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domingo, 10 de maio de 2009

A SAGA DO POPULISMO CONTINUISTA

Os últimos anos deparam-nos um espetáculo curioso: a ascensão, pelo mundo afora, de regimes populistas e a tentativa dos líderes de se manterem na crista da onda, surfando de mandato em mandato. O fenômeno não é só latino-americano, mas afeta a outras culturas políticas: na Rússia, por exemplo, foram claras as maquinações do atual primeiro ministro, Putin, para prolongar a sua passagem pelo Kremlin, num novo mandato, pretensão que ficou difícil de concretizar-se e que foi equacionada mediante habilidosa operação, em que o homem de confiança de Putin, Medvedev, assumiu a Presidência, sendo que previamente boa dose dos poderes que esta acumulava passaram para o Primeiro Ministro. No Irã dos Aiatolás, o presidente Amadinejad tenta o seu segundo mandato. Recentes declarações do presidente francês Sarkozy deixavam transparecer o fundo que está por trás dos movimentos re-elecionistas: o importante é se manter em patamares altos de aprovação popular; a re-eleição virá na trilha desse sucesso midiático. Sarkozy fazia referência ao primeiro ministro italiano, Berlusconi. Digamos que a permanência no poder por vários mandatos, ou a volta a ele, constitui hoje uma preocupação que se estende como mancha de azeite no cenário internacional. Não que seja novo o desejo se perpetuar no poder. Essa é uma tendência velha como a Humanidade. Mas não podemos negar que, hoje, buscar a permanência ou o regresso virou uma espécie de coqueluche, decorrente, a meu ver, do peso enorme que a mídia representa no imaginário social, bem como do não equacionamento adequado da representação política em sociedades em que a informação tornou-se instantânea e as pessoas buscam soluções rápidas. O referendo das urnas é antecipado pelo das pesquisas de opinião. E, cavalgando nos altos índices de aprovação, os candidatos saem à liça, seguros de garantirem a sua permanência ou a sua volta ao palco político.

Na nossa combalida América Latina a realidade não podia ser diferente. Não posso deixar de mencionar, em primeiro lugar, a continuidade desavergonhada do regime ditatorial familiar que se perpetuou em Cuba. Como dizia um jornalista quando houve o processo de transição da Presidência na Ilha, tudo se resumiu no seguinte: “Sai Fidel, entra Castro”. “La misma perra con distinta guasca”, como dizem os colombianos. Traduzindo: “O mesmo cão com diferente guia”. Fazendo eco ao continuísmo revolucionário cubano, o coronel Chávez, na Venezuela, já tem garantida a sua permanência no poder por vários anos mais e até por décadas, em decorrência das medidas tomadas para reforçar o poder do Executivo no cenário nacional, com banimento total da oposição. O mau exemplo cubano-bolivariano tem-se espalhado pelo sub-continente afora, com Evo Morales tentando decapitar os movimentos autonomistas dos Departamentos mais desenvolvidos, na Bolívia, sem oferecer garantias de respeito aos interesses dos produtores e aos cidadãos em geral, que vêem com preocupação o crescimento incontido do poder central, num contexto de evidente autoritarismo telúrico dos cocaleiros sobre o resto da Nação. Ainda vamos assistir aos desdobramentos do caso boliviano, com o aumento feroz do poder dos produtores de coca, embalado em discurso salvacionista. A “continuidade administrativa” (como os castilhistas chamavam às reeleições no Rio Grande do Sul) já foi garantida no Equador do Presidente Correa, bem como na Argentina, onde o casal Kirschner inaugurou a fórmula-tango da permanência no poder: os parceiros se revezam na cadeira presidencial, embalados pelo bandoneão dos partidos populistas, sendo que, como dizia, rindo, um amigo argentino, no tango tradicional dão-se dois passos à frente e um para trás, enquanto na Argentina peronista a dupla tanguista somente dança para trás, comprometendo perigosamente o crescimento econômico do vizinho país.

Os dois cenários mais complexos da farra reelecionista sul-americana ocorrem, hoje, no Brasil e na Colômbia. No país vizinho, o Presidente Uribe está cogitando (erradamente, a meu ver), um terceiro mandato consecutivo, a fim de ver garantida a sua política de “segurança democrática”, duramente conquistada na última década. É bem verdade que a oposição de esquerda tentou, por todos os caminhos, desestabilizar o mandatário colombiano, contando, inclusive, com a descarada ajuda financeira do coronel Chávez, que nunca escondeu as suas simpatias pelas FARC. Mas daí a pensar num terceiro mandato, há uma longa distância. Homens públicos perfeitamente capazes de fazer frente aos reptos da “segurança democrática” existem hoje na Colômbia. Recente pesquisa de opinião mostrava a confiança do eleitorado no ex-prefeito de Medellín, o jovem independente de esquerda moderada Sérgio Fajardo, ou no atual ministro da Defesa, Juan Manuel Santos.

No Brasil, afoitos políticos do baixo clero já colocaram sobre o tapete a opção do terceiro mandato do Lula, diante das dificuldades de saúde da pré-candidata Dilma Roussef. Só que, após o desgaste enfrentado pelo governo e pela base aliada em quatro anos de governo medíocre e com a crise financeira atormentando ao setor produtivo, a solução populista das “bolsas família” e quejandas certamente não será tão efetiva, diante da impopularidade de negociar no Congresso, até Setembro, uma mudança nas regras do jogo, que abra as portas para o terceiro mandato.

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