Um espaço para defesa da Liberdade, da forma incondicional em que Dom Quixote fazia nas suas heroicas empreitadas!
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quarta-feira, 31 de agosto de 2022
Não há dúvida de que com as políticas intervencionistas e revisionistas
implementadas pelo STF ao longo dos dois últimos anos, ingressamos num ciclo
autoritário que, espero, tenha curta duração. Tudo depende do que a sociedade
civil fizer. Não há soluções mirabolantes. Não seremos salvos nem pelos
marcianos nem por Dom Sebastião. A solução está, não duvidemos disso, únicamente
nas nossas mãos. Trata-se, como dizia Tocqueville (1805-1859), de "educar o
homem político", munido de um governo representativo que garanta a defesa dos
seus interesses. Ou como frisava Karl Popper (1902-1994), a tarefa inadiável
consiste em construir uma "sociedade aberta", que abra espaço institucional para
os indivíduos defenderem os seus interesses, a fim de preservar a liberdade, o
livre desenvolvimento econômico e as instituições democráticas. Com o intuito de
dar subsídios às novas gerações nesta difícil hora, lembrarei algumas conquistas
das últimas décadas. O ponto central é voltarmos a estudar, de forma
sistemática, as soluções liberais e tentar implementá-las. Desenvolverei, neste
ensaio, os seguintes itens: I - A pesada herança do ciclo lulo-petista e o repto
do estudo do Liberalismo. II – Núcleos atuais para o estudo do Liberalismo no
Brasil. III - Entrevista do autor à Revista do Clube Militar do Rio de Janeiro,
publicada em agosto de 2016, com o seguinte título: “Sociedade brasileira e
Patrimonialismo: as janelas para a democratização brasileira”.
I - A pesada herança do ciclo lulo-petista e o repto do estudo do Liberalismo.
O Brasil, após 13 anos de lulopetismo no poder, poderia ter afundado no
socialismo bolivariano. Isso, certamente, se Lula e os seus seguidores
pautassem, eles sozinhos, os rumos da sociedade. Os lulopetistas ocuparam
setores essenciais do Estado, numa ação progressiva que se desenvolveu ao longo
das três últimas décadas. O aparelhamento petista da máquina pública começou
antes da eleição de Lula, mediante a ocupação de cargos de chefia nos
ministérios, nas universidades, nas redes oficiais de ensino básico e
fundamental, nos Municípios e nos Estados, nas empresas estatais e nos
sindicatos. Até a Igreja Católica abriu as portas à militância petista, ao
aderirem, não poucos bispos e padres, à teologia da libertação, tendo passado a
fazer dos templos lugar de reunião e fortalecimento dos sindicatos. Nisso os
petistas foram muito disciplinados, como no fato de pagarem, religiosamente, o
dízimo ao Partido, uma vez empossados em funções burocráticas. Mas eles estão
longe, muito longe, de fazer com que o Brasil, como um todo, aceite esse
modelito defasado, afinado com o que de mais atrasado há no mundo da política e
consolidado, no nosso país, ao ensejo da pérfida colaboração entre militância
lulopetista, políticos tradicionais corruptos, tribunais viciados, teologia da
libertação e empresários cooptados pelo PT. Como frisava o saudoso mestre
Antônio Paim (1927-2021), no seu livrinho intitulado: Para entender o PT , o
Partido dos Trabalhadores é a maior manifestação do espírito patrimonialista na
cultura brasileira. Nos seus quase quinze anos de mandato, o Partido tratou o
Brasil como propriedade privada dos donos da legenda, Lula, Dilma e amigos.
Eles, simplesmente, cuidaram para que o Estado fosse o seu instrumento do
sequestro do espaço público, em benefício da sigla partidária, com exclusão dos
que se opusessem. Foi uma ação sistemática de ocupação e de aparelhamento, tendo
utilizado a filosofia gramsciana, como alicerce doutrinário, para a empreitada.
O PT não teve dúvidas em utilizar todas as táticas de intimidação, desde o
patrulhamento e a calúnia, até a eliminação dos militantes que ousassem se
desviar dos interesses dos chefões. Os assassinatos de Celso Daniel (1951-2002)
e de Antônio da Costa Santos (1952-2001), Toninho do PT, são prova disso. Esses
atos de terrorismo lembram as conhecidas “purgas” com que os comunistas
castigavam dissidentes, no reinado de Lenine e Stalin, na Rússia bolchevique, ou
na eliminação de críticos e oposicionistas, na China de Mao. No trabalho de
marxistização do ensino básico, fundamental e secundário, foi de grande valia a
ajuda de pedagogos socialistas, como Paulo Freire (1921-1997). Ele, de fato,
embora tivesse recebido a influência dos teóricos da Escola Nova e da filosofia
personalista de Emmanuel Mounier (1905-1950), terminou se afinando com o ideal
do marxismo cultural na América Latina e com a tentativa de implantar esse
modelo no Brasil, com a ajuda da doutrinação de pedagogos e alunos. Nos anos
setentas, em Paris, Paulo Freire dirigia o Instituto Ecuménico para o
Desenvolvimento dos Povos (Institut Oecumenique pour le Développement des
Peuples – INODEP), uma fundação que acolhia militantes de organizações
guerrilheiras latino-americanas, com a finalidade de intercambiar experiências
no combate ao capitalismo, com financiamento do Conselho Mundial de Igrejas. Eu
próprio, militante de esquerda, em 1972, recebi bolsa para passar um ano em
Paris, no mencionado Instituto. Terminei renunciando à bolsa, sendo que a minha
esposa de então fez o mesmo, para proteger dois conhecidos tupamaros que fugiam,
na Colômbia, da repressão desatada pelo governo de Jorge Pacheco Areco
(1920-1998) no Uruguai. Eles passaram um ano na França, como alunos do Instituto
dirigido por Paulo Freire. O mencionado pedagogo acreditava no valor da luta
armada para implantar o socialismo. A sua “pedagogia libertadora” não era,
apenas, pedagogia. Era doutrinação, com abertura para a luta guerrilheira.
Contra a tentativa hegemônica petista e reagindo, também, contra a farta
divulgação do pensamento marxista no sistema de ensino, incluindo aí as
universidades, começaram a aparecer, ao longo dos últimos vinte anos,
organizações de jovens que buscavam ares menos contaminados. É particularmente
visível, no meio universitário, essa reação. Embora o grosso do professorado
esteja constituído por docentes afinados com o pensamento de esquerda, os jovens
buscam alternativas ideológicas, se destacando, entre elas, o pensamento
liberal. Na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde lecionei até maio de
2013, notei isso. Para responder a essa preocupação da nova geração, criei, ali,
vários espaços em que o pensamento liberal tinha lugar importante. Menciono-os:
o Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, que coordenei até
final de 2018; o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos; o Núcleo de
Estudos sobre o pensamento de Madame de Staël e o Liberalismo Doutrinário; o
Núcleo Tocqueville-Aron para o estudo das Democracias Contemporâneas. Ao redor
de todos esses pequenos centros de pensamento e pesquisa, reuniram-se alunos da
UFJF e de outras Universidades e centros de estudo do Brasil. Dessas iniciativas
surgiram várias realizações acadêmicas, sendo a primeira o Portal Defesa
(www.ecsbdefesa.com.br) sob a direção do professor Expedito Bastos, historiador
e advogado, que divulgava as análises desenvolvidas pelos membros do Centro de
Pesquisas Estratégicas. A segunda realização foi concretizada nas revistas
eletrônicas Ibérica (www.estudosibericos.com) e Cogitationes
(www.cogitationes.org), ambas coordenadas por dois alunos do Curso de Filosofia
da UFJF, Alexandre Ferreira de Souza e Marco Antônio Barroso. Essas publicações
arejaram o ambiente rarefeito da cultura universitária, discutindo propostas
liberais e liberais-conservadoras, bem como analisando temas relativos à
história da cultura ocidental. Pena que o Portal Defesa, ao ensejo da
aposentadoria do seu diretor, o professor Expedito Bastos, foi fechado pela
direção da Universidade Federal de Juiz de Fora, em dezembro de 2019, após 14
anos de funcionamento. O espírito de abertura a todas as correntes de pensamento
e o compromisso com o estudo diuturno das necessidades estratégicas do Brasil,
incomodaram à direção da mencionada Universidade. Particular impacto causaram-me
os Encontros de Estudantes de Relações Internacionais. Participei de dois desses
eventos, o realizado em Ribeirão Preto, São Paulo, em 2009 (quando apresentei
uma análise do fenômeno do neopopulismo na América Latina) e o promovido pelo
Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande
do Sul, e que teve lugar de 19 a 22 de Setembro de 2013, quando proferi palestra
com o título: “Tocqueville e a agitação das ruas”. Em ambos os eventos, o
primeiro de caráter nacional (com mais de dois mil participantes) e o segundo de
alcance regional (com 400 participantes), fiquei impressionado com o interesse
dos alunos pelos temas relacionados com a filosofia liberal. Percebo que os
estudantes dos cursos de Relações Internacionais (que já passam da centena,
cobrindo o Brasil de sul a norte) são, especialmente, sensíveis ao atraso
representado pelo nosso Estado patrimonial, tacanhamente confinado nos limites
ideológicos de uma geopolítica de esquerda e afinado, na era lulopetista, com o
chavismo bolivariano. Duas tarefas inadiáveis vejo, como necessárias, para que
frutifique o trabalho destes grupos de jovens liberais: em primeiro lugar,
aprofundar no conhecimento sistemático dos clássicos do liberalismo, tanto dos
iniciadores dessa corrente na Europa (Locke, Kant, Montesquieu, Tocqueville,
Benjamin Constant de Rebecque, Madame de Staël, Raymond Aron e os Doutrinários
franceses, etc.), quanto dos liberais americanos, os chamados Patriarcas
fundadores das instituições republicanas nos Estados Unidos. O estudo dos
clássicos deve, evidentemente, abranger, também, os pensadores da Escola
Austríaca e as suas fontes ibéricas, que se remontam às teses da soberania
popular, especialmente no pensamento do maior filósofo espanhol do século XVII,
o padre Francisco Suárez (1548-1617), cuja obra: De legibus ac de Deo
legislatore (= Sobre as leis e Deus legislador) (1613) que já conta com tradução
portuguesa, deveria ser distribuída no Brasil. No caso dos Pensadores Liberais
brasileiros, deveriam ser estudados os textos dos fundadores do Instituto
Liberal, Og Leme (1922-2004) e Donald Stewart Jr. (1931-1999); os ensaios de
Roberto Fendt (1944-), ex-presidente do Instituto e a obra do mais importante
historiador das ideias econômicas da Escola Austríaca entre nós, Ubiratan Jorge
Iorio (1946-). Também deveriam ser estudados os escritos do jovem economista
Rodrigo Constantino (1976-), e as fundamentadas análises feitas por dois
scholars, professores da UFRJ, no terreno daquilo que se convencionou em chamar
de “modéstia epistemológica” do Liberalismo: Alberto Oliva (1950-) e Mário
Guerreiro (1944-); adicionaria também, as obras do jovem diretor executivo do
Instituto Liberal, Lucas Berlanza (1992-): Carlos Lacerda jornalista: repórter,
gestor e teórico da imprensa (2015) e Guia bibliográfico da nova direita – 39
livros para compreender o fenômeno brasileiro (2017). Esse esforço teórico teria
de se alargar, no âmbito ibérico e iberoamericano, ao estudo dos pensadores que
se debruçaram sobre as fontes liberais, projetando-as sobre a nossa realidade.
Ressaltam, aqui, José Ortega y Gasset (1883-1955), na Espanha, e Fidelino de
Figueiredo (1888-1967), em Portugal. No caso latino-americano, sobressaem nomes
como os de Antonio Caso (1883-1946) e Daniel Cossío Villegas (1898-1976), no
México. Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), na Argentina. José Maria Samper
(1828-1888), Rafael Núñez (1825-1894), Carlos Lleras Restrepo (1908-1994) e Otto
Morales Benítez (1920-2015), na Colômbia, e o prêmio Nobel peruano Mario Vargas
Llosa (1936-). No caso brasileiro, deveriam ser estudados Silvestre Pinheiro
Ferreira (1769-1846), José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), Hipólito
José da Costa (1774-1823), Paulino Soares de Sousa (1807-1866), Aureliano
Cândido Tavares Bastos (1839-1875), Rui Barbosa (1849-1923), Tobias Barreto
(1839-1889), Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938), Gaspar da Silveira
Martins (1835-1901) e, na realidade atual, Miguel Reale (1910-2006), Antônio
Paim (1927-2021), Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999), José Osvaldo de
Meira Penna (1917-2017), José Guilherme Merquior (1941-1991), Ubiratan Borges de
Macedo (1937-2007) e Vicente de Paulo Barreto (1939-), para citar, apenas,
autores pioneiros. Uma segunda linha de trabalho deveria ser abarcada pelos
jovens liberais: projetar, sobre a realidade brasileira contemporânea, as luzes
da luta em prol da liberdade, defendida, com denodo, pelos clássicos do
pensamento filosófico e político que acabo de mencionar, a fim de enxergar
soluções para os grandes problemas que afetam às nossas instituições
republicanas. Sílvio Romero (1851-1914), o fundador da sociologia brasileira,
afirmava que, em matéria de pensamento social e político, não há
monocausalismos. A reflexão que proponho sobre a realidade brasileira deveria
ser efetivada, portanto, de maneira monográfica, abarcando os três grandes
aspectos que se entrecruzam na sociedade: o cultural, o político e o econômico.
Cada um desses aspectos é essencial e não pode se sobrepor aos outros. Surgirá
dessa reflexão, com certeza, uma agenda liberal para ser implementada na luta
político-partidária, sem a qual não se consegue pôr em prática os nossos ideais,
para termos uma sociedade com instituições que defendam a liberdade e não a
ameacem, como acontece atualmente. Os estudos sobre as fontes do Liberalismo e a
sua expressão, no Brasil, deveriam ser complementados com a análise diuturna da
história da nossa formação social, à luz dos postulados da Escola Culturalista
presentes na corrente do Culturalismo Sociológico. Quanto aos acervos onde se
podem encontrar as obras dos clássicos brasileiros, recomendo, aos jovens
estudiosos, o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (www.cdpb.org.br),
organizado em Salvador, na Bahia, pelo professor Antônio Paim. Esse acervo
encontra-se na Universidade Católica de Salvador. Recomendo, igualmente, o
acervo digital do Instituto de Humanidades, para aqueles que buscam se
familiarizar com as fontes do liberalismo clássico
(www.institutodehumanidades.com.br).
II – Núcleos atuais para o estudo do Liberalismo no Brasil.
Considero que, na atualidade, os lugares mais destacados para fomentar os
estudos do liberalismo, por parte das novas gerações, são as seguintes oito
Instituições: 1 – Instituto de Humanidades. 2 – Espaço Democrático do PSD. 3 –
Núcleo Ibérica. 4 – Instituto Liberal. 5 – Instituto Mises Brasil. 6 – Clube da
Aeronáutica. 7 – Academia Brasileira de Filosofia, reestruturada. 8 – Sociedade
Tocqueville, reestruturada. 1 – Instituto de Humanidades, que funciona em São
Paulo, sendo o seu Diretor Executivo o advogado Arsênio Eduardo Correia (1945-),
estudioso das questões sociais na Primeira República, bem como da base
doutrinária que permitiu a implantação, nos anos 80, da denominada “Nova
República”. Pertencia ao Instituto, como Presidente, o professor Antônio Paim. O
saudoso professor Leonardo Prota (1930-2016), um dos fundadores do Instituto,
deu uma contribuição extraordinária, em Londrina, com os Encontros de
pesquisadores e docentes da Filosofia Brasileira, entre 1989 e 2003. O Instituto
de Humanidades já se tornou conhecido, pelo fato de ter elaborado uma proposta
de educação humanística continuada, no seu Curso de Humanidades, cujos materiais
são oferecidos on line, sem custo algum, através do Portal do Instituto, neste
endereço eletrônico: (www.institutodehumanidades.com.br). No contexto das
atividades de pesquisa desenvolvidas pelo professor Antônio Paim, ressalta o seu
projeto de aprofundamento nas raízes da nossa história cultural. Trata-se de uma
proposta semelhante à desenvolvida, há duzentos anos, na França, pelo
doutrinário François Guizot (1787-1874), em torno à reconstituição da identidade
francesa, do ângulo do relato histórico, que terminou desaguando nos Cursos por
ele oferecidos na Sorbonne, com a finalidade de superar as deformações ensejadas
pela Revolução Francesa, que pretendeu cortar, radicalmente, com o passado. No
contexto da sadia reação cultural ensejada por Guizot, foram plantados os marcos
que possibilitaram a reconstrução da história cultural da França e da Europa, ao
ensejo dos seus cursos sobre a História da França e a História da Civilização
Européia. A proposta do professor Paim parte da reconstituição dos nossos elos
de identidade brasileira, retomando a antiga Coleção Brasiliana, que, no século
XX, ensejou a publicação dos principais trabalhos historiográficos acerca da
nossa formação como país. Já foi lançado, com esse intuito, o primeiro volume,
intitulado: Brasiliana Breve. Seguirão outros, que destacam aspectos específicos
da nossa historiografia, no terreno sociocultural. Paim dá continuidade, assim,
a projeto acalentado por ele há duas décadas, no sentido de, à maneira dos
doutrinários, reconstruir o caminho da nossa identidade liberal perdida. Essa
proposta foi formulada, por Paim, no início deste século. Em obras anteriores, o
Mestre havia deitado os alicerces para essa proposta, alargando a sua análise
até as origens do pensamento liberal moderno e situando, nesse contexto, a
tarefa de reconstrução cultural das nossas instituições, fazendo uma crítica bem
fundamentada ao marxismo, que é, segundo ele, a manifestação mais recente do
espírito cientificista na cultura brasileira. Destaquemos que toda essa pesquisa
empreendida por Paim, terminou se espraiando em Cursos regulares de extensão e
de pós-graduação, ao longo dos anos 80 e 90 do século passado, em instituições
de ensino superior públicas e privadas, como a Universidade de Brasília, as
Universidades Federal de Juiz de Fora e Gama Filho, no Rio de Janeiro. A
manifestação pioneira dessa atividade tinha ocorrido, nos anos 70 do século
passado, na PUC do Rio de Janeiro, ao ensejo da criação do Programa de Mestrado
em Pensamento Brasileiro, que contou com o apoio da seção cultural da
Organização dos Estados Americanos, com sede em Washington. Duas tarefas
práticas, de caráter imediato, apresentava o professor Paim: deveríamos nos
engajar, com coragem, em primeiro lugar, na consolidação, no Brasil, da educação
para a cidadania, sem a qual, não seria possível encontrarmos o caminho para a
nossa caminhada como país que aspira à plena democracia. Por iniciativa do
Mestre Paim, uma tentativa, nesse sentido, tinha sido feita pelos membros do
Instituto de Humanidades, há duas décadas, na obra intitulada: Cidadania: o que
todo cidadão precisa saber (2002). Tratava-se de uma proposta, endereçada aos
professores de ensino básico e fundamental, com a finalidade de estimular o
debate acerca do conteúdo que deveria ter a disciplina “educação para a
cidadania”, que seria inadiável implantar nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental. Paralelamente a essa preocupação, o professor Paim cuidou, ao longo
dos últimos vinte anos, de definir as linhas mestras para a reestruturação da
classe política, cuidando de um aspecto fundamental para a atuação dela: o
aprimoramento da representação. 2 – Espaço Democrático do PSD. O professor
Antônio Paim desenvolveu, ao longo das três últimas décadas, destacado trabalho
no sentido da revalorização da classe política, junto a alguns partidos de
centro, nos quais atuou como assessor: primeiro, no antigo Partido da Frente
Liberal (PFL) e, nos últimos anos, no Partido Social-Democrático (PSD), fundado
pelo empresário e ex-Ministro Gilberto Kassab (1960-). A ideia de Paim era
tornar concreta a tarefa que Alexis de Tocqueville tinha definido como uma das
finalidades básicas da instituição do Estado democrático, de “educar o homem
político”, juntando as práticas da educação para a cidadania e do aprimoramento
da representação. Um exemplo, apenas, desse incansável trabalho de Antônio Paim
foi constituído pela obra intitulada: Personagens da política brasileira. O
nosso autor considerava que, no século XXI, haveria uma tarefa desafiadora:
tornar o Brasil um país realmente democrático, mediante a incorporação de uma
grande classe média à vida política, aperfeiçoando a representação. Consoante
Francis Fukuyama (1952-), - frisava Paim -, a China e a Rússia vivenciam,
hodiernamente, também, esse repto, a fim de saírem, definitivamente, do modelo
de Estado Patrimonial consolidado há séculos. A propósito, Paim escreve: “A
tarefa é desafiadora. O principal obstáculo a vencer está identificado: trata-se
do patrimonialismo. Em resumo, estamos no caminho que nos conduzirá à plena
instauração do regime democrático representativo, compreendidas as
características sociais requeridas (classe média). Para tanto, é preciso
recuperar o prestígio da classe política. O propósito de identificação de
personalidades marcantes ora empreendido, evidencia a presença de figuras
destacadas no meio político. Nada sugere que o ciclo histórico ora vivenciado
seja diferente”. 3 – Núcleo Ibérica. Foi fundado em 2009 por Alexandre Ferreira
de Souza, Marco Antônio Barroso, Bernardo Goytacazes de Araújo e Humberto
Schubert Coelho, meus ex-alunos no Curso de Filosofia da Universidade Federal de
Juiz de Fora. Este grupo conta, para efetivar as suas ações de análise cultural,
com o Portal Ibérica (www.estudosibericos.com) e com a Revista digital
Cogitationes (www.cogitationes.org) , criados há quinze anos. A principal
contribuição do Núcleo Ibérica tem consistido na análise crítica da realidade
brasileira, do ângulo liberal-conservador, à luz da filosofia de Immanuel Kant
(1724-1804), de espiritualistas como Jacob Böhme (1575-1624), teólogos como
Rudolf Otto (1869-1937), românticos franceses como Benjamin Constant de Rebecque
(1767-1830) e Madame de Staël (1766-1817), ou liberais conservadores herdeiros
destes, como Tocqueville. O Núcleo também estuda a obra dos
liberal-conservadores da tradição britânica, como é o caso de Edmund Burke
(1729-1797), Lorde Acton (1834-1902) e Roger Scruton (1944-2020). Os membros do
Núcleo Ibérica partiram para a pesquisa acadêmica de longo curso, sendo que
alguns deles defenderam teses de doutoramento sobre os autores mencionados, como
é o caso de Humberto Schubert Coelho (com tese sobre Jacob Böhme), Marco Antônio
Barroso (com tese sobre Benjamin Constant de Rebecque) e Alexandro Ferreira de
Souza (com tese sobre Rudolf Otto). Alguns membros do Núcleo (Alexandro Ferreira
de Souza, Marco Antônio Barroso e Bernardo Goitacazes de Araújo) participaram da
gestão do MEC, no início do governo Bolsonaro, me acompanhando, como
Secretários, no período em que desempenhei o cargo de Ministro da Educação,
entre 1º de janeiro e 8 de abril de 2019. Foi surpreendente a performance dos
meus ex-alunos no Ministério, mesmo não contando, alguns deles, com experiência
significativa em gestão pública (salvo no caso de Bernardo Goytacazes de Araújo,
que já tinha se desempenhado em funções públicas municipais, na sua cidade
natal, Três Rios). Marco Antônio Barroso à frente da Secretaria de Regulação e
Supervisão da Educação Superior (SERES) , Alexandro Ferreira de Sousa, como
titular da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) e Bernardo
Goytacazes de Araújo, à frente da Secretaria de Modalidades Especializadas de
Educação (SEMESP) surpreenderam com a eficiência e a reta administração, no
curto trimestre em que tiveram de fazer frente aos enormes desafios das suas
respectivas repartições. Em tempo realmente curto os três mencionados ex-alunos
conseguiram sanear as suas respectivas Secretarias, fazendo com que de fato
prestassem o serviço de coordenação nas suas áreas específicas, tendo agilizado
a gestão pública e pondo fim às práticas de negociação político-partidária que
tinham prevalecido em governos anteriores. Isso prova a importância de uma
sólida formação humanística, como alicerce indiscutível para a boa gestão
pública. A presença e o apoio desses ex-alunos no Ministério foram fundamentais
para o meu trabalho. Reconheço, agradecido, a grande contribuição deles. Quando
saí do MEC, eles já tinham entregado à Casa Civil os respectivos projetos para
serem divulgados, ao ensejo dos 100 primeiros dias de governo. O MEC, aliás, foi
o primeiro Ministério a cumprir com essa exigência imposta pelo Presidente da
República. Recentemente, vinculou-se ao Núcleo Ibérica o professor Luciano
Caldas Camerino que, ao longo das três últimas décadas, desenvolveu, de forma
sistemática, seminários sobre os pensadores liberais clássicos, no seio do Curso
de Filosofia da UFJF. Eu próprio, estimulado pelos meus alunos, realizei
pesquisa de pós-doutorado sobre Alexis de Tocqueville e os doutrinários
franceses. Os seminários que, no Núcleo, desenvolvi sobre as relações entre
Patrimonialismo, Cultura e Literatura na América Latina, deram como resultado os
livros intitulados: A análise do Patrimonialismo através da Literatura
latino-americana: o Estado gerido como bem familiar e Patrimonialismo e a
realidade latino-americana. As análises que, do ângulo cultural, desenvolvi no
Núcleo, tendentes a criticar a falta de uma fundamentação ética que nos
permitisse superar o espírito contra-reformista, deram ensejo, de outro lado, ao
meu livro intitulado: Luz nas trevas: ensaios sobre o Iluminismo. 4 – Instituto
Liberal. Esta instituição continua a funcionar no Rio de Janeiro, sob a
presidência do empresário Salim Mattar (1948-) e a direção executiva do jovem
jornalista e escritor Lucas Berlanza Corrêa (1992-). Na nova organização
conferida por Lucas Berlanza ao Instituto, destaca-se a configuração digital do
Portal, onde divulga debates de atualidade, dos quais participam jovens liberais
do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras. Inspirados na ação do
Instituto Liberal do Rio, Núcleos de formação liberal têm sido criados em várias
cidades, ao redor dos seus respectivos Institutos Liberais. De outro lado, a
pesquisa desenvolvida por Lucas Berlanza tende uma ponte entre a nova geração de
liberais e as gerações anteriores, mediante o estudo detalhado das relações que
se podem tecer, no tratamento dos temas do Liberalismo, com a atual quadra da
história brasileira. Lucas Berlanza realiza uma inegável atividade de liderança,
dando subsídios aos Institutos Liberais que funcionam em outras regiões do país
e ajudando estes na programação e desenvolvimento de Cursos de Formação Liberal,
com estudo das obras dos clássicos do Liberalismo na Europa e nos Estados
Unidos, bem como no Brasil. Como editor, Berlanza tem desenvolvido projetos com
editoras internacionais, a fim de divulgar o pensamento de liberais brasileiros
. O traço marcante do Estado brasileiro, nestes tempos de luta contra o
lulopetismo e de triunfo de uma opção liberal-conservadora, representada por
Jair Bolsonaro, continua sendo o Patrimonialismo, que teima em sobreviver,
encarando o público como privado. Nesse combate, - considera Lucas Berlanza -, a
memória das lutas encetadas por Carlos Lacerda (1914-1977) contra o tradicional
cartorialismo do ciclo getuliano, revive o clima de luta periclitante pela
liberdade, que foi, também, o traço marcante dos Doutrinários e de Tocqueville,
na França. Berlanza retoma, assim, o melhor da nossa tradição política
liberal-conservadora que, inspirada em figuras como Winston Churchill
(1874-1965), não tem medo de lutar o bom combate, em prol da liberdade e dos
valores da civilização cristã. Lacerda deixou para o Brasil, frisa Berlanza, “o
legado de Ícaro”, encarnando o papel do “líder que (...) sustentou
simultaneamente princípios como a descentralização do poder e da administração,
a valorização da herança cultural ocidental e cristã (...), o receio do Estado
agigantado e opressor, o apreço pela sensibilidade patriótica e pelas virtudes
cívicas”. 5 – Instituto Mises Brasil. Foi fundado em 2017 por uma turma de
jovens estudiosos das obras do economista austríaco Ludwig von Mises
(1881-1973), sob a liderança de Hélio Coutinho Beltrão (1968-), formado em
finanças pela Universidade de Colúmbia. Ao lado dele, outros estudiosos das
teses de Von Mises participaram da fundação do Instituto, como Bruno Garschagen,
Ubiratan Jorge Iorio, Rodrigo Saraiva Marinho, Fernando Ulrich, Fernando e
Cristiano Fiori Chiocca, etc. Na parte editorial do Instituto Mises, colabora
renomado estudioso da obra de Russel Kirk (1918-1994), o historiador e pensador
de tendência liberal-conservadora Alex Catharino, pertencente, como membro
correspondente, ao Centro Tocqueville-Acton, na Itália. Alex Catharino é
fundador do Centro Interdisciplinar de Economia Personalista (Rio de Janeiro).
Em abril de 2018, o Instituto Mises Brasil foi considerado, pela quarta vez,
como o Think-Tank liberal, fora dos Estados Unidos, com maior influência nas
redes sociais. O Instituto publica, em São Paulo a Revista Mises, uma publicação
interdisciplinar de filosofia, direito e economia. O Instituto Mises Brasil
partiu, também, para a formação continuada de quadros técnicos na área da
economia, oferecendo cursos de pós-graduação em Economia da Escola Austríaca
(2016). 6 – Clube da Aeronáutica. Sob a liderança do coronel Araken Hipólito da
Costa, com a estreita colaboração do professor Francisco Martins de Sousa
(mestre e doutor em Pensamento Brasileiro e membro fundador da Academia
Brasileira de Filosofia), foi instituído, em 2009, o Curso de Pensamento
Brasileiro, como atividade cultural continuada do Clube. Os trabalhos
apresentados no desenvolvimento do Curso são publicados, regularmente, pela
Revista Aeronáutica. O Curso de Pensamento Brasileiro foi adotado, a partir de
2020, pela Universidade da Força Aérea, com sede no Campo dos Afonsos, no Rio de
Janeiro, dando, assim, maior abrangência ao estudo da nossa cultura na formação
de oficiais e do público civil em geral. Considero que, pela seriedade com que
os nossos militares, tradicionalmente, tem tratado os seus empreendimentos na
área cultural, esta nova versão do Curso de Pensamento Brasileiro dará um
reforço substancial ao estudo da cultura brasileira. A matéria que
tradicionalmente leciono no Curso de Pensamento Brasileiro, intitulada:
“História do Pensamento Político Brasileiro” foi publicada, em forma de livro,
pela Revista do Clube da Aeronáutica, em 2012. 7 – Academia Brasileira de
Filosofia, reestruturada. Ao longo dos últimos anos (2020-2022), a Academia
Brasileira de Filosofia tem recebido um impulso de reestruturação e de retomada
de um plano de ações culturais de ampla abrangência. Sob a presidência do
historiador e professor universitário Edgard Leite, a Academia encontrou novo
impulso, que se traduziu na reconstrução das instalações físicas da entidade,
situada na Casa do General Osório, cedida pela União para a Academia realizar,
nela, as suas atividades. Sob o acertado comando de Edgard Leite, o professor
Antônio Paim foi eleito Presidente Honorário da Instituição, constituindo essa
honraria a derradeira manifestação de uma entidade cultural, visando a
reconhecer a grande obra de pensamento e de cultura realizada pelo Mestre, que
faleceu em abril de 2021, com a idade de 94 anos. Edgard Leite coordenou os
trabalhos de planejamento e execução do Seminário comemorativo dos 200 anos da
Independência do Brasil (na última semana de junho de 2022), que contou com a
participação de historiadores de prol, tanto portugueses quanto brasileiros e
que teve lugar nas instalações da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,
entidade que se somou, junto com a FAPERJ, à realização do evento. A ideia do
atual presidente da Academia Brasileira de Filosofia é renovar o estudo da
Filosofia no Brasil, mediante a diuturna pesquisa e reflexão sobre o Pensamento
Filosófico Brasileiro. 8 – Sociedade Tocqueville, reestruturada. O centenário
embaixador José Osvaldo de Meira Penna (1912-2017) fundou, no final dos anos 80,
a Sociedade Tocqueville, com a finalidade de estimular no Brasil o estudo da
obra do pensador e homem público francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) e
fomentar a publicação, em português, da obra do autor de A Democracia na América
(1835-1840). Meira Penna coordenou a primeira edição brasileira dos Ensaios
sobre a Pobreza de Tocqueville, feita em parceria com a UniverCidade, no Rio de
Janeiro e realizou vários seminários, em Brasília e no Rio de Janeiro, sobre a
obra do grande pensador. O centenário diplomata tentou realizar, no nosso meio,
tarefa semelhante à empreendida, na França, por Raymond Aron (1905-1983), no que
tange à divulgação das ideias tocquevillianas, com a finalidade de dar vida nova
à democracia. Por iniciativa de Lucas Berlanza e contando com a minha
colaboração, está sendo organizada, novamente, a Sociedade Tocqueville, no Rio
de Janeiro, com a participação de estudiosos liberais que se interessam pela
obra do pensador francês. A finalidade da renascente Sociedade consiste em
estimular os estudos sobre a obra de Tocqueville, fazendo novas edições e
estimulando o debate sobre os rumos da democracia no século XXI, à luz do
pensamento tocquevilliano.
>III - Entrevista de Ricardo Vélez Rodríguez à Revista do Clube Militar do Rio
de Janeiro, publicada em agosto de 2016, com o seguinte título: “Sociedade
brasileira e Patrimonialismo: as janelas para a democratização brasileira”.
- Clube Militar: Em seus estudos sobre a formação e a evolução política e social
do Brasil, o fenômeno do patrimonialismo ocupa posição central. Como o senhor o
define e como avalia o papel por ele desempenhado, ao longo de nossa história? -
Ricardo Vélez: O Patrimonialismo, segundo Max Weber, constitui aquele tipo de
Estado que se formou a partir da hipertrofia de um poder patriarcal original,
que alargou a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas
extrapatrimoniais, passando a geri-lo tudo como propriedade particular ou
familiar. Daí o nome de “Patrimonialismo”. Diferencia-se esta modalidade do
denominado por Weber de “Estado Contratualista”. Nele, o poder estatal foi
organizado a partir de um consenso ou contrato entre as classes que lutavam pela
posse do poder. Não tendo sido possível a extinção daquelas na luta de classes,
o Estado moderno surgiu, nesse contexto, como fruto de um contrato. Tanto Max
Weber quanto Karl Wittfogel consideravam que o modelo contratualista ocorreu,
ali, onde houve Feudalismo de Vassalagem, ou seja, na Europa Ocidental e nas
Ilhas Britânicas. Já nas sociedades presididas por Estados Patrimoniais não
houve diferenciação entre as classes, não tendo havido adequada formação destas.
A sociedade ficou, assim, estratificada entre os donos do poder e o resto. Isso
explica a índole essencialmente autoritária dos Estados Patrimoniais, bem como o
caráter cooptativo da participação da sociedade. Só participa do esquema de
dominação quem for chamado pelo soberano. O Patrimonialismo, como modalidade de
Estado mis forte do que a sociedade surgiu ali, onde grandes organizações
pré-burocráticas ligadas ao controle da água estruturaram-se, tendo dado ensejo
aos primeiros grandes Estados despóticos de que tomou conhecimento a Humanidade.
Tal modelo vingou no Antigo Egito, no Império Chinês, nos Califados árabes, na
Rússia e nos impérios pré-colombianos Inca e Asteca. A herança que chegou até
nós, na América Latina, do velho despotismo ibérico pós-feudal, foi a dos
Estados Patrimoniais, intermediada, na Península Ibérica, pelos oito séculos de
dominação muçulmana. Os cristãos, vencedores dos mouros, copiaram deles o modelo
de poder concentrado e familístico típico das organizações hidráulicas
patrimonialistas. O que terminou sendo formado, após a descoberta da América por
Espanhóis e Portugueses, foi o tipo de colônias geridas, de forma
patrimonialista, pelos representantes do Rei, os Capitães Gerais e, depois, os
Vice-reis. - CM: Que tendências ou correntes de pensamento, além do
patrimonialismo, fizeram-se presentes em nossa história e podem explicar os
sistemáticos tropeços que vêm impedindo o desenvolvimento do país? - RV: Três
vertentes integrariam, a meu ver, o que o escritor peruano José María Arguedas
(1911-1969) denominava de “os rios profundos” da estratificação cultural. No
caso brasileiro, eu mencionaria: em primeiro lugar, o espírito
contrarreformista, em segundo lugar, o cartorialismo e, em terceiro lugar, o
cientificismo. O espírito contrarreformista de ódio ao lucro e de menosprezo
pelo trabalho foi consolidado, pela Inquisição portuguesa, na sua luta de
séculos contra os denominados “infiéis”, mouros e judeus. Para o Portugal
quinhentista que nos descobriu, somente a Coroa podia incorporar as riquezas
hauridas das descobertas e distribuídas, por ela, entre os “amigos do Rei”. A
forma de acumulação permitida aos colaboradores da Coroa, na luta contra os
“infiéis,” era a decorrente da “guerra santa”. Já o trabalho produtivo era
exorcizado como coisa ruim, castigo pelo pecado original. O cartorialismo
caracterizou-se pela ferrenha disposição da administração pública portuguesa
para controlar todas as atividades nas suas colônias, estabelecendo um regime
tributário duro sobre os produtores e exercendo aquilo que Fidelino de
Figueiredo denominou de “alfândega cultural”, ou seja, o rígido controle da
Metrópole sobre a entrada de ideias novas, de novas tecnologias e publicações.
Isso atrasou o surgimento de uma cultura independente e conduziu, por exemplo, à
Conjuração Mineira, que foi uma reação das elites coloniais contra a extorsiva
cobrança de tributos e a asfixia cultural impostas pela administração
ultramarina. O cientificismo foi o corolário do controle, pela Coroa, de todas
as atividades científicas e culturais. Somente o Estado teria a possibilidade de
se beneficiar do advento das técnicas novas, mediante a sua incorporação aos
Monopólios reais, não permitindo, no entanto, a livre pesquisa científica nem a
elaboração de novas tecnologias. Consolidou-se o cientificismo português, sob o
reinado de Dom José I, tendo sido o Marquês de Pombal, o seu primeiro ministro,
o encarregado de introduzir aqueles conhecimentos técnicos que reforçassem o
poder real e os monopólios régios. O resultado? Portugal se modernizou a meias,
sem conseguir estruturar uma economia pujante. À sombra desse cientificismo, sob
controle rígido do Estado, adotamos o Positivismo como filosofia oficial no
ciclo republicano, notadamente, no Rio Grande do Sul, com a organização, por
Júlio de Castilhos (1860-1903), da “ditadura científica” no Estado sulino,
modelo que Getúlio Vargas implantou, em nível nacional, no período compreendido
entre a Revolução de 30 e a proclamação do Estado Novo, em 37. Uma lamentável
manifestação desse “cientificismo” foi o estúpido tecnocratismo do governo
petista, que afundou o país no maior buraco financeiro da história (já
contabilizado por economistas como Mônica de Bolle e Paulo Rabello de Castro,
como atingindo a estratosférica soma de um trilhão de reais!). - CM: O vício
autoritário e estatizante, tão presente nos governos brasileiros, reflete
equívocos na formação intelectual do país? - RV: Certamente. O principal
equívoco: não há livre debate de ideias a respeito dos planos que os governos
apresentam. Os petistas são mestres na arte de sufocar o debate, mediante a
criação de falsos foros de discussão, os denominados “Conselhos Populares” ou
“Conferências Nacionais”. É a prática do assembleísmo aplicado à análise de
qualquer coisa. Funciona assim: os militantes petistas, experts na técnica da
dominação de reuniões e assembleias, encaminham as coisas para que o ponto de
vista deles termine vencendo, pelo cansaço ou pelo grito, na discussão ou no
foro. Os treze anos de governos petistas mostram isso à saciedade. - CM: Qual a
relação entre o patrimonialismo e a implantação de regimes autoritários ou
ditatoriais? - RV: A relação é proporcional e direta. Como o patrimonialismo
caracteriza-se pela privatização do Estado por uma patota, tudo leva a que se
oculte esse vício primordial. A melhor forma é a retórica utópico-democrática:
nós somos os representantes do povo. Logo temos a missão de implantar a
unanimidade! - CM: O Partido dos Trabalhadores teria exacerbado a prática
patrimonialista no país? - RV: O petismo é a manifestação mais completa, na
cultura política brasileira, da síndrome patrimonialista. Sempre houve, na nossa
história, privatização do poder por patotas. É a tese fundamental de um clássico
da sociologia brasileira, Os donos do poder (1958) de Raimundo Faoro. Mas o que
o PT fez foi potencializar o patrimonialismo, desenvolvendo mecanismos de
manipulação que o tornaram sistêmico. O que a operação Lava-Jato está revelando
é que, no terreno das políticas públicas, os petistas aparelharam o Estado de
forma a fortalecer empresas estatais para, a partir delas, cooptar as grandes
empreiteiras e os prestadores de serviços e achaca-los. Colocaram os mecanismos
de fiscalização do Estado a serviço dessa tarefa ignóbil. - CM: O Partido dos
Trabalhadores usa o patrimonialismo como instrumento para a conquista do poder
hegemônico? - RV: Sem dúvida. Os petistas pretendiam tomar o poder de forma
definitiva e total, como fizeram os bolcheviques na Revolução Russa de 1917. Uma
das táticas bolcheviques consistiu em amedrontar os dissidentes, como fizeram
com os mencheviques. Ocorreu isso, aqui, com a fraqueza dos tucanos em face dos
ataques do MST (durante os governos de FHC). Ocorre isso, ainda, agora, com as
idas e vindas tucanas da oposição firme e clara para a contemporização e por aí
vai, deixando muito frágil a linha da luta aberta contra esses corruptos, que se
assenhorearam, sem escrúpulos, do poder. Ora, a posição socialdemocrata
civilizada é de oposição ao totalitarismo petista. Por que não deixar claro isso
nas tomadas de posição, agindo, sempre, como oposição para valer no Parlamento?
- CM: O agronegócio constitui, hoje, um polo de resistência ao patrimonialismo?
- RV: Sem dúvida nenhuma. O agronegócio se sustenta a si próprio, sem a
interferência do governo. Nos próximos anos espero que isso se transfira para a
ação política, com a formação de um partido conservador, que represente as
forças do agronegócio e que peite, com coragem, a esquerda radical. Líderes não
faltam. Um deles: Ronaldo Caiado, que já foi candidato presidencial. Pode voltar
à luta pela presidência, mas com uma proposta partidária clara. Ele, ou outro
que faça a mesma coisa, terá seguidores. Kátia Abreu, uma mulher corajosa e
lutadora, se aproximou, infelizmente, muito da Dilma e isso lhe tirará
legitimidade para articulações futuras do lado oposicionista. - CM: Qual a
influência da revolução cultural gramsciana na potencialização da mentalidade
patrimonialista brasileira? - RV: A revolução cultural gramsciana, sabemos,
consiste em “tomar a sopa pelas beiradas”, para implantar o comunismo. Foi o
diagnóstico feito por Gramsci para a Itália do período entre as duas Guerras
Mundiais. Tomar o poder numa luta aberta contra o Executivo, como fizeram os
bolcheviques, seria praticamente impossível, dado o desenvolvimento atingido
pela Europa Ocidental, com a formação de grandes classes médias. O caminho
sugerido por Gramsci (que sempre foi um leninista) apontava para outra tática:
derrubar a ordem de valores da sociedade ocidental, a fim de que o edifício
caísse por si próprio. Pau na família, na religião, na moral cristã, nas
instituições burguesas! É o que os petistas têm feito, ao longo dos seus trinta
e seis anos de existência. Lula, que foi alimentado pelo regime militar como X-9
que ajudaria a desmontar o sindicalismo varguista, terminou sendo o ovo da
serpente. Inoculou, na sociedade brasileira, o vírus gramsciano, com a ajuda dos
intelectuais petistas. - CM: O senhor vislumbra, na atualidade brasileira,
sinais ou indícios de que seremos capazes, algum dia, de vencer a cultura
política do patrimonialismo? - RV: Não duvido de que o Brasil será capaz de
vencer o vírus do patrimonialismo. A verdadeira zika que ameaça a saúde dos
brasileiros não é a proveniente do mosquito, é a que veio de São Bernardo do
Campo com Lula e patota. O Brasil está cansado dos petistas. E os tirará do
poder. - CM: Que providências ou reformas o senhor julga prioritárias para que o
país se recupere da grave crise política, econômica, social e moral a que foi
arrastado nos últimos 13 anos? - RV: As seguintes medidas seriam fundamentais:
saneamento da economia mediante rígido controle do gasto público. Diminuição do
tamanho do governo e do Estado (13 ministérios seria o desejável). Eliminação do
número de cargos de confiança do Executivo (vamos convir que 20 mil é coisa de
doido). Reforma política já, adotando o voto distrital. Reforço ao TCU para
controle do gasto público pelo Congresso. Fim das Emendas Parlamentares e das
Alianças de Legenda no Congresso. Fidelidade partidária e impossibilidade de
pular de legenda em legenda. Privatização imediata das empresas estatais, a
começar pela Petrobrás e a Eletrobrás. Isso já seria um bom começo. - CM: Esse
esforço não é pequeno. É tarefa para uma geração? - RV: Sem dúvida. Mas, quanto
mais cedo começarmos, melhor. Após uma década com as coisas saneadas, o Brasil
voltará a se orgulhar de si próprio no contexto internacional. - CM: Professor
Velez-Rodriguez, a Revista do Clube Militar agradece sua valiosa colaboração e
abre espaço para alguma mensagem que o senhor queira deixar para nossos
leitores. - RV: A minha mensagem de otimismo e de coragem para as novas gerações
que estão aí, sofrendo já os efeitos da era lulopetralha. Continuem lutando, nas
redes sociais, nas Universidades e Colégios, nas ruas, pela liberdade. Vale a
pena lutar pelos nossos valores tradicionais, pela família, pela religião, pela
tolerância, pela moral cristã, pelos valores que os petralhas tentaram
aniquilar. PT nunca mais!
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