no horizonte de uma agudização da crise financeira mundial, que certamente nos encontrará com menos recursos do que outrora. Ao que tudo indica, os docentes de Sciences Po ficaram encantados com essa flor de “la pensée sauvage”, o filho de Dona Lindu, que conseguiu fazer tamanho estrago sem perder a pose. Sempre o mito do “bon sauvage” a encantar os Franceses! O líder prestigiado pela academia gaulesa falou, no final do seu discurso, uma verdade: a homenagem, ele entendia ter sido feita ao povo brasileiro, que paga agora com acréscimos a festança demagógica de Lula e que enfrenta com minguada esperança a luta de cada dia.