Amigos, gostaria de compartir com vocês um texto de minha autoria, de 1998, que em aspectos essenciais mantém plena validade.
Quando
se discute acerca das perspectivas do liberalismo no nosso continente, uma
dúvida nos assalta: será que esta ideologia tem vez, face à longa história de
absolutismo, de caudilhismo, de clientelismo, em suma de autoritarismo, que
sempre acompanhou a transposição e consolidação do Estado patrimonial nas
Américas espanhola e portuguesa?
Lembro-me,
a respeito, de um fato acontecido no decorrer da reunião da Sociedade Mont
Pélérin, realizada no Rio de Janeiro, no Hotel Sheraton, em setembro de 1993.
Tinha sido programado, como prato forte do encontro, um painel com
representantes do Chile, Argentina, México, Brasil e Espanha, com a finalidade
de discutir a viabilidade das políticas econômicas neo-liberais nos países
ibero-americanos. O debate dava a impressão de que os novos ventos
liberalizantes tinham de vez modificado a pesada atmosfera autoritária, centralizadora
e intervencionista que constituiu, desde as nossas origens, o ar que
respiramos. O liberalismo econômico reinava agora, soberano, no México
(recentemente guindado à categoria ontológica de parceiro do Primeiro Mundo,
enquanto pertencente ao NAFTA), no Chile, na Argentina, para não falar na
Espanha, onde a inserção na Comunidade Econômica Européia acelerou os
mecanismos da desregulamentação econômica. O patinho feio da história era ainda
o Brasil pré-Real. O representante brasileiro no painel, Persio Arida,
limitou-se a esboçar as intenções liberalizantes do governo, face à inflação
quase-galopante.
Foram
endereçadas diversas perguntas da platéia aos panelistas, indagando acerca da
forma em que eles interpretavam essa repentina liberalização no meio
ibero-americano. Mas o ambiente ficou tenso quando meu amigo, o embaixador José
Osvaldo de Meira Penna, com esse seu ar jovem de espadachim libertário, colocou
à sisuda mesa a seguinte questão, cujos termos foram mais ou menos estes:
"Vejo que os senhores se apresentam, neste debate, como porta-vozes do
liberalismo, em países que até ontem professavam políticas nitidamente
autoritárias. Os senhores defendem hoje modelos sócio-econômicos que foram
concebidos e postos em prática pelo general Pinochet, no Chile, pelos
tecnocratas do PRI mexicano e pelo até há pouco caudilho justicialista Carlos
Menem. Intenções liberalizantes são defendidas pelo representante do Brasil, país
cujo governo legisla mediante um expediente autoritário chamado de medida provisória. Caberia indagar
acerca da índole liberal de reformas conduzidas num contexto autoritário, como
o descrito nos exemplos mencionados".
O
meu amigo terminou a sua provocadora questão com mais uma espetada na já aflita
mesa: "Não esqueçamos que a modernização capitalista da economia
espanhola, de que hoje se gaba o senhor Felipe González, foi concebida e posta
em marcha pelo generalíssimo Franco, quem aliás preocupou-se também com os
mínimos detalhes da formação do então Príncipe de Astúrias, o hoje Rei Juan
Carlos, que se tornaria o fiel da balança da abertura democrática na Espanha,
no episódio do golpe frustrado de Tejero Molina e na negociação do Pacto de la Moncloa, no final dos anos
70".
Não
me lembro em que termos os panelistas responderam à pergunta do embaixador
Meira Penna. Só sei que, a essa altura, o arrazoado mercadológico hayekiano,
que inspirava o evento, ficou curto. O meu propósito, ao citar o fato relatado,
era colocar novamente a questão formulada pelo embaixador, pois ela é muito
útil, como dúvida metódica cartesiana que nos ajude a refletir sobre as
possibilidades do liberalismo no continente latino-americano.
Poderiamos
reformular a indagação de Meira Penna nestes termos: parece que pouco tem a
dizer o liberalismo num contexto, como o ibero-americano, cujos modelos
modernizadores deitam raízes no despotismo esclarecido de Pombal, de Carlos III
da Espanha, de Franco, da ditadura científica do PRI, da burocracia bismarkiana
de Pinochet, do estatismo tecnocrático castilhista-getuliano, do caudilhismo
peronista. Hoje poderíamos adicionar à lista dos modelitos
despótico-esclarecidos que acabamos de mencionar, o correspondente ao
presidencialismo autoritário de Fujimori, que tantas simpatias tem despertado
em círculos políticos e empresariais brasileiros.
Oliveira
Vianna, aliás, já tinha colocado a questão, ao considerar que o processo
modernizador concretizar-se-ia, entre nós, não pelo caminho do laissez-fairismo, mas a partir de uma
instância disciplinadora do secular "complexo de clã"
latino-americano. É uma técnica reformista que Oliveira Vianna [1974a; 1974b]
caracterizou como a implantação, pelo Estado, do "individualismo
grupalista", mediante um processo educativo das elites e que Wanderley
Guilherme dos Santos [1978] identifica com a democratização gradual e
progressiva, controlada pelo Estado, a fim de consolidar uma participação política
cada vez maior da sociedade. Essa metodologia foi denominada por Wanderley
Guilherme de "autoritarismo instrumental".
Embora
possamos, à luz da nossa tradição patrimonialista, questionar a viabilidade do
liberalismo na América Latina, o fato é que os países do continente, queiramos
ou não, estão experimentando um real processo liberalizante. Aplicando o
princípio escolástico de que ab esse ad
posse valet illatio (é logicamente válido passar do ser ao poder ser),
seria uma infantilidade duvidar da possibilidade do liberalismo no meio
latino-americano. Se o processo de liberalização das nossas economias e das
instituições é um fato em andamento, a questão inicial muda de figura e ficaria
assim, formulada em duas perguntas correlatas: em primeiro lugar, como foi possível
que países de tradição autoritária e patrimonialista sofressem mudanças em
direção à economia de mercado e da liberalização das suas instituições? Em
segundo lugar, quais são as perspectivas de sucesso desse processo
liberalizante?
Tentemos
responder, mesmo que sumariamente, a essas questões. Antes, porém, devemos
levar em consideração dois fatos: primeiro, que o liberalismo é um processo
multi-polar, que abrange três grandes variáveis: econômica, política e
cultural. Segundo, que as mudanças nas organizações sociais obedecem a
processos que podem ser exógenos, e não necessariamente de tipo endógeno, como
lembra Nisbet [1984: 5-11].
Ampliemos
um pouco este segundo fato, já que acerca do primeiro vamos tratar mais
adiante. Na América Latina encontramos duas grandes influências exógenas: de um
lado, as guerras de independência da América espanhola, ao longo do século XIX,
que aceleraram a entrada das idéias liberais e revolucionárias. Essa influência
também se tornou presente no Brasil no movimento inconfidente, na agitação que
acompanhou a Independência de Portugal, nos movimentos revolucionários do século
XIX, bem como nas lutas ocorridas na bacia do Prata e no Paraguai. De outro
lado, a crescente influência da economia mundial sobre o meio latino-americano,
bem como das comunicações, no atual processo de globalização.
Essas
influências exógenas provocam sérias transformações nas sociedades comandadas
por poderes de tipo patriarcal e clânico (como eram as sociedades
latino-americanas no início do século XIX). Vale a pena citar as palavras que
Edward Jenks [apud Nisbet, 1984: 6] escreveu a respeito: "Uma sociedade
que desencoraja a competição pessoal, que age só indiretamente sobre a massa de
seus membros, que se recusa a admitir sangue novo, que é uma organização de
tempos de paz, não constitui máquina de guerra. Onde (...) existem territórios
praticamente sem fronteiras, nos quais as poucas comunicações possam manter-se
sem interferência por parte de rivais mais poderosos, o sistema de clã talvez
dure indefinidamente. Entretanto, tão logo a pressão começa a atuar, sua
fraqueza se torna evidente (...). Os desastres do clã fazem com que surja um
chefe militar, com sua turma de seguidores, escolhidos exclusivamente em
virtude de sua dedicação e de sua capacidade militar. Afinal, na luta o principal
é lutar bem".
A
influência que as guerras exerciam no passado na abertura das sociedades clânicas,
passou a ser exercida, de forma preponderante, pelas comunicações e pelas
trocas comerciais no presente século. É inegável o papel de modificador de
atitudes, valores e comportamentos que tanto o mercado quanto o vasto
emaranhado das comunicações exercem nas sociedades contemporâneas. A realidade
da Internet cria chats de
consumidores e internautas que trocam experiências, opiniões, lazer, etc., e
rapidamente modifica antigos pontos de vista. Está por ser quantificado ainda o
impacto desse tipo de comunicação global nas expectativas econômicas e nas
relações políticas e culturais. Mas não há dúvida de que essa rede mundial gera
novos hábitos de consumo, novas demandas políticas e inovadoras expectativas culturais.
Lembremos que na derrubada do mundo comunista, em 1989, a agência Interfax teve um papel importantíssimo
na veiculação das idéias e das reivindicações dos dissidentes. O que não dizer
hoje da comunicação instantânea via Internet?
De
forma semelhante, as aberturas comerciais modificam rapidamente hábitos
arcaicos. A prova mais evidente a temos aqui, no Brasil, nas mudanças de
comportamento dos consumidores no período pós-Real. As pessoas começaram a
planejar as suas vidas a partir de um novo tipo de antecipações racionais, diferentes das costumeiras coices
intervencionistas da "mula sem cabeça" de que falava Betinho. O
consumidor brasileiro vai, aos poucos, se pautando pelas leis do mercado e não pelos
caprichos do Leviatã com ares de empresário.
Mas
voltemos às questões que tinhamos colocado: em primeiro lugar, como foi
possível que países de tradição autoritária e patrimonialista sofressem mudanças
em direção à economia de mercado e da liberalização das suas instituições? Em
segundo lugar, quais são as perspectivas de sucesso desse processo
liberalizante?
Responderemos
a essas questões, referindo-nos às três variáveis apontadas no processo de
liberalização latino-americano: econômica, política e cultural.
Aspecto econômico.- Não
há dúvida de que o processo de globalização da economia mundial, que constitui
o clima deste final de milênio, foi imposto pelos países industrializados,
notadamente pelos Estados Unidos, mediante a Organização Mundial de Comércio, a
partir dos anos 80. Lembremos que no final da reunião do GATT em Genebra, em
1982, face à obstrução apresentada pelo Brasil e pela Índia, o então
representante de Comércio dos Estados Unidos, William Brock, frisou que o
governo de Reagan não iria permitir que países que representavam menos de 5% do
comércio mundial emperrassem a iniciativa norte-americana de uma nova rodada
global de negociações. O representante americano destacou, ainda, que face a
essa obstrução, Washington desenvolveria a sua política de comércio mundial por
conta própria.
"Nos
dois anos seguintes, frisa Paulo Marques [1997: 135], os Estados Unidos
atacaram em duas frentes. Por um lado, negociaram acordos de livre comércio com
dois de seus aliados mais próximos, Israel e o Canadá. O tratado com o Canadá
serviria de base, mais tarde, para o Acordo de Livre Comércio da América do
Norte (NAFTA), que incluiria o México. Paralelamente, o governo americano
muniu-se dos instrumentos de ação unilateral
- como a seção 301, acrescentada em 1984 à lei de comércio - para forçar as nações recalcitrantes a
caminhar na direção desejada, ameaçando-as e, em alguns casos, punindo-as com
sanções comerciais. O desejo de preservar posições no mercado americano - o maior, mais cobiçado e, na sua média,
mais aberto entre as nações industrializadas -
e, ao mesmo tempo, diluir o poder dos mais fortes, mantendo as negociações
das regras do comércio internacional num foro multilateral, logo convenceu a
todos sobre os méritos de uma reforma ampla do GATT. Washington conseguiu o que
queria. Em dezembro de 1986, começaram em Punta del Este as negociações da
Rodada Uruguai".
A
classe dirigente brasileira, (à semelhança da de outros países
latino-americanos) compreendeu muito bem o que se estava passando e apoiou em
1989 o projeto de abertura econômica iniciado pelo governo Collor [cf. Marques,
1997: 136]. Mas esse processo de liberalização econômica que implica abertura
ao mercado mundial, estímulo à livre iniciativa e à produtividade, diminuição
do tamanho do Estado e controle do gasto público, não tem sido fácil nos países
latino-americanos, tradicionalmente caudatários do anacrônico modelo de
Estado-empresário e do vício patrimonialista de privatização deste por clãs e
estamentos privilegiados.
Em
que pese a dificuldade apontada, o processo de liberalização econômica, ao
nosso modo de ver, tem dado mais certo ali onde se juntaram as seguintes variáveis:
baixo nível de analfabetismo, razoável cultura política e um certo grau de
desenvolvimento da empresa capitalista. Chile e Argentina situar-se-iam à testa
do processo, seguidos por países de significativo peso econômico, mas ainda
atrelados ao paquidermismo do Estado patrimonial-estamental (como México e
Brasil). Seguiriam depois países que, embora tivessem feito um notável esforço
de abertura econômica, encontram hoje sérios obstáculos, em decorrência de variáveis
negativas como a narco-economia (Colômbia), ou as exageradas e anacrônicas expectativas
sociais face a um welfare state
decorrente da indústria petroleira (Venezuela).
A
liderança do processo de liberalização econômica latino-americana situar-se-ia,
assim, no Mercosul. É lógico que para garantir essa liderança seria necessário
agilizar a dinâmica econômica do bloco regional, partindo para uma política de
integração agrícola, por enquanto praticamente inexistente [cf. Camargo Neto,
1997: 13] e adotando uma atitude de maior flexibilidade e realismo, abandonando
práticas excessivamente defensivas, como as que tem caracterizado a participação
brasileira no GATT [cf. Marques, 1997: 135-136].
No
nosso caso, como frisa Paulo Marques [1997: 136], "para se ter éxito no
novo jogo global regulamentado pela Organização Mundial de Comércio, já não
basta ter diplomatas e técnicos talentosos e experimentados para atuar nas várias
tarefas do sistema multilateral. É preciso tê-los em número suficiente. É
essencial, também, ter cacife para negociar, ou seja, uma economia estável e
eficiente; um parque produtivo tecnologicamente atualizado, com mão de obra bem
treinada, capaz de oferecer bens e serviços competitivos no mercado
internacional; empresários e um corpo de especialistas em comércio, nas
universidades e em think tanks, com
talento e agilidade para analisar tendências, identificar oportunidades e
explorar novos mercados; uma boa articulação entre governo, empresários e
sindicatos; e uma estrutura institucional apetrechada para cumprir duas tarefas
simultâneas: a promoção das exportações e a defesa do país, dentro das regras
do jogo, contra práticas desleais de parceiros comerciais. O Plano Real e a política
econômica da atual administração representam uma resposta positiva e corajosa a
esses desafios. Mas a verdade é que, tendo se atrasado no processo de reformas,
o país é hoje vulnerável em quase todas as frentes do comércio global (...)".
A recente derrota do governo na Reforma Administrativa, que permitiria sanear o
rombo causado pela gastança com o funcionalismo dos Estados, é mais uma prova
do atraso mencionado.
Aspectos político e cultural.-
Com o fracasso do comunismo, tornado visível a partir da queda do Muro de
Berlim em 1989, os países latino-americanos deixaram de receber a pesada carga
de propaganda ideológica soviética e o auxílio comunista aos movimentos guerrilheiros.
Esses fatores tinham radicalizado e polarizado o debate político na segunda pós-guerra,
o que terminou justificando, como reação, os governos autoritários que se
espalharam ao longo do Continente, nas décadas de 60 e 70. A queda do Muro e o
fortalecimento das políticas liberal-conservadoras nos Estados Unidos e na
Inglaterra, ao longo dos anos 80, deram ensejo ao renascimento das idéias
liberais nos países latino-americanos e à institucionalização de Estados de
direito. Uma a uma as ditaduras foram sendo substituídas por governos
democraticamente eleitos. Quais seriam as alternativas de sucesso do processo
liberalizante das estruturas políticas na América Latina?
Samuel
Huntington, na sua obra intitulada A
terceira onda [1991; cf. Paim, Vélez, Macedo, 1997: 93-99] dá os
fundamentos que permitiriam elaborar uma resposta à indagação anterior.
Considera que a democracia define-se a partir de três variáveis: fontes da
autoridade para o exercício do poder, objetos perseguidos pelos governos e
processo de constituição dos mesmos. O professor Huntington elaborou, em
primeiro lugar, uma tipologia histórica das ondas ou momentos percorridos pelo
processo democratizador no mundo. Houve, a seu modo de ver, três ondas: a
primeira, de início da experiência democrática, abarca o período compreendido
entre 1828 e 1942. Essa primeira onda teve dois momentos: um de crescimento, até
1926 (nesse ano, de 64 nações independentes, 24 eram democráticas, número
equivalente a 45,3%); outro momento de retração, entre 1926 e 1942 (as nações
independentes reduziram-se a 61, das quais apenas 12, equivalentes ao 19,7%,
preservaram o sistema democrático).
A
segunda onda cogitada pelo professor Huntington corresponde à etapa de
consolidação da experiência democrática e abarca o período compreendido entre
1943 e 1974. Devido à derrocada dos sistemas coloniais, o número de Estados
chegava a 111 em 1962, passando as nações democráticas a 36 (número
correspondente ao 32,4%). Houve neste período, à semelhança do anterior, também
uma reversão nas democracias entre 1958 e 1975: em 1973, para 122 Estados
existentes, havia apenas 30 democracias (correspondentes ao 24,6%).
A
terceira onda, contemporânea, caracteriza-se pelo novo surto de democratização
experimentado pelo mundo a partir de 1974. Em 1990, as nações democráticas chegam
a 58 (30,2% do total), tendo se elevado o número de Estados a 192.
Qual
a posição dos países latino-americanos face a essas 3 ondas de democratização?
Huntington os arrola em quatro grandes grupos: em primeiro lugar, países que
participam dos dois ciclos (democratização e reversão) da primeira onda.
Situar-se-iam aqui Argentina, Brasil, Peru, Bolívia e Equador. Não há neles, considera
o autor, propriamente uma alternância de sistemas políticos. O seu sistema político
consistiria precisamente na incapacidade de consolidar a democracia.
Em
segundo lugar estariam, no sentir de Huntington, os países que se inseriram no
processo de democratização dos sistemas políticos da primeira onda e não
lograram sustentá-lo. Porém, na segunda onda chegaram a ser bem sucedidos. Este
seria o caso da Colômbia e da Venezuela.
Em
terceiro lugar, Huntington coloca os países que sofreram a interrupção da democracia
depois de tê-la conseguido estabilizar por grandes períodos (como é o caso, por
exemplo, de Uruguai e Chile).
Em
quarto lugar, o autor situa os países que realizaram a transição direta de
sistemas autoritários estáveis para democracias (como é o caso, por exemplo, do
México, Guatemala, El Salvador, Honduras e Nicarágua).
Huntington
arrolou cinco grandes causas para a terceira onda democratizante: a) os
problemas para legitimar o autoritarismo, num mundo em que os valores da
democracia tornaram-se largamente aceitos; b) o crescimento econômico sem
precedentes, posterior a 1960; c) a mudança de posição da Igreja Católica, que
deixou de ser suporte de sistemas autoritários em vários países; d) a influência
externa da Comunidade Européia e dos Estados Unidos, na promoção dos direitos
humanos e o acolhimento dessa influência pela nova liderança russa; e) o efeito
demonstração que a adesão à causa democrática por esse ou aquele país veio a
alcançar, num mundo onde a comunicação difundiu-se amplamente e tornou-se
instantânea.
Huntington
identifica, outrossim, cinco variáveis que podem virar obstáculos à consolidação
da terceira onda: a) atitude revanchista ou ambígua diante da tortura; b) questão
pretoriana ou não profissionalização das Forças Armadas, que estimule aventuras
militaristas; c) intensificação dos problemas conjunturais que podem conduzir
rapidamente ao saudosismo do ciclo autoritário; d) não florescimento de uma
cultura favorável à democracia; e) entraves à institucionalização do comportamento
político democrático, mediante o boicote dos políticos à reforma do Estado.
Conclusão
Quais
as respostas que poderiamos dar, a partir da análise precedente, às duas questões
formuladas no início desta exposição?
Em
primeiro lugar, quanto à indagação acerca de como foi possível que países de
tradição autoritária e patrimonialista sofressem mudanças em direção à economia
de mercado e da liberalização das suas instituições, poderíamos responder que o
surto liberalizante não foi endógeno mas exógeno, condicionado basicamente por
dois fatores: a) a decisão dos países industrializados, orquestrados pelos
Estados Unidos, de dar às relações comerciais uma nova dinâmica, de caraterísticas
globais, a partir da década de 80; b) a queda do Muro de Berlim em 1989.
Em
segundo lugar, quanto à pergunta acerca de quais seriam as perspectivas de
sucesso desse processo liberalizante no âmbito latino-americano, poderíamos
responder que essas perspectivas dependem da superação, nos próximos anos, de
três entraves sérios à democracia: a) no plano cultural, as tradições políticas
ligadas ao complexo de clã e ao patrimonialismo; b) no plano político, a
relutância das elites políticas para efetivar as reformas que racionalizem o
Estado e institucionalizem o comportamento democrático; c) no plano econômico, as
barreiras nacionalistas e terceiro-mundistas a uma verdadeira integração comercial
com os Estados Unidos, tornando realidade o ALCA. O equacionamento dessa variável
criaria, no sentir de Huntington, uma situação irreversível favorável à
democratização liberal dos países latino-americanos, de forma semelhante a como
a inserção na União Européia acelerou os processos democratizadores nos países
ibéricos (Espanha e Portugal).
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SANTOS,
Wanderley-Guilherme dos [1978]. Ordem
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