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sábado, 20 de março de 2010

A SAGA DA FILOSOFIA BRASILEIRA NOS SÉCULOS XX E XXI


Antônio Paim, o mais importante historiador da Filosofia Brasileira


A partir da queda do Império e da instauração da República em 1889, a preocupação com a busca de uma sociedade racional tornou-se meta prioritária da elite intelectual brasileira. O século XX começa sob a inspiração positivista, que deu ensejo às quatro correntes mencionadas na matéria anteriormente publicada neste blog.

A vertente castilhista, consolidada, como já foi frisado, na Constituição política do Estado do Rio Grande do Sul, elaborada e promulgada por Castilhos em 1891, deu lugar à prática da "ditadura científica" no mencionado Estado. As figuras de maior relevo do castilhismo não foram teóricos do positivismo, mas espíritos práticos que legislaram e que modelaram uma forma autoritária de governo. Consolidado o castilhismo no Rio Grande do Sul, a partir de 1930 converteu-se na doutrina predominante do autoritarismo republicano brasileiro.

Duas gerações podemos identificar no castilhismo: a primeira, correspondente ao surgimento e consolidação dessa tendência no Estado do Rio Grande do Sul, no período compreendido entre 1891 e 1930 e que teve, além de Castilhos, os seguintes representantes: Borges de Medeiros (1864-1961), José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) e Getúlio Vargas (1883-1954). A segunda geração castilhista foi integrada pela elite sul-riograndense que acompanhou Getúlio Vargas na tomada do poder em 1930 e a sua influência projetou-se diretamente no cenário nacional durante o longo período getuliano até 1945, voltando a exercer alguma influência durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Os representantes mais destacados desta segunda geração foram Lindolfo Collor (1891-1942), João Neves da Fontoura (1889-1963), Firmino Paim Filho (1884-1971), João Batista Luzardo (1892-1982), Joaquim Maurício Cardoso (1888-1938) e outros.

Os dois traços doutrinários centrais do castilhismo [cf. Vélez, 1980] são a idéia da tutela do Estado sobre os cidadãos e a concentração de poderes no Executivo. Como doutrina regeneradora, o castilhismo revelou-se mais autoritário do que a própria ditadura científica comteana. Enquanto o filósofo de Montpellier considerava que da educação positiva dos vários agentes sociais emergiria a ordem social e política, os castilhistas, como já foi dito, inverteram a equação: primeiro deveria se consolidar um Estado mais forte do que a sociedade (mediante os expedientes do partido único e do terror policial que destruísse qualquer oposição) a fim de que, numa segunda etapa, o Estado educasse compulsoriamente os cidadãos. Como pode-se observar, este modelo incorporou muitos elementos do totalitarismo rousseauniano, particularmente a idéia de que ordem significa aniquilação de qualquer dissenso.

Em que pese o fato de os castilhistas da segunda geração (na qual se destacava a figura de Lindolfo Collor) tiverem elaborado uma plataforma modernizadora de governo que deitou os alicerces para a industrialização do Brasil, a sua proposta ensejou um modelo tecnocrático apto para funcionar unicamente num contexto autoritário. Essa tendência fez com que o longo regime de Vargas terminasse evoluindo até uma ditadura uni-pessoal, com alguns elementos emprestados do corporativismo fascista: o chamado Estado Novo (1937-1945).

Os positivistas ilustrados (cujos nomes já foram mencionados no item anterior) foram caracterizados assim por Antônio Paim [1967]: "(...) sendo partidários de Augusto Comte, no que se refere à possibilidade da organização racional da sociedade, preferiam os procedimentos da democracia liberal, ao contrário do totalitarismo castilhista". Especial menção deve ser feita a Ivan Lins, cuja obra principal História do positivismo no Brasil [1964] tornou-se um dos clássicos para o estudo deste tema, justamente por fazer um balanço objetivo e desapaixonado da contribuição das várias manifestações do comtismo na cultura brasileira.

A vertente militar do positivismo teve um importante representante neste século: o marechal Cândido Mariano da Silva Rondón (1865-1956), quem foi o principal discípulo do ideólogo do positivismo no meio militar, Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Inspirado no ideal positivista de incorporação do proletariado à sociedade, Rondón sempre insistiu na assimilação do índio à cultura ocidental, respeitando as populações silvícolas nas suas propriedades, nas suas pessoas e nas suas instituições políticas, sociais e religiosas. Essa atitude permitiu-lhe realizar importante trabalho de penetração nos longínquos confins da Amazônia e do Mato Grosso. Convém salientar que houve, no meio militar, um grupo de oficiais que seguiram o positivismo castilhista, entre os quais cabe mencionar o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro (1889-1956), quem teve papel destacado durante os dois governos de Getúlio Vargas.

Nas primeiras décadas do século passado, a crítica ao positivismo foi realizada por Otto de Alencar (1874-1912) e Amoroso Costa (1885-1928), ambos professores da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e precursores da corrente neo-positivista. A crítica era simples: o comtismo não corresponde a uma autêntica filosofia da ciência devido à sua índole dogmática, sendo necessária uma abertura à evolução do conhecimento científico nas suas várias manifestações, especialmente no tocante à física-matemática. A finalidade essencial da filosofia seria a formulação de uma teoria do conhecimento que buscasse fundamentar uma linguagem elaborada com o máximo rigor e que se inspirasse na matemática. Os esforços de Otto de Alencar e Amoroso Costa conduziram à criação da Academia Brasileira de Ciências em 1916, que representou um espaço aberto ao pensamento científico, livre por completo do dogmatismo comteano.

Na atualidade, dois pensadores representam a tendência neo-positivista: Pontes de Miranda (1892-1979) e Leônidas Hegenberg (nasc. 1925). O primeiro caracteriza-se por ter aplicado os princípios fundamentais dessa corrente à ciência do direito, mas sem se restringir a ela, colocando-a num contexto mais amplo em que medita sobre a criação humana como um todo. O segundo é considerado por Antônio Paim como "o principal artífice do processo contemporâneo de superação do conceito oitocentista de ciência e do triunfo sobre o positivismo comteano por parte dos cultores das ciências exatas, interessados na correspondente problemática filosófica.

A mais fecunda corrente de pensamento filosófico, ao longo do presente século, é a culturalista. Tal corrente identifica-se como herdeira do neo-kantismo e da tradição surgida a partir da crítica ao positivismo, desenvolvida pela "Escola do Recife", especialmente por Tobias Barreto. Os principais representantes do culturalismo brasileiro são Luís Washington Vita (1921-1968), Miguel Reale (1910-2006), Djacir Menezes (1907-1996), Antônio Paim (nasc. 1927), Paulo Mercadante (nasc. 1923) e Nelson Saldanha (nasc. 1931).

As teses fundamentais sustentadas pelos culturalistas poderiam ser sintetizadas da seguinte forma, segundo Antônio Paim [1977]: a) A filosofia implica multiplicidade de perspectivas, sendo que no interior destas existe a possibilidade de que surjam pontos de vista diversos. A escolha de uma perspectiva determinada não obedece a critérios uniformes. b) A ciência é a única forma de conhecimento capaz de efetivar um discurso com validez universal, mas para isso são estabelecidos objetos limitados, evita-se a busca da totalidade e elimina-se o valor. c) As ciências humanas experimentaram um processo de aproximação às ciências naturais, mas por outro lado observa-se uma subordinação de todas elas a esquemas filosóficos. d) Contudo, a elucidação acerca das relações entre ciência e filosofia, não chega a constituir objetivo primordial da corrente culturalista, que centra a atenção, melhor, numa meditação de tipo ontológico. e) O ser do homem constitui o objeto próprio dos pensadores culturalistas, que atendem sobretudo para o agir ou para as criações humanas. f) A criação humana, ou seja, a cultura, é entendida como "conjunto de bens objetivados pelo espírito humano na realização de seus fins específicos". g) É necessário atender, no terreno da cultura, ao âmbito da pura idealidade, que possui um desenvolvimento autônomo, apesar de ser influenciado pelo conjunto da atividade cultural. h) A autonomia da variável espiritual, no processo cultural, torna-se visível através da capacidade humana de refletir filosoficamente acerca dos problemas. i) Os problemas filosóficos são constituídos por questões controvertidas no seio da tradição cultural, desde o ponto de vista do sentido do ser e do agir humanos. j) Apesar de enfatizar a autonomia e a criatividade do espírito, os culturalistas não deixam de reconhecer que a atividade humana é orientada pelo interesse e pela necessidade. k) Contudo, interesse e necessidade humanos são subjetivos, apesar de que na sua concreção se refiram a um determinado contexto histórico e cultural. l) Os ideais convertem-se em forças propulsoras da cultura humana, quando amadurecidos pelos valores morais. m) O curso histórico tomado na sua totalidade está longe de ser um processo racional, constituindo, melhor, a esfera da violência e da força. n) A filosofia política constitui uma espécie de tensa mediação entre as esferas da racionalidade e da violência. Esta forma de reflexão filosófica alimenta-se de determinada concepção de pessoa humana, situada no seu contexto histórico e aberta à problemática da moralidade.

Raimundo de Farias Brito (1862-1917) é o mais importante pensador de tendência espiritualista no Brasil. Discípulo da "Escola do Recife", combateu o positivismo não a partir do neo-kantismo, como Tobias Barreto, mas a partir do espiritualismo, que estava em ascensão na Europa graças à meditação de Henri Bergson (1859-1941). A influência de Farias Brito se fez sentir no pensamento do seu mais importante discípulo, Jackson de Figueiredo (1891-1928) quem, apesar de não ter formulado uma rigorosa proposta filosófica como seu mestre, teve o mérito de elaborar uma doutrina conservadora centrada nas idéias de ordem e de autoridade, que serviu de base teórica aos católicos para assimilar as instituições republicanas e estabelecer um diálogo fecundo com outras concepções políticas, superando destarte o dogmatismo ultramontano, no qual a Igreja Católica tinha ancorado desde a proclamação da República em 1889.

O mais destacado representante desta última posição foi o padre Leonel Franca (1896-1948), da Companhia de Jesus, quem partiu do ponto de vista de defesa intransigente do catolicismo para uma classificação apologética dos filósofos. Outros pensadores de inspiração católica têm desenvolvido perspectivas mais abertas. Dentre os que receberam a influência de Jacques Maritain (1882-1973) cabe mencionar a Alceu Amoroso Lima (pseudônimo Tristão de Athayde) (1893-1983) e Leonardo van Acker (1896-1986). Amoroso Lima sistematizou na sua obra os princípios do que ele denominou de "humanismo cristão", contraposto ao marxismo e ao existencialismo. Alicerçado nessa concepção, formulou críticas a filósofos contemporâneos e lutou no Brasil pela defesa dos direitos humanos. Van Acker, belga de nascimento, adotou um ponto de vista neo-tomista para avaliar as filosofias contemporâneas e formulou uma concepção moderna do que seria o papel dessa corrente de pensamento no mundo de hoje, no sentido de que deveria se abrir à análise, sem preconceitos, de todas as tendências. Continuador desta esclarecida opção é hoje monsenhor Urbano Zilles (nasc. 1937).

Outros pensadores de inspiração católica são: Tarcísio Meireles Padilha (nasc. 1928) quem, inspirado na meditação de Louis Lavelle (1883-1951), formula uma "filosofia da esperança"; Geraldo Pinheiro Machado quem se destacou como historiador das idéias filosóficas no Brasil; Ubiratan Macedo (nasc. 1937) e Gilberto de Mello Kujawski (nasc. 1925), os quais elaboraram a sua obra inspirando-se no pensador espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955); Fernando Arruda Campos, reconhecido estudioso do neo-tomismo brasileiro e o padre Stanislavs Ladusans (1912-1993), da Companhia de Jesus, autor da obra Rumos da filosofia atual no Brasil.

Tentando dar uma resposta concreta ao problema da pobreza e das desigualdades sociais que afetam ao Brasil, alguns pensadores de formação cristã desenvolveram, ao longo das últimas décadas do século XX, o que poderia ser denominado de projeto imanentista de libertação, que acolhe elementos conceituais provindos das teologias católica e protestante, bem como do hegelianismo, dos messianismos políticos rousseauniano e saint-simoniano, do personalismo de Emmanuel Mounier (1905-1950) e do marxismo. As principais contribuições neste terreno pertencem ao padre jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921), inspirador do movimento chamado Ação Popular (que posteriormente converter-se-ia na Ação Popular Marxista-Leninista); a Hugo Assmann, destacado professor universitário; ao padre Leonardo Boff, autor de numerosa bibliografia nos terrenos teológico, político, filosófico e ecológico; e ao pedagogo Paulo Freire.

É importante destacar que, ao longo da última década do século XX, apareceram estudos que analisam a problemática da pobreza de outros ângulos, como por exemplo a partir da perspectiva liberal. A mais significativa contribuição nesse sentido foi a obra de José Osvaldo de Meira Penna (nasc. 1917), intitulada Opção preferencial pela riqueza [Penna, 1991].No terreno do pensamento tradicionalista sobressaem: José Pedro Galvão de Souza (1912-1993), que profundizou na análise da teoria da representação (fato que o aproxima curiosamente do liberalismo lockeano); Alexandre Correia (1890-1984), que realizou a tradução íntegra ao português da Suma Teológica de São Tomás de Aquino (1225-1274) e Gustavo Corção (1896-1978).

Os pensadores de inspiração marxista têm desenvolvido no Brasil amplo trabalho de análise, abordando especialmente os aspectos sócio-econômicos. Destaca-se nesse terreno Caio Prado Júnior (1907-1990), para quem seria infantil a pretensão comteana, adotada pela maior parte dos marxistas brasileiros, de enquadrar a explicação científica acerca da evolução social nos estreitos parâmetros de leis gerais e eternas. "Tal pré-fixação de etapas", escreve Prado Júnior [1966: 23], "através das quais evoluem ou devem evoluir as sociedades humanas, faz rir". Apesar da advertência crítica deste autor, a tendência que veio a prevalecer no chamado "marxismo acadêmico" brasileiro, foi a comteana ou cientificista. Os principais representantes desta vertente (que possui como preocupação fundamental a implantação da sociedade racional, em bases marxistas), foram Leônidas de Rezende (1899-1950), Hermes Lima (1902-1978), Edgardo de Castro Rebelo (1884-1970), João Cruz Costa (1904-1978), Alvaro Vieira Pinto (nasc. 1909) e Roland Corbisier (nasc. 1914).

Vale a pena destacar os nomes de alguns autores de inspiração marxista, desvinculados da opção comteana: Luiz Pinto Ferreira (nasc. 1918) e Gláucio Veiga (nasc. 1923), os quais fazem uma avaliação da problemática herdada da "Escola do Recife", notadamente no terreno do direito. Leandro Konder (nasc. 1936) desenvolveu crítica sistemática à opção comteana seguida pelo marxismo brasileiro. Se apoiando em bases que remontam a Hegel (1770-1831) e a Marx (1818-1883), este autor atribui a "derrota da dialética", sofrida pelo marxismo brasileiro, à versão positivista já anotada [Konder, 1988]. Leandro Konder situa-se, assim, nos dias atuais, como o continuador da atitude crítica anteriormente sustentada por Caio Prado Júnior.

No que tange à fenomenologia, a trajetória do pensamento brasileiro é bastante rica. Ao longo das décadas de cinqüenta e sessenta, a filosofia de Edmund Husserl (1859-1938) foi divulgada por Evaldo Pauli (nasc. 1924) e Luís Washington Vita. Interpretações da obra husserliana projetada sobre a meditação brasileira foram realizadas por Miguel Reale no seu livro Experiência e cultura [1977], por Antônio Luiz Machado Neto (1930-1977) na sua obra Para uma eidética sociológica [1977] e pelo já mencionado pensador católico Leonardo van Acker, no seu livro A filosofia contemporânea [1981]. Importante contribuição para o estudo da história das idéias luso-brasileiras, a partir da aplicação do método fenomenológico, foi dada pelo pensador português Eduardo Abranches de Soveral (1927-2003), com a sua obra Pensamento luso-brasileiro: Estudos e ensaios [1996].

Especial contribuição, no terreno dos estudos fenomenológicos, tem sido dada por Creusa Capalbo (nasc. 1934), para quem a meditação husserliana, longe de constituir um sistema, é mais um método que não se pode reduzir a uma teoria intuitiva do conhecimento, mas que se desenvolve no seio de uma hermenêutica e de uma dialética. Sobressaem ainda no terreno dos estudos fenomenológicos, Aquilles Côrtes Guimarães, que aplica a perspectiva husserliana à historiografia da filosofia brasileira e Beneval de Oliveira (1916-1986), que realiza um balanço da evolução desta corrente na sua obra A fenomenologia no Brasil [1983]. Alguns estudiosos utilizam a fenomenologia como método de pesquisa no terreno das epistemologias regionais. Tal é o caso, por exemplo, de Nilton Campos (1898-1963), Isaias Paim e João Alberto Leivas Job.

A filosofia existencialista, no sentir de Antônio Paim [1967], teve dois momentos no período contemporâneo. O primeiro corresponde à entrada das idéias de Jean-Paul Sartre (1905-1982) no panorama cultural brasileiro, imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial. O segundo corresponde à influência deixada pelo pensamento de Martin Heidegger (1889-1976), a partir da década de sessenta.

As idéias de Sartre foram divulgadas inicialmente por Roland Corbisier e Alvaro Vieira Pinto. A influência do filósofo francês no meio brasileiro consolidou-se com a série de conferências que Sartre pronunciou no Rio de Janeiro em 1961. A entrada do existencialismo sartreano produziu uma forte reação dos pensadores católicos, que passaram a criticar especialmente o ateísmo do pensador francês. O autor que mais definidamente sofreu a influência de Sartre foi Otávio de Mello Alvarenga [cf. Mourão, 1986]. À luz do existencialismo sartreano foram discutidas questões sociais relativas ao desenvolvimento, ao colonialismo e outras, no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).

Pelo fato de se ajustar melhor à tradição espiritualista brasileira, a filosofia hedeggeriana contou com mais seguidores. Dentre os pensadores que sofreram a influência de Heidegger podem ser mencionados os nomes de Vicente Ferreira da Silva (1916-1963), Emmanuel Carneiro Leão, Gerd Bornheim (nasc. 1929), Ernildo Stein, Wilson Chagas (nasc. 1921), Eduardo Portella e Benedito Nunes.

No seio dos existencialistas brasileiros mencionados, deve ser destacada a figura de Vicente Ferreira da Silva, cujas Obras completas [1964] abrem um caminho profundamente rico e original, que une a problemática existencialista à melhor tradição do espiritualismo de origem portuguesa. Referindo-se à peculiaríssima contribuição de Ferreira da Silva, Miguel Reale [in: Silva, 1964: I, 13] afirmou: "A sua preocupação pelas origens e pelo valor do infra-estrutural, já na raiz da personalidade (...), já no evoluir das idéias, como revela a sua nota sobre Heráclito ou o estudo sobre a origem religiosa da cultura, tem, efetivamente, o alcance de uma historicidade transcendente, de um regresso às origens, para dar início a um ciclo diverso da história, diferente deste em que o homem estaria divorciado da natureza e das fontes do divino; para um retorno, em suma, ao ponto original onde emergem todas as possibilidades naturais espontâneas, liberadas das crostas opacas do experimentalismo tecnológico, bem como das objetivações extrínsecas platônico-cristãs".

Adolpho Crippa (1929) desenvolveu a vertente espiritualista trabalhada por Ferreira da Silva, aprofundando no tema do mito como gerador da cultura. Uma perspectiva de análise semelhante foi desenvolvida pelo filósofo português Eudoro de Sousa (1911-1989), que criou na Universidade de Brasília o Centro de Estudos Clássicos.

Vale a pena mencionar os nomes de alguns autores não filiados a correntes determinadas e que se têm caracterizado pela sua ativa participação no debate filosófico, se aproximando, em alguns aspectos, da corrente culturalista. Tal é o caso, por exemplo, de Vamireh Chacon (nasc. 1934), Renato Cirell Czerna (nasc. 1922), Silvio de Macedo ( nasc. 1920), Roque Spencer Maciel de Barros (1927) Evaristo de Moraes Filho (nasc. 1914), Alcântara Nogueira (nasc. 1918), Jessy Santos (nasc. 1901) e Tércio Sampaio Ferraz (nasc. 1941). O mais importante representante do espiritualismo no momento atual é João de Scantimburgo (nasc. 1915), que se inspira no pensamento de Maurice Blondel (1861-1949). No terreno do aprofundamento nos fundamentos do pensamento neoconservador ressalta, nas últimas décadas, a obra de Olavo de Carvalho, que oferece cursos regulares de extensão on line.

A cultura filosófica brasileira, no século XX e na primeira década do XXI, foi canalizada por um número crescente de pensadores, em direção ao estudo sistemático dos principais autores e correntes, a partir de determinadas instituições não universitárias. Eis as mais destacadas entidades: o Centro dom Vital (criado em 1922, no Rio de Janeiro, por Jackson de Figueiredo); o Instituto Brasileiro de Filosofia (criado em 1949, em São Paulo, por Miguel Reale); a Sociedade Brasileira de Cultura Convívio (criada em 1962 em São Paulo, por Adolpho Crippa); o Conjunto de Pesquisa Filosófica (organizado em 1967 em São Paulo pelo padre Stanislavs Ladusans); a Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos (com sede no Rio de Janeiro e presidida desde 1973 por Tarcísio Padilha); o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (organizado em Salvador-Bahia em 1983 por Antônio Paim e que possui, hoje, o mais importante acervo na área do pensamento brasileiro); a Sociedade Tocqueville (criada no Rio de Janeiro, em 1986, por José Osvaldo de Meira Penna e um grupo de intelectuais liberais); o Centro de Estudos Luso-Brasileiros (criado em 1986, no Rio de Janeiro, por Anna Maria Moog Rodrigues, Italo Joia e Gisela Bandeira Pereira); o Instituto de Humanidades (com sede em Londrina, Paraná, e criado em 1987 por Leonardo Prota, Antônio Paim e Ricardo Vélez Rodríguez); a Academia Brasileira de Filosofia (criada em 1989 no Rio de Janeiro por iniciaitiva de Jorge Jaime, e presidida atualmente por João Ricardo Moderno); o Centro de Estudos Filosóficos de Londrina (criado em 1988 por Leonardo Prota); o Centro de Estudos Filosóficos de Juiz de Fora (criado em 1991 pelos ex-alunos do Curso de Mestrado em Pensamento Brasileiro da Universidade Federal local); o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da mesma Universidade (criado em 2005 por Ricardo Vélez Rodríguez, com a colaboração de Alexandre Ferreira de Souza e Marco Antônio Barroso), o Centro de Pesquisas Estratégicas "Paulino Soares de Sousa" (criado nessa Universidade por Ricardo Vélez Rodríguez e Expedito Stephani Bastos), o Núcleo de Estudos sobre Madame de Staël e o Romantismo filosófico e literário (criado também na UFJF por Ricardo Vélez e Humberto Schubert Coelho), etc.

Nas últimas décadas do século XX surgiram, em várias universidades, programas de pós-graduação orientados ao estudo da história das idéias filosóficas no Brasil. As principais iniciativas foram tomadas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (sob a coordenação de Antônio Paim), pela Universidade Gama Filho (do Rio de Janeiro, sob a coordenação do filósofo português Eduardo Abranches de Soveral e de Antônio Paim), pela Universidade Estadual de Londrina (sob a coordenação de Leonardo Prota) e pela Universidade Federal de Juiz de Fora (por iniciativa de José Carlos Rodrigues, Aristóteles Ladeira Rocha e Ricardo Vélez Rodríguez). De outro lado, em aproximadamente 25 universidades era ensinada regularmente, no final do século XX, a disciplina "filosofia brasileira". Esse crescente interesse pelo estudo do pensamento brasileiro levou o Centro de Estudos Filosóficos de Londrina a realizar a cada dois anos, sob a coordenação eficiente de Leonardo Prota (entre 1989 e 2006) os Encontros Nacionais de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, cujos Anais passaram a constituír importante fonte para o estudo da filosofia brasileira, à luz da temática das filosofias nacionais.

Na primeira década do século XXI, Paulo Margutti organizou, na Universidade Federal de Minas Gerais, o núcleo Fibra , para o estudo, em nível de pós graduação, da filosofia brasileira.

No terreno documental, sobressai a iniciativa do Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro de Salvador-Bahia, que sob a orientação de Antônio Paim e Dinorah de Araújo Berbert de Castro tem publicado, desde 1983, bibliografias e estudos críticos acerca de pensadores luso-brasileiros, tendo efetivado, outrossim, pesquisas bibliográficas sobre as principais revistas de divulgação do pensamento filosófico. A nível internacional, é digno de menção o Anuario del Pensamiento Ibero e Iberoamericano, que a Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, publicou entre 1989 e 1993, sob a direção de José Luis Gómez-Martínez, com uma seção dedicada ao estudo do pensamento brasileiro. Esta publicação, bem como o Portal "Ensayistas" (www.ensayistas.org) constituem, na atualidade, o mais completo instrumento bibliográfico no seu gênero, a nível mundial, somente comparável ao Handbook of Latin-American Studies, que é publicado, sob a coordenação de Juan Carlos Torchia Estrada, pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

Por último, cabe mencionar o importante trabalho de difusão da filosofia brasileira que Luiz Antônio Barreto realizou em Aracajú (Sergipe), a partir da Fundação Augusto Franco. As suas duas mais recentes contribuições foram a edição das Obras Completas de Tobias Barreto [1991] e a promoção, a partir de 1989, dos Colóquios Luso-Brasileiros de Filosofia, que foram realizados alternadamente, em Portugal e no Brasil, com a colaboração do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, com sede em Lisboa, (sob a presidência de José Esteves Pereira e com a eficiente colaboração de António Braz Teixeira, que na direção da Casa da Moeda realizou um dos mais notáveis esforços editoriais de divulgação de pensadores portugueses e brasileiros, ao longo das duas últimas décadas). A partir de 2007, estes Colóquios Luso-Brasileiros passaram a ser organizados, nas edições correspondentes ao Brasil, pela Universidade Federal de São João Del-Rei, sob a coordenação de José Maurício de Carvalho. O fruto mais importante da cooperação luso-brasileira foi a Enciclopédia Lógos, publicada entre 1989 e 1992, em Lisboa, pela Editorial Verbo, sob a direção de Francisco da Gama Caeiro (1928-1993), Antônio Paim e outros, com o patrocínio da Universidade Católica Portuguesa.

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A SAGA DA FILOSOFIA BRASILEIRA NOS SÉCULOS XVIII E XIX


Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882), filósofo oficial do Império e sistematizador da corrente do Espiritualismo Eclético

A meditação filosófica brasileira durante o período colonial caracteriza-se pela sua inspiração nos temas tratados pela Segunda Escolástica portuguesa. O ponto central desta consistia na defesa da ortodoxia católica, a partir das disposições adotadas no Concílio de Trento (1545-1563) como reação contra a reforma protestante. A máxima expressão desse esforço foi a Ratio Studiorum, sistematizada definitivamente em 1599, e que consistia num estrito regulamento que pautava as atividades acadêmicas da Companhia de Jesus em Portugal e na Espanha. Tal regulamento disciplinou o ensino no Colégio das Artes de Coimbra, na Universidade de Evora e nas demais escolas jesuíticas, que praticamente monopolizavam os estudos secundários em Portugal.
Dois aspectos típicos da Ratio Studiorum eram a subordinação do ensino superior à teologia e o dogmatismo, que se alicerçava na procura de uma ortodoxia definida pelos próprios jesuítas e que conduzia a expurgar os textos dos autores, inclusive os do próprio São Tomás de Aquino. Como acertadamente destacou Antônio José Saraiva [1955: 229-230], "Não é necessário colocar em evidência o caráter dogmático desse ensino, perfeitamente coerente com o sistema no qual se integra. O ensino da filosofia não visava a desenvolver a capacidade crítica do aluno, mas a incutir nele uma determinada doutrina, a prevenir os possíveis desvios em relação a ela e a prepará-lo para defendê-la".

O ambiente cultural ensejado em Portugal pela Ratio Studiorum não favoreceu a abertura às filosofias modernas formuladas na Europa durante os séculos XVI e XVII. Conseqüentemente, a meditação filosófica colonial correspondeu, no Brasil, à corrente chamada por Luís Washington Vita de "saber de salvação", cujos principais representantes foram Manuel da Nóbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques Pereira e Souza Nunes. Desse conjunto destaca-se a obra de Marques Pereira (1652-1735) intitulada Compêndio narrativo do peregrino da América [Pereira, 1939], que foi editada sucessivamente em 1728, 1731, 1752, 1760 e 1765. A obra respondia à problemática típica da espiritualidade monástica, centrada na idéia de que o homem não foi criado por Deus para esta vida, destacando-se, em conseqüência, o caráter negativo da corporeidade e das tarefas terrenas.

Na segunda metade do século XVIII, consolidou-se em Portugal a corrente do empirismo mitigado, que se caracterizava por uma forte crítica à Segunda Escolástica e ao papel monopolizador que exerciam os jesuítas no ensino, bem como pela tentativa de formular uma noção de filosofia que se reduzisse à ciência aplicada. Duas obras serviram de base a essa nova corrente: Instituições lógicas do italiano Antonio Genovesi (1713-1769) [1937] e o Verdadeiro método de estudar, do sacerdote oratoriano português Luís Antônio Verney (1713-1792) [1950]. O empirismo mitigado foi formulado e se desenvolveu no contexto mais amplo das reformas educacionais do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), que pretendiam incorporar a ciência aplicada ao esforço de modernização despótica do Estado português. Contudo, ao responder a uma problemática formulada a partir das necessidades do Estado patrimonial e não a partir de uma perspectiva que tivesse como centro o homem, o empirismo mitigado não conseguiu dar uma resposta satisfatória aos problemas da consciência e da liberdade.
O empirismo mitigado inspirou, no entanto, a importantes segmentos da intelligentsia brasileira, a partir da mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808.

A geração de homens públicos que organizou as primeiras instituições de ensino superior era de formação cientificista-pombalina. Entre eles, cabe destacar a figura de dom Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), conde de Linhares, que em 1810 organizou a Real Academia Militar do Rio de Janeiro.

O esforço em prol da superação do empirismo mitigado coube a Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Inspirado na filosofia de Leibniz (1646-1716) e, de outro lado, na lógica aristotélica e no empirismo lockeano, o pensador português, quem foi ministro da corte de dom João VI no Brasil, formulou um amplo sistema que abarcava três partes: a teoria do discurso e da linguagem, o saber do homem e o sistema do mundo. A sua mais importante contribuição ao pensamento brasileiro consistiu na tentativa de superação da filosofia até então vigente; a sua proposta teórica foi sistematizada principalmente nas Preleções filosóficas [Ferreira, 1970] e na formulação do liberalismo político e das bases do sistema representativo, no Manual do cidadão num governo representativo [In: Ferreira, 1976]. Graças à sua valiosa colaboração teórica, o Império brasileiro conseguiu superar os problemas do democratismo rousseauniano e deitou as bases para a prática parlamentar. No entanto, a sua meditação não conseguiu formular de maneira completa uma explicação filosófica para o problema da liberdade.

Os temas da consciência e da liberdade ocuparam o foco do debate filosófico que se efetivou no Brasil ao longo do século XIX. A partir das bases colocadas pela meditação de Silvestre Pinheiro Ferreira, os pensadores ecléticos procuraram dar uma resposta de caráter espiritualista à problemática do homem. Sem dúvida que os filósofos brasileiros deste período inspiraram-se no ecletismo espiritualista francês formulado por Maine de Biran (1766-1824) e divulgado por Victor Cousin (1792-1867), que permitiu superar o extremado sensismo de Condillac (1715-1780). Mas o pensamento dos primeiros reveste-se da originalidade que tinham as circunstâncias históricas do Brasil no século XIX, relacionadas com o problema da construção do sentimento de nação e com a organização do Estado.

As duas figuras mais representativas do ecletismo brasileiro são Eduardo Ferreira França (1809-1857) e Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882). A obra do primeiro caracteriza-se por buscar uma fundamentação filosófica para o exercício da liberdade política. Apesar de ter formulado uma visão determinista do homem nos seus primeiros escritos, o seu pensamento evolui até uma concepção espiritualista na obra fundamental intitulada Investigações de psicologia [França, 1973], publicada em Paris em 1854. Sem abandonar a perspectiva empirista que tinha adotado desde o início da sua meditação filosófica, Ferreira França, graças à influência de Maine de Biran, consegue desenvolver o tema da introspeção, que lhe permitirá chegar, com o rigor da observação empírica, à constatação da existência do espírito. Na sua meditação, Ferreira França dará especial ênfase ao tema da vontade, a qual é concebida como o elemento capitalizador dos diversos poderes de que está dotado o homem, cabendo-lhe a função primordial de constituí-lo como pessoa.

Gonçalves de Magalhães expôs o seu pensamento filosófico na obra intitulada Fatos do espírito humano [Magalhães, 1865], publicada em Paris em 1859. O problema ao qual respondeu a filosofia do maior pensador romântico do Brasil foi o da construção da idéia de nação. Isso fez com que a obra de Magalhães, como destaca o seu mais importante estudioso, Roque Spencer Maciel de Barros [1973], se formulasse no contexto de uma proposta pedagógica. Magalhães baseia a sua visão da liberdade e da moral numa análise filosófica inspirada em Victor Cousin e parcialmente em Malebranche (1638-1715) e Berkeley (1685-1753); formula uma explicação do homem em termos puramente espiritualistas, que negam qualquer valor substancial ao mundo material, inclusive ao próprio corpo, já que o universo sensível só existe intelectualmente em Deus, como pensamentos seus. O homem, preso ao corpo, é livre por ser espírito e adquire a conotação de ente moral justamente em virtude dessa "resistência do corpo". A moral de Magalhães, como a de Cousin, é uma moral do dever que valoriza a intenção do autor e não o resultado do ato. A inspiração romântica dessa filosofia aparece na importância conferida por Magalhães ao fator religioso como motor da nacionalidade, bem como no papel desempenhado pela poesia enquanto educadora do povo (ele foi o mais importante representante do romantismo literário no Brasil). Dessa forma, Magalhães desempenha, no contexto brasileiro, um papel semelhante ao representado em Portugal pelo primeiro romântico luso, Alexandre Herculano (1810-1877).

Outras figuras de menor imporância na corrente eclética brasileira foram Salustiano José Pedrosa (falecido em 1858) e Antônio Pedro de Figueiredo (1814-1859), que traduziu ao português o Curso de história da filosofia moderna de Victor Cousin. O ocaso da corrente eclética dá-se ao longo do período de 1880 a 1900, em decorrência do fenômeno cultural denominado por Sílvio Romero (1851-1914) de "surto de idéias novas", e que se caracterizou pela entrada, nos meios acadêmicos, de filosofias contrárias ao espiritualismo eclético, como o darwinismo, o determinismo monista e o positivismo.

Sem dúvida alguma que, entre as correntes filosóficas em ascensão nas últimas décadas do século XIX, o positivismo foi a que mais repercussão teve no seio do pensamento brasileiro. A razão fundamental desse fato radica na pré-existente tradição cientificista que se iniciou com as reformas pombalinas, à luz das quais estruturou-se todo o sistema de ensino superior, em bases que privilegiavam a ciência aplicada e a instrução estritamente profissional. Isso explica a tardia aparição da idéia de universidade (entendida como instância de cultura superior e de pesquisa básica), no contexto cultural brasileiro. Efetivamente, só a partir da década de 1920 ganharia corpo a idéia de universidade, como reação contra o positivismo reinante.

O positivismo teve no Brasil quatro manifestações diferentes: a ortodoxa, a ilustrada, a política e a militar. A corrente ortodoxa teve como principais representantes Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), os quais fundaram, em 1881, a Igreja Positivista Brasileira, com o propósito de fomentar o culto da "religião da humanidade", proposta por Comte (1798-1857), no seu Catecismo positivista.

A corrente ilustrada teve como principais representantes Luís Pereira Barreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921), Paulo Egydio (1842-1905) e Ivan Lins (1904-1975). Esta corrente defendia o plano proposto por Comte na primeira parte da sua obra, até 1845, antes de formular a sua "religião da humanidade", e que poderia ser sintetizado assim: o positivismo constitui a última etapa (científica) da evolução do espírito humano, que já passou pelas etapas teológica e metafísica e que deve ser educado na ciência positiva, a fim de que surja, a partir desse esforço pedagógico, a verdadeira ordem social, que foi alterada pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII.

A corrente política do positivismo teve como maior expoente Júlio de Castilhos (1860-1903) [cf. Vélez, 1980], quem em 1891 redigiu a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que entrou em vigor nesse mesmo ano. Segundo essa carta, as funções legislativas passavam às mãos do poder executivo, sendo os outros dois poderes públicos (legislativo e judiciário) tributários do executivo hipertrofiado. Para Castilhos, deveria se inverter o dogma comteano de que à educação moralizadora seguiria pacificamente a ordem social e política. O Estado forte deveria, ao contrário, impor coercitivamente a ordem social e política, para depois educar compulsoriamente o cidadão na nova mentalidade, ilustrada pela ciência positiva. Esta corrente ganhou maior repercussão do que as outras três, devido a que obedeceu à tendência cientificista de que já se tinha impregnado o modelo modernizador do Estado consolidado pelo marquês de Pombal. Assim, as reformas autoritárias de tipo modernizador que o Brasil iria experimentar ao longo do século XX, deram continuidade à mentalidade castilhista do Estado forte e tecnocrático. Este modelo consolidou-se na obra de um seguidor de Castilhos: Getúlio Vargas (1883-1954), como será detalhado mais adiante. Aconteceu com o castilhismo algo semelhante ao ocorrido no México com o porfirismo: ambas as doutrinas cooptaram a filosofia positivista como ideologia estatizante e reformista.

A corrente militar positivista teve como principal representante Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a monarquia em 1889. Esta corrente estruturou-se paralelamente à ilustrada, projetando ao longo das últimas décadas do século XIX o ideário cientificista pombalino, conforme destacou Antônio Paim [1980: 259]: "A adesão às doutrinas de Comte por parte dos líderes da Academia Militar, deu-se no estreito limite em que contribuiu para desenvolver as premissas do ideário pombalino, quer dizer, a crença na possibilidade da moral e da política científicas. Para comprová-lo, basta comparar as funções às que Comte destinava as forças armadas e o papel que Benjamin Constant atribui ao Exército".

A filosofia positivista foi vigorosamente criticada pela corrente denominada de "Escola do Recife" [cf. Paim, 1966]. O fundador e mais destacado representante dessa corrente de pensamento foi Tobias Barreto (1839-1889). Outras figuras dignas de menção são Sílvio Romero (1851-1914), Clóvis Beviláqua (1859-1944), Artur Orlando (1858-1916), Martins Júnior (1860-1909), Faelante da Câmara (1862-1904), Fausto Cardoso (1864-1906), Tito Livio de Castro (1864-1890) e Graça Aranha (1868-1931).

Os pensadores da "Escola do Recife" protagonizaram uma clara reação contra as duas formas de pensamento que dominavam o panorama filosófico nacional nas últimas décadas do século XIX: o ecletismo espiritualista e o positivismo. Apesar de que no início os seus principais expoentes tivessem tomado elementos do monismo de Haeckel (1834-1919) e da própria filosofia comteana, muito cedo superaram esses limitados pontos de vista para se abrirem às idéias que garantiriam a tematização da cultura, no contexto do neo-kantismo. Esse esforço teórico foi iniciado por Tobias Barreto e coroado por Artur Orlando.

Rosa Mendonça de Brito [1980: 33] sintetizou assim a contribuição deste último: "A sua filosofia é uma meditação sobre as ciências e a crítica ou teoria do conhecimento. Esta é a parte da filosofia que lhe dá um objeto próprio, capaz de justificar-lhe a existência, representando, pois, o núcleo central do pensamento filosófico moderno e contemporâneo. A teoria do real e do ideal -- saber o que o nosso conhecimento possui de objetivo e de subjetivo -- é o seu problema fundamental".

A "Escola do Recife" foi, no contexto do pensamento filosófico brasileiro do século XIX, a mais clara manifestação da perspectiva transcendental kantiana, ao entender -- com Tobias Barreto e Artur Orlando -- a filosofia como epistemologia rigorosamente enquadrada no contexto da perspectiva transcendental. Esses pensadores, sem dúvida, deitaram as bases para o ingresso e a discussão, no meio brasileiro, das idéias provenientes do neo-kantismo, nas primeiras décadas do século XX.

De outro lado, ao buscar uma fundamentação de tipo transcendental não só para o conhecimento, mas também para a ação humana, a "Escola do Recife", especialmente através da meditação dos dois autores mencionados anteriormente, desaguou na concepção da cultura como dimensão específica do humano, que se contrapõe ao mundo da natureza. Segundo o fundador da "Escola do Recife": "(...) a sociedade, que é o grande aparato da cultura humana, deixa-se figurar através da imagem de um emaranhado imenso de relações sinérgicas; é um sistema de regras, é uma rede de normas, que se não limitam ao mundo da ação, chegando até os domínios do pensamento. Moral, direito, gramática, lógica, civilidade, cortesia, etiqueta, etc., são outros tantos corpos de doutrina que têm de comum entre si o caráter normativo (...). E tudo isso é obra da cultura em luta com a natureza (...), luta na qual o direito é o fio vermelho e a moral o fio de ouro, que atravessam todo o tecido das relações sociais. Um direito natural possui tanto sentido quanto uma moral natural, uma gramática natural, uma ortografia natural, uma civilidade natural, pois todas essas normas são efeitos, invenções culturais" [Tobias Barreto, 1966: 331-332].

A "Escola do Recife", ao mesmo tempo que permitiu fazer uma crítica de fundo ao determinismo positivista, que ancorava na submissão naturista da liberdade e da consciência, reduzindo-as a efeitos da "física social", deitou também as bases para a corrente de pensamento que no século XX revelar-se-ia mais vital no contexto da meditação filosófica brasileira: o culturalismo.

Apesar de que a "Escola do Recife" foi a mais importante herdeira do kantismo ao longo do século XIX, não podemos ignorar o papel pioneiro que representaram os Cadernos de Filosofia [Feijó, 1967] do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), que sintetizam o magistério do regente do Império (1835-1837). Neles, encontramos viva a presença de Kant (1724-1804), tanto no que se refere à forma em que Feijó entende a razão humana, quanto no que diz relação ao exercício da liberdade. As seguintes palavras, que ilustram a idéia que o padre paulista tinha acerca da meditação filosófica, partem do pressuposto da "revolução copernicana" do filósofo de Königsberg, de enxergar a problemática do conhecimento sob uma perspectiva estritamente humana e transcendental: "Sendo o homem -- afirma Feijó em seus Cadernos -- a única substância conhecida por ele, é claro que toda ciência para ser verdadeira e não fenomenal, quer dizer, para ter um valor real em si, deve fundamentar-se no mesmo homem. É nas suas leis onde residem os princípios originais e primitivos de toda a ciência humana".

A meditação filosófica brasileira do século XIX não seria alheia à influência do krausismo. Miguel Reale destaca que o pensamento de Krause (1781-1832), apesar de ter entrado indiretamente no panorama brasileiro por intermédio do jurista português Vicente Ferrer Neto Paiva (1798-1886) e dos krausistas Ahrens (1808-1874) e Tiberghien (1819-1901), teve ampla repercussão na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Os principais representantes dessa tendência foram Galvão Bueno (1834-1883) e João Theodoro Xavier (1820-1878), cuja obra Teoria transcendental do direito (1876), segundo Reale, "compendia os princípios fundamentais do racionalismo harmônico de Krause, com freqüentes referências à doutrina de Kant". João Theodoro tentou superar o individualismo da concepção kantiana do direito, numa visão que desse lugar essencial ao papel social do mesmo, sendo assim um dos precursores do chamado "direito social", ou "direito trabalhista" no Brasil.

Uma corrente de filosofia política bastante cultuada durante o Império foi o denominado liberalismo doutrinário. O pensamento de autores como François Guizot (1787-1874), Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), Royer-Collard (1763-1843), etc., exerceu bastante influência na consolidação do sistema representativo. Os pensadores brasileiros que mais diretamente receberam essa influência foram Paulino Soares de Souza, visconde de Uruguai (1807-1866) e o publicista Pimenta Bueno (1803-1878). A visão liberal-conservadora legada pelos doutrinários sofreria, em terras brasileiras, uma análise crítica do ponto de vista do liberalismo democrático de Alexis de Tocqueville (1805-1859). Tavares Bastos (1839-1875) e José de Alencar (1829-1877) foram os pensadores que melhor realizaram essa revisão crítica, que serviu de bandeira ao Partido Liberal, notadamente ao longo das décadas de 1860 e 1870 [cf. Vélez, 1997a e 1997b].

Como reação ao pensamento liberal, o tradicionalismo teve bastante divulgação ao longo do século XIX. Podemos citar, como representantes importantes dessa tendência, a dom Romualdo Seixas (1787-1860), que foi arcebispo de Salvador-Bahia e recebeu do Imperador o título de Marquês de Santa Cruz, e José Soriano de Souza (1833-1895).
Apesar de terem recebido a influência dos tradicionalistas franceses Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), os brasileiros mostraram-se muito mais tolerantes do que aqueles e do que os portugueses. Ubiratan Macedo [1981: 19] sintetizou assim o núcleo da filosofia tradicionalista brasileira: "Pode-se afirmar que os tradicionalistas brasileiros no século XIX tinham consciência clara de um conjunto de teses filosóficas, religiosas e de caráter social, ao redor das quais desenvolveram ensaios de certa magnitude. Tais teses consistiam no menosprezo pelo racionalismo e o liberalismo; na defesa da monarquia legítima; no empenho em prol da união da Igreja e do Estado e em prol da proscrição do matrimônio civil; na luta em defesa da liberdade de imprensa e de pensamento, em nome do direito à verdade. Passando ao nível político (...) e excetuando a preferência pela monarquia, não se observa maior claridade nas opções. A monarquia constitucional vigente era francamente tolerada, assim como o regalismo (...).E quanto a ter uma atenção política estruturada, como pretendia Soriano de Souza, esta não chegou a ser considerada. O grupo, apesar de ativo, era francamente minoritário e nunca teve maior proximidade com o poder".

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domingo, 7 de março de 2010

GRAMSCISMO E LULOPETISMO EM AÇÃO


Lula "o cara" de duas caras: o líder sindical "orgânico", a serviço do proletariado internacional e o Presidente do Brasil


Lula, como diz Obama, “é o cara”. Só que “o cara” tem duas caras. A que agrada aos representantes do capital especulativo global e é festejada nos foros internacionais (como em Davos), e a cara carrancuda que não visita flagelados, que ameaça os direitos básicos dos brasileiros e se alinha com terroristas e torturadores pelo mundo afora, como os irmãos Castro e Amadinejad.

Macunaímico representante da sedução populista no poder, o presidente usa e abusa de sua popularidade para levar adiante projeto mais ousado, que deixa para trás o simples carisma dos palanques, e que envereda perigosamente pelo caminho da construção de pesada hegemonia sindical que leva de roldão tudo que encontra pela frente: valores tradicionais, ética pública, instituições republicanas, direitos inalienáveis dos cidadãos à vida, à liberdade e às posses. Tudo numa boa e com amplos índices de aprovação plebiscitária. O expresidente Fernando Henrique até chegou a falar, em artigo recente, da instauração de uma espécie nova de peronismo tropical, que poderíamos denominar de lulopetismo.

É importante caracterizar aspectos essenciais da denominada revolução cultural gramsciana, para a qual alertava, com muito bom senso, o saudoso Miguel Reale, considerando que se tratava do veneno mais perigoso para a preservação das instituições republicanas no nosso país. Separadas infra-estrutura e superestrutura, Gramsci passou a atribuir a capacidade de racionalização do processo econômico à superestrutura política. Tudo, no seio da incerteza dos fatos sociais, passaria a ser posto em ordem por força da atividade dos intelectuais orgânicos da classe trabalhadora, à frente do Estado. Nisto consistiria a ação ética por excelência. Os puros do sistema, identificados com a elite orgânica a serviço do proletariado, formatariam o Partido único (o Novo Príncipe) e garantiriam a racionalidade social, instaurando um regime regenerador. Por uma estranha mágica da lógica das ideologias, o superestrutural, em Gramsci, passou a se sobrepor ao infraestrutural, obscuramente ligado às forças produtivas. A racionalidade econômica seria fruto da ação regeneradora de uma elite à frente do Partido das massas operárias e camponesas. Estava constituída, assim, a politização total da vida social.

As decorrências do gramscismo na vida política brasileira acomodaram-se à mais velha tradição patrimonialista. A tendência, interior ao patrimonialismo, a privatizar o poder em função de amigos e apaniguados, produziu, na nossa cultura, a apropriação, pelos quadros da inteligentsia petista, do processo racionalizador do Estado. Tudo ficará bem se o Partido passar a dominar, sobranceiro, no universo político, mediante a diuturna prática da hegemonia dos seus quadros sobre os demais atores políticos. A crise do mensalão revelou, desde o início, como seria a estratégia de controle do poder por parte dos quadros partidários. O que fazer com a representação política e a pluralidade partidária? Cooptação nela, mediante as non-sanctas práticas de distribuição de benefícios aos que se acolherem às decisões estratégicas do Partido. É a imposição da liturgia hegemônica praticada, à maneira tradicional, só que em benefício dos dirigentes da racionalidade social, os arautos do proletariado, deixando do lado de fora todos aqueles que tradicionalmente se beneficiaram das políticas oligárquicas, despectivamente denominadas de “neoliberais” e identificadas com as demoníacas elites. Com os amigos do peito, os antigos militantes, compreensão até os limites do realismo mágico, negando, se preciso for, as evidências que falam por si próprias, as falcatruas mensaleiras e outras. A liderança simplesmente “não sabia de nada”. Como “não sabia de nada”, também, em relação a obscuros episódios que envolveram diretamente o Partido, no início da atual quadra de conquista do poder supremo em Santo André e Campinas, nos assassinatos de conhecidos dirigentes partidários que, pelo menos no caso do prefeito da primeira cidade, escapavam às novas exigências táticas do lulismo em ascensão.

Para os corruptos de outras latitudes, nenhuma tolerância e aplicação da lei com todo o seu rigor. O PT conseguiu tornar realidade o velho ditado do folclore patrimonialista: “Aos amigos, marmelada; aos inimigos, bordoada”, que, traduzido no linguajar burocrático, reza assim: “Aos amigos, os cargos; aos inimigos, a lei”. Faço referência, aqui, ao “mensalão do DEM”, (denominado assim, ad nauseam, pela PTGlobo e outras emissoras afinadas com o Planalto), embora o principal culpado já tivesse se desvinculado da mencionada agremiação partidária. Isso com a clara finalidade de enfraquecer os inimigos da hegemonia petista, aqueles Partidos (como o PSDB e o DEM), dispostos a fazer oposição dentro dos marcos da legalidade, coisa cada vez menos tolerada pelos arquitetos da estratégia hegemônica lulopetista, Marco Aurélio Garcia, Luiz Dulci e quejandos. Registro, com perplexidade, a eficientíssima ação de setores do Ministério Público e da Magistratura, no caso de denúncias que visavam a enfraquecer outros adversários pelo Brasil afora, como foi o caso da Governadora do Rio Grande do Sul. Não se viu a mesma agilidade dessas instâncias institucionais, em face das denúncias dos crimes cometidos por companheiros do governo petista, em outras regiões do país.

Apenas agora, já no apagar das luzes dos dois governos lulistas, começam a vir a público, graças à eficiente ação do Ministério Público paulista, as tramóias petistas que desviaram importantes recursos de fundos habitacionais para financiamento do Partido em 2002. Surtirão efeito essas denúncias? Será a nossa Magistratura ágil no julgamento dos responsáveis por esses crimes? Ficarão os mesmos sujeitos aos demoradíssimos trâmites que ainda não possibilitaram o julgamento, na mais importante Corte do país, dos 40 larápios do primeiro mensalão?

Voltando à arquitetura gramsciana, a verdade é que o processo de racionalização da política completar-se-á, no contexto do patrimonialismo petista, mediante a privatização das decisões pelos intelectuais orgânicos que aparecem no topo do universo ideológico contemporâneo: as lideranças sindicais e as que se situam à frente dos denominados “movimentos sociais”. “Intelectuais” orgânicos a serviço do proletariado, como Stédile e quejandos, são guindados à condição de “pensadores brasileiros” em Universidades Federais e festejados inclusive por alguns juízes. O assembleísmo sindical (com conselhos ad hoc sofregamente reunidos pelo país afora) garante a clareza das decisões, bem como a racionalidade das mesmas. Estamos vendo ressurgir o velho fantasma da República Sindical, só que agora iluminado com filosofia própria: o gramscismo acadêmico, habilmente apropriado pela inteligentsia petista e que passou a reforçar a velha tendência, existente desde os tempos de Leônidas de Rezende, nas primeiras décadas do século passado, do cientificismo marxista, tendência amplamente estudada pelo professor Antônio Paim nos seus livros clássicos: A escola cientificista brasileira (Londrina, 2002) e Marxismo e descendência (Campinas, 2009). A racionalização da cultura em prol da classe trabalhadora ocorrerá, no modelo em andamento, pelo controle de toda a produção, efetivada pelas correspondentes lideranças sindicais, no terreno específico do jornalismo (com o malfadado projeto de dominação da classe pelo correspondente sindicato), bem como no campo das produções culturais (lembremos o abortado projeto estatizante do Ministério da Cultura, que volta e meia ressurge com outras aparências).

No terreno das políticas públicas internacionais, falou mais alto a ideologia, submetendo as decisões de inserção estratégica do Brasil no mundo globalizado à malsã ideologização que privilegia aqueles que, no contexto latino-americano e mundial, aparecem como “intelectuais orgânicos” do proletariado internacional. Na crista da onda, certamente, estão o coronel Chávez e os seus gurus do peito, os velhos irmãos Castro. Crise com o gás boliviano? Os interesses estratégicos brasileiros são de pouca monta, diante do fato, mais decisivo, de que o presidente Morales é um intelectual orgânico da revolução bolivariana, alinhado indiscutivelmente com Chávez (e financiado por ele). Vale a pena passar por cima do direito internacional, intervindo abusivamente na política interna dos outros países, como aconteceu no caso de Honduras, se os interesses orgânicos do marxismo globalizado são favorecidos. O BNDs é chamado, pelo Executivo, a auxiliar a Bolívia, como se não tivéssemos já pago um enorme preço, financeiro e moral, com as malucas iniciativas estatizantes do telúrico mandatário andino, que terminou fazendo pouco do Brasil nos foros internacionais. Mais difíceis de entender, à luz do raciocínio lulista-gramsciano, são as paqueras do Itamaraty com o presidente iraniano, que colocaram o nosso país na contramão do bom senso mundial, que aconselha uma política de retaliações com o fundamentalista regime dos Aiatollás. O presidente brasileiro alegava, quando da recente visita da Secretária de Estado americana, que “é perigoso encostar o Irã contra a parede”, como se não fosse o país islâmico que estivesse acuando aos demais países com a sua maluca política nuclear. O arrazoado do governo é tão primário e debilóide, que estou para dar crédito aos analistas que acham que Lula falava à platéia interna da militância pró-Dilma.

No terreno macroeconômico, o governo petista preservou as linhas mestras traçadas por Fernando Henrique Cardoso. Isso lhe garantiu, entre outras coisas, o triunfo eleitoral em 2002. Mas são claras as vozes, no interior do Partido, bem como na base aliada, de que as coisas devem mudar, em função dos aumentos dos gastos sociais, se desfazendo o governo dos limites estabelecidos pela lei de responsabilidade fiscal. Como todo mundo sabe, o Tribunal de Contas da União já não controla mais os gastos do sistema sindical, por força de medida provisória do presidente Lula. Não seria de estranhar que, num eventual governo Dilma, o PT passasse a escutar mais as diretrizes dos denominados “movimentos sociais” que apregoam, em alto e bom som, o indiscriminado favorecimento aos mesmos, às custas da saúde da economia nacional. Tratar-se-ia de uma política econômica traçada pelos interesses dos intelectuais orgânicos do proletariado e que partiria para uma louca estatização a serviço dos “companheiros”.

Um fato recente ilustra para onde caminham as coisas do lado do governo lulista, em matéria de políticas econômicas. Os Projetos de Lei nº 5.080/09 e nº 5.082/09, bem como o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 469/09, que traçam novos parâmetros no que tange às normas e práticas tributárias, indicam os tortuosos caminhos pelos que envereda a atual administração. Sob o pretexto de "modernizar" a legislação atual, como frisa com propriedade e coragem o ex-procurador da Fazenda Nacional Cid Heráclito de Queiroz (em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo de 5 de março), esses projetos “instituem diversos instrumentos de tortura e violência, próprios de ditaduras, para pressionar e amedrontar os contribuintes, no pressuposto de que todos sejam sonegadores de tributos”. Para o ex-procurador e atual conselheiro da CNC, “o governo Lula avança perigosamente pelo caminho do constrangimento inconstitucional ao contribuinte, tratando-o como inimigo da República”.

Em cinco pontos Cid Heráclito de Queiroz concentra as suas críticas à nova investida lulopetista contra os direitos civis dos brasileiros: 1) o projeto de lei institui os "atos de constrição preparatória e provisória" a serem "praticados pela Fazenda Pública credora", antes do ajuizamento da execução fiscal, ou seja, “a penhora administrativa, assim invadindo a esfera de competência constitucional do Judiciário e propiciando, sobretudo nos municípios, a violência contra os adversários dos governantes”; 2) “determina o protesto da certidão de dívida ativa, o que é desnecessário, pois esse título já é mais privilegiado que os títulos protestados, além de representar mais um passo burocrático e mais um ônus para o contribuinte”; 3) “estabelece a responsabilidade subsidiária pela dívida em cobrança de quem, na pessoa jurídica, omitir ou retardar a prestação de informações ("dedurar") sobre o paradeiro e o patrimônio do devedor, violando, assim, as garantias constitucionais à inviolabilidade da intimidade e à livre manifestação do pensamento, que envolve o direito ao silêncio”; 4) “prevê a criação de cargos de Oficiais da Fazenda Pública, certamente milhares, com as mesmas prerrogativas atribuídas, pela lei, aos oficiais de justiça, mas sem fixar os respectivos vencimentos e sem indicar a fonte dos recursos para custeá-los, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal”; e 5) “com agressão à garantia constitucional, à inviolabilidade da intimidade, da vida privada e do sigilo de dados, autoriza o Executivo a criar o Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes (SNIPC), um verdadeiro SNI fiscal, para organizar o acesso eletrônico às bases de informação patrimonial de contribuintes, contemplando informações sobre o patrimônio, os rendimentos e os endereços, entre outras”.

Trata-se, a meu ver, aqui, da criação de mais um “tribunal popular” de inspiração bolchevique, que engrossaria a lista desses mostrengos jurídicos anteriormente propostos pelo projeto de Decreto nº 7.037 (que estabelece o Programa Nacional de Direitos Humanos), nos terrenos da revisão da Lei de Anistia, bem como no de julgamento das invasões do MST et caterva.

No campo das políticas educacionais, prevalece o norte das decisões ideológicas tomadas à luz do gramscismo tupiniquim. Coerentes com os preconceitos de Gramsci em face da escola particular e da pluralidade de iniciativas nesse terreno, os novos planejadores fecham fileiras em torno à idéia do modelo único de sistema educacional, costurado ao redor das instituições públicas, desconhecendo o fato de que a maior parcela dos nossos universitários têm vaga assegurada nas Universidades privadas, que atendem, hoje, a 75 por cento da demanda. É clara a pretensão do governo para acabar simplesmente com as Universidades particulares, que passarão a ser geridas, segundo a nova proposta, por colegiados em que os proprietários têm voz minoritária, em face da representação sindical, majoritária, denominada de “comunitária”.

Concluo ressaltando o alerta dado pelo saudoso Miguel Reale, em face da denominada “Revolução Cultural Gramsciana”. Entendendo por Cultura o “acervo ou cabedal de idéias e de bens que a espécie humana logrou acumular através do tempo, sendo, não raro, identificado com o de civilização”, o mestre paulista considerava que Gramsci “apresenta a conquista dos órgãos culturais pelos comunistas como o caminho mais indicado para o alcance do poder, fundado na idéia de que quem domina a cultura domina o Estado. Surgia assim o culturalismo revolucionário erroneamente apontado como a nova diretriz da social democracia”. Para Reale, essa concepção merecia ser repudiada, o que o saudoso mestre fazia nos seguintes termos: “Nada, pois, mais pernicioso do que reduzir (a Cultura) a uma ideologia política que, optando por uma só via para condução da sociedade e do Estado, abre campo propício ao totalitarismo” (Miguel Reale, Política e Direito – Ensaios, São Paulo, 2006, p. 26-27).

quarta-feira, 3 de março de 2010

CORREÇÃO DE RUMO, JÁ!


Amigos leitores brasileiros,

A Política, dizia o filósofo Aristóteles, é a arte do possível. O Brasil entra em etapa crucial de sua história. É imperativo, para a dignidade da Pátria e a saúde das instituições republicanas, garantir, pelo voto, nas próximas eleições presidenciais, a substituiçpão dos atuais quadros situados à testa da administração do Estado (PT e partidos da base aliada), por uma chapa oposicionista integrada por José Serra e Aécio Neves, pertencentes, como todos sabem, ao mais importante partido da oposição, o PSDB. Devemos, no meu entender, cerrar fileiras ao redor dessa chapa, a única que tem reais possibilidades de vencer nas eleições presidenciais de outubro.

O Brasil não conseguirá fazer frente aos reptos da atual crise financeira internacional, se continuar a ser dirigido pela insensível e inepta elite petista e de partidos coligados. É verdadeiramente de arrepiar o festival a que estamos assistindo de corrupção, de aumento descontrolado do gasto oficial, de violação da lei eleitoral que proíbe utilizar a gestão pública como palco de campanha, de atentados às liberdades e à democracia (com o Presidente Lula reunido, às gargalhadas, com os irmãos Castro, enquanto morre, nos porões de Havana, o preso político que implorou inutilmente ser escutado pelo mandatário brasileiro, e com a nossa política externa sendo polarizada em prol de autocratas como Amadinejad e Chávez). Esse vergonhoso festival está a exigir uma correção de rumos na alta direção do Estado.

Porisso, dou acohida, no meu blog, ao pedido que, nesse sentido, faz o deputado Roberto Freire, que transcrevo a seguir:

Prezados (as):

Já está pronto e assinado pelo Ferreira Gullar o Manifesto defendendo chapa Serra e Aécio para presidência representando a oposição brasileira.

Neste momento de intenso debate na sociedade sobre os rumos do país julgo importante convidarmos o maior números de personalidades e lideranças para assinar e ajudar a divulgar essa proposta que materializa uma alternativa democrática e progressista.

É só entrar no site e preencher os dados e ao receber o email de confirmação clicar no link para validar a assinatura e evitar fraudes.

Acesse e assine > http://www.serra-aecio.com.br


Serra e Aécio a união para mudar o Brasil

O Brasil, definitivamente, deixou de ser um projeto com potencialidades e se transformou em uma nação referencial para todo o mundo. Embora ainda com fortes desequilíbrios e demandas sociais não atendidas, o país já conta com uma economia dinâmica e instituições democráticas estáveis. O povo brasileiro pode ousar mais e avançar em sua persistente aventura democrática.

O ano de 2010 surge no cenário como mais um momento crucial para renovar esperanças, formular projetos, estabelecer parcerias políticas corajosas voltadas para construir novos modelos de crescimento econômico e de desenvolvimento. Em seu centro, as eleições presidenciais, que definirão os rumos do país em um mundo que experimenta grandes transformações e enfrenta ainda os impactos de uma crise econômica global.

Os caminhos de um país continental como o Brasil devem ser traçados sem qualquer concessão ao maniqueísmo, ao espírito salvacionista, a acordos eleitorais espúrios e imediatistas. Devem se amparar em idéias e projetos reais, factíveis, democráticos, éticos, e se sustentar no espírito público.

Nesse sentido,conclamamos os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, a comporem uma chapa para disputar o próximo pleito presidencial. Em poucos momentos da história é possível unir duas lideranças ilibadas e representativas em um torno de um projeto nacional democrático e progressista, vivemos um deles.

Serra e Aécio, nos cargos públicos que ocuparam, e ao longo dos anos, deram demonstração de competência, vocação pública e de compromisso com mudanças. Para dirigir o Brasil não precisam apresentar credenciais, já estão prontos, pois são o resultado do que tem de
melhor a experiência política nacional nos últimos 20 anos.

Nenhuma opção política pessoal que possa envolver esses dois grandes homens públicos brasileiros é mais estratégica que um projeto presidencial para 2010. Projeto esse que ultrapassa os limites do próprio PSDB e já se coloca como representativo de amplos segmentos políticos e sociais da nação brasileira.

Uma chapa Serra-Aécio significaria, antes de tudo, concretizar uma alternativa ao atual governo federal, que acertou ao dar curso a orientações que emanam de administrações próximas anteriores e fracassou ao não executar reformas agendadas e de grande alcance histórico como a política e a tributária. Seria sinalizar a toda a sociedade que um novo projeto ético na vida pública e na política é possível. Também simbolizaria a união de dois grandes estados - São Paulo e Minas Gerais - para a construção de um novo pacto federativo, reclamado pelas regiões e demais estados brasileiros. Ao mesmo tempo, alimentaria um grande esforço político e eleitoral de abrangência nacional, com reflexos positivos imediatos no processo de renovação dos governos estaduais e das representações nos diversos parlamentos republicanos.

Uma grande janela está aberta para que as esperanças se reacendam no Brasil.

Atenciosamente;
Roberto Freire