Começou 2009 com turbulências, tanto no Hemisfério Norte, com nevascas de arrepiar, quanto no Sul, com trovões mil. A crise do sistema financeiro internacional, longe de ficar restrita ao Primeiro Mundo – como era o desejo de líderes populistas – alastrou-se por todas partes, contaminando a economia real. E produzindo os efeitos que conhecemos, de desemprego, desaceleração da economia, incerteza quanto ao futuro. Os profetas de desgraças retomaram a sua ladainha: “o capitalismo está morto!” Essa foi a pregação do arauto dos populistas latino-americanos, no Foro Social Mundial, em Belém. Para o coronel Chávez, tudo está claro: a crise atual marca o fim do capitalismo (que, aliás, lhe garante a sobrevivência, comprando o petróleo venezuelano). O país bolivariano comandado por ele está a salvo, pois se converteu em reino da economia socialista. Esquecem-se os profetas do coletivismo de que, antes do capitalismo entrar na crise sistêmica atual, o socialismo já tinha afundado estrepitosamente com a queda do Império Soviético, que foi motivada, inicialmente, pela quebradeira geral das economias do leste europeu.
A China foi salva pelo pragmatismo do confucionismo, que é a ideologia que a anima e que lhe inspirou os horizontes de uma nova forma de capitalismo, o chinês. Dizia Bonaparte: “arranhai um russo, encontrareis um tártaro”. Parafraseando-o, poderíamos dizer: “arranhai um chinês, encontrareis um confuciano”. Mão, na milenar história chinesa, não passa de um arranhão. O fundamental é o senso de trabalho, de disciplina e de busca do progresso material, herdado das tradicionais mitologias desse imenso país. Isso ficou explícito, aliás, na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Pequim, nas quais nada foi apresentado do líder da “longa marcha”, nem da sua “revolução cultural”. Tudo fluiu para mostrar que a China hoje ancora diretamente em antiqüíssimas tradições que exaltam a disciplina e a produtividade. É claro que, por entre os panos de fundo da apresentação multimídia, esconde-se o dragão do despotismo hidráulico. Mas os chineses apresentam essa circunstância como parte de sua cultura, não como algo que se contraponha à produção capitalista, ou à versão oriental de democracia, pautada pela eficiência do mandarinato, não pelo número dos votantes ou pela representação política.
Na retórica de eterno-palanque que caracteriza os discursos de Lula, tudo no Brasil vai muito bem, com a realização do PAC, à cuja testa está o Estado-empresário e o seu carro-chefe, o Executivo. Ora, é necessário deixar bem claro que a presença do Estado, nos atuais solavancos que minam a confiança dos investidores no sistema financeiro, é necessária, sim, mas com medida, apenas para garantir o reerguimento do sistema, não para substituir os empresários pelos burocratas, ou o capitalismo de mercado pela camelotagem africana. A propósito disto, o ex-ministro Malan alertava, em artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo (“Respostas à crise: o uso de Keynes”, 8 de fevereiro de 2009) para o uso abusivo que normalmente se faz das idéias do economista inglês, em contextos comandados pelo clientelismo político. O keynesianismo, certamente, perdeu muito da sua essência no meio latino-americano, por força das versões estatizantes que não poucas vezes inspiraram as cabeças dos economistas cepalinos, brindado aos países latino-americanos com surtos inflacionários indesejáveis, nas últimas décadas do século passado.
Passando das confusões econômicas para as turbulências políticas, o episódio do defenestramento do deputado Edmar Moreira da Corregedoria da Câmara dos Deputados está a mostrar, de forma maravilhosamente explícita, a natureza muitas vezes oculta, mas não por isso menos real, do “feudalismo achamboado”, típico do nosso patrimonialismo tupiniquim. Notem os amigos leitores que estou falando em “feudalismo achamboado”, e não simplesmente em “feudalismo”, para não cometer a falha em que a revista inglesa The Economist incorreu dias atrás, ao caracterizar tradicional chefe da oligarquia nordestina como “feudal”. O que temos, aqui, como alertava o grande mestre Oliveira Vianna (em Populações meridionais do Brasil), não é um modelo de poder feudal, submetido às tradições de negociação e aos controles da sociedade civil, mas um “feudalismo achamboado”, mais parecido com as satrapias persas, em que os “donos do poder” dispõem até da vida dos seus subordinados, não prestando contas a ninguém.
Nesse clima de “não prestar contas a ninguém”, o deputado Moreira decidiu dar vazão aos seus sonhos, e construir o castelo almejado. Tudo coincidindo com a possibilidade de um dia, talvez, ser legalizado o jogo no Brasil. Estrategicamente colocada a meio-caminho entre o Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, a pacata cidade de São João Nepomuceno poderia se tornar, com o castelo do deputado, uma fonte de riqueza espetacular da zona da Mata Mineira, a escassos 15 quilômetros do novo aeroporto regional, ainda em construção. Visão esperta de quem sabe que a aliança entre empresas de vigilância e jogos de azar pode dar muito dinheiro. Mas as circunstâncias estão a mostrar que o episódio do ex-Corregedor com castelo é um convite à criminosa tolerância com os desmandos dos membros do Legislativo. Sobretudo se levarmos em consideração as primeiras declarações do Corregedor defenestrado: “Nesta casa temos o vício da amizade”.
Muito bom mesmo professor, este teu texto! O que lhe digo é que enquanto câmara e senado continuarem a viver como feudos, teremos ainda grandes senhores feudais por este nosso país!
ResponderExcluirGde abraço!