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Gilberto Ferreira Paim, em reunião do Conselho Técnico da CNC-RJ, 18 de Dezembro de 2005. |
Gilberto Ferreira Paim nasceu em Jacobina, Estado da Bahia,
em 24 de Agosto de 1919 e faleceu no Rio de Janeiro em 23 de Agosto de 2013, às
vésperas, portanto, de completar 94 anos. Iniciou o Curso de Direito em
Salvador – Bahia, no início da década de quarenta. Transferindo-se para o Rio
de Janeiro, ainda naquela década, deu continuidade aos estudos jurídicos na Faculdade
de Direito, mas não concluiu. Não havia, na época, curso de Economia. Os
economistas dessa geração provinham geralmente das Escolas de Direito. Tendo
despertado o interesse pela matéria, inscreveu-se, na década de cinquenta, no
concurso para receber o título oferecido pelo Conselho Federal de Economia, com
a tese intitulada: A dualidade básica da Economia brasileira. Esse era um tema
estudado por um amigo seu, Inácio Rangel (1914-1994) que mais tarde se
destacaria como economista.
Dedicou-se, basicamente, à atividade como jornalista.
Pertenceu, durante muitos anos, aos quadros da Associated Press e também ao Correio
da Manhã, jornal que, na época, gozava de grande prestígio.
Desenvolveu laços de
grande amizade com o parlamentar e ministro Roberto Campos (1917-2001).
Juntamente com ele concebeu o Projeto Minerva, que estabeleceu uma parceria com
a Universidade George Washington, para oferecer cursos destinados a
funcionários brasileiros da área de finanças. Dedicou-se, também, ao Conselho
Técnico da Confederação Nacional do Comércio, no Rio de Janeiro, e durante
largo período foi o editor da muito prestigiada revista denominada Carta
Mensal, órgão do Conselho Técnico da CNC.
Gilberto Paim era irmão de outros dois grandes vultos da intelectualidade
brasileira: o médico Isaías Paim (1909-2004), um dos fundadores da psiquiatria
no Brasil e o filósofo e historiador das ideias Antônio Paim (1927-), membro
também, como fora Gilberto, do Conselho Técnico da Confederação Nacional do
Comércio.
Conheci Gilberto Paim quando do meu ingresso no CNC, em 1993.
Já sabia dele pelo seu irmão, Antônio, meu amigo de décadas atrás. A impressão
que, desde o início, me passou Gilberto foi a de que era um gentleman, no sentido cultural do termo,
ou seja, alguém possuidor de nobreza de espírito, um patriota que defendia os
interesses da Nação brasileira, tendo a defesa da liberdade e da tolerância
como notas distintivas do seu comportamento. Era movido a brasilidade.
Poucos anos após a minha entrada no Conselho Técnico, recebi
do Gilberto uma correspondência em que sintetizava, item por item, as
conferências que eu tinha pronunciado no Conselho, em que pese o fato de ser um
dos mais jovens membros desse colegiado, sem possuir, evidentemente, os
atributos de cultura dos outros conselheiros. Na sua correspondência, Gilberto
me animava para continuar com a labuta de pesquisa das coisas brasileiras.
Interpretei o seu gesto como pura generosidade de sua parte e como um
sinalizador, vindo de quem conhecia em profundidade o Brasil, para continuar
com um trabalho de pesquisa, que, na área da filosofia e da história da
cultura, estava sendo seriamente combatido pela burocracia da Capes.
Efetivamente, a mencionada agência do MEC tinha aberto a artilharia contra os
cursos de pós-graduação em Pensamento Brasileiro, sob a batuta dos discípulos
do padre Henrique Claudio de Lima Vaz, encastelados na Comissão de avaliação
dos Cursos de Pós-graduação.
Deixo aqui a minha nota de admiração e de saudade por essa
figura ímpar que foi Gilberto Paim, com quem felizmente estabeleci uma
duradoura amizade que em muito enriqueceu a minha vida de pesquisador da
cultura brasileira.
A obra de Gilberto Paim é ampla e abarca vários aspectos da
história econômica brasileira. Neste artigo, me debruçarei sobre dois pontos
que, a meu ver, são essenciais no seu pensamento: em primeiro lugar, a
avaliação do momento pombalino e, em segundo lugar, a análise das influências
desse momento no século XX, no monopólio da Petrobrás e na reserva de mercado
da informática.
I - Avaliação do
momento pombalino
Uma das contribuições mais importantes de Gilberto Paim
consistiu na equilibrada avaliação do momento pombalino. Os pontos básicos
dessa avaliação encontram-se na obra intitulada: De Pombal à abertura dos portos.
Sebastião José de Carvalho e Mello, marquês de Pombal
(1699-1782), não há dúvidas, foi uma figura controversa. Essa ambiguidade
decorre do caráter modernizador de que se revestiu a sua obra. Decidiu tirar
Portugal das sombras da Idade Média. E dividiu as opiniões.
Eis a caracterização que Gilberto Paim faz dessa circunstância:
“O passar do tempo deu uma dimensão monumental ao marquês, cuja figura mítica é
acompanhada por um fervoroso cortejo de aderentes e simultaneamente combatida
por uma ativa agremiação de adversários. A força da personalidade política
pombalina se revela no calor que os portugueses põem no debate em torno de seu
nome, deixando a segura impressão de que o ministro continua entre os vivos com
sua filosofia, sua ideologia e seu programa expansionista e nacionalizante. Do
terceiro quartel do século XVIII aos nossos dias teria permanecido incólume, no
imaginário popular, o ambicioso espírito reformista com que Carvalho e Mello
marcou a sua presença na história. Diante de seu dinamismo à frente de um
governo que agiu com absolutismo ferrenho, a neutralidade é de todo improvável.
O objetivo de Pombal era superar os obstáculos que se antepunham à instauração
do Estado moderno. Com sua marcha inflexível nessa direção, ele sacudiu a vida
nacional de cima abaixo. E ao empenhar-se a fundo na tarefa de retirar Portugal
das teias da Idade Média, para coloca-lo no limiar da sociedade industrial, que
começava a organizar-se, o primeiro ministro de D. José I (1714-1777)
demonstrou uma capacidade administrativa hercúlea. Suscitou paixões e provocou
a divisão da sociedade lusa em dois campos: pró-marquês ou contra ele”.
Destacarei, a seguir, oito itens que, a meu ver, sintetizam a
completa análise feita sobre a obra do marquês por Gilberto Paim. Esses itens
são os seguintes: 1 – Avaliação positiva de Pombal pelos historiadores
brasileiros e negativa, em geral, por parte dos historiadores portugueses. 2 –
Nacionalismo pombalino. 3 – Novos métodos administrativos. 4 – Mercantilismo
dirigido. 5 – Produção dirigida. 6 – Monopólio da burocracia. 7 – Reserva de
mercado. 8 – Crítica liberal de Gilberto Paim ao pombalismo.
1 – Avaliação positiva
de Pombal pelos historiadores brasileiros e negativa, em geral, por parte dos
historiadores portugueses.
No imaginário intelectual brasileiro, são escassas as
críticas ao Pombal modernizador. A maior parte dos nossos historiadores,
considera Gilberto Paim, defende a feição reformista do marquês, em decorrência
do fato de que essa posição em muito favoreceu a nossa independência de
Portugal, ao permitir a formação de uma elite ilustrada pela ciência moderna.
Tivéssemos ficado sob as asas tutoriais dos Jesuítas, certamente jamais teria
acontecido a nossa independência de Portugal.
A respeito da posição benévola dos historiadores brasileiros
em face do marquês reformista, frisa Gilberto Paim: “Não há convergência de
opiniões entre os historiadores portugueses e brasileiros. Em Portugal as
correntes que denunciam o absolutismo pombalino, às vezes superam as que lhe
são favoráveis. Deste lado do Atlântico não se reproduz o mesmo quadro. Nossos
historiadores assumem postura diversa. São aqui encontradiços os elogios e
escassas, as críticas. Modela a atitude dos brasileiros um sentimento de
gratidão que emana do reconhecimento de que Pombal foi um defensor vigoroso da
dilatação contínua das nossas fronteiras. Tornou-se ele um apóstolo do Tratado
de Madri, de 1750, o qual, tomando o lugar do obsoleto Tratado de Tordesilhas,
de 1494, praticamente eliminou os obstáculos legais à nossa expansão para o
Norte e o Ocidente. O território que viria a ser o Rio Grande do Sul era um
deserto, ocupado pelos portugueses a partir do decênio de 50. O Tratado de
Madri foi obra do acaso. A ascensão de Maria Bárbara de Bragança, filha de D.
João V (1699-1750), ao trono da Espanha, deu vida à cartografia elaborada por
influência do santista Alexandre de Gusmão (1695-1753), secretário particular
do rei durante vinte anos, de 1730 a 1750. A rainha espanhola, de sangue
português, usou o poder do trono para tornar possível o reconhecimento espanhol
das cartas geográficas com a configuração do Brasil atual. Sabia-se que Maria
Bárbara, mulher culta, poliglota, compositora de sonatas, era uma personalidade
bastante forte para dominar o frágil D. Fernando VI (1713-1759), seu marido.
Por sua influência a Espanha admitia o abandono (temporário) do Tratado de
Tordesilhas e os portugueses se apossavam em definitivo da região amazônica,
até os limites meridionais do Mato Grosso do Sul. Mas é bom lembrar que esse
Tratado foi substituído pelo de El Pardo, de 1761, pretendendo restaurar a
situação anterior, o que não impediu Pombal de continuar empenhado em dar ao
Brasil uma configuração territorial quase igual à que o País tem na atualidade.
A Amazônia Brasileira, incluindo em sua vastidão a área do antigo Mato Groso,
representa um dos frutos da tenacidade e da visão de longo alcance de Pombal no
aproveitamento de oportunidades internacionais e na competência de sua ação
diplomática”.
O projeto modernizador de Pombal nasceu da influência que
sobre ele exerceram os ideais do iluminismo, bem como o conhecimento do élan
modernizante sofrido pela Inglaterra, país que ele conheceu de perto durante os
anos em que foi representante diplomático da Monarquia portuguesa. A respeito
deste ponto, escreve Gilberto Paim: “Não há historiador ou biógrafo de Pombal
que deixe de ressaltar a influência que teve sobre a sua formação espiritual o
período que o ministro viveu no exterior. O progresso e os sinais de mudança
social que presenciara lá fora fizeram-no decidir-se pela eliminação da monarquia
gótica, representativa do atraso medieval, para em seu lugar erguer a
monarquia moderna. Mas o seu esforço pró-modernização não chegou a afetar o
absolutismo, o qual serviu de leito aos seus métodos administrativos. Diz
Saraiva
que com a intenção de modernizar, Pombal desferiu golpes cruéis sobre todos os
beneficiários dos privilégios em que se apoiava a antiga monarquia. E quando saíram do cárcere, suas vítimas
tentaram restabelecer o antigo estado de coisas, lançando a primeira vaga de
antipombalismo; para eles, o ministro não podia ser mais do que o tirano
sanguinário, o seu consulado fora uma longa noite a sua obra um desvio na
piedosa e legítima tradição portuguesa e, como tal, uma mancha ominosa na
história do país. Os defensores da tradição, frisa o historiador, continuam
hoje, na sequência dessa linha, a ser antipombalinos”.
Embora Pombal tivesse sido perseguido pela sucessora de Dom
José I, Dona Maria I (1734-1816), a Louca, completamente dominada pelos padres
e pela antiga nobreza, o velho marquês terminou sendo perdoado dos crimes de
que o acusavam os seus inimigos. Doente e idoso, Pombal retirou-se
completamente da vida pública, vindo a falecer no seu palácio aos 83 anos de
idade. Anos depois, na esteira liberal que se levantou em Portugal, a figura do
marquês terminou sendo revalorizada.
A respeito deste ponto, escreve Gilberto Paim: “Apresentando
as razões do estilo de administração que regeu o governo na era pombalina, José
Hermano Saraiva opina que o despotismo era a fórmula política imperante no
tempo em que Carvalho e Mello cresceu e estudou, e foi essa a fórmula que
procurou realizar. Toda a sua obra, conforme o historiador, teve por objetivo
consagrar a autoridade do Estado, e não a liberdade dos súditos (....). A
política de formação das bases empresariais e capitalistas, que ele reputava
essenciais ao progresso econômico, teve por efeito a prosperidade do período
posterior. Segundo esse autor, a reforma do ensino superior foi feita em
harmonia com aquilo que então representava o espírito do progresso. Isso quer
significar que o atraso do seiscentismo foi em grande parte vencido nos 27 anos
de governo pombalino”.
Os historiadores brasileiros, a começar pelo visconde de
Porto Seguro, Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878), fazem uma avaliação
positiva do ciclo pombalino. Sem o marquês não teria sido preservada a nossa
extensão continental. Sem ele não teria se formado a geração que fez a
Independência. Notadamente em relação à preservação da vasta extensão
territorial arrancada ao Império espanhol mediante as hábeis negociações de
Pombal e com a utilização da força armada para defender as fronteiras, frisa
Gilberto Paim: “O emprego da força das armas e da autoridade máxima do Estado
serviu de instrumento para impor aos espanhóis a legitimação do nosso movimento
expansionista. Os limites de Tordesilhas ficaram muito para trás. Esse tratado
nos concedia a faixa de terra dentro de uma linha reta ligando Belém a Laguna.
Toda a imensa extensão restante foi alvo da conquista de brasileiros e
lusitanos em sua penetração no território nos séculos XVII e XVIII, em busca de
ouro e pedras preciosas. Pombal manteve-se suficientemente atento para dar
cobertura militar a esses movimentos, mandando construir um sistema de
fortificações situadas em pontos extremos. Vem, pois, de longa data, a tradição
que faz com que os brasileiros encarem o estadista de modo uniformemente
simpático”.
2 – Nacionalismo
pombalino.
Um dos traços que mais marcaram a passagem de Pombal pelo
governo foi a sua decidida visão de estadista: tudo fez com o intuito de
modernizar Portugal e de traçar políticas condizentes com essa nova visão. A
sua vida política reduziu-se a isso: colocar o seu país no rumo da modernidade.
A respeito, escreve Gilberto Paim: “Essa linha política de
afirmação nacional distinguirá o reinado de D. José, em cujo curso Carvalho e
Mello será um ministro enérgico, de excepcional capacidade de trabalho e sempre
pronto a tomar decisões fulminantes. Pode-se afirmar, sem receio de erro, que a
sua postura nacionalista responde em grande parte pelo prestígio de seu nome
junto às gerações futuras. A atividade governamental ganha impulso e a presença
de um ministro destemido provoca imediata reação da nobreza, cujos movimentos
contra Sebastião José logo são percebidos. Assinala o diplomata e historiador
Teixeira Soares, seu
biógrafo entusiasta, que Carvalho e Mello trouxera ideias novas da sua
permanência no estrangeiro. Observara muito e muito aprendera em contato com
ingleses e austríacos. No exterior, frequenta diferentes meios sociais,
trazendo de volta um lastro de experiência política e diplomática utilíssima
para o entendimento dos assuntos administrativos, políticos, econômicos e
diplomáticos do reino”.
3 – Novos métodos
administrativos.
O primeiro ministro de D. José I era, fundamentalmente, um
reformista dos métodos administrativos. Ao passo que a gestão dos negócios
públicos sob a tradicional monarquia portuguesa obedecia à lei da estabilidade
e da preservação das benesses e privilégios da nobreza e da Igreja Católica,
sob Pombal a gestão das coisas públicas tomou outro rumo, que se poderia
comparar ao posto em prática, na França, por Luís XIV (1638-1715).
Tudo era pensado em função daquilo que melhor se enquadrasse no esforço
modernizador do Estado. O norte da gestão pombalina era esse. Enquanto no
passado os Monarcas se preocupavam por privilégios pessoais dos Nobres ou por
questões de doutrina cristã ou de privilégios para bispos e clérigos, nos
tempos de D. José I toda a máquina do Estado se movia em direção a uma
finalidade claramente traçada: firmar o Estado moderno em Portugal. Todos
deveriam se acomodar às novas exigências dos tempos. Com o correr dos anos, vai
se perfilhando no horizonte uma nova nobreza, que será formada por
gentis-homens com mentalidade modernizadora, ou que será simplesmente
acrescentada com a entrada de uma nova nobreza de funcionários públicos
formados no Colégio dos Nobres de Lisboa, algo semelhante ao ocorrido na Rússia
czarista com os denominados cargos tschin,
nas reformas empreendidas sob a orientação de António Nunes Ribeiro Sanches
(1699-1783), o mesmo médico de origem judia que, desde Paris, orientou as
reformas educacionais pombalinas.
Em relação às novas exigências administrativas do ciclo
pombalino, escreve Gilberto Paim: “Ao tomar contato com as questões da
administração, Carvalho e Mello avalia as deficiências e mazelas da organização
econômica do país, que vivia do esbanjamento do ouro e diamantes do Brasil,
enquanto a economia nacional ia à deriva. Todos os biógrafos do marquês exaltam
a sua alta competência administrativa, salientando a vigorosa introdução de
novos métodos de governo como uma das marcas de Sebastião José no exercício do poder.
Teixeira Soares, por exemplo, não reprime o entusiasmo ao apreciar o dinamismo
do seu biografado, cuja ação dinâmica logo despertou a admiração de D. José, o
qual passou a ver nele um ministro realmente decidido. Isso bastava para
provocar o desdém da nobreza, que o encarava como um lacaio emproado, um feitor
rústico, à medida que subia o seu prestígio junto ao monarca”.
A estratégia pombalina primava pela eficiência. Contra a
tradicional pachorra da burocracia patrimonialista tradicional, o primeiro
ministro exigia rapidez na execução das ordens. Se referindo à descrição que da
ação do ministro faz o seu biógrafo Teixeira Soares, escreve Gilberto Paim:
“Certa vez, relata esse biógrafo, uma frota que deveria partir para o Brasil
esperou durante três meses por documentação que teria de ser providenciada pelo
ministro da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte-Real. A delonga levou
os interessados a recorrer a Carvalho e Mello, que em apenas quatro dias
despacha a papelada e permite a partida da frota. Diante de exemplos como esse,
os inimigos redobram esforços ao estenderem a rede de intrigas palacianas
(...)”.
5 – Produção dirigida.
O pombalismo ensejou na vida econômica o dirigismo estatal. O
ideal era constituir o Estado como empresário que garantiria a subsistência da
Nação. Ora, como o poder público não poderia se tornar diretamente o produtor
de todos os bens, o dirigismo da produção seria, então, a saída.
A respeito, escreve Gilberto Paim: “A quase infinita
sequencia de atos legislativos pombalinos marca a trajetória do reinado de D.
José, transformando-o numa época de intensa atividade econômica oficial e
privada. Pombal se destaca como o governante a quem nenhum antecessor ou
sucessor fez ou fará sombra no mesmo cargo. Nos vinte e sete anos de sua
administração, o ritmo da legislação reflete o empenho do governo em adotar as
mais variadas medidas para acelerar o advento do progresso comercial e
industrial. Os (atos ) legislativos de natureza econômica, antes e depois de
Pombal, distinguem, com efeito, o período que lhe reserva a história. Com um
estilo de governo desconhecido e ímpar na vida portuguesa, procurou ele
introduzir a modernização num país onde o feudalismo dava sinais de sua
presença na economia e na organização social precária e desequilibrada”.
O dirigismo pombalino estendeu-se a todos os campos da
produção. Nada escapava aos olhos do onipotente ministro. A respeito dessa
presença tutelar que tudo centralizava no gabinete ministerial e que se
alicerçava na crença de que o Estado absolutista, possuidor da ciência
aplicada, era o único promotor da modernidade, frisa o nosso autor: “Esse
inabalável propósito de modernizar dá a Pombal a justificação da ingerência
governamental em todas as atividades. O governo supõe correta a decisão de
permitir que as instituições pias da cidade do Porto emprestem dinheiro a juros
às pessoas interessadas em participar do capital da Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro, empresa por ele criada para fazer face
aos comerciantes ingleses na comercialização dos vinhos daquela região. As
instituições pias precisavam, portanto, de um habeas corpus para aplicar em empréstimos os seus recursos
financeiros. Por outro lado, como essa empresa representa o interesse comum da nação, somente os comissários da
Companhia podem comprar vinhos a granel, o que, evidenciando uma situação
monopolista, deixa entrever o cunho autoritário que se pretendia dar ao
desenvolvimento econômico. A instalação de uma fábrica de cal é permitida a um
cidadão inglês por decisão especial do poder público, significando isso que,
para se instalar uma indústria, tornava-se indispensável a autorização oficial.
Os pomares da Ribeira de Barbarena podiam ter uma função social e econômica
importante, produzindo frutas e hortigranjeiros e dando ocupação a muita gente,
mas o governo resolve proibir a sua irrigação em favor do uso das águas na
Fábrica de Pólvora, pertencente ao Estado”.
6 – Monopólio da
burocracia.
A consequência natural de todo esse dirigismo estatal da
economia é o monopólio que, em Portugal, no ciclo pombalino, passou a ter a
burocracia, com todos os descaminhos de favoritismo e corrupção que essa condição
traz consigo. Se o exclusivo promotor da modernidade em matéria econômica é o
Estado, o seu estamento burocrático tem, portanto, a primazia na atribuição das
incumbências da produção e na distribuição dos benefícios do processo
produtivo. Os amigos do rei são mais poderosos do que o resto.
Em relação a este ponto, escreve Gilberto Paim: “As
providências descritas demonstram que a máquina burocrática foi transformada em
celeiro de monopólios a julgar pelos inúmeros alvarás e decretos que asseguram a
exclusividade da produção e comercialização de vários produtos a certas
pessoas. Mas não há dúvida de que a ação oficial assume caráter de abuso de
poder quando o governo decide impor a aceitação das apólices das Companhias
Reais como bens sólidos para girarem como
dinheiro líquido. Essa e muitas outras violações das leis do mercado
poderiam ser tomadas como prenúncio de escassos resultados, a longo prazo, do
esforço de industrialização empreendido pelo governo pombalino; os seus atos
provam que o poder público estava preocupado em tratar de todos os assuntos,
como indica um alvará segundo o qual não podem executar obras, na edificação de
Lisboa, pedreiros, carpinteiros, canteiros e moldureiros que não tenham
cursado a Aula de Desenho e Fábrica de Estuque, por sinal gerida pela Real
Fábrica de Sedas, que está no rol das empresas governamentais”.
A herança do dirigismo pombalino seria longa na história brasileira.
Os seus traços se estendem até hoje. Tal proposta se alicerça na ingênua crença
de que quem melhor traduz os interesses dos cidadãos é a burocracia
governamental que se sobrepõe a eles. Jamais os indivíduos conseguirão
traduzir, de forma legítima, os seus interesses. Só o Estado e, no seio dele, o
Monarca e o seu primeiro ministro, têm luzes para tanto.
A respeito deste ponto, frisa Gilberto Paim: “A ideia de
onipotência que inspira o governo pombalino, ao influir na geração e
distribuição de riquezas, parece estar bem expressa na concessão de privilégios
de exclusividade na fabricação e comercialização de certos bens. São vários os
atos que conferem a empresas esses privilégios. Recordemos que, no Brasil, até
a segunda metade do século XX, a exportação de açúcar e do álcool era exclusiva
do respectivo instituto; a importação de barrilha e soda cáustica só podia ser
feita pela Companhia Nacional de Álcalis; a importação de borracha era regulada
pela Superintendência da Borracha. E até 1992, a mão do Estado pesava sobre as
atividades da eletrônica digital. No inconsciente do administrador público
brasileiro parece estar legitimada por uma tradição secular a intervenção
governamental no setor econômico. Encontra o intervencionismo a sua principal
justificativa numa preocupação superior
do governante com o bem-estar dos seus concidadãos (na época pombalina eram os
vassalos ou súditos). Naturalmente que, a partir do exame da copiosa legislação
econômica pombalina, muitos brasileiros devem pensar nas razões de ordem
histórica que determinam a facilidade com que são criadas aqui empresas
governamentais”.
O monopólio exercido pela burocracia estatal manifestou-se,
de forma clara, na Companhia Geral de Grão-Pará e Maranhão, criada por Pombal
em junho de 1755, com a finalidade de exercer o monopólio do comércio e da
navegação entre a metrópole e a parte norte do Brasil. O objetivo imediato da
Companhia era a compra de escravos nas costas da África, com a finalidade de
transportá-los às capitanias do Pará e do Maranhão.
Esse comércio, frisa Gilberto Paim, “(...) era desenvolvido à
base de monopólio no transporte e venda das mercadorias que serviam de base
para a aquisição dos escravos. Abrangia a áreas de atuação monopolista da
empresa as ilhas de Madeira, Cabo Verde e Açores, cujos produtos exportáveis
somente podiam ser comprados e transportados pela Companhia. A voracidade do
monopólio chega ao ponto de ficar decidido pelo primeiro-ministro a entrega, à
Companhia, por vinte anos, dos governos
político e militar das ilhas de Cabo Verde, suas anexas, e Costa da Guiné. Desse
modo, foram conferidos poderes à empresa para indicar as autoridades civis e
militares das referidas áreas, cujos nomes eram por ela selecionados e
entregues ao governo para os decretos de nomeação. À empresa foi concedido
também o privilégio de isenção de direitos alfandegários nos portos de Portugal
(...)”.
Um dos objetivos secundários para a criação da Companhia de
Grão-Pará e Maranhão consistia em impedir que os comerciantes das duas maiores
praças portuguesas, Lisboa e Porto, tivessem liberdade suficiente para impor
condições à Coroa. A respeito, escreve o nosso autor: “Havia, entretanto,
alguma coisa de errado na organização da empresa, a qual foi fundada para
exercer o monopólio do comércio e da navegação entre a metrópole e a parte
setentrional da colônia. A ação monopolista desalojaria do comércio marítimo os
negociantes de Lisboa e do Porto, os quais veicularam sucessivos protestos
contra esse alijamento. A reação pombalina contra esses protestos foi
fulminante: os sete membros dirigentes da associação comercial lisboeta, que
assinaram um memorial ao governo, considerando nocivo o monopólio, foram
condenados ao desterro. Ficou, assim, demonstrado o absolutismo do poder com a
expedição das sentenças contra as vítimas; os comerciantes das duas praças
cessaram a resistência e silenciaram”.
O resultado do comércio monopolista praticado pela burocracia
pombalina foi positivo, do ângulo estratégico, para preservar os limites das duas
colônias setentrionais. Tanta foi a importância dada pelo marquês a esse
objetivo que, além da política de construção de fortes, nomeou o seu irmão,
Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769), governador do Grão-Pará e
comandante militar das duas capitanias, tendo nomeado também o seu sobrinho,
Joaquim de Melo e Póvoas, governador das capitanias do Maranhão e Piauí, cargo
desempenhado por este entre 1775 e 1779.
Mas se o resultado do comércio monopolista revelou-se
positivo para os planos estratégicos do marquês, não foi, contudo, favorável
aos interesses dos agentes econômicos independentes e dos próprios súditos nas
duas Capitanias, bem como nas ilhas onde funcionava a Companhia. Eis o
testemunho dado pelo nosso autor, com fundamento nas pesquisas do historiador
português António Carreira:
“Em conformidade com a tendência irreprimível dos monopólios
para a prática de arbitrariedades, detecta-se esse mal incurável no
comportamento da Companhia, tanto em Cabo Verde como na Guiné. Tudo o que a empresa
faz contraria os interesses de longo prazo das áreas onde ela opera. Os agentes
da Companhia estão sempre prontos a abusar de seus privilégios. A prova evidente do espírito ganancioso da
empresa ou dos seus agentes está no fato de, depois de seis anos de sua
instalação em Cabo Verde, haver absorvido todo o grande e pequeno comércio,
inclusive os estabelecimentos mais insignificantes, diz o citado autor.
Reproduz António Carreira trecho de um relatório do Ouvidor Geral, datado de
abril de 1761, no qual se declara que a Companhia, além de exercer o monopólio
na compra de carneiros, porcos, cabras e demais víveres chamou a si a venda
dessas carnes, estendendo essa exclusividade à venda de galinhas, abóboras,
laranjas e demais frutas da terra (Cabo Verde). Queixam-se os habitantes do
arquipélago, de que a empresa compra esses produtos a preços baixos para
revendê-los aos estrangeiros a preços excessivos. Por essa via marchava a
decadência econômica das ilhas”.
7 – Reserva de mercado.
O problema fundamental de pensar a economia num contexto
mercantilista como o pombalino consiste em que ela é concebida como processo de
“soma zero”. Se alguém ganha é porque surrupiou de outrem. A riqueza, nesse
contexto, é amaldiçoada. As coisas pioraram sensivelmente no contexto da
cultura contra-reformista imperante na Península Ibérica. O lucro simplesmente
era considerado pecado. Como fazer, então, para produzir a riqueza?
Antônio Paim mostrou que o pensamento pombalino elaborou um
arrazoado original para superar esse impasse: o Estado empresário era o
encarregado de produzi-la e de distribuí-la entre os súditos do Monarca
português. Nisso consistia a famosa “aritmética política” que o marquês
apresentou a D. José I.
Dentro desse contexto, ficava superada a questão do caráter pecaminoso da
riqueza e do lucro. Se tudo ficasse nas mãos do Estado, não haveria problema.
Ele não sujaria as mãos, pois não se confundia com o egoísmo dos indivíduos e estaria
gerido em função do bem de todos. Tratava-se de uma espécie de rousseaunianismo.
Lembremos que para o pensador genebrino o Legislador e os seus colaboradores,
“os puros”, encarregar-se-iam de moralizar a sociedade mediante a busca do bem
público, esquecida como imoral a defesa dos interesses individuais dos
cidadãos.
A primeira consequência desse estatismo, no contexto da
estrutura patrimonial do Estado português, foi o dirigismo da produção e o
afunilamento do lucro por parte da elite burocrática. Os restantes membros da
sociedade “ficavam a ver navios”. Para progredir era necessário se juntar à
empresa do Rei.
É esta a circunstância que o nosso autor descreve no seguinte
trecho: “Coube ao governo pombalino extinguir a escravatura em Portugal, muito
embora as suas companhias de comércio e navegação procurassem tirar o máximo
proveito da compra de escravos, em portos africanos, para a sua venda no
Brasil. Em setembro de 1761, um alvará com força de lei proibiu a introdução de
escravos no reino declarando forros e livres todos aqueles que viessem a ser
desembarcados em portos lusitanos. Não obstante todo o esforço que representa o
pano de fundo dessa legislação, Pombal foi além, pois queria reformar os
costumes. Essa intenção reformista produziu numerosos atos do ministro. Um
exemplo dessa preocupação foi o combate ao contrabando em navios da Companhia
Geral do Grão-Pará e Maranhão, embora fosse difícil contê-lo, pois era
realizado pelos próprios funcionários da empresa. Em julho de 1758, um alvará
com força de lei proíbe os empregados da Companhia de Comércio o exercício de
qualquer atividade comercial particular. No tocante à Companhia das Vinhas do
Alto Douro, o governo adotou medidas severas contra os que desviarem dinheiro da Companhia para fins particulares
e contra os que praticavam outros atos, inclusive a mistura de vinhos com o
objetivo de ganhos ilícitos. Infelizmente, os empregados dessa empresa sempre
encontravam meios de burlar as providências moralizadoras”.
Citando pesquisa desenvolvida pela historiadora Susan
Schneider ,
o nosso autor relata um episódio que ilustra a “razão louca” do espírito
monopolista pombalino. A fim de garantir o domínio completo da indústria criada
pelo ministro no ramo da pesca, o marquês terminou trazendo maiores problemas
para a economia portuguesa. O espírito monopolista significou um tiro no pé de
quem pretendia tudo modernizar a partir do Estado empresário.
Eis a narrativa do fato: “(...) Pombal, repetindo decisões
anteriores, criou monopólio de monopólios dentro do monopólio. Para que a
Companhia de Pesca pudesse conservar o peixe, foi-lhe concedido o monopólio de
todo o sal do Algarve. Além disso, para lhe garantir um mercado para venda das
sardinhas e do atum, o primeiro ministro proibiu a importação de peixe espanhol
no norte de Portugal e ordenou a destruição de todas as instalações de pesca,
no Rio Douro, alegando que as áreas de pesca nesse rio obstruíam a passagem de
barcos que transportavam vinho. Finalmente Pombal proibiu os habitantes do
Porto de importar peixe de qualquer parte, com exceção do Algarve. Os espanhóis
haviam baseado a indústria de pesca na aldeia praiana de Monte Gordo, enquanto
Pombal escolheu outro local para instalar a sua empresa: Vila Real de Santo
Antônio, no canto sudeste do território português. Como não havia casas em Vila
Real, foi preciso ali construir uma cidade inteiramente nova. A iniciativa
fracassou, porque os pescadores se recusaram a mudar de Monte Gordo para Vila
Real. Conta Susan Schneider que, para obriga-los a essa mudança, Pombal mandou
incendiar e arrasar Monte Gordo, ordem que foi cumprida pela tropa, porém os
pescadores se mantiveram em sua recusa e fugiram para a Espanha. Na luta com a
falta de braços para salgar o peixe e tripular os barcos, a Companhia pesqueira
fracassou. Quem pagou pelo capricho do primeiro-ministro foi a Companhia do
Alto Douro, que havia assumido a responsabilidade pela maior parte do
investimento no Algarve, perdendo tudo o que investira na construção de seis
grandes armazéns na praia, seis grandes barcos de pesca e grandes quantidades
de madeira, mandadas para o Algarve para ajudar na construção de Vila Real de
Santo Antônio. No final da década de 1770, a Vila era uma localidade fantasma,
inteiramente despovoada”.
8 – Crítica liberal de
Gilberto Paim ao pombalismo.
Embora o nosso autor reconheça a importância das reformas
pombalinas no que tange à modernização do Estado português e às variáveis
ligadas à independência brasileira, ele destaca, em alto e bom som, as
limitações de tal projeto modernizador. A essência da crítica de Gilberto Paim
ao pombalismo consiste na identificação de tal processo como uma política
antiliberal. Em decorrência do fato de o Estado ter-se mantido, sob Pombal, num
contexto absolutista, embora iluminado pela ciência aplicada, fez com que o monopólio
econômico sofresse de um grave defeito: agia contra os interesses da sociedade,
tanto em Portugal, quanto no Brasil e nas colônias africanas.
A respeito dessa crítica, frisa o nosso autor, se alicerçando
nas pesquisas feitas pelo historiador português António Carreira, autor da
conhecida obra intitulada: As Companhias Pombalinas :
“Em conformidade com a tendência irreprimível dos monopólios para a prática de
arbitrariedades, detecta-se esse mal incurável no comportamento da Companhia
(do Grão Pará e do Maranhão), tanto em Cabo Verde como na Guiné. Tudo o que a
empresa faz contraria os interesses de longo prazo das áreas onde ela opera. Os
agentes da Companhia estão sempre prontos a abusar de seus privilégios. A prova evidente do espírito ganancioso da
empresa ou dos seus agentes está no fato de, depois de seis anos de sua
instalação em Cabo Verde, haver absorvido todo o grande e pequeno comércio,
inclusive os estabelecimentos mais insignificantes, diz o citado autor.
Reproduz António Carreira trecho de um relatório do Ouvidor Geral, datado de
abril de 1761, no qual se declara que a Companhia além de exercer o monopólio
na compra de carneiros, porcos, cabras e demais víveres chamou a si a venda
dessas carnes, estendendo essa exclusividade à venda de galinhas, abóboras,
laranjas e demais frutas da terra (Cabo Verde). Queixam-se os habitantes do
arquipélago, de que a empresa compra esses produtos a preços baixos para
revendê-los aos estrangeiros a preços excessivos. Por essa via marchava a
decadência econômica das ilhas”.
O espírito de exploração colonial que animava à Companhia e
aos demais empreendimentos econômicos de Pombal leva o nosso autor a comparar
os monopólios a verdadeiros cupinzeiros. Estas são as suas palavras a respeito:
“É próprio do monopólio dar a aparência de solidez inabalável. A Companhia era
um caso desse gênero. Exercia poderes imensos, inclusive o de vida e morte
sobre criaturas humanas, mas em seus porões os cupins se articulavam para
causar estragos irreparáveis em suas escoras de madeira. Da corrosão interna, que
algum dia levará a desmoronamentos, nenhum monopólio se livra. Os cupinzeiros
vinham se espalhando dentro de sua estrutura, e nada podia fazer a Junta de
Administração, além de comprovar perdas e desvios, sobrepreços e parcerias em
benefício de seus funcionários, sócios praticamente declarados da grande
empresa. (...) Praticando um monopólio escorchante contra o qual de nada valiam
os protestos dos consumidores de produtos do reino, entregues eles à própria
sorte, a Companhia causou inúmeros transtornos às praças brasileiras que deviam
ser por ela abastecidas. Constantemente,
registrava-se a falta de gêneros alimentícios, tais como bacalhau e
trigo, assim como de tecidos e ferragens, além de vinho, azeite, sal e outros
itens essenciais. Os preços, em consequência da escassez periódica ou
constante, puniam injustamente os consumidores, impossibilitados de se
abastecerem em outras fontes”.
Embora a Companhia do Grão Pará e Maranhão tivesse passado a
sofrer a concorrência sob o reinado de Dona Maria I, no entanto continuou
funcionando, tendo sido extinta apenas no século XX. A respeito, escreve
Gilberto Paim: “Com a ascensão de Dona Maria I ao trono, foi declarado extinto
o privilégio de exclusividade concedido à Companhia para negociar nas duas
capitanias. A empresa, a partir de janeiro de 1778, passou a enfrentar a
concorrência de outros fornecedores e compradores. De acordo com a lei que a
havia criado, em 1755, ela desapareceria vinte anos depois do início de
operações, o que deveria ocorrer no citado ano. Mas a Companhia prosseguiu
realizando operações até 1788, porém sua extinção somente se daria em 1914. As
empresas estatais pombalinas, fonte de inspiração da estatização brasileira,
tinham fôlego de sete gatos, como nos deu exemplo a Companhia do Grão Pará e
Maranhão”.
Idêntico perfil estatizante tiveram também outros
empreendimentos modernizadores de Pombal, como a Companhia Vinícola, que foi
criada em 1756, com a finalidade de racionalizar a produção de vinhos no Alto
Douro e estimular, assim, o desenvolvimento da agricultura. Do empreendimento
passou a cuidar pessoalmente o marquês, com a ajuda de Frei João de Mansilha
(1711-1780), que já tinha colaborado com ele quando da sua passagem pela
embaixada de Portugal em Londres (1738-1743).
Em decorrência da dinâmica patrimonialista de favorecer
amigos e lascar inimigos, a Companhia Vinícola terminou ensejando um perverso
monopólio, que afetou negativamente a vida dos viticultores da região do Rio
Douro. A respeito do descontentamento ensejado pela Companhia Vinícola, escreve
Gilberto Paim: “No seu primeiro ano de existência, a Companhia enfrentou uma
revolta popular que resultou de sua decisão de limitar drasticamente o número
de tavernas na cidade do Porto e arredores, onde se podia vender vinho a retalho.
Era realmente inacreditável a tendência do marquês para invadir o setor privado
e conceder o privilégio da exploração econômica a empresas ou grupos. Estava
previsto nos objetivos definidos nos seus estatutos que a Companhia limitaria o
número de tavernas na cidade e redondezas, o que significava o fechamento de
90% das tavernas existentes, estimadas em 600. As pessoas que se dedicavam a
esse ramo de atividade estavam condenadas a perder o seu meio de vida,
assumindo o prejuízo coletivo proporções consideráveis”.
Efeito imediato desta política absolutista: “Generalizou-se o descontentamento.
Toda a população portuense sentiu-se afetada pela política introduzida por
meios absolutistas. A consequência foi a revolta popular que explodiu no Porto
a 23 de fevereiro de 1757 (...)”.
A repressão do primeiro ministro contra os revoltosos foi
brutal. “Partidário de um poder estatal forte, – frisa o nosso autor – Pombal
não podia transigir com a contestação às ordens reais por parte da plebe e
muito menos com a abolição unilateral e violenta de um instituto que lhe era
particularmente caro. A Companhia (...) era a pedra fundamental da política
econômica concebida pelo primeiro-ministro como condição e alavanca do progresso
nacional. Em consequência as penas aplicadas aos amotinados foram severas. Dos
suspeitos de participação na revolta, 26 foram condenados à morte, inclusive 5
mulheres; 142 castigados com penas que iam desde açoites, condenação às galés e
confisco de metade dos bens até a obrigatoriedade de assistir ao suplício dos
sentenciados; 63 condenados a seis meses de prisão, 195 mandados soltar em
regiões distantes, e apenas 36 absolvidos”.
Parecer do Conselho Ultramarino de 1778 reconhecia a má
gestão da Companhia criada por Pombal, nos seguintes termos: “São conhecidos os
descaminhos, as extorsões e as violências praticadas pela regência da Companhia
do Alto Douro, e não menos os justos clamores dos povos vexados, e oprimidos,
debaixo do jugo de sua dominação”.
Apesar desse parecer do órgão do Estado português encarregado de supervisionar
as empresas estatais, Dona Maria I conservou ativa a Companhia.
Gilberto Paim conclui que se torna clara aqui a dinâmica do
patrimonialismo português: manter as empresas estatais, mesmo que deem prejuízo
à sociedade; o importante é satisfazer os anseios da burocracia. A respeito,
escreve o nosso autor: “O que merece especial destaque, nesse parecer do
poderoso Conselho Ultramarino, é o empenho que o Estado faz para defender os
seus feitos, justificando sempre a criação de suas empresas. A burocracia tem
meios de conservação de privilégios e sabe empregar argúcia e habilidade para
mantê-los, quando o clamor popular reclama a sua extinção. Esse empenho
torna-se perceptível nos méritos que o Conselho decide atribuir à Companhia,
embora pareçam predominar os seus aspectos negativos”.
O nosso autor lança um olhar mais vasto sobre o fenômeno das
Companhias de Pombal, colocando-as no contexto da consolidação do
Estado-empresário em Portugal, fenômeno que aparece já em meados do século
XVII, antes, portanto, do consulado pombalino.
Assim conclui Gilberto Paim a sua análise: “Observemos bem o
seguinte: entre o lançamento da primeira empresa, no ano de 1649, e a
decretação do fim das duas últimas, a Cia. do Grão-Pará e a de Pernambuco e
Paraíba, em 1788, gerações sucessivas presenciaram a corrosão paulatina e o
fracasso final das empresas criadas por iniciativa governamental, com
finalidades que nunca foram alcançadas. Não é, pois, para ser esquecido o juízo
crítico de João Lúcio de Azevedo ,
no sentido de que a gente lusa estava mais inclinada à vida aventurosa e
habituada aos ganhos predatórios, do que à constância e a boa vontade em
servir, que constituem a base dos empreendimentos bem-sucedidos. Esse dado
cultural inextricável faz parte do legado que nos foi transmitido na era
colonial e não desaparecerá com facilidade”.
II – Avaliação das
influências do modelo pombalino no século XX: a Petrobrás e a reserva de
mercado da informática.
Com coragem incomum, somente explicável pelo seu patriotismo
e por uma visão ampla da problemática do Brasil em termos de desenvolvimento,
Gilberto Paim elaborou, em duas obras, a crítica à visão monopolística herdada do
espírito pombalino pelas empresas públicas no Brasil contemporâneo.
Sintetizou a sua posição em torno a dois pontos essenciais: o
monopólio da Petrobrás e o monopólio da informática. Referir-me-ei, nesta
segunda parte, a esses dois aspectos.
1 – Crítica de Gilberto
Paim ao monopólio da Petrobrás.
O nosso autor sintetizou as suas idéias a respeito da
Petrobrás na obra intitulada: Petrobrás: um monopólio em fim de linha.
Não há dúvida acerca da importância que a Petrobrás representa para a economia
nacional, segundo o pensamento de Gilberto Paim. O nosso autor reivindicava,
contudo, uma atualização da empresa, para que não ficasse comodamente instalada
na visão monopolística comum no segundo pós-guerra. Os tempos eram outros,
certamente, na segunda metade do século XX, após os dois choques do petróleo
dos anos 70, a queda do Império Soviético no final dos anos 80 e a globalização
dos mercados, acelerada na transição do milênio.
Assim, o entulho monopolístico que caracterizou a empresa ao
longo do passado século e que ainda é marcante, correspondeu, no sentir de
Gilberto Paim, a uma “esperança frustrada”. Houve, evidentemente, toda uma
geração que acreditou rigorosamente no valor da Petrobrás como monopólio. A
respeito, escreve Gilberto Paim: “Os brasileiros que fizeram a campanha do petróleo é nosso tinham como certo o
enriquecimento nacional após a instituição do regime de monopólio para a
exploração do chamado ouro negro. Em sua pregação em favor da presença do
Estado como agente único no desenvolvimento da indústria petrolífera, desde a
extração do óleo bruto até a distribuição de seus derivados, os dirigentes da
campanha exaltavam essa atividade como fonte de riqueza e poder. Quem não estivesse acompanhando o movimento
editorial sobre o grande tema, para se convencer de tal verdade, podia confiar
na palavra de figuras civis eminentes, como Oswaldo Aranha, Juracy Magalhães,
Arthur Bernardes, Euzébio Rocha, Hermes Lima e Agamenon Magalhães, entre
dezenas de outros brasileiros ilustres. Eram petroleiros Osório Borba, Rafael
Correia de Oliveira, Joel Silveira e Gondim da Fonseca, entre outros
jornalistas de grande público. A idéia de segurança da Pátria vinha embutida na
mensagem de generais de indiscutível prestígio político, como Leitão de
Carvalho, Góes Monteiro, José Pessoa, Estillac Leal, Felicíssimo Cardoso e
outros oficiais de alta patente, que se distinguiam como ardorosos defensores
do monopólio petrolífero”.
Essad Bey,
com a sua obra intitulada: A luta pelo petróleo, foi
entronizado pelos estatocratas brasileiros como o anjo do monopólio na
exploração do petróleo. A respeito, escreve Gilberto Paim: “(...) Bastaria a
leitura de algumas linhas desse eficiente manual do anti-imperialismo para se
adquirir a convicção de que as nações subdesenvolvidas, com subsolo rico em
hidrocarbonetos, não passavam de marionetes nas mãos dos que extraiam do
petróleo poder imenso e riqueza incomensurável. Tínhamos aí uma enciclopédia de
intrigas, jogos de bolsa, rebeliões e revoluções forjadas, ascensão e queda de
governantes, homicídios nunca esclarecidos, atos de sabotagem praticados em
larga escala contra campos petrolíferos e instalações industriais do petróleo,
subornos, escândalos, processos judiciais rumorosos, condenação à cadeia de influentes
personalidades, caídas em desgraça, guerra de morte entre empresas”.
Mas, como foi frisado, Gilberto Paim achava que, se os tempos
tinham mudado desde o segundo pós-guerra até os dias atuais, era necessário
revisar a concepção de monopólio estatal que foi defendida, com ardor, por
intelectuais e homens de Estado. Entre os primeiros, além das personalidades
mencionadas no parágrafo anterior, mas contraposto ao ponto de vista de
nacionalismo estatizante que animava à maioria, ressalta a figura de Monteiro
Lobato (1882-1948),
o primeiro brasileiro a sofrer perseguições por causa de suas críticas à visão
monopolista oficial. Entre os segundos, além dos nomes de políticos citados, avulta
a presença de Getúlio Vargas (1883-1954). O monopólio petroleiro começou sendo
aclamado pela grande maioria. Mas, no decorrer das décadas, os benefícios do
empreendimento foram sendo questionados, de forma semelhante a como tinham sido
discutidos, pela opinião pública da época, os benefícios dos monopólios
pombalinos, analisados no item anterior deste trabalho.
O véu caiu, os artistas rasgaram a fantasia. O que restou de
tudo isso foi um empreendimento falido, sustentado pela Nação, que ainda paga o
rombo que a última geração de administradores irresponsáveis deixou para todos
os brasileiros. A jornalista Dora Kramer explicitou muito bem o tamanho atual do
rombo e a desgraça dessa empresa de que muita gente se orgulhava há sessenta
anos.
Em recente artigo, a mencionada jornalista escreveu: “Tantas
o governo fez com a Petrobrás, tanto usou e abusou politicamente da empresa que
acabou criando um passivo que pode se voltar contra seus interesses na campanha
pela reeleição da presidente Dilma Rousseff. Demorou, mas a conta das
festividades chegou. A imagem do então presidente Luiz Inácio da Silva de
macacão e mãos lambuzadas de petróleo anunciando a autossuficiência do Brasil
tendo ao lado a ministra das Minas e Energia, apresentada como responsável pelo
êxito que não se realizou, é um contraponto constrangedor ante a realidade
atual. Perda expressiva do valor de mercado, loteamento de cargos, manejo
artificial de preços e negócios esquisitos como esse da compra da refinaria no
Texas ao custo inicial de US$ 360 milhões para um gasto final de US$ 1,18
bilhão, são alguns dos pontos que o PT - sempre acostumado a usar a Petrobrás
para atacar os adversários - será desafiado a explicar. Não espanta que a
presidente Dilma, quando ministra da Casa Civil e presidente do Conselho de
Administração da Petrobrás, tenha avalizado a compra da refinaria, conforme
revelou o Estado. Afinal,
o negócio só poderia mesmo ter sido realizado com autorização do colegiado que,
de acordo com a ata da reunião realizada em 3 de fevereiro de 2006, tomou a
decisão por unanimidade”.
Este é o lamentável desfecho do monopólio petroleiro no
Brasil. Com objetividade acurada, Gilberto Paim tinha definido os males que o
monopólio da Petrobrás trouxe para o país, nos seguintes termos: “(...) Não faz
sentido que uma empresa internacional pague royalties
e impostos, que somam de 60 a 70% do valor do óleo extraído, como ocorre em
qualquer país estrangeiro onde opere, enquanto a Petrobrás paga aos Estados e
Municípios um royalty equivalente a
cinco por cento do valor da produção, valor por ela arbitrado e pago com atraso,
sem correção monetária. Que deve preferir um governo estadual com autoridade
suficiente para administrar a forma de exploração de seus recursos minerais –
uma empresa estrangeira ou brasileira que lhe pague o valor acima referido, ou
a Petrobrás, com seus 5%? O velho imperialismo petrolífero fez da Petrobrás sua
sucessora nos Estados brasileiros onde opera, espoliando-os. (...) O mundo
mudou. Só a Petrobrás supõe intocável a boa vida que leva, ao operar sem
concorrentes, como sanguessuga do povo brasileiro, hoje bastante menos
hipnotizado do que antes”.
O nosso autor concluía assim a sua arrasadora catilinária
contra o nefasto monopólio petrolífero: “(...) Alguns dirigentes da empresa já
percebem que os dias do monopólio estão contados, ao se convencerem de que a
burocracia extrai vantagens exclusivistas de um estatuto de valor vencido. Nos
dias que correm a China Continental, com a ajuda de empresas estrangeiras,
extrai mais de 4 milhões de barris diários de suas bacias sedimentares,
terrestres e marítimas. Outro grande sinal de mudança está no fato de que os
países ex-comunistas do Leste europeu aderem ao Fundo Monetário Internacional,
ao Banco Mundial e ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio, ressuscitam a
economia de mercado, restauram a propriedade privada e suplicam ao Ocidente
investimentos estrangeiros, a serem aplicados particularmente nas chamadas
áreas de segurança nacional. Pois a segurança está na disponibilidade interna
de produtos escassos. Conservar a Petrobrás monopolista seria uma prova clínica
de avançada esclerose das lideranças nacionais”.
Roberto Campos, no Prefácio que escreveu para a obra de
Gilberto Paim que tenho citado nestas páginas, referiu-se à esclerose das
nossas lideranças nacionais em termos dinossâuricos, com estas palavras
escritas em 1994: “Atrasada em quase tudo, a América Latina foi precoce na
criação de monopólios estatais de petróleo. A primeira foi a Argentina, em 1922,
que é também hoje a mais radical na privatização. Seguiu-se lhe o México, em
1983. A Petrossauro só foi criada em 1953. Um fato curioso é que tanto na
Argentina como no Brasil os ideólogos principais do estatismo petroleiro foram
generais: lá o general Mosconi e aqui, o general Horta Barbosa. Partilharam
ambos duas qualidades encontradiças nos militares latino-americanos –
nacionalismo raivoso e incompetência treinada. Ambos esses cidadãos viam no
petróleo não uma commodity econômica
e sim um misto de símbolo político e unguento religioso. Se os dinossauros
biológicos foram destruídos por um meteoro cósmico, os dinossauros burocráticos
entram em extinção pelo impacto de dois meteoritos e um meteoro econômico. Os
meteoritos foram os dois choques do petróleo (1973 e 1979). O meteoro, que
mudou o clima mundial em desfavor do estatismo, foi o colapso do socialismo, em
1989. Os meteoritos tiveram dois efeitos: deslanchar a busca de novas fontes de
petróleo, flexibilizando-se para isso as restrições nacionalisteiras, e
promover a conservação de energia, reforçada esta por preocupações ecológicas”.
2 – Crítica de Gilberto
Paim ao monopólio da informática.
Um caso típico de burrice coletiva vinculada a uma opção pelo
atraso: assim se pode descrever o clima que tomou conta da alta cúpula do
Estado brasileiro, quando das discussões ensejadas pelo projeto de criação da
Secretaria Especial de Informática ao longo da década que vai de 1975 até 1986.
Em tumultuadas deliberações que mais pareciam sessões inquisitoriais contra o
progresso da tecnologia, num terreno tão sensível como a informática, o Brasil
fez uma opção clara pelo atraso.
O nosso autor descreve o clima de xenofobia monopolística que
se instalou no alto escalão do governo em 1975, no melhor espírito do
patrimonialismo pombalino. Estas são as suas palavras a respeito: “Por mais que
sejam proclamados como reflexo do interesse nacional, certos atos
administrativos se acham tão distanciados da realidade que acabarão colidindo
com esse interesse imaginário. Assim pode ser descrita a trajetória da política
nacional de informática, oficialmente lançada em 1975, mas sem uma clara
definição das linhas principais da política do setor. Essa definição não demoraria
de aparecer, ganhando a marca de intolerância e intransigência, impregnada de
fanatismo. Na residência de um jovem ministro do Governo Geisel reuniram-se, em
1976, algumas figuras do primeiro escalão para deliberar a respeito da intenção
da IBM de produzir no país um microcomputador que fazia sucesso no mercado
externo. Era o IBM-32 que acabou sendo rejeitado pela maioria dos presentes
àquele encontro. Em busca de conciliação, a empresa propôs que o computador
seria fabricado no Brasil apenas para a venda no mercado externo, assumindo
compromisso por escrito de que nenhuma de suas unidades seria colocada no país.
Nova rejeição, apesar de a proposta, se aceita, render divisas numa fase em que
enfrentávamos sérios problemas de balanço de pagamentos. A IBM foi produzi-lo
no Japão, onde o mini ganhou o nome de IBM-36, vendido no mercado interno
japonês e no resto do mundo. Foi um tremendo sucesso de vendas. O mesmo ocorreu
com a proposta da Hewlett Parker de fabricar aqui o seu HP-3000, cuja produção
foi finalmente transferida para o México, a Coréia do Sul e a China Comunista.
Estava consagrada a rejeição. Nenhuma das grandes empresas mundiais de
informática conseguiu autorização para fabricar aqui micro ou minicomputadores.
Estava firmado o grande princípio da autonomia tecnológica, a ser alcançada por
meios próprios, terminantemente excluída a colaboração estrangeira. Seus
iniciadores foram ministros civis. Os militares se encantaram com essa decisão
e assumiram o comando da política, criando, em 1978, a Secretaria Especial de
Informática, SEI, órgão caracterizado por sua intransigência na condução dos
mais variados assuntos da infinita área da eletrônica”.
O nosso autor engajou-se, ao lado do senador Roberto Campos,
na luta em prol de superar esse espírito obscurantista. Gilberto Paim defendia
claramente um ponto de vista liberal: sim à livre empresa! Não ao protecionismo e ao obscurantismo
patrimonialista! Considerava que os pontos de vista do senador, a respeito,
representavam a sensatez e a modernidade, em meio à maré de ignorância que se
levantava contra as liberdades econômicas. O sensato seria colocar o Brasil num
nicho de mercado possível, na dura competição que se estabelecia nos quatro
cantos do planeta, no terreno da informática.
A respeito, escrevia: “Como secretário-parlamentar do senador
Roberto Campos, pude acompanhar de perto a luta que a clarividência do pensador
brasileiro o levou a travar contra o obscurantismo. Na essência, defendia o
senador a instauração de uma política de estímulo à produção de software,
deixando livre a fabricação de computadores, pequenos ou grandes. Aproveitando
e enriquecendo a capacidade nacional de operar no desenvolvimento de soft, abreviaríamos
o tempo necessário ao domínio da parte principal da computação. O país dispunha
de massa crítica de nível universitário para ocupar lugar privilegiado na
produção mundial de programas de computador. Fabricar as máquinas representaria
um espaço em que fabricantes brasileiros deveriam disputar com concorrentes
estrangeiros os mercados interno e externo, ganhando terreno, certamente, as
empresas nacionais que fossem mais ágeis na busca de associação com empresas
estrangeiras de vanguarda na aplicação de tecnologias de ponta. Nos países
desenvolvidos o computador já era peça obrigatória nas escolas de todos os
níveis. Nos Estados Unidos até crianças nos cursos de alfabetização aprendiam a
lidar com essas máquinas. No Brasil dos anos oitenta não havia computador em
nenhuma escola primária ou secundária”.
Gilberto Paim dedicou a obra intitulada: Computador faz política,
à discussão dessas questões. Recordava o nosso autor a fina ironia do senador
Campos quando, comentando a recusa do governo brasileiro à entrada da indústria
cibernética, assinalava os “(...) benefícios que o fechamento do mercado
brasileiro trazia a várias nações, por terem um concorrente a menos. Pois a
Escócia, a Irlanda, a Espanha e outras nações chegavam a subvencionar a
implantação de indústrias de alta tecnologia sem se preocuparem com a origem
dos capitais”.
O problema, para Gilberto Paim, não era apenas do governo
brasileiro. Era também das elites pensantes. Associações profissionais, de
docentes e pesquisadores, fecharam com as propostas retrógradas do governo. “O
atraso é nosso!”, parecia que fosse a consigna de ordem. A respeito, escrevia:
“Roberto Campos parecia uma voz solitária em meio à fanfarra do nacionalismo
tecnológico. A SEI está atrasando o
desenvolvimento nacional de forma criminosa, dizia ele. Mas quem abafava o
seu discurso? Não eram uns poucos militares, mas, pasmem, a Associação Nacional
dos Docentes em Ensino Superior, de braços dados com a União Nacional dos
Escritores e a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de
Comunicação! Como fora criada por decreto, inconstitucional, a SEI precisava de
uma lei para sancionar seus atos antediluvianos, todos formando um modelo de
intransigência hitlerista. Cerca de duas centenas de entidades profissionais
suplicavam ao Congresso Nacional a urgente aprovação do projeto de lei que dava
amplos poderes aos coronéis que dominavam a Secretaria, agindo como verdadeiros
proprietários de um feudo administrativo. Entre essas entidades, além das já
supra citadas, estavam a Associação Brasileira de Imprensa, a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, a Sociedade Brasileira de Computação, a
Federação Nacional dos Engenheiros, a Coordenação Nacional dos Geólogos, a
Sociedade Brasileira de Genética, a Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisas em Ciências Sociais, a Federação Nacional dos Médicos, a Federação
Nacional dos Jornalistas e muitas e muitas outras entidades altamente
representativas de segmentos da sociedade. Eram inumeráveis os sindicatos de
trabalhadores de todo o país que aplaudiam os atos do nacionalismo eletrônico”.
Em que pese essa insensatez coletiva, anotava Gilberto Paim
que “(...) O Brasil estava diante de uma campanha de porte igual à do petróleo é nosso. Durante a tramitação
do projeto de lei de informática, proposição de todo obscurantista, em 1984,
centenas de organizações de todo tipo fizeram chover sobre o Congresso Nacional
memoriais de apoio à política retrógrada da SEI. O atraso cultural brasileiro
pode também ser demonstrado com o fato de que nenhuma das entidades referidas
jamais deu um balanço no rol de prejuízos que a alucinada política de
informática trouxe ao país, como prova de arrependimento por ter contribuído
para causá-los. Os brasileiros provocaram o atraso e, apesar de comprovado esse
fato, os Estados Unidos foram muitas vezes acusados de não desejarem o
progresso do Brasil na área da eletrônica digital”.
Exceção gloriosa ao lado de Roberto Campos e Gilberto Paim,
foi o constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1934-), o “Maneco”,
carinhosamente chamado assim pelos seus discípulos da USP. O nosso autor
sintetizou da seguinte forma o cerne do arrazoado jurídico de Ferreira Filho,
que considerava inconstitucional a lei de informática: “Observava esse
respeitado especialista (...) que, em todas as Constituições brasileiras, está
consagrada a liberdade de trabalho, indústria e comércio, ou o livre exercício
de qualquer espécie de atividade socialmente útil, ou, enfim, a liberdade de
iniciativa. Como primeiro princípio na ordem econômica, acrescentava, a
liberdade de iniciativa significa liberdade
de trabalhar num determinado campo ou de se associar para trabalhar numa
determinada atividade. O primado da iniciativa privada sobre a atuação
econômica do Estado é um preceito constitucional (...). No entanto, dizia o
constitucionalista, o projeto de lei mandado pelo Poder Executivo ao Congresso,
sobre informática, procedia de uma inspiração oposta à decorrente dos
princípios constitucionais apontados (...)”.
O senador Roberto Campos leu o parecer do jurista Ferreira
Filho, perante a Comissão mista do Congresso que examinou o projeto de lei de
informática. Foi boicotado pelos próprios congressistas, que se recusavam a
escutar as razões bem ponderadas de Campos. Gilberto Paim sintetizou assim a
triste circunstância: “Acreditando, não obstante, que os deputados e senadores,
membros da Comissão, ainda poderiam colher o benefício de algum esclarecimento
com a leitura que se fizesse do parecer, o senador Campos pediu e obteve
permissão para ler o documento. Foi instintiva e instantânea a resposta dos
congressistas presentes: os dezesseis que votaram contra a proposição anterior,
fizeram o possível para provar o seu desinteresse pela leitura feita pelo
senador mato-grossense. Todos passaram a falar em voz alta, ou a produzir
ruídos propositais, de costas para o orador. Alguns se movimentaram na direção
dos aparelhos telefônicos, com isso tornando ostensivo o desinteresse pela
leitura penosa de 48 laudas em que se exauria Roberto Campos. Ninguém quis
ouvir uma frase sequer. (...). O projeto ganhou força de lei dando cobertura
plena aos insensatos da SEI”.
Conclusão
Gilberto Paim amargou o ostracismo da grande mídia, a que foi
submetido pela Petrobrás, num episódio somente comparável ao “assassinato de
reputações”
que a era lulopetista instalou no Brasil ou às odiosas devassas pombalinas
contra os que dissentiam do primeiro ministro de Dom José I. A perseguição aos
críticos da empresa patrimonialista é artimanha antiga da burocracia
monopolista, na tradição cartorial luso-brasileira, largamente ilustrada nestas
páginas.
Como foi destacado na primeira parte deste trabalho, Gilberto
Paim nos legou uma caracterização clara e completa do modelo econômico do
pombalismo, centrado no monopólio estatal. Esse modelo, certamente, foi
revivido em vários momentos da nossa história econômica, servindo como núcleo
inspirador das políticas públicas modernizadoras. Modernização, aliás, que,
como no caso pombalino, ficou a meio caminho. Isso em virtude da característica
central do processo modernizador no seio do Estado patrimonial, consistente no
fato de se buscar a racionalização não até atingir uma plena implantação desta,
mas apenas restrita à manutenção, pelo soberano patrimonial, das rédeas do
poder.
Foi o fenômeno apontado pelo economista John Maurice Clarke (1884-1963),
denominado por ele de “racionalidade administrativa variável”.
O Estado patrimonial se moderniza até onde não seja posta em risco a exclusiva
dominação do senhor patrimonial sobre a sociedade. Uma modernização que coloque
em risco o status quo do poder estabelecido não é aceita. Foi por esse motivo
que Pombal aprovou a entrada das idéias de Locke (163-1704), no que dizia
relação a tirar dos jesuítas o controle do ensino, não até o ponto de deixar se
expandir as idéias lockeanas relativas à substituição da monarquia absoluta
pela constitucional. Locke, assim, entrou pela metade no universo
luso-brasileiro. A crítica a essa mutilação foi efetivada, como se sabe, pela
geração dos primeiros liberais que aqui aportaram com D. João VI, entre os
quais sobressaía a figura de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846).
Já no que tange às agruras sofridas pelo nosso autor em
decorrência da sua crítica à tendência estatizante e monopolística, tanto no
caso do petróleo quanto no relativo à informática, Gilberto Paim faz
referência, em “Nota Explicativa” no início da sua obra Petrobrás: um monopólio em fim de
linha, ao caso da fulminante demissão de cioso administrador público,
Geraldo Nóbrega, do cargo de diretor financeiro da distribuidora de derivados
da Petrobrás, que ocupou apenas durante algumas semanas. O pecado? Ter tentado gerir o seu setor com
transparência.
Ora, o pecado de Gilberto consistiu em ter pensado o Brasil a
partir de um ponto de vista liberal, criticando com denodo o monopólio estatal
e defendendo a livre empresa e o bem-estar de todos os brasileiros, bem como as
instituições que garantem o exercício da liberdade, a começar pela
representação. O nosso autor queria um Brasil livre de odiosos monopólios que
só faziam aumentar o tamanho do leviatã patrimonialista.
A crítica de Gilberto Paim ao monopólio petrolífero veio se somar
à de Roberto de Oliveira Campos, no que tange também à criação da SEI. Ambos lutaram
na penosa ação de discutir, com transparência e honestidade, as desvantagens dos
monopólios, tanto o petroleiro quanto o informático.
Se de ambas as empreitadas de crítica ao estatismo Gilberto
Paim e o seu amigo Roberto Campos saíram aparentemente derrotados, as suas
corajosas denúncias e as lúcidas páginas que nos legaram são, hoje, roteiro de
ação para as novas gerações que, nesta conturbada quadra da história
brasileira, tanto nas ruas quanto na web, se organizam e se manifestam exigindo
liberdade e transparência, numa República que ameaça ser engolida pela maré
montante da hegemonia partidária e das práticas patrimonialistas. Permanecem as
lições de cidadania e de coragem intelectual desses dois grandes brasileiros.
Bibliografia Citada
TUMA JÚNIOR, Romeu. Assassinato
de reputações, um crime de Estado (1ª edição), Rio de Janeiro:
Topbooks, 2013.
WITTFOGEL, Karl. Le
despotisme oriental – Étude comparative du pouvoir total. (Trad. de
Micheline Pouteau), Paris: Minuit, 1977.
Bibliografia de Gilberto
Paim
Livros
Amazônia de Pombal sob ameaça. Rio de Janeiro: Escrita, 2006. 2ª
edição revista e renomeada: Amazônia ameaçada. Da Amazônia de Pombal à
soberania sob ameaça. Brasília: Senado Federal, 2009.
Computador faz política. Rio de Janeiro: Associação Promotora
de Estudos Econômicos, 1985.
De Pombal à abertura dos portos. Rio de Janeiro: Escrita, 2011.
Industrialização e economia natural. Rio de Janeiro: ISEB, 1957.
João Figueiredo: missão cumprida. (Gilberto Paim, organizador). Rio de
Janeiro: Escrita, 2005.
O estoque brasileiro de capital segundo sua origem. Rio de
Janeiro, 1975.
O filósofo do pragmatismo: atualidade de Roberto Campos. Rio de Janeiro: Editorial Escrita,
2002.
Petrobrás: um monopólio em fim de linha. (Prefácio de Roberto Campos). Rio de
Janeiro: Topbooks. 1994.
Artigos de Gilberto
Paim publicados na revista Carta Mensal
A confiança como âncora do Real. Carta Mensal, Rio de
Janeiro, v. 41, n. 492, p. 69-74, mar. 1996.
A contrarrevolução de 1964. Carta Mensal, Rio de Janeiro,
v.55, n.659, p. 27-45, fev. 2010.
A crise do setor
elétrico. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 49, n. 579, p. 71-87, jun.
2003.
A dura liberdade da conquista. Carta Mensal, Rio de
Janeiro, v.51, n.604, p. 55-66, jul. 2005.
A expulsão dos jesuítas na Era Pombalina: tema nebuloso. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v.51, n.613, p. 74-93, abr. 2006.
Alternativas brasileiras. Carta Mensal, Rio de
Janeiro, v. 48, n. 574, p. 44-53, jan. 2003.
Antecedentes de uma grave crise política. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v.55, n.651, p. 73-87, jun. 2009.
Armamentismo de Chávez. Carta Mensal, Rio de Janeiro,
v.52, n.624, p. 42-65, mar. 2007.
A Sudene de Celso Furtado. Carta Mensal, Rio de
Janeiro, v.51, n.606, p. 3-15, set. 2005.
A teoria do isolamento à luz do Nafta. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v. 47, n. 562, p. 37-48, jan. 2002.
Conspiração ativa contra a Amazônia. Carta Mensal, Rio
de Janeiro, v.53, n.629, p. 3-18, ago. 2007.
Contas individuais na Previdência. Carta Mensal, Rio
de Janeiro, v.53, n.627, p. 69-80, jun. 2007.
Do socialismo Fabiano ao desastre Keynesiano. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v.53, n.632, p. 3-17, nov. 2007.
Formação de um potencial revolucionário. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v. 39, n. 461, p. 55-63, ago. 1993.
Fracassada iniciativa estatal de um bilhão e meio de dólares.
Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 39, n. 464, p. 13-20, nov. 1993.
Graves equívocos na historiografia luso-brasileira. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v.52, n.621, 22-43, dez. 2006.
Informação para desvendar: O mistério Amazônico. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v. 48, n. 567, p. 26-44, jun. 2002.
Lucas Lopes e a eletrificação brasileira. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v. 42, n. 501, p. 53-70, dez. 1996.
MST-FARC: uma analogia perigosa. Carta Mensal, Rio de
Janeiro, v.56, n.661, p. 58-77, abr. 2010.
Novos critérios de avaliação da situação econômica
brasileira. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 43, n. 502, p. 65-70, jan.
1997.
Novos horizontes da economia petrolífera. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v. 40, n. 476, p. 57-67, nov. 1994.
O fator humano na expansão do sistema elétrico. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v. 43, n. 509, p. 11-26, ago. 1997.
O grevismo a serviço do atraso: Assembleias minúsculas ou
inexistentes decretam a paralisação do ensino superior. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v.51, n.611, p. 55-63, fev. 2006.
O realismo de Juarez diante da questão do petróleo. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v. 38, n. 452, p. 40-54, nov. 1992.
O populismo como via para a Ditadura. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v. 48, n. 565, p. 26-41, abril 2002.
Os desafios do comércio com a China. Carta Mensal, Rio
de Janeiro, v.56, n.681, p. 54-72, dez. 2011.
Petróleo: o deslocamento do poder. Carta Mensal, Rio
de Janeiro, v.56, n.677, ago. 2011.
Programa do PT: modelo de retrocesso político. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v.56, n.663, p. 37-55, jun. 2010.
Questões da transição demográfica: população, desenvolvimento
e meio ambiente. Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 43, n. 506, p. 77-86,
maio 1997.
Questões polêmicas da revisão constitucional. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v. 39, n. 466, p. 3-14, jan. 1994.
Reforma tributária para sustentação do Real. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v. 41, n. 486, p. 19-32, set. 1995.
Reservas indígenas - Nacionalismo versus Populismo. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v.54, n.640, p. 3-21, jul. 2008.
Roberto Campos - diplomata, economista e político. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v.51, n.609, 74-91, dez. 2005.
Sobre a República Socialista Ianomâmi. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v. 41, n. 485, p. 3-13, ago. 1995.
Temas atuais de Roberto Campos: Fundamentalismo Nativista. Carta
Mensal, Rio de Janeiro, v. 48, n. 569, p. 3-24, ago. 2002.
Uma radiografia do crédito estatizado. Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v. 39, n. 468, p. 54-67, mar. 1994.