Afirma o ex-presidente Fernando Henrique, em entrevista sobre o seu mais recente livro (“No poder, o PT virou social-democrata”, O Globo, 1º de agosto de 2010) que falta debate político nestas eleições. Considera que os candidatos ficaram presos aos marqueteiros e, portanto, aos índices oscilantes de ibope. Concordo. A atual campanha sofre de um marasmo de bom comportamento, imposto em parte pela esdrúxula legislação eleitoral para as comunicações, que impede que críticas se façam, pela mídia, aos políticos de plantão e aos candidatos. O marasmo decorre, de outro lado, do excessivo pudor do candidato da oposição para pôr o dedo na ferida dos descaminhos do governo Lula. Felizmente, após a indicação do deputado Índio da Costa para vice da chapa oposicionista, explicações começaram a ser cobradas da candidata oficial, e o discurso de Serra revestiu-se de caráter mais incisivo. Os partidos da base aliada e o governo têm sabido explorar, por sua vez, os obstáculos que a lei eleitoral coloca ao debate livre das idéias, usando e abusando da ampla gama de recursos para impedir que ele aconteça. É tanto o melindre com o cipoal de disposições, que uma espécie de censura prévia instalou-se na mídia, como mecanismo autoimposto pelos comunicadores que não querem ter problemas com a justiça. Apesar de tudo isso, jornais continuam a informar, corajosamente, à sociedade. Lembremos que O Estado de São Paulo está já há mais de um ano sob censura, pelo fato de ter informado sobre as non sanctas atuações de um filho do presidente do Senado.
Na entrevista, o ex-presidente exagerou na sua benevolência para com o PT, considerado por ele como um partido social-democrata. Ora, aqui começam as minhas discrepâncias com o autor. Em primeiro lugar, lembremos que a essência da social-democracia (segundo os pensadores que definiram os seus contornos, notadamente Edward Bernstein, Norberto Bobbio e Anthony Giddens), consiste em três pontos: reconhecimento da economia de mercado, reconhecimento das instituições do governo representativo e valorização do papel do Estado como incentivador da economia e das políticas públicas na área social.
Se levarmos em consideração os programas de governo emanados dos quadros petistas, bem como as decisões tomadas pelos gestores oficiais da economia brasileira, poderemos perceber, claramente, os seus preconceitos para com a economia de mercado, passando a defender um patrimonialismo econômico puxado pelo Estado empresário. O cerne da questão consiste no conjunto de medidas tomadas para fazer do BNDS a grande locomotiva do desenvolvimento financiado com recursos públicos, que são aplicados sem controle da sociedade e favorecendo setores empresariais amigos do rei, fato que levou a jornalista Miriam Leitão (“Lendo o passado”, O Globo, 1º de agosto de 2010) a prever tempos difíceis de volta da corrente inflacionária, de forma semelhante a como ela emergiu do último ciclo autoritário, puxada pela locomotiva sem controle da gastança oficial. De outro lado, a falta de claridade em face da utilização de recursos da Caixa Econômica Federal na capitalização da Petrobrás, fato noticiado amplamente pelos jornais, deixa um rastro de sombras sobre a lisura na utilização desses recursos. Tudo foi feito de afogadilho, para garantir as obras do pré-sal, sem que tivesse mediado um debate aberto no Congresso a respeito. Isso para não falar da escancarada generosidade do atual governo para com as organizações sindicais e os mal chamados “movimentos sociais”, com repasses milionários de recursos públicos para todos eles, sem que tivesse sido garantida a prestação de contas à sociedade, através do TCU. Isso para não falar, também, da compulsão estatizante que anima a criação de novas empresas pelo governo. Ora, cabe indagar se essas medidas são típicas políticas públicas de uma agremiação social-democrata, ou se não estamos em face de um socialismo predatório como os do século XX, que instaura a burocracia estatal como gestora da economia, de costas para a defesa dos interesses dos cidadãos, beneficiando apenas uma minoria de empresários espertos e de amigos que se chegaram à sombra do Estado, e deixando ao relento o grosso da sociedade. Esses fatos revelam um típico empreendimento de índole patrimonialista, que coloca os recursos públicos a serviço do enriquecimento de uma parcela da população, com feroz punição tributária e inflacionária sobre o resto.
No que tange às instituições do governo representativo, se analisarmos a atuação do Presidente da República e dos seus partidos da base aliada, notadamente do PT, veremos que tudo tem sido feito para descaracterizar a representação, desvalorizando sistematicamente o Congresso, bem como o livre funcionamento da oposição e a legislação eleitoral. Começando por esta última, impressiona a desfaçatez com que o presidente atual faz campanha em prol da sua candidata, utilizando claramente a maquinaria oficial e alegando que o faz apenas “nas horas vagas”. O Legislativo, de outro lado, durante o longo consulado lulista, ficou literalmente emperrado com a discussão de medidas provisórias com que o Executivo o entulhou. Longe estamos, com certeza, do ideário social-democrata, que preza as instituições do governo representativo e o respeito, pelo Executivo, à legislação vigente. O PT, em conclusão, contrariando a opinião de Fernando Henrique, não é tão social-democrata como o ex-presidente acha. É mais uma agremiação a serviço do velho socialismo estatizante e patrimonialista.
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