Oliveira Vianna |
Gilberto Freyre |
Não há dúvida de que Gilberto Freyre e Oliveira Vianna elaboraram a mais completa caracterização do ethos da casa grande, a partir do qual se consolidou a organização política brasileira. As categorias sociológicas utilizadas por ambos os autores são eminentemente telúricas, tiradas da sociedade patriarcal que deu ensejo às instituições nacionais. Certamente o longo ciclo do positivismo marxista atrapalhou em muito a adequada avaliação desses dois luminares do pensamento social. Mas nas últimas décadas do século XX passou-se a fazer, mesmo no universo acadêmico, uma avaliação mais objetiva da obra deles. É meu propósito ilustrar a forma em que os estudos sobre o patriarcalismo desenvolvidos pelos dois sociólogos, servem de base para a compreensão do Estado patrimonial brasileiro. A fim de cumprir com o meu propósito, mostrarei, em primeiro lugar, a feição contrária dos dois autores em relação ao arquétipo positivista que vingou ao longo do século passado; ilustrarei, a seguir, a forma em que Gilberto Freyre e Oliveira Vianna apresentam os valores que presidiram à formação social brasileira e analisarei, por último, o conceito de patriarcalismo (na formulação de ambos os autores), como base para compreender a realidade do Estado patrimonial brasileiro.
1) Gilberto Freyre e Oliveira Vianna, autores
malditos
Qual foi a matriz ideológica[1]
que deu embasamento à sociologia brasileira ao longo do século XX?
Wanderley-Guilherme dos Santos considera que essa matriz foi a dicotômica, que
consiste em atribuir a origem das crises a uma oposição arquetípica de fatores.
"Foi talvez Euclydes da Cunha -
frisa dos Santos - no ensaio Da Independência à República, publicado
pela primeira vez em 1900, quem chamou a atenção para a existência de dois
Brasis: um, urbanizado, litorâneo, desenvolvendo-se com os benefícios da
atenção governamental; outro, constituído pelas populações rurais, estagnado,
sobrevivendo por si mesmo, fora do âmbito da ação ou interesse governamentais
(...). Embora este esquema seja apenas incidental no contexto geral do ensaio,
é altamente importante na medida em que estabelece a fórmula intelectual para a
análise política que estava por vir, a saber, descobrir uma dicotomia à qual
possa ser racionalmente atribuída a origem das crises; traçar a formação da
dicotomia no passado histórico nacional; propor a alternativa política para a
redução da dicotomia. Tal é a estrutura básica do paradigma"[2].
Ora, considera dos Santos, "este estilo
dicotômico de percepção permanece indiscutível desde então"[3],
tendo-se tornado o milieu preferido
pelos cientistas sociais brasileiros. A entrada das categorias marxistas na
análise sociológica, encaixou-se nesse esquema, que já tinha servido de marco
epistemológico para as abordagens de inspiração positivista.
Colocado o pensamento de Gilberto Freyre e
Oliveira Vianna em face da matriz ideológica dicotômica que prevaleceu, vemos
que ambos os autores fogem a essa perspectiva. O pernambucano, na medida em que
escapa ao ponto de vista metropolitano dialético, dedicando-se a formular amplo
painel integrador da vida brasileira, ao redor da Casa Grande. A respeito desse
aspecto totalizante da sociologia freyriana, frisa Jean Duvignaud:
"Encontramos um outro aspecto do método deste autor na instituição de uma totalidade orgânica, de uma coesão
dialética que envolveria todas as manifestações de uma sociedade ou de um
período da história, e cuja forma comandaria os movimentos interiores. Mas uma
esfera enraizada num solo, numa terra cujo eixo seria uma relação material
entre os homens e a natureza. Reencontraríamos aqui uma das idéias força de Marcel Mauss, a noção de
fenômeno social total unindo, numa
análise, atividades divergentes que geralmente apelam para estudos
especializados diferentes (religião, economia, estética, etc.) mas que um
núcleo único reúne. Ou, ainda, esta
outra idéia que Gurvitch propôs pela primeira vez, nesse colóquio de Cérizy
dedicado a Gilberto Freyre, ou seja a idéia do fenômeno psíquico total que possuiria sua autonomia própria,
simbólica, ao mesmo tempo consciente e inconsciente, sem entretanto coincidir
plenamente com a sociedade nem tampouco dela emanar ou refleti-la"[4].
Em relação à forma em que Oliveira Vianna
foge à matriz ideológica dicotômica, lembremos a crítica que o sociólogo
fluminense tece contra o monocausalismo em ciências sociais. Longe de serem
pautadas as sociedades por leis gerais
(como a física social dos
positivistas), prevalece o conceito de multiplicidade de fatores. No prefácio à
terceira edição da sua obra Evolução do povo brasileiro[5],
em 1937, Oliveira Vianna reage contra a
forma unilinear de entender a evolução das sociedades, como se houvesse leis gerais que as comandassem;
acolhendo os conceitos de Gabriel Tarde, o nosso autor considera que existem
múltiplas tendências na evolução das organizações sociais, e que é impossível
reduzi-las a um único esquema. Existe hoje, à luz das ciências sociais, o heterogêneo social contraposto ao homogêneo social de Spencer[6].
No campo social, encontramos multiplicidade
de linhas de evolução e de fatores que intervêm nessas linhas. Para essa
multiplicidade de tipos, - frisa
Oliveira Vianna[7]
- para essa variedade de linhas de
evolução, para esse heterogenismo inicial "contribui um formidável
complexo de fatores de toda ordem,
vindos da Terra, vindos do Homem,
vindos da Sociedade, vindos da História: fatores étnicos, fatores
econômicos, fatores geográficos, fatores históricos, fatores climáticos, que a
ciência cada vez mais apura e discrimina, isola e classifica. Estes predominam
mais na evolução de tal agregado; aqueles, mais na evolução de outro; mas, qualquer
grupo humano é sempre conseqüência da colaboração de todos eles; nenhum há que
não seja a resultante da ação de infinitos fatores, vindos, a um tempo, da Terra, do Homem, da Sociedade e da
História. Todas as teorias, que faziam
depender a evolução das sociedades de uma causa única, são hoje abandonas e
peremptas: não há atualmente
monocausalismos em ciências sociais".
Do exposto fica claro de que forma Gilberto
Freyre e Oliveira Vianna fogem, no seu pensamento sociológico, à matriz
ideológica dicotômica que terminou por prevalecer na sociologia brasileira. Não
estranha, assim, o ostracismo a que foram submetidas as suas obras. Apenas a
partir dos anos 80 começaram a ser superados esses preconceitos[8],
embora tenha continuado a circular, após esse período, literatura que desconhece o valor deles no
panorama sociológico nacional[9].
2) O estudo dos valores que presidiram à formação
social brasileira, segundo Gilberto Freyre e Oliveira Vianna
O pensamento sociológico, desde as suas
origens até os nossos dias, tem percorrido um caminho inverso ao trilhado pelos
seres vivos. Da esclerose do cientificismo saint-simoniano e comteano (que
consideravam, respectivamente, a sociologia ora como uma fisiologia social, ora como uma física
social, dotada em ambos os casos de leis irretorquíveis e geradora de
certezas absolutas), passamos, no século XX, a um tipo de saber fundado apenas
em certezas probabilísticas, alicerçadas em generalizações estatísticas, muito
mais próximas do contínuo fluir que caracteriza a vida. A grande contribuição
dada por Max Weber à evolução hodierna da sociologia, consistiu em ter
assinalado para ela, como objeto de estudo, não apenas os tipos ideais que
poderiam exprimir transitoriamente as relações sociais, mas também os valores
inspiradores da ação humana. Descortinou-se, assim, para o pensamento
sociológico, todo um universo, ao se ver ele projetado sobre a complexa base
axiológica em que se alicerçam as sociedades. Aproximou-se, destarte, a
sociologia das humanidades, que constituem o arcabouço conceitual que nos
permite compreender o mundo dos valores.
Weber encaminhou o seu estudo dos valores,
como frisa Bendix,[10]
numa posição complexa e intermediária "entre o racionalismo e o
reducionismo", que empolgaram os estudos científicos da sociedade ao longo
dos séculos XVIII e XIX, respectivamente. Em conseqüência, ele "sustentou
que os princípios morais existem em um contexto social e histórico",
tentando encontrar na análise dos valores o significado daqueles.
A grande contribuição de Gilberto Freyre e
Oliveira Vianna aos estudos sociológicos, consiste justamente em ter
reivindicado a importância do estudo dos valores, na tentativa em prol de
compreender a sociedade brasileira. Freyre certamente conheceu o pensamento
weberiano, sendo que já nas primeiras edições de Casa Grande e Senzala faz
menção ao sociólogo alemão, como lembra Vamireh Chacon, "a propósito das
relações entre calvinismo, judaísmo e catolicismo no quadro do
capitalismo"[11].
O pensador romeno Zevedei Barbu identificou de forma mais precisa a feição
weberiana do método aplicado pelo sociólogo pernambucano, nas seguintes
palavras: "Gilberto Freyre encontra grandes afinidades com a sociologia
interpretativa de Weber, especialmente
com a abordagem empatética. Para esse fim, ele acrescentou uma série de
instrumentos complementares ou mais abrangentes, tais como penetração empatética e estudo
empatético de valores e símbolos. Esse núcleo weberiano foi adicionalmente
agregado a algumas noções de variável importância metodológica, como conceito de personalidade e desdobramento consciente da personalidade"[12].
Já Oliveira Vianna, embora não faça referência sistemática à obra
de Weber, que conhece, realiza ao longo dos seus estudos da sociedade
brasileira, notadamente no que tange à sua culturologia
do Estado, uma análise do ângulo dos valores, que se aproxima muito da
forma em que o pensador alemão extrai do processo histórico os seus tipos
ideais[13].
Em que pese a influência weberiana apontada a
respeito da preocupação axiológica na sociologia de Gilberto Freyre, Zevedei
Barbu a filia imediatamente à escola dos Annales,
que, no seu entender, idealizou "um conceito de história como sendo um
ponto de convergência entre todas as ciências sociais, com especial referência
à psicologia, à sociologia, à antropologia e um toque de existencialismo"[14].
A influência dessa escola teria sido canalizada sobre tudo através de Lucien
Febvre. Barbu estabelece a seguinte relação em face da metodologia utilizada
por ambos os autores: "Voltando ao método comparativo, tanto Febvre quanto
Freyre sustentam que a fonte prima e a estrutura do processo histórico devem
ser localizadas na experiência cotidiana de uma determinada comunidade humana.
Indo além, ambos argumentam que as experiências de cunho valorativo, ou seja,
significativas, possuem uma importância epistemológica mais elevada, no sentido
em que revelam aspectos fundamentais da vida social"[15].
Gilberto Freyre, portanto, ao seguir pela
trilha da influência febvriana, elabora análise axiológica semelhante à
empreendida por Weber. Segundo Barbu, o sociólogo pernambucano "parte da
convicção de que o material do conhecimento histórico não pode ser outro senão
aquele recolhido das experiências do dia-a-dia. Finalmente, admite ainda que o
tipo de experiências que mais o interessam são aquelas com sentido valorativo,
isto é, as que na sociedade brasileira se caracterizam como valores rurais, telúricos e agrários.
Como se pode notar, trata-se de valores fundamentais nas sociedades rurais
tradicionais. Entretanto, os valores são consignados historicamente e,
consequentemente, quando a sociedade brasileira atingir um alto grau de urbanização, os valores urbanos passarão a
prevalecer"[16].
Ora, esses valores fundamentais são captados
no seio de experiências vividas que
abarcam sentimentos, emoções, hábitos, etc. No contexto dessas experiências vividas capta-se
emocionalmente o que Gilberto Freyre chama de história recebida, aberta ao passado, ao presente e ao futuro. Eis
a forma em que Barbu explica a apreensão desse universo na sociologia
freyriana: "O que é esse algo
que penetra e age como parte distinta da consciência humana, sem perder sua
identidade? Trata-se das experiências vividas pela comunidade como um todo. O todo deve ser aqui evidenciado, pois as
experiências vividas como totalidade possuem um significado histórico e
ontológico que as experiências isoladas não têm. A história contém, ou melhor
dizendo, é a maior estrutura de experiência no mundo do homem e, como tal, o
mais completo quadro de referência para o modo humano de ser; ela molda as
experiências presentes, passadas e futuras. Em outras palavras, podemos dizer
que é uma verdade bastante conhecida o fato de que a consciência somente surge
como dimensão distinta da vida humana, quando se percebeu clara e generalizadamente
que a existência humana é uma entidade tridimensional, isto é, vida
concomitantemente no presente, no passado e no futuro. Em termos mais
empíricos, o senso histórico ou consciência histórica do homem torna-se
plenamente articulado se e quando for possível perceber e aceitar como fato
que, no período que antecede o presente, as pessoas se vestiam, comiam, bebiam,
sentiam e pensavam diferentemente da época atual. Nas palavras de Freyre, é a história recebida, que muda a si mesma
durante o processo"[17].
Os valores fundamentais que, segundo Gilberto
Freyre, devem ser estudados e que constituem a base da história recebida na cultura brasileira -- conforme insinuou o texto já citado de
Barbu -- são os do Brasil rural. O autor
romeno identifica esses valores como uma espécie de primeira intuição, de onde decorre toda a obra do sociólogo
pernambucano. "Existe, frisa Barbu, um outro tipo de experiência, que
chamarei transfenomenal, pois ela
constrói uma ponte entre uma situação concreta e o todo, sendo apenas vagamente
prefigurada na intuitio prima.
Trata-se da casa, da família e da personalidade, três focos ativos na fenomenologia do mundo de
Gilberto Freyre. (...) (Eles) se me afiguram como a trindade da existência
humana: casa = receber o mundo (o que é exterior não é humano); família =
multiplicar e criar o mundo do homem; e personalidade = ver, encontrar e
conhecer o mundo"[18].
Oliveira Vianna, por sua vez, confere grande
importância também ao estudo dos valores, no esforço em prol de compreender a
sociedade brasileira. Os valores são denominados pelo sociólogo fluminense de complexo cultural, conceito que explica
da seguinte forma: "o complexo representa um conjunto objetivo de fatos, signos ou objetos, que, encadeados num
sistema, se correlacionam a idéias, sentimentos,
crenças e atos correspondentes
(...). É toda uma multidão de fatos,
objetos, signos, utensílios, etc., que se prendem a usos, costumes, tradições, crenças, artes, técnicas, que, por sua
vez, se prendem igualmente a idéias,
sentimentos, condutas, tudo correlacionado com estes tópicos peculiares da
atividade econômica: e cada um destes tópicos forma um complexo"[19].
Em todo complexo cultural encontramos dois
tipos de elementos: externos ou objetivos (fatos, coisas, signos,
tradições), e internos ou subjetivos (sentimentos, idéias,
emoções, julgamentos de valor, etc.). Os primeiros constituem os chamados
elementos transcendentes da cultura,
ao passo que os segundos são os seus elementos imanentes. A inter-relação entre esses dois grupos de elementos é complexa.
Oliveira Vianna a explica assim: "Estes elementos conjugados ou associados
formam um sistema articulado, onde vemos objetos ou fatos de ordem material,
associados a reflexos condicionados,
com os correspondentes sentimentos ou
idéias. Estes elementos penetram o homem, instalam-se mesmo
dentro da sua fisiologia: e fazem-se enervação, sensibilidade, emoção, memória,
volição, motricidade. Os quadros mentais do indivíduo se constituem de acordo
com estes complexos: estes lhes dão das coisas e do mundo uma representação coletiva, como diria
Durkheim. Tanto que já se começa a lançar os fundamentos de uma nova
especialização científica: a sociologia
do conhecimento de que a obra de Mannheim é, decerto, um belo exemplo"[20].
Do ponto de vista psicológico, portanto, um
complexo cultural é um sistema ideo-afetivo, do qual se derivam atitudes ou
comportamentos com projeção social, numa sincronia de sensibilidades, emoções,
sentimentos, preconceitos, preferências, repulsas, julgamentos de valor,
deliberações, atos de conduta. Oliveira Vianna chama a atenção para um fato
importante: quando se pretende mudar um determinado complexo cultural, a nível
exclusivamente objetivo ou transcendente (promulgando, por exemplo, uma nova
Constituição em nome de Deus ou do povo), as possibilidades de sucesso de tal
mudança são mínimas, pois a ela opor-se-á o elemento subjetivo ou imanente
(sentimentos, crenças, preconceitos, praxes seculares dessa comunidade humana).
Por isso, salienta o sociólogo fluminense, têm fracassado tantas reformas no
nosso meio latino-americano: porque os reformadores, imbuídos de espírito
legalista, acham que mudando as leis vão mudar os hábitos da população, que
permanece sempre alheia ao formalismo externo. Oliveira Vianna endossa a
afirmação de Jung de que os traços culturais imanentes se transmitem pelo inconsciente coletivo, e "tudo é
como se eles se imprimissem ou se contivessem nos genes das próprias raças
formadoras".
O sociólogo fluminense dedicou boa parte da
sua obra à análise do complexo cultural que lhe pareceu mais marcante no Brasil
rural: o chamado por ele de complexo de
clã. Eis a forma em que caracterizou a presença desse complexo na vida
política brasileira: "Em toda essa psicologia da vacuidade ou ausência de
motivações coletivas da nossa vida pública, há um traço geral que só por si
bastaria para explicar todos os outros aspectos (...). Este: a tenuidade ou
fraqueza da nossa consciência do bem coletivo, do nosso sentimento da
solidariedade social e do interesse público. Esta tenuidade ou esta pouca
densidade do nosso sentimento do interesse coletivo é que nos dá a razão
científica do fato de que o interesse pessoal ou de família tenha, em nosso
povo - no comportamento político dos
nossos homens públicos -, mais peso, mais força, mais importância determinante
do que as considerações do interesse coletivo ou nacional. Este estado de
espírito tem uma causa geral (...); e esta razão científica é a ausência da
compreensão do poder do Estado como órgão do interesse público. Os órgãos do
Estado são para estes chefes de clãs, locais ou provinciais, apenas uma força
posta à sua disposição para servir aos amigos e aos seus interesses, ou para
oprimir os adversários e os interesses destes"[21].
Tanto a sociologia de Gilberto Freyre quanto
a de Oliveira Vianna identificam uma base axiológica sobre a qual se estruturou
a sociedade brasileira: o espírito familístico, que o pernambucano genialmente
analisa vivo nas relações domésticas da Casa Grande e que o fluminense
surpreende in fieri, no fundo do
nosso compadrio político. A partir desse fundamento primordial, ambos os
autores construirão, com rigorosa metodologia, o seu universo sociológico:
sensual, cálido, plástico, integrador, impregnado dos aromas da mesa do senhor
de engenho em Casa Grande e Senzala[22];
polimorfo, lógico, conceitual, fielmente verificado sine ira ac studio, na precisa anatomia das ações e reações do
corpo social, efetivada pelo observador arguto e minucioso em Instituições
políticas brasileiras[23].
Freyre como que nos apresenta a versão mito-poética da essência da vida
social brasileira, que Oliveira Vianna traduz numa trabalhada amálgama de tipos
ideais, hauridos da nossa história regional e local.
3) O estudo do patriarcalismo em Gilberto Freyre e
Oliveira Vianna, como base para compreender a realidade do Estado Patrimonial
brasileiro
Ninguém como Gilberto Freyre ou Oliveira
Vianna conseguiu retratar, com maior fidelidade, o quadro do patriarcalismo
brasileiro. Referindo-se ao primeiro, escreve Vamireh Chacon: "Marx costumava dizer que o maior
crítico da sociedade burguesa fora Honoré de Balzac, que proclamava escrever à luz de dois faróis, o Trono e o Altar
e não o socialista Émile Zola, prejudicado pelo afã proselitista... Poderíamos
também ver o Brasil patriarcal paternalista, ainda sobrevivente, melhor em
Gilberto Freyre que em vários analistas marxistas sem Marx ou contra
Marx..."[24].
De acordo com o conjunto de valores que lhe
permitem compreender a realidade brasileira, Gilberto Freyre dá importância
especial à histoire intime da Casa
Grande, onde nasce e se desenvolve esse conjunto axiológico. Sob este ângulo,
Gilberto Freyre é pioneiro. Desse pioneirismo dá testemunho o historiador
britânico Asa Briggs, ao afirmar: "Na verdade, não conheço nenhum
historiador como ele, brasileiro ou não brasileiro, em qualquer língua antes de
1933"[25].
Parece ao estudioso romeno Zevedei Barbu que a sociologia freyriana, no plano
horizontal, percorre uma trajetória do
centro para fora: a partir da família patriarcal reconstrói a sociedade global.
A respeito, frisa o mencionado autor: "O ponto central consiste na
família, a unidade social mais concreta, a qual ele descreve em detalhe, sempre
focalizando as circunstâncias concretas da comunidade portuguesa no
Brasil. A partir dos relacionamentos
homem-mulher, marido-esposa, pai-filhos, mãe-filhas, ele descreve tudo em
termos de inter-relações, e tão vividamente, que cada traço pode ser tomado
como uma unidade, ou melhor dizendo, como narrativa do Brasil do ponto de vista
da família. Contudo, o principal é que
Freyre assim o faz com plena consciência
- transmitida ao leitor - de que
não se trata de uma tipologia, senão de um caso historicamente concreto, a
família portuguesa vivendo em isolamento dentro de uma ordem social patriarcal
com visíveis traços feudais, e com um modo de produção agrário
tradicional"[26].
A bem da verdade, não se trataria de uma
sociedade patriarcal de tipo feudal, como frisa Barbu, mas, como o próprio
Gilberto Freyre salienta, de "uma sociedade semi-feudal - uma minoria de
brancos e brancarrões dominando patriarcais, polígamos do alto das
casas-grandes de pedra e cal, não só os escravos criados aos magotes nas
senzalas como os lavradores de partido, os agregados, moradores de casas de
taipa e de palha, vassalos das casas-grandes em todo o rigor da expressão"[27].
A reconstrução do microcosmo da Casa Grande,
de onde emerge a vida sócio-política brasileira: eis o cerne da contribuição
sociológica de Gilberto Freyre. Ninguém melhor do que o próprio autor de Casa
Grande e Senzala para traçar as linhas mestras desse pequeno universo
social, construído ao redor do pater
famílias: "A casa grande, completada pela senzala, representa todo um
sistema econômico, social, político: de produção (a monocultura latifundiária);
de trabalho (a escravidão); de transporte (o carro de boi, o bangüê, a rede, o
cavalo); de religião (o catolicismo de família, com capelão subordinado ao pater famílias, culto dos mortos, etc.);
de vida sexual e de família (o patriarcalismo polígamo); de higiene do corpo e
da casa ( o tigre, a touceira de
bananeira, o banho de rio, o banho de gamela, o banho de assento, o lava-pés);
de política (o compadrismo). Foi ainda fortaleza, banco, cemitério, hospedaria,
escola, santa casa de misericórdia amparando os velhos e as viúvas, recolhendo
órfãos. Desse patriarcalismo absorvente dos tempos coloniais, a casa-grande do
engenho Noruega, em Pernambuco, cheia de salas, quartos, corredores, duas
cozinhas de convento, despensa, capela, puxadas, parece-me expressão sincera e
completa. Expressão do patriarcalismo já repousado e pacato do século XVIII;
sem o ar de fortaleza que tiveram as primeiras casas grandes do século
XVI"[28].
Outra não é a contribuição dada à sociologia
brasileira por Oliveira Vianna[29].
A sua perspicaz observação, o seu exigente método de análise, foram os
instrumentos de que se valeu o sociólogo fluminense para reconstruir, a partir de tipos sociológicos hauridos da
nossa história, o intrincado pano de fundo da evolução política brasileira.
Profundo conhecedor da nossa formação social, o pensador fluminense partiu da
análise do complexo de clã, que
surgiu como produto cultural do latifúndio. O nosso insolidarismo secular nos
fechou, durante séculos, numa visão que não ultrapassava os limites do clã.
Porque foi o latifúndio a primeira realidade organizacional consolidada que o
nosso país conheceu, ao emergir das sombras do descobrimento e ao se processar
o primigênio surto de interiorização
ocorrido com as bandeiras vicentistas. O complexo de clã nasceu ali, ao redor
da Casa Grande, sob a figura protetora do senhor de engenho, única autoridade
patriarcal, inapelável, indelegável, unipessoal, carismática, violenta e
paternal ao mesmo tempo. Poderíamos aproximar com sucesso essa autoridade
clânica do latifúndio da figura do pater
famílias, tão bem estudada por Weber.
A organização política na época colonial
consolidar-se-ia a partir da única realidade social conhecida pelo nosso povo-massa: o clã parental. Era ele quem
realmente garantia a sobrevivência ao indivíduo contra a anarquia branca que, numa visão privatista do poder (típica, aliás,
da formação política patrimonial caracterizada pela sociologia weberiana),
enquadrava dentro da órbita centrípeta dos interesses parentais as instituições
formais: câmaras municipais, juizes de paz, etc.
O Estado moderno, de abrangência nacional,
deveria constituir-se a partir dessa realidade. As tentativas de passar da
atomização clânica a uma democracia formal, fatalmente levariam ao reforço das
antigas formas privatistas de exercício do poder: isso aconteceu, segundo
Oliveira Vianna, em 1824, quando da instituição do regime parlamentar e em
1891, quando da adoção puramente formal do federalismo presidencialista de
inspiração anglo-americana.
Dois momentos-chave identificou o sociólogo
fluminense na tentativa de consolidar o Estado nacional, superando o complexo de clã e fazendo emergir uma
mística nacional: o Segundo Reinado e o ciclo getuliano. Dom Pedro II e Getúlio
enfeixaram nas mãos o maior acúmulo de poder que governante algum já conseguiu
ter ao longo da história brasileira. A genialidade política de ambos decorria
do fato de terem encarnado uma autoridade de cunho patriarcal, mas pondo-a a
serviço de um processo modernizador, que tinha como finalidade a definitiva
consolidação do Estado nacional, que se sobrepusesse aos clãs.
Oliveira Vianna explica de que forma dom
Pedro II conseguiu colocar a serviço da mística nacional os clãs parentais,
organizando a partir deles os clãs políticos, que por sua vez se integrariam
nos dois Partidos, o Liberal e o Conservador. A elite imperial de homens de 1000 (figura bíblica que
identificava os líderes do povo escolhido) consolidou, ao longo do país, a
idéia de Nação, sob a decidida autoridade do Imperador. Faltou ao sociólogo
fluminense, é certo, saber valorar nas suas devidas dimensões a experiência
parlamentar do Império, que ele identificou pejorativamente como mais um
formalismo do marginalismo liberal.
Mas essa falha do nosso autor talvez deva ser tributada na conta dos próprios
liberais republicanos que, como Rui Barbosa, fizeram uma crítica indiscriminada
às instituições imperiais, sem perceberem o alto valor pedagógico e
modernizador do parlamentarismo e do Poder Moderador, que ensejaram na nossa
cultura os valores da negociação e da tolerância, como acertadamente destaca
Antônio Paim em recente estudo[30].
O Estado getuliano seria, para Oliveira
Vianna, o segundo momento modernizador da história brasileira. Sobrepondo-se à
privatização do poder político decorrente da queda do Império e da adoção da
instituição republicana calcada da Carta norte-americana, com o conseqüente
sacrifício do poder central no altar do vácuo federalista, Getúlio conseguiu
reerguer um centro de poder nacional. Ao seu redor, em autêntico élan modernizador, o estadista gaúcho
deflagrou amplo processo de reformas econômicas, sociais, trabalhistas e
educacionais, que permitissem ao Estado intervir nos principais setores da vida
nacional, a fim de sobrepor a unidade
política e o sentimento nacional à colcha de retalhos de interesses clânicos em
que tinha afundado a República Velha. Verdadeiro esforço pedagógico que visava
ao surgimento de uma nova consciência social, como a pretendida pelo processo
centralizador do Império. O direito social, presente na legislação trabalhista
getuliana, seria elemento fundamental do processo.
A pauta modernizadora de Oliveira Vianna
certamente influiu na elaboração das propostas reformistas de Getúlio Vargas. A
leitura da obra do sociólogo fluminense levou Getúlio a descobrir a dimensão
nacional dos problemas sociais e lhe permitiu superar o ranço de provincianismo
gaúcho que o afetou na primeira parte da sua vida política, como Deputado na
Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Deputado Federal e líder da
bancada gaúcha na Câmara, ele cita nos seus discursos, a partir de 1925,
trechos inteiros de Populações Meridionais do Brasil, cuja primeira edição data de
1920. É através da leitura de Oliveira Vianna como o jovem deputado supera os
estreitos limites do comtismo e se abre a uma perspectiva sociológica mais
larga, na qual, sem esquecer os princípios do organicismo saint-simoniano e do
darwinismo social, incorpora a perspectiva monográfica da sociologia de Le
Play, que já tinha, aliás, inspirado ao próprio Sílvio Romero[31].
Nas reformas autoritárias deflagradas por Getúlio ao ensejo da proclamação do
Estado Novo terminou ganhando maior dimensão, no entanto, a feição tutelar e
centralizadora do ideal castilhista.
O processo democrático posterior à queda de
Getúlio em 1945, foi sem dúvida estudado com afinco por Oliveira Vianna, que
não chegou a identificar, contudo, verdadeiras aspirações modernizadoras na
classe política sediada no Parlamento. O voraz clientelismo e o espírito
familístico que vieram à tona reproduziam os hábitos privatistas da República
Velha. Porisso, talvez, na parte final da sua meditação sociológica (expressa
magistralmente em Instituições políticas brasileiras), Oliveira Vianna frisa que
o caminho da democratização deve percorrer primeiro a etapa da conquista dos
direitos civis dos cidadãos, para depois se converter em processo de construção
dos canais de participação política. Ao Poder Judiciário, autônomo e desligado
- segundo ele - do vezo familístico que afetava à classe política, o nosso
autor atribui esse importante papel.
Oliveira Vianna teve como cenário para a sua
reflexão sociológica o Brasil rural, que acordava para o primeiro surto de
industrialização e de formação das grandes cidades. Mas os elementos teóricos
encontrados pela sua meditação sobre a realidade brasileira, norteiam a forma
em que deveriam ser abordados os problemas nacionais. Amante declarado da
democracia (é indisfarçável, por exemplo, o entusiasmo com que descreve a
secular luta do povo inglês para construir a democracia representativa,
enquadrando o absolutismo monárquico em limites fixados pelo costume e pelo
direito daí emergente), toda a sua reflexão foi endereçada no sentido de
encontrar o verdadeiro caminho para a democracia no Brasil, que seria o
coroamento do esforço modernizador empreendido pelo Estado intervencionista e
centralizador. E não poupou críticas à retórica liberal, que se limitava a
apregoar a volta oitocentista a um individualismo laissezfairista. Mas é inegável que o sociólogo fluminense
ficou limitado por uma concepção elitista, que Wanderley Guilherme dos Santos
classificou, acertadamente, como autoritarismo
instrumental. Mesmo fazendo reservas a esse elitismo e divergindo
conceitual e emocionalmente de qualquer forma de autoritarismo, não posso
deixar de reconhecer que a tipologia elaborada por Oliveira Vianna inspirou,
com sucesso, à elite militar que efetivou a abertura política, tendo dado
ensejo ao fim do período de exceção, no início dos anos oitenta.
Preocupado com o conteúdo ético da vida
política brasileira, o sociólogo fluminense não só analisou os aspectos
institucionais ligados ao processo modernizador do Estado, como também se
deteve no estudo do conteúdo psicológico das nossas atividades partidárias e da
ausência de motivações coletivas.
Falando em linguagem filosófica, diríamos que Oliveira Vianna se preocupou com
a formulação de uma moral social consensual que alicerçasse o processo de
modernização institucional e o sentimento de nação.
As sociologias de Gilberto Freyre e de
Oliveira Vianna, pelo fato de partirem da análise detalhada do fenômeno do
patriarcalismo brasileiro, constituem base conceitual sólida para a compreensão
da realidade mais abrangente do Estado patrimonial, que é constituído
essencialmente pelo alargamento de uma autoridade patriarcal originária, que se
estende sobre territórios, pessoas e coisas extra-patrimoniais, enxergando-os
como instâncias domésticas. Sem a compreensão prévia da realidade da Casa
Grande e do Latifúndio que a acompanha, não se pode entender cabalmente a
evolução centrípeta do Estado patrimonial brasileiro. As sociologias calcadas
em arquétipos dicotômicos, como a marxista, não conseguem enxergar esse
universo nuclear, magistralmente estudado por Freyre e Oliveira Vianna.
Conclusão
Tentei caracterizar, ao longo deste trabalho,
as sociologias de Gilberto Freyre e Oliveira Vianna, como originais
contribuições que fogem à moda dicotômica, por onde enveredaram no Brasil as
ciências sociais, e que conseguem elaborar tipologias inspiradas na nossa
história, a fim de compreender o processo nuclear e centrípeto da formação
sócio-política brasileira, a partir do patriarcalismo. Aproximei a sociologia
de ambos os autores do modelo de pesquisa axiológica desenvolvido por Max
Weber, destacando a valiosa contribuição prestada por eles às ciências sociais
no nosso meio, lhes permitindo um arejamento humanístico, interdisciplinar e
crítico do positivismo. Em que pese a insubstituível contribuição teórica de
Freyre e de Oliveira Vianna, as suas tipologias atrelam-se ainda demais ao
nosso meio rural. O Brasil posterior a 1970 tornou-se maioritariamente urbano.
Muito esforço criativo deverá ser feito daqui para frente, no sentido de
traduzir em novos conceitos sociológicos os profundos câmbios que afetam à
nossa realidade. Freyre e Oliveira Vianna serão superados em não poucos
aspectos das suas tipologias. Mas deverá permanecer, como norte que guie aos
novos estudiosos, a sua inspiração interdisciplinar e culturológica, aberta à
história em toda a sua complexidade e crítica de todos os dogmatismos.
[1] O
conceito é de Wanderley-Guilherme dos Santos. Por "Matriz
Ideológica", o autor entende "a preocupação de analisar os textos
brasileiros de reflexão social com o objetivo explícito de buscar sua
caracterização conceitual própria, independentemente dos azares conjunturais da
empiria. Não se trata de afirmar que a empiria histórica é irrelevante para a
formação do pensamento social, nem que esse mesmo pensamento não se refira em
algum momento ao transcurso histórico. Apenas se reivindica a diferenciação e
análise conceitual como procedimentos legítimos e necessários na apropriação
adequada dos determinantes estritamente conceituais do presente"
(Wanderley-Guilherme dos Santos, Ordem burguesa e liberalismo político,
São Paulo: Duas Cidades, 1978, pg. 25).
[2]
Santos, Wanderley-Guilherme dos. Ordem burguesa e liberalismo político.
Ob. cit., pg. 44-45.
[3]
Santos, Wanderley-Guilherme dos. Ordem burguesa e liberalismo político.
Ob. cit., pg. 48-49.
[4]
Duvignaud, Jean. "Gilberto Freyre, sociólogo humanista". In: Gilberto
Freyre na Un. B. Conferências e comentários de um simpósio internacional,
realizado de 13 a 17 de outubro de 1980. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 1981, pg. 69-70.
[5]
Vianna, Francisco José de Oliveira. Evolução do povo brasileiro. 4ª
edição, Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, pg. 26-27.
[6] Cf.
Vianna, Francisco José de Oliveira. Evolução do povo brasileiro. Ob.
cit., pg. 399.
[7] Vianna,
Francisco José de Oliveira. Evolução do povo brasileiro. Ob.
cit., ibid.
[8] É
palpável o interesse crescente pelo estudo do pensamento sociológico de
Gilberto Freyre e Oliveira Vianna. Dissertações de mestrado e Teses de doutorado nas Universidades,
artigos, foros de debates, livros publicados testemunham essa mudança. Em
relação a Gilberto Freyre, frisava assim o padre Fernando Bastos d'Avila, no
Simpósio Internacional sobre o sociólogo pernambucano, promovido em 1980 pela
Universidade de Brasília: "Por isso atribuo o sentido de uma verdadeira
consagração ao espírito ocorrido no último Congresso da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC), quando me pareceu que a juventude descobria
Gilberto Freyre. Os congressos da SBPC têm sido oxigenados por ciclones juvenis
e, no último desses ciclones, deu-se o encontro de Gilberto Freyre com a
juventude. Símbolo comovente, que hoje se repete neste auditório, e que transfere para o cenário acadêmico o
fenômeno que o próprio Gilberto Freyre, na sua obra Além do apenas moderno, já havia detectado no cenário familiar.
Sobre o vão central da geração adulta, parece existir uma misteriosa
comunicação, uma secreta cumplicidade entre as gerações por ela separadas. Vejo
no fato o sentido humanista da
perenidade de um autor e de uma obra na qual começam a se reconhecer os jovens,
esses contemporâneos do futuro" (Avila, Fernando Bastos de, "Gilberto Freyre e o desafio da cultura
tropical", In: Gilberto Freyre na Un. B., ob. cit., pg. 79). No caso de
Oliveira Vianna, aconteceu movimento semelhante a partir dos anos 80. Começaram
a aparecer estudos que, de forma desapaixonada, tentam analisar o pensamento
sociológico do grande cientista fluminense. Cito alguns deles: Queiroz, Paulo Edmundo de Souza, Sociologia
política de Oliveira Vianna, São
Paulo: Convivio, 1975; Paim, Antônio, Oliveira Vianna de corpo inteiro,
Londrina: CEFIL, 1989; Vélez Rodríguez, Ricardo, Oliveira Vianna e o papel
modernizador do Estado Brasileiro (tese de doutorado defendida una
Universidade Gama Filho em 1982 e publicada, sob o mesmo título, pela Editora
da Universidade Estadual de Londrina, em 1997). De outro lado, tem sido
empreendida a reedição da obra de Oliveira Vianna, sendo de destacar as
seguintes publicações: Populações meridionais do Brasil e
Instituições políticas brasileiras, 1ª edição num único volume, (introdução
de Antônio Paim), Brasília: Câmara dos Deputados, 1982; Instituições políticas
brasileiras; Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp; Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 1987, 2 volumes; Populações meridionais do Brasil;
Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp; Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 1987, 2 volumes; História social da economia capitalista no
Brasil, Belo Horizonte: Itatiaia; Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 1987, 2 volumes; Ensaios inéditos, Campinas: Unicamp,
1991.
[9] É
o caso, por exemplo, das obras de Evaldo Amaro Vieira, Autoritarismo e corporativismo no
Brasil: Oliveira Vianna & Companhia (2ª edição, São Paulo: Cortez,
1981) e de José Nilo Tavares, Autoritarismo e dependência: Oliveira
Vianna e Alberto Torres (Rio de Janeiro: Achiamé, 1979), que reduzem a
obra do sociólogo fluminense, ora à defesa incondicional do Estado corporativo,
ora à apolotia do autoritarismo tout-court,
ou das teses racistas do conde Gobineau. Já no sentir de Philippe C. Schmitter,
em seu livro Interest Conflict and Political Change in Brazil, "a obra
de Oliveira Vianna não é estudada hoje, talvez, por motivo de sua associação
com o pensamento racista corporativista no período de 1920 a 1930" (citado
por Queiroz, Paulo Edmundo de Souza in: Sociologia
política de Oliveira Vianna, ob. cit., pg. 7). No que concerne aos
preconceitos sofridos pela obra de Gilberto Freyre, o padre Bastos d'Avila
lembra as radicais críticas de origem clerical, endereçadas ao sensualismo tropical de Casa
Grande e Senzala (Avila,
Fernando Bastos de, "Gilberto Freyre e o desafio da cultura luso-tropical,
ob. cit., pg. 77). A radical crítica "progressista" contra a obra do
autor pernambucano, poder-se-ia ilustrar deliciosamente com o seguinte
testemunho do próprio Gilberto Freyre: "(...) igual indignação foi a de
antropólogos convencionais, à qual se juntaram incompreensões de antropólogos
também fechados em antropologismos superados. Protestos de moralistas ao mesmo
tempo que patriotas. Um desses - antes e depois desse seu efêmero furor contra
mim - amigo por mim querido e admirado.
Admiradíssimo: Vicente do Rego Monteiro. Pois o grande modernista da pintura
brasileira, em certo momento, bradou
contra o para ele, em certo momento, terrivelmente perigoso Casa Grande e Senzala
(...). Tanto que chegou a este extremo:
o de clamar para que o livro fosse queimado em praça pública (...). Igual
atitude teve contra o octogenário (...) o também renovador modernista (...)
Oswald de Andrade, a quem, por algum tempo, dei a impressão de vir corrompendo
a mocidade brasileira com um, para ele,
reacionarismo contrário a quanto fosse modernismo e progressismo
messiânicos. De tal modo indignou-se com a minha presença, para ele de todo perniciosa,
na cultura brasileira, que ao noticiar-se a morte, em combate, pela polícia
nordestina, do então famoso Lampião, exclamou: Não adianta. Mataram Lampião mas Gilberto Freyre continua vivo"
(Freyre, Gilberto, "Menos especialista que generalista", in: Gilberto
Freyre na Un. B., ob. cit., pg. 149).
[10]
Bendix, Reinhard. Max Weber, um perfil
intelectual. (Tradução de Elisabeth Anna e José Viegas Filho.
Apresentação de Vamireh Chacon).
Brasília: Editora da Universidade de Brasília., 1986, pg. 362.
[11]
Chacon, Vamireh. "Uma weberiana brasileira". Apresentação à obra, já
citada, de Reinhard Bendix, Max Weber, um perfil intelectual,
pg. 11.
[12]
Barbu, Zevedei. "A contribuição de Gilberto Freyre à sociologia
histórica". In: Gilberto Freyre na Universidade de Brasília, ob. cit., pg.
50-51.
[13] Cf. Vélez
Rodríguez, Ricardo. "A idéia de cultura em Oliveira Vianna". In: Convivium,
art. cit., nota 1.
[14] Barbu,
Zevedei. "A contribuição de Gilberto Freyre à sociologia histórica".
Artigo citado, pg. 54.
[15] Barbu,
Zevedei, "A contribuição de Gilberto Freyre à sociologia histórica".
Artigo citado, pg. 58.
[16] Barbu,
Zevedei. "A contribuição de Gilberto Freyre à sociologia histórica".
Artigo citado, pg. 57-58.
[17] Barbu,
Zevedei. "A contribuição de Gilberto Freyre à sociologia histórica".
Artigo citado, pg. 59.
[18] Barbu,
Zevedei. "A contribuição de Gilberto Freyre à sociologia histórica".
Artigo citado, pg. 52-53.
[19]
Viana, Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras.
3ª edição, Rio de Janeiro: Record, 1974, vol. I, pg. 74. Os grifos são do
autor.
[20] Vianna,
Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras.
Ob. cit., vol I, pg. 74.
[21]
Vianna, Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras.
Ob. cit., vol. I, pg. 297.
[22]
Freyre, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 25a edição. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1987.
[23] Edição
citada, 1974.
[24]
Chacon, Vamireh. "Uma fenomenologia de Gilberto Freyre". In: Gilberto
Freyre na Un. B., ob. cit., pg. 83.
[25] Briggs,
Asa. "Gilberto Freyre e o estudo da história social". In: Gilberto
Freyre na Un. B., ob. cit., pg.
30.
[26]
Barbu, Zevedei. "A contribuição de Gilberto Freyre à sociologia
histórica". In: Gilberto Freyre na Un. B., ob. cit.,
pg. 60.
[27]
Freyre, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da
Economia Patriarcal. 25ª edição, Rio de Janeiro: José Olympio, 1987,
prefácio à 1ª edição, pg. IX.
[28] Freyre,
Gilberto. Casa Grande e Senzala. Ob. cit., pg. XIII-XIV.
[29] A
tipologia sociológica de Oliveira Vianna acerca da formação política
brasileira, encontra-se fundamentalmente nas suas obras Populações meridionais do Brasil
e Instituições políticas brasileiras (primeira edição num único volume.
Prefácio de Antônio Paim, Brasília: Câmara dos Deputados, 1983, coleção
"Pensamento Político Republicano"). Cf. Ricardo Vélez Rodríguez, Oliveira
Vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro. (Prefácio de
Antônio Paim). Londrina: editora da UEL, 1997.
[30]
Cf. Paim, Antônio. Momentos decisivos da história do Brasil. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, pg. 196-198.
[31]
Cf. da minha autoria, Castilhismo, uma filosofia da República.
(Prólogo de Antônio Paim). 2ª edição corrigida e acrescida. Brasília: Senado
Federal, 2000, pg. 241-242.
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Juiz de Fora
(Minas Gerais - Brasil) 31 de Janeiro de 2001