A contribuição do Dr.
Fernando Flora á análise crítica do lulopetismo na obra: O sujeito oculto (São Paulo: Editora Arvore da Vida, 2015, 96 p.) que
tive a honra de prefaciar, é de capital importância nos tempos de messianismo
político que vivemos. Lembremos que o PT teve dois pais: o movimento sindical e
a “esquerdigreja”, denominação dada, com muito acerto, pelo embaixador Meira
Penna, a essa vigarice que tomou conta da Igreja Católica no Brasil ao longo
das décadas de 70 e 80 do século passado, denominada de “teologia da
libertação”, uma aproximação entre cristianismo e marxismo, da qual saíram
chamuscados, certamente, os católicos. Os fiéis viram transformadas as missas
em assembleias sindicais. E a fé foi para o brejo nesse tumulto de ideias que
os marxistas habilmente introduziram nas pregações dos padres ligados à tal
teologia.
Ao ensejo da formulação de
uma "Teologia dos Pobres" ou "Teologia da Libertação",
surgiu na América Latina, uma "Filosofia da Libertação", que se
singulariza porque parte, à maneira medieval, dos pressupostos básicos do
discurso teológico, para arrazoar ao redor deles. Configura-se, assim, o
tradicional modelo da Philosophia Ancilla
Theologiae, que caracterizou às grandes sínteses do século XIII, mas que
acompanhou, também, à filosofia pensada ao ensejo da Segunda Escolástica.
Diríamos que não houve mudança de paradigma: o hodierno discurso filosófico que
se pretende mais latino-americano, o Libertador, é fiel à velha tradição de
filosofar à sombra da teologia.
O tema acerca do qual versa
a Filosofia da Libertação também não é novo: a questão da pobreza. Essa
problemática, de caráter eminentemente moral, vem sendo objeto de reflexão
desde o século XIX. Os doutrinários franceses, notadamente Guizot,
debruçaram-se sobre ela, bem como a geração posterior, cujo mais importante
representante na França seria Tocqueville [cf. Vélez, 1998 e 1999]. Mas não
somente seria discutida a mencionada problemática do ângulo liberal. Também
aprofundaram nela autores de outras tendências como Saint-Simon e Augusto
Comte. Na França do final do século XIX aparece uma importante contribuição
metodológica com a escola de Le Play: a problemática da pobreza precisa ser
discutida à luz de uma delimitação clara da mesma, utilizando o método
monográfico. Essa será a perspectiva que passará a influenciar nos autores
brasileiros como Sílvio Romero e os demais teorizadores do chamado
"culturalismo sociológico". Na Inglaterra, à época de Tocqueville, a
questão ganhou grande relevo com Stuart Mill, os Fabianos e os primeiros
ideólogos do Labour Party. A reflexão de Marx insere-se no primeiro ciclo da
meditação sobre a problemática, mais ou menos na mesma época em que Stuart Mill
desenvolveu as suas análises.
Anotemos que a atualidade da
discussão sobre a pobreza decorre da sua situação no terreno da moral: sempre
será válido meditar sobre as questões relacionadas ao ideal da justiça, como
expressão da nova realidade ontológica destacada pela cultura judaico-cristã:
todos somos filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança. Se este é um
princípio válido, por que as enormes disparidades sociais? Mais ainda: se o
Cristianismo apregoa como mandamento fundamental o amor ao próximo, que sentido
têm as injustiças sociais? A reflexão sobre a pobreza e o equacionamento desse
problema possuem, portanto, grande apelo moral. Situa-se nesse contexto o valor
do chamado décimo-primeiro mandamento, que teria sido explicitado por Marx: Não explorarás o trabalho alheio.
Já desde os primórdios da
discussão, apareceram claramente delineadas duas alternativas teóricas: de um
lado, a daqueles que colocavam a questão em termos de uma multiplicidade de
variáveis, sendo a econômica uma delas, mas sem pretender reduzir as outras a
ela (trata-se de uma alternativa multidisciplinar e aberta) e, de outro lado, a
alternativa dos autores que absolutizavam a variável econômica, pretendendo
reduzir toda a análise da pobreza a essa perspectiva. Um exemplo da primeira
alternativa seria a forma em que os doutrinários e Tocqueville abordaram a
questão. Um exemplo da segunda alternativa seria a forma em que Marx formulou o
seu materialismo histórico, para, a partir de uma perspectiva em que as
relações de produção eram consideradas como a base de todo o edifício social,
passar a discutir e equacionar o problema da pobreza em termos estritamente
econômicos.
Interessante é destacar que,
ao ensejo da primeira forma de abordagem, surge, como resposta, um modelo de
sociedade plural, em que são reconhecidas várias ordens de interesses, sem que
se pressuponha que, para resolver a questão da pobreza, seja necessário reduzir
a sociedade a uma única ordem de reivindicações. O modelo aqui postulado é o
liberal. Paralelamente, ao ensejo da segunda forma de abordagem, surge uma sociedade
entrópica, em que todos os interesses devem ser reduzidos (à maneira
rousseauniana) a uma única ordem: a do
bem público, com explícita eliminação dos interesses particulares.
Decorrente do centripetismo
desenvolvido nas sociedades ibero-americanas pelo Estado Patrimonial, a
abordagem da problemática da pobreza não percorreu, nas nossas culturas
latino-americanas, o caminho liberal do reconhecimento de múltiplas variáveis,
entre as que se inseriria a econômica. Paralelamente, a solução apontada não
poderia ser a liberal, que apresentasse um modelo de sociedade plural,
organizada em diversas ordens de interesses. A solução viria, de forma
vertical, a partir da identificação de uma ordem única de interesses, os
correspondentes a um vaporoso bem público,
que historicamente correspondeu, nas nossas sociedades, à defesa dos interesses
da nomenklatura manipulada pelos
donos do poder. Solução de tipo rousseauniano, que foi explicitamente cultuada
pelo Libertador Simon Bolívar e que ainda hoje emerge travestida de diferentes
maneiras, sob as roupagens populistas do peronismo, do varguismo, do lulismo, do
castrismo, do chavismo, do sandinismo, etc.
Inserida no arquétipo
rousseauniano, a solução à problemática da pobreza não poderia deixar de ser
apresentada nos moldes do messianismo político. Porque ele é da essência do
pensamento político do filósofo de Genebra. A forma de equilibrar uma sociedade
injusta, para Rousseau, seria muito simples: consistiria na identificação de
todos os cidadãos com a vontade geral, que seria a expressão do predomínio, em
todos os espíritos, do bem público. Seriam
os puros os chamados a enquadrar a
sociedade nesse marco de ferro. Esses puros, aliás, desenvolveriam as funções
messiânicas de salvadores da pátria. Ora, a Teologia da Libertação emerge no
contexto latino-americano, amarrada ao modelo do messianismo político moderno.
Mas convém destacar um aspecto importante: como a versão mais completa de
messianismo político que se consolidou no século XX foi a do
marxismo-leninismo, a Teologia da Libertação passou a ser cooptada por esse
viés teórico, que terminaria dando ao discurso libertador ampla conotação
totalitária.
Em decorrência dessa
particularidade, serão analisados, aqui, os singulares fenômenos do Messianismo
Político e da Teologia da Libertação, a partir dos quais se formula a Filosofia
Libertadora, sem que pretendamos, nestas páginas, abordar este último item, que
mereceria abordagem independente.
Messianismo Político e
Teologia da Libertação
J. L. Talmon fez uma completa
caracterização do messianismo político na sua clássica obra intitulada Messianismo
Político [Talmon, 1969]. a influência do saint-simonismo, do ponto de
vista político, teve ampla repercussão em autores tão variados quanto Augusto
Comte, Michelet, Mazzini e o próprio Marx.
Um profundo sentimento
apocalíptico empolgava ao conde Saint-Simon (1760-1825), que entrevia o
nascimento de uma religião universal que impusesse a organização pacífica da
sociedade. Este é um trecho que revela claramente tal sentimento: "Isto é
o que dizemos sem dilação: os dias das soluções incompletas chegaram ao fim. É
necessário dirigir-se resolutamente em direção do bem geral. É a verdade na sua
totalidade o que deve ser salientado perante as circunstâncias atuais: é chegado
o momento da crise. Essa crise profetizada por muitos dos textos do Antigo
Testamento e para a qual, durante muitos anos, têm-se preparado as sociedades
bíblicas, é a crise cuja existência acaba de demonstrar a instituição da Santa
Aliança, união fundada nos mais generosos princípios de moralidade e religião.
Esta é a crise que os judeus esperaram desde quando, expulsos do seu país, têm
andado errantes, vítimas de perseguições, sem jamais renunciar à esperança de
ver o dia em que os homens conviveriam como irmãos. Finalmente, essa crise
tende diretamente ao estabelecimento de uma religião autenticamente universal e
a impor a todos uma organização pacífica da sociedade" [apud Talmon, 1969:
21].
Saint-Simon encarava, dessa
forma autenticamente messiânica, a crise sofrida pela sociedade francesa após a
Revolução de 1789. Diante da desagregação ensejada pelo Jacobinismo e o Terror,
o filósofo apresentava-se como peça-chave para a redenção, não somente da
França como de toda a Humanidade. A respeito, escreve Talmon [1969: 22-23]:
"Estava convencido de ser um Napoleão da ciência e da indústria, pela
promessa que lhe fez Carlos Magno, durante um sonho que teve quando esteve
preso na cadeia de Luxemburgo em 1774, de que conseguiria tanta glória como
filósofo, quanto o seu famoso antecessor tinha alcançado nas artes da guerra e
do governo (...)".
O conde Saint-Simon assistiu
passivamente à Revolução Francesa como observador arguto, em que pese o fato de
ter sido eleito, em 1790, como presidente da Assembléia Eleitoral da sua
comuna, o que motivou a renúncia ao título de nobreza. Anos atrás, o jovem
nobre tinha participado como voluntário do exército que, sob o comando do
general Lafayette, tinha ajudado os revolucionários americanos a proclamar a
Independência das treze colônias, em 1776.
A Revolução Francesa não
foi, no sentir do filósofo, uma révolution
régéneratrice, mas um espetáculo de destruição, de inútil debate e de
desordem social. Frisava a respeito dessa situação crítica: "É a falta de
idéias gerais o que nos tem levado à ruína; não poderemos renascer
autenticamente senão com a ajuda de idéias gerais; as velhas idéias caíram
(...) e já não é possível rejuvenescê-las. Precisamos de idéias novas (...), um
sistema, quer dizer, uma forma de opinião que seja, por natureza, cortante,
absoluta e exclusiva" [apud Talmon, 1969: 26].
Ao passo que Saint-Simon
desconhecia o valor de heróis aos protagonistas da Revolução Francesa,
considerava, pelo contrário, que Napoleão Bonaparte encarnava esse valor, não
pelo fato de ter sido militar ou conquistador, mas por ter se firmado como
"o chefe científico da Humanidade (...) e a sua cabeça política"
[apud Talmon, 1969: 26], tendo legislado alicerçado em princípios racionais.
Saint-Simon preocupou-se por
achar um princípio total que permitisse a explicação racional do universo.
Nessa busca, terminou professando uma visão determinística do homem, que Talmon
[1969: 27] tipificou assim: "O homem é como um pequeno relógio dentro de
outro maior, o universo, do qual recebe a energia para movimentar-se.
Saint-Simon sonhava com deduzir passo a passo as leis determinantes do universo
em ordem de sucessão (...) para, no final, chegar às leis da organização social
mediante a reconstrução prévia da inter-dependência do orgânico e do inorgânico,
dos corpos fixos e dos fluidos, da matéria e do movimento". Nesse
contexto, a sociedade é concebida como "verdadeira máquina
organizada" ou como um "organismo" que, ao longo dos tempos,
criou os seus próprios órgãos para se adaptar às diferentes situações. A
unidade inteligível da História não é nem o Estado, nem a Nação, mas a
Sociedade orgânicamente considerada. As suas forças e processos não são criação
deliberada de ninguém, mas frutos do organismo social.
O essencial dos processos
sociais é representado, no entanto, pelos sistemas filosóficos que seriam,
assim, o principal mecanismo de adaptação do organismo social às diferentes
épocas. Como frisa Talmon [1969: 30], todo sistema social é, assim "a
aplicação de um sistema filosófico. A religião, a política, a moral, a
instrução pública, não são mais do que reflexo e aplicação de um sistema de
idéias, uma Weltanschauung
(...)".
Dado o caráter orgânico da
sociedade, a expressão dos sistemas de idéias corresponde, nas diferentes
épocas históricas, a uma cabeça que pensa pelo todo social. Como frisa Bréhier
[1948: II, 712], Saint Simon "é aristocrata demais para poder acreditar
que o povo, em cujo favor trabalha, seja capaz de fazer alguma coisa em prol de
sua renovação". Assim, é importante identificar aquele ator social a quem
corresponderia a tarefa de explicitar o novo sistema de idéias, que regeneraria
a sociedade após a Revolução Francesa.
Na formulação do plano
salvífico da sociedade por parte de uma elite, o pensamento saint-simoniano
percorreu duas etapas: uma cientificista e outra religiosa. Essa dupla feição é
típica, aliás, de um discípulo de Saint-Simon: Augusto Comte, cuja obra oferece
essa dupla vertente, de cunho cientificista e religioso/dogmático.
Na primeira fase da sua
obra, Saint-Simon considerava que a elite pensante que presidiria como cabeça
do corpo social, devia ser integrada pelos industriais, que figuravam à frente
do sistema produtivo. A sua gestão na sociedade não se revestiria do caráter
coercitivo das épocas anteriores, pois prevaleceria não a força, mas a razão
das coisas. Todo o trabalho a ser feito consistiria, portanto, em explicar a
cada um o lugar que devia ocupar no corpo da sociedade industrial. Saint-Simon
salientava que, no sistema industrial, "os homens desfrutariam, com essa
ordem de coisas, do mais alto grau de liberdade compatível com o estado de
sociedade" [apud Talmon, 1969: 41].
Em que pese o fato do
caráter irreversível da sociedade industrial, Saint-Simon considerava que o seu
advento devia ser induzido por outra elite esclarecida: os savants positifs, a cuja frente ele próprio se colocava. O papel
deles consistiria em preparar a grande revolução que seria a passagem da
sociedade tradicional para a industrial. Saint-Simon previa "uma ação que,
por sua natureza, é brusca e cortante, pois esta transformação tende a
modificar subitamente os hábitos intelectuais assumidos pelo espírito
público" [apud Talmon, 1969: 43]. Contudo, não fica confirmado esse
caráter aparentemente violento da revolução, quando Saint-Simon entra a
explicitar a forma em que deverão proceder os savants positifs na efetivação da mesma. O papel deles é
eminentemente persuasivo, não violento, devendo limitar-se a mostrar aos reis,
povos, aristocracias e governos a inevitabilidade do advento do sistema
industrial, cujo caráter construtivo será também explicado. Assim advirá a
sociedade industrial.
Apesar do papel de liderança
atribuído por Saint-Simon aos savants
positifs, aos poucos foi reconhecendo, na segunda fase da sua obra, a
necessidade de alicerçar o comportamento coletivo harmônico numa base mais
ampla do que a pura ciência, a fim de abranger os sentimentos humanos, que
jogam um papel tão importante na conduta dos homens. Saint-Simon procurou,
assim, forças mais profundas numa religião
vital. Achou que o fator religioso desempenhava um papel de primeira ordem
na organização social. A propósito, escrevia o filósofo: "A religião tem
servido e servirá sempre como base da organização social (...). A humanidade
tem atravessado crises científicas, morais e políticas, sempre que a ideologia
religiosa tem experimentado algum câmbio" [cit. por Talmon, 1969: 50]. E
dedicou a última parte da sua vida à procura desse embasamento religioso para a
sociedade industrial.
Teologia da Libertação e
tradição despótica
A Teologia da Libertação,
enquanto discurso teológico que pretende garantir a inserção da Igreja no mundo
subdesenvolvido, ganhou muita atualidade no Brasil contemporâneo, na medida em
que inspira a ação político-pastoral dos setores “progressistas”, identificados
com as comunidades eclesiais de base. Embora existam interpretações que, de um
lado, tentam desligar a Teologia da Libertação de qualquer identidade com o
marxismo e analisam-na no contexto do discurso eclesiástico, reivindicando o
seu caráter soteriológico [cf. Romano, 1979], ou que, de outro lado, embora
reconhecendo alguma inspiração marxista, consideram ser possível a sua
permanência no seio da teologia católica, mediante alguns ajustes que limassem
as arestas ideológicas [cf. Lepargneur, 1979: 122], acho que a parcela mais
agressiva e representativa dos teólogos libertadores aderiu explicitamente ao
marxismo, sendo, assim, uma versão atualizada do Messianismo Político. O padre
e poeta nicaragüense Ernesto Cardenal expressou, com clareza, essa adesão, em
entrevista concedida em 1979 à revista soviética América Latina, ao
relatar a sua atividade guerrilheira na comunidade de monges e camponeses, no
arquipélago de Solentiname, no lago da Nicarágua: "Começamos a estudar o
marxismo junto com os camponeses que estavam mais integrados conosco,
especialmente com os jovens. E fomo-nos identificando com o movimento
guerrilheiro da Nicarágua, com a Frente Sandinista de Libertação Nacional. E
fomos descobrindo que as idéias cristãos originárias eram, em sua essência,
revolucionárias, e que colocavam o problema da luta de classes, que o mundo
estava dividido entre exploradores e explorados e que os explorados triunfariam
sobre os exploradores e seria estabelecida na terra uma sociedade justa. E nos
identificamos, então, com a luta do Movimento de Libertação da Nicarágua, e
chegamos já praticamente a pertencer a esse movimento" [Cardenal, 1979:
178].
O exemplo de radicalização
da comunidade de Solentiname expressa perfeitamente o fenômeno acontecido, no
decorrer das décadas de 60 e 70, ao longo da América Latina: não foram as massas de cristãos as que, em primeiro
lugar, fizeram a opção marxista. Foram os sacerdotes. E eles levaram à
radicalização, posteriormente, as suas comunidades, ensejando, assim, o
surgimento de uma nova forma de clericalismo. E na radicalização dos sacerdotes
pesou muito a influência da revolução cubana e da mística revolucionária por
ela difundida.
Para o padre Cardenal não
existe dúvida de que o cristianismo é totalmente compatível com o marxismo, e
de que a expressão dessa unidade é a Teologia da Libertação: "Nesses anos
(da década de 70) -- frisa -- surgiu na América Latina o movimento chamado de
Teologia da Libertação. Eu e os outros membros da minha comunidade em Solentiname
percebemos que não havia nenhuma incompatibilidade entre o autêntico
cristianismo do Evangelho e o marxismo. A partir de então começamos nós também
a pertencer a esse grupo, já muito grande na América Latina, de cristãos
marxistas. Isso também influenciou na minha poesia" [Cardenal, 1979: 180].
Segundo Cardenal, quem
formulou primeiro essa sintonia entre cristianismo latino-americano e revolução
foi Che Guevara, ao afirmar que "quando os cristãos, na América Latina,
fossem autenticamente revolucionários, a revolução seria inevitável". Sem
dúvida, Guevara formulou e encarnou o modelo de mística revolucionária,
sobrepondo os elementos da religiosidade popular do povo latino-americano ao
arcabouço do messianismo político marxista. Para ilustrar essa afirmação, eis o
trecho final da carta enviada por Che a Carlos Quijano, do semanário Marcha
de Montevidéu, em que o líder guerrilheiro sintetizava a sua visão
revolucionária nestes termos:
"Nós, os socialistas,
somos mais livres porque somos mais plenos; somos mais plenos pelo fato de
sermos mais livres. O esqueleto da nossa liberdade completa está formado, falta
a substância protéica e a roupagem; criá-los-emos. a nossa liberdade e o seu
fundamento cotidiano têm cor de sangue e estão cheios de sacrifício. O nosso
sacrifício é consciente; quota para pagar a liberdade que construímos. O caminho é longo e desconhecido em parte;
conhecemos as nossas limitações. Faremos, nós mesmos, o homem do século XXI.
Forjar-nos-emos na ação cotidiana, criando um homem novo com uma nova técnica.
A personalidade joga o papel de
mobilização e direção, enquanto encarna as mais altas virtudes e aspirações do
povo e não se afasta do caminho. Quem abre o caminho é o grupo de vanguarda, os
melhores entre os bons, o Partido. A argila fundamental da nossa obra é a
juventude: nela depositamos a nossa esperança e a preparamos para receber de
nossas mãos a bandeira. Se esta carta balbuciante esclarece alguma coisa,
cumpriu o objetivo com que a escrevo. Receba a nossa saudação ritual, como um
aperto de mãos ou um Ave Maria Puríssima.
Pátria ou morte! [Guevara, 1977: II, 383-384].
Os comentaristas soviéticos
consideravam a Teologia da Libertação como um movimento progressista inspirado
no marxismo, que ajudava às revoluções democráticas na América Latina.
Valentina Andrónova, da Academia de Ciências da União Soviética, frisava, por
exemplo, que o aspecto essencial da mencionada Teologia é a sua inspiração no
marxismo, alicerçada no pressuposto de que cristianismo e marxismo são afins. "Os
teólogos -- escrevia Andrónova -- consideram que se for tomado o melhor de um e
de outro, essa fusão poderia levar a resolver eficazmente os problemas sociais.
O cristianismo é portador de valores espirituais e morais; o marxismo comporta
o princípio racional que oferece solução real e prática ao problema"
[Andrónova, 1980: 47].
De outro lado, as
comunidades eclesiais de base eram apresentadas por Andrónova como núcleos de
protesto social da Igreja progressista, que ameaçavam a estabilidade do status quo na medida em que punham em
prática os princípios da Teologia da Libertação. A grande extensão dessas
comunidades seria expressão do seu potencial político. "As estatísticas --
frisava a comentarista soviética -- podem calcular o número das comunidades de
base. Atualmente [final dos anos 70 do século passado][1]
existem em cada país latino-americano, chegando a umas 150 mil. Somente no
Brasil existem perto de 50 mil e abrangem um milhão de pessoas"
[Andrónova, 1980: 48].
Em que pese essas
considerações, os comentaristas soviéticos reconheciam, contudo, que a Teologia
da Libertação não constituía uma teoria íntegra, em parte devido a que em sua
elaboração participaram teólogos de formação diferente, tanto católicos quanto
protestantes; a imprecisão e a confusão afetavam muitas vezes a utilização do
conceito de luta de classes e, por
último, a linguagem figurada de muitos desses teólogos terminava por confundir
a claridade dos conceitos. Apesar dessas críticas, Andrónova salientava que a
posição prática dos que formularam a Teologia da Libertação era cada vez mais
conseqüente e mais firme, do ponto de vista da opção revolucionária [Andrónova,
1980: 46-47].
José Grigulévich, da
Academia de ciências da URSS, expressou claramente o papel instrumental que
representavam a Igreja progressista latino-americana e a Teologia da Libertação
na estratégia de penetração soviética no continente: "A experiência destes
quatro lustros ensina que, apesar de participar ativamente da luta popular
contra as forças reacionárias, a Igreja não tem possibilidades para se
converter em fator determinante do processo de mudanças na América Latina, à
imagem e semelhança do Islã, que se tornou força reitora do dinamismo
revolucionário iraniano (...). Isso é compreendido perfeitamente pelos comunistas
que, alheios a um anticlericalismo ostensivo, têm promovido sempre uma política
de colaboração com a Igreja e os católicos em prol da paz, da democracia e das
mudanças sociais indispensáveis" [Grigulévich, 1980: 31].
Podemos, a esta altura,
formular uma pergunta, que surge espontaneamente do exame dessa mútua atração
entre um fenômeno tão tipicamente latino-americano como a Teologia da
Libertação e o marxismo: quais foram as razões histórico-culturais que fizeram
do mundo ibero-americano caldo de cultura apto para que nele vingasse essa
síntese de messianismo político? Tentemos, embora a grandes traços, esboçar uma
resposta.
Na Península Ibérica, como
também na Rússia, desenvolveu-se uma experiência de absolutismo ensejada pelo
despotismo oriental. Ao passo que essa experiência deu-se na Rússia em
decorrência da invasão tártara no século XIII e da influência bizantina, na
Espanha e em Portugal apareceu a partir da invasão e da dominação árabes,
fenômeno que se estendeu de 710 a 1490. Como acertadamente anota Alexandre
Herculano na sua História de Portugal [1914: II, 19-20], durante todo esse
período a minoria cristã, que se refugiu nas montanhas do norte, sofreu uma
forte influência da cultura e dos hábitos políticos dos sarracenos, tendo
esquecido os costumes medievais de desconcentração de poderes e chegando a
imitar os procedimentos centralizadores dos califas. Isso era explicável pela
superioridade técnica e cultural dos muçulmanos sobre a nobreza visigótica. Os
príncipes herdeiros de Portugal, desde Afonso Henriques (1109-1185), foram
influenciados por essa maré centralizadora e despótica.
Se de um lado é certo que os
efeitos desse despotismo foram o progresso econômico e urbanístico da Hispania
sarracena, de outro lado não é menos certo que essa experiência contribuiu para
a difusão da cultura árabe, particularmente no que diz respeito ao papel
destinado à religião, no contexto social. Esse papel, segundo mostrou
Wittfogel, é claro no contexto do despotismo oriental, e consiste na utilização
da variável religiosa para reforçar o poder absoluto do Estado. A respeito,
escreve este autor: "Diferentemente da sociedade européia feudal, na qual
a maior parte dos chefes militares (os barões feudais) não estavam ligados aos
seus suseranos senão por frágeis laços e um contrato, e na qual a religião
dominante era independente do governo secular, (no seio do despotismo
hidráulico) a religião dominante estava estreitamente ligada ao Estado"
[Wittfogel, 1977: 127].
É fora de dúvida que tanto
Espanha quanto Portugal, após a expulsão dos árabes, conservaram a tendência
para a utilização dos fatores culturais (entre eles, o religioso), como
elementos que garantissem a estabilidade do Estado. Fidelino de Figueiredo, no
seu ensaio intitulado As duas Espanhas, explica bem como
o Império espanhol sob a dinastia dos Áustrias, no século XVI, utilizou os
fatores científico-religioso-jurídicos para consolidar um modelo absoluto de
dominação.
Quanto à utilização do fator
religioso, frisa Fidelino: "Entretanto, Carlos V fora eleito Imperador da
Alemanha, em sucessão do seu avô, arrogara-se o título de majestade e simbolizara numa águia a amplitude nova e ambiciosa da
sua política. Esmagada a resistência dos
comuneros, estava fundado o Império germano-espanhol. Mas era necessário
atribuir-lhe algum conteúdo espiritual, porque o que mais estreita os homens é
o dinamismo propulsor duma ação em comum. As rivalidades com a França e a
Inglaterra eram escopo muito limitado. Deveria ser alguma coisa de maior
prestígio, e mais promotora de energias combativas. É a reforma religiosa, explodindo, que sugere esse conteúdo
unificador: a defesa da fé católica sob a bandeira do espírito da
contra-reforma que, em breve, também acharia no ambiente espanhol um dos seus
instrumentos essenciais. E a velha herança romana do imperialismo sobre o
alicerce de um pensamento único, nunca esquecida nos séculos medievais e
avivada na Renascença, realiza-se pelo
consórcio do império espiritual do pensamento único, que era o papado, com o
império militar do mando único, que era a dinastia austríaca"
[Figueiredo, 1959: 76-78].
A herança do despotismo
oriental da Espanha estendeu-se à dinastia borbónica, cujo regalismo era,
segundo Fidelino de Figueiredo, mais
absorvente que o dos Áustrias, tendo chegado a realizar uma centralização
absoluta [cf. Figueiredo, 1959: 112-113]. Da herança despótica oriental não
fugiu Portugal que viu consolidar, sob a dinastia de Avis (1385-1580), os
alicerces do Estado patrimonial [Cf. Faoro, 1958: I, 33 seg.]. A irrupção de Portugal
na modernidade, obra do Marquês de Pombal (1699-1782), consolidou mais ainda a
centralização de poderes no Estado, bem como a fundamentação deste na ciência e
na religião oficiais [cf. Paim, 1978].
A modernização do Estado
português teve, aliás, elementos comuns ao processo empreendido pela Rússia
czarista. Teófilo Braga salienta que a criação do Colégio dos Nobres de Lisboa,
efetivada em 1761 para garantir a formação de uma elite esclarecida que
servisse à primazia e à estabilidade do Estado na sociedade, proveio do médico
de origem judaica Antônio Nunes Ribeiro Sanches, que tinha prestado serviços à
Imperatriz da Rússia como conselheiro, médico e pesquisador no Colégio dos
Nobres de São Petersburgo [cf. Braga, 1898: III, 350-351].
Em que pese o cientificismo
professado por Pombal, o seu projeto modernizador considerava a variável
religiosa como elemento essencial à consolidação política do Estado. A
propósito, comenta Laerte Ramos de Carvalho: "Na defesa dos interesses da
sociedade a política pombalina procurou furtar-se aos termos do dilema
Sacerdócio-Império porque, pela força das condições históricas, tentou
construir, de acordo com o apoio do próprio clero português, excetuados os
jesuítas, a república que, dentro do espírito do absolutismo, se tornara a
preocupação dos teóricos mais avançados do tempo. A religião, na mentalidade
que então predominava, era o esteio da ordem civil, o tribunal que, ao
resguardar a pureza da fé, resguardava, ao mesmo tempo, os interesses mais
legítimos do poder temporal. O homem natural pertence tanto à religião quanto
aos seus parentes e pátria: somente na união cristã, que não lisonjeia os
interesses desnaturalizantes da Igreja, sem pátria e sem fronteiras, pode a
sociedade civil viver e prosperar. Não se pretendia propriamente a consagração,
tão no gosto do radicalismo cismontano, do aforismo - non respublica est in ecclesia, sed ecclesia in respublica - mas
uma tentativa de conduzir, numa harmonia de interesses, conjuntamente, a
República e a igreja pelo caminho do progresso material e espiritual da nação
lusitana" [Carvalho, 1978: 48-49].
Os Estados surgidos na
América Latina após os processos de independência das metrópoles espanhola e
portuguesa, herdaram do despotismo ibérico fortes tendências centralizadoras e burocráticas,
das quais formou parte a tentativa de utilizar os fatores religiosos,
científicos e jurídicos como elementos da estabilidade política, num contexto
absolutista. Esse centralismo burocrático, aliado à tendência a considerar o
poder como instância patrimonial de quem o detém, levou à atrofia da cultura,
segundo um ensaísta como o argentino Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888),
que escrevia: "Um espanhol ou um americano do século XVI deve ter
afirmado: existo, logo não penso". E considera que tal cidadão não
viveria se tivesse a desgraça de pensar. Para Sarmiento, o cerne dessa situação
é o despotismo ibérico, fortemente alicerçado no elemento religioso:
"Filipe II -- escreve -- é a concentração do princípio maometano-espanhol
da unidade de crenças. Ele, e não o Papa, funda a Inquisição (...). Sem Maomé
não haveria Inquisição na Espanha (...). O Papa conservou sem fogo a
Inquisição. Porém, só na Espanha e com ex-maometanos (...) podiam ser
levantados altares ao canibalismo, à aversão à velha (bruxa) que conservaram os
selvagens". Essa é, segundo Sarmiento, a mentalidade herdada pelos
hispano-americanos. E conclui: "O terror está em nós" [cit. por Zea,
1976: 113-114].
A tendência à utilização do
fator religioso manifestou-se como uma constante da cultura latino-americana,
com variadas formas de clericalismo a serviço dos interesses políticos [cf.
Vélez, 1978: 85 seg.]. Não estranha, assim, a tremenda força de propostas
messiânico-políticas, a serviço de um projeto de dominação despótica, como a Teologia
da Libertação.
Os russos compreenderam
perfeitamente o valor do elemento religioso na América Latina. Herdeiros --
como nós -- de longa tradição despótica oriental, convertida, ao longo do
século XX, para eles, em sistema totalitário, souberam utilizar o fator
religioso como ponta de lança para a penetração soviética no continente
latino-americano. E estimularam, até a queda do Império da URSS, a difusão da
Teologia da Libertação.
Antes da reunião do CELAM em
Medellín (1968), a Teologia da Libertação deitava raízes nos esforços de alguns
padres ativistas por aderirem à dialética marxista, como instrumento-chave para
a análise socio-política da realidade latino-americana. Esse esforço
iniciou-se, a nível continental, após a eclosão da revolução cubana, a partir
de 1960. Nesse amplo trabalho de doutrinação engajaram-se os movimentos
católicos como o MIIC (Movimento Internacional de Intelectuais Católicos, que
editava a revista Víspera em Montevidéu), a JUC (Juventude Universitária Católica
que editava, com o auxílio material e intelectual do MIIC, farto material de
conscientização marxista no meio universitário latino-americano), a JEC
(Juventude Estudantil Católica), a JOC (Juventude Operária Católica), os
Movimentos de Profissionais Católicos que, através do método da revisão de vida, foram conscientizados
pelos sacerdotes e pela elite intelectual (representada principalmente pela
liderança do MIIC) acerca da necessidade da utilização da dialética marxista
como instrumento de reflexão-ação.
Essa liderança intelectual instalou-se,
inicialmente, no Paraguai, no Uruguai, na Argentina e no Chile, tendo-se
deslocado posteriormente para o Peru (a partir de 1972) e a Colômbia, na medida
em que ia crescendo a onda repressiva no Cone Sul. No Brasil, a tendência à
radicalização seria representada pelo trabalho do padre Henrique Cláudio de
Lima Vaz junto à comunidade universitária, o qual, ao longo da década de 60 do
século passado, conseguiu formar na dialética marxista a elite que se
radicalizaria na opção totalitária após 64 [cf. Paim, 1979: 118 seg.].
Nas últimas duas décadas do
século XX, o foco mais ativo dessa elite intelectual radicalizada concentrou-se
no norte do continente, na Colômbia, no México e na América Central. Em que
pese o fato de no Brasil haver, na atualidade, boa parcela do clero e leigos
influenciados pela teologia da libertação, a sua força não assumiu o grau de
radicalismo que conduziu à luta armada na Colômbia, na Nicarágua, em El
Salvador, na Guatemala, no México, etc. Do ponto de vista dos russos, a
Teologia da Libertação foi um elemento valioso da luta no plano ideológico,
toda vez que suficientemente vago em ambíguo do ângulo das propostas de
governo, mas tremendamente dinâmico no sentido de motivar grandes massas de
cristãos, para assumirem a revolução socialista como um compromisso heróico,
deixando o comando do processo, certamente, em mãos de elementos treinados
militar e políticamente. O que aconteceu na Colômbia talvez ilustre esse efeito
estratégico. Em que pese a queda do Muro de Berlim e o fracasso do Império
Soviético, os guerrilheiros das FARC e do ELN conseguiram mobilizar segmentos
significativos da intelectualidade a partir de uma retórica libertadora que
empolgou os católicos ativistas, sendo que hoje fica clara a opção eminentemente
pragmática da liderança guerrilheira (que descambou para a criminalidade pura e
simples), tendo sido deixados de lado ou sumariamente eliminados os líderes que
ainda acreditavam numa Teologia Libertadora, após a morte do sacerdote
guerrilheiro Manuel Pérez [cf. Rangel, 1999; Villamarín, 1996].
A Teologia que, na sua
essência, consiste num discurso racional sobre a fé, não se compatibiliza com
esse tipo de instrumentalização política, que se reduz à conquista violenta do
poder para mudar as estruturas. A Teologia, como reflexão racional e
sistemática sobre a fé religiosa, parte do pressuposto da aceitação da
Revelação de Cristo, no caso da Teologia cristã. E o cerne dessa revelação é o
seguinte: 1) Jesus-Cristo, Filho de Deus, encarnou-se, morreu e ressuscitou
para salvar o homem; 2) a aceitação desse fato é graça de Deus, livremente
aceita pelo homem, mas, afinal, graça,
doação gratuita, que não é concedida a todos os homens (em outros termos,
trata-se do reconhecimento da dimensão sobrenatural da fé); 3) a salvação
consiste fundamentalmente no perdão dos pecados (que são pessoais e não
anônimos ou coletivos) nesta vida, ou seja na conversão e na participação, após
a morte, da vida eterna; 4) a salvação oferecida por Deus através de Jesus
Cristo é universal, quer dizer, visa a todos os homens, os quais, mesmo que não
tenham a graça da fé, podem se beneficiar dela, em virtude da sua retidão
moral, quando tiverem procurado agir de acordo com a sua consciência; 5) o fato
de possuir a graça da fé, produz no beneficiado obrigações morais e não
privilégios: a obrigação moral básica do cristão consistirá no testemunho do
amor a todos os homens. É lógico que a luta de classes apregoada pela praxe
marxista nega frontalmente essa obrigação moral básica do cristão.
Bem no fundo da Teologia da
Libertação encontramos uma fonte de inspiração tão antiga quanto o messianismo
político que, se bem foi sistematizado no mundo moderno por Saint-Simon
(1760-1825), é uma tentação tão velha quanto o próprio cristianismo. Não
consistiu nisso, por acaso, o cerne das tentações sofridas por Cristo no
deserto? E não foi essa, também, a pretensão que o Divino Mestre teve de
combater repetidas vezes nos seus discípulos?
O projeto libertador que
acalenta a Teologia da Libertação e que pretende erigir como tradição sagrada a
luta revolucionária, vem ao encontro direto de outra tendência que, originada
na Rússia comunista, fez da luta revolucionária e do modelo totalitário por ela
imposto, uma religião cujas divindades seriam os arautos que apregoavam a nova
fórmula salvadora. A respeito, frisa Paul Blanchard [1952: 66]: "Na santa
trindade da teologia do Kremlim, Marx ocupa o lugar de Deus e Stalin o do
Espírito Santo. Engels é o semi-deus (...). A existência dessa deidade
trinitária não é específicamente reconhecida na literatura soviética, mas forma
parte definida e importante do mundo comunista (...)". Depois de Stalin,
poderíamos colocar, no seu lugar, os sucessivos dirigentes, todo-poderosos e
despóticos do PC, até o desmantelamento da URSS [cf. Barbuy, 1977].
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